61991J0048

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 10 DE NOVEMBRO DE 1993. - REINO DOS PAISES BAIXOS CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - APURAMENTO DAS CONTAS FEOGA - EXERCICIO 1988. - PROCESSO C-48/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-05611


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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Agricultura ° FEOGA ° Apuramento de contas ° Montantes a pagar ao Fundo por um Estado-membro a título de taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais ° Poder de controlo da Comissão quanto à correcta aplicação da regulamentação agrícola ° Recurso à comparação das contas apresentadas com dados estatísticos ° Admissibilidade ° Surgimento de uma dúvida razoável ° Ónus da prova a cargo de um Estado-membro ° Substituição das contas apresentadas por dados estatísticos ° Inadmissibilidade

(Regulamento n. 729/70 do Conselho, artigos 5. e 9. )

Sumário


Quando, no processo de apuramento de contas do FEOGA, relativamente ao qual nem pelos considerandos nem pelo disposto no Regulamento n. 729/70 se verifica qualquer diferença em função de se tratar de despesas a financiar pelo FEOGA ou de receitas a cobrar por este, a Comissão decide não aceitar os números comunicados por um Estado-membro, pelo facto de a regulamentação comunitária respeitante às despesas e às receitas ° como a taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais ° que rege os diferentes sectores da política agrícola comum não ter sido correctamente aplicada pelas autoridades nacionais, não está obrigada a demonstrar de modo exaustivo a irregularidade dos dados que lhe foram transmitidos; basta que apresente um elemento de prova da existência de uma dúvida séria e razoável quanto aos números comunicados pelas administrações nacionais. Esta facilitação da exigência da prova a fazer pela Comissão explica-se pelo facto de ser o Estado-membro que está melhor colocado para recolher e verificar os dados necessários ao apuramento das contas, e ao qual incumbe, consequentemente, apresentar a prova mais detalhada e completa possível da veracidade dos seus números e, se for caso disso, da inexactidão dos cálculos da Comissão.

Quando a Comissão verifica uma discordância entre as contas e os dados estatísticos ° que, tendo em conta a natureza e a finalidade destes, são inevitavelmente aproximativos e só de forma limitada podem reflectir as situações reais ° apresentados por um Estado-membro, não pode afastar pura e simplesmente essas contas e proceder ao apuramento baseando-se nesses dados estatísticos. Estes dados só valem como um meio indirecto de verificação, na acepção do artigo 9. , n. 1, do Regulamento n. 729/70, a partir do qual a Comissão pode alegar uma dúvida razoável que obriga o Estado-membro a apresentar provas do respeito da regulamentação comunitária e da existência de um sistema de controlo fiável, capaz de afastar essa dúvida.

Partes


No processo C-48/91,

Reino dos Países Baixos, representado por J. W. de Zwaan e T. Haukels, consultores jurídicos adjuntos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo,

recorrente,

apoiado por

República Francesa, representada por P. Pouzoulet, subdirector da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e C. Chavance, assessor principal da administração central no mesmo ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada de França, 9, boulevard du Prince Henri,

e

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por J. E. Collins, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Thomas van Rijn, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de N. Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação parcial da Decisão 90/644/CEE da Comissão das Comunidades Europeias, de 30 de Novembro de 1990, relativa ao apuramento das contas apresentadas pelo Reino dos Países Baixos a título das despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Secção Garantia, para o exercício financeiro de 1988 (JO L 350, p. 82),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. F. Mancini, presidente das Segunda e Sexta Secções, exercendo funções de presidente, J. C. Moitinho de Almeida e M. Díez de Velasco, presidentes de secção, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg, P. J. G. Kapteyn e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz

secretário: L. Hewlett, administradora

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 2 de Março de 1993,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Abril de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 1 de Fevereiro de 1991, o Governo do Reino dos Países Baixos pediu, ao abrigo do disposto no artigo 173. , primeiro e terceiro parágrafos do Tratado CEE, a anulação parcial da Decisão 90/644/CEE da Comissão, de 30 de Novembro de 1990, relativa ao apuramento das contas dos Estados-membros a título das despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Secção Garantia, para o exercício financeiro de 1988 (JO L 350, p. 82).

2 Com o objectivo de alcançar um melhor equilíbrio do mercado dos cereais e de controlar o seu crescimento, o Regulamento (CEE) n. 1579/86 do Conselho, de 23 de Maio de 1986, que alterou o Regulamento (CEE) n. 2727/75 que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (JO L 139, p. 29), instituiu, com efeitos a partir de 1 de Julho de 1986, uma taxa de co-responsabilidade que é cobrada pelos organismos nacionais competentes e paga ao FEOGA. Essa taxa é aplicável aos cereais produzidos na Comunidade quando estes são transformados pela primeira vez, comprados à intervenção ou exportados sob a forma de grãos.

3 Verifica-se pelos autos que, aquando da realização do inquérito destinado a verificar se a taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais tinha sido correctamente aplicada e integralmente paga pelos Estados-membros relativamente à campanha de 1987/1988, a Comissão apurou a existência de uma diferença entre as quantidades de cereais sujeitas à taxa de co-responsabilidade e a taxa efectivamente cobrada nos Países Baixos. Também está provado que, para efectuar esses cálculos, a Comissão se baseou essencialmente em dados estatísticos de várias fontes. Terá utilizado tanto os números comunicados pelos Estados-membros ao Eurostat como dados recolhidos por organismos privados e números directamente obtidos junto dos serviços do Estado-membro em causa.

4 Contestando o método estatístico assim escolhido pela Comissão, o Governo neerlandês apresentou-lhe novos números que a Comissão rejeitou por os considerar inexactos. Tendo em conta este desacordo, o serviço de contabilidade do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas neerlandês, com a aprovação da Comissão, foi encarregado de proceder a um inquérito sistemático para verificar se a taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais tinha sido integralmente cobrada e paga ao organismo de intervenção.

5 Através deste inquérito, os cálculos efectuados pela Comissão revelaram-se igualmente inexactos, mesmo apenas com base no método estatístico. A Comissão rectificou portanto os seus números, de tal modo que a diferença entre o balanço proposto por esta instituição, por um lado, e o Governo neerlandês, por outro, ficou reduzida a um montante de 708 540 HFL, que constituem o objecto do presente litígio.

6 Em apoio do seu recurso, o Reino dos Países Baixos invoca dois fundamentos baseados, por um lado, em violação das disposições de aplicação do Tratado, entre as quais o Regulamento (CEE) n. 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220) e o Regulamento (CEE) n. 1723/72 da Comissão, de 26 de Julho de 1972, relativo ao apuramento das contas do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Secção "Garantia" (JO L 186, p. 1; EE 03 F6 p. 70), e em abuso de poder e, por outro, em violação do princípio da diligência ou de qualquer outro princípio geral de direito reconhecido pela ordem jurídica comunitária.

7 Por despachos de 19 de Junho de 1991, o Reino Unido e a República Francesa foram admitidos a intervir em apoio da posição dos Países Baixos.

8 Para mais ampla exposição dos factos, do desenrolar do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos só serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

9 Antes de examinarmos os fundamentos alegados, convém lembrar o enquadramento jurídico do litígio.

10 O apuramento de contas do FEOGA é efectuado pela Comissão com base nos dados constantes das contas anuais, bem como nos documentos justificativos necessários ao seu apuramento transmitidos pelos Estados-membros, nos termos do disposto no artigo 5. do Regulamento n. 729/70, já referido. A Comissão pode, no entanto, recolher outros elementos e realizar os controlos que julgue necessários, incluindo verificações locais, nos termos do artigo 9. , n. 1, do Regulamento n. 729/70, já referido.

11 A gestão do financiamento do FEOGA assenta principalmente nas administrações nacionais às quais incumbe zelar pelo estrito cumprimento das regras comunitárias. Este regime, estabelecido na base da confiança, não implica nenhum controlo sistemático por parte da Comissão ° que esta estaria, aliás, materialmente impossibilitada de efectuar (v. acórdão de 27 de Janeiro de 1988, Dinamarca/Comissão, 349/85, Colect., p. 169, n. 19). Com efeito, só o Estado-membro pode conhecer e determinar com precisão os dados necessários à elaboração das contas do FEOGA, não estando a Comissão suficientemente próxima para obter as informações de que necessita junto dos agentes económicos.

12 De onde resulta que a Comissão actua com base em dados transmitidos pelos Estados-membros, dados que pode verificar no quadro de inquéritos, para poder, se for caso disso, confirmar ou infirmar a sua exactidão.

13 O objectivo das decisões da Comissão relativas ao apuramento das contas apresentadas pelo Estados-membros a título de despesas financiadas pelo FEOGA é o de verificar e declarar que as despesas foram efectuadas pelos serviços nacionais de acordo com as regras comunitárias (v. acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Recueil, p. 321, n. 9).

14 Desta forma, e como o Tribunal já o tem salientado, só são financiadas pelo FEOGA as restituições concedidas e as intervenções empreendidas segundo as regras comunitárias, no âmbito da organização comum dos mercados agrícolas (v. designadamente os acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, Países Baixos/Comissão, 11/76, Recueil, p. 245, n. 8, e França/Comissão, já referido, n. 10, e acórdão de 24 de Março de 1988, Reino Unido/Comissão, 347/85, Colect., p. 1749, n. 11).

15 É ponto assente igualmente que não podem ser financiados pelo FEOGA, devendo em qualquer caso permanecer a cargo do Estado-membro em causa, os encargos suplementares resultantes de medidas nacionais susceptíveis de comprometer a igualdade de tratamento dos operadores económicos no interior da Comunidade e de falsear assim as condições de concorrência entre os Estados-membros (v. nomeadamente o acórdão Reino Unido/Comissão, 347/85, já referido, n. 12).

16 Deve lembrar-se, por último, que, quando a Comissão recusa imputar ao FEOGA determinadas despesas devido ao facto de terem sido provocadas por infracções à regulamentação comunitária da responsabilidade de um Estado-membro, compete a este Estado demonstrar que estão reunidas as condições para obter o financiamento recusado pela Comissão (v. acórdão Reino Unido/Comissão, já referido, n. 14).

17 A Comissão está efectivamente obrigada não a demonstrar de modo exaustivo a irregularidade dos dados transmitidos pelos Estados-membros, mas a apresentar elementos de prova da existência de uma dúvida séria e razoável quanto aos números comunicados pelas administrações nacionais. Esta facilitação da exigência da prova a fazer pela Comissão explica-se pelo facto de, como foi lembrado acima (n. 11), ser o Estado que está melhor colocado para recolher e verificar os dados necessários ao apuramento das contas do FEOGA, e ao qual incumbe, consequentemente, apresentar a prova mais detalhada e completa possível da veracidade dos seus números e, se necessário for, da inexactidão dos cálculos da Comissão.

18 Resulta de quanto precede que, em caso de contestação, incumbe à Comissão provar a existência de uma violação das regras da organização comum dos mercados agrícolas e, quando essa prova for feita, incumbe ao Estado-membro demonstrar, se for caso disso, que a Comissão cometeu um erro quanto às consequências financeiras daí decorrentes (v. acórdão de 19 de Fevereiro de 1991, Itália/Comissão, C-281/89, Colect., p. I-347, n. 19).

19 É à luz do conjunto destes princípios que se devem analisar os fundamentos invocados pelo Reino dos Países Baixos.

20 Segundo o Governo neerlandês, a Comissão infringiu os artigos 5. e 9. do Regulamento n. 729/70, já referido, ao apurar as contas do FEOGA unicamente com base em dados estatísticos não previstos por essas disposições, sem ter em conta a documentação justificativa enviada para o efeito pelos serviços neerlandeses, nos termos do artigo 5. deste regulamento, e sem proceder às verificações e inquéritos previstos no artigo 9. Alega que, nestas condições, a Comissão não tinha legitimidade para corrigir os números transmitidos pelos seus serviços, pelo facto de estes não corresponderem aos dados estatísticos.

21 A Comissão justifica o recurso às estatísticas, por um lado, pela necessidade de apurar as contas agrícolas para todos os Estados-membros com base em critérios eficazes e uniformes. Ora, só as estatísticas permitiam chegar a esse resultado. A Comissão considera, com efeito, que os métodos utilizados para efeitos de controlo das despesas, em que os beneficiários são identificáveis e em que as condições da concessão podem ser verificadas, não são susceptíveis de transposição para o controlo das receitas, visto que a contabilidade só refere os operadores que pagaram a taxa, não permitindo encontrar aqueles que eventualmente a ela tenham sido subtraídos. Só o método estatístico contestado permite, portanto, traduzir a situação real. A Comissão faz notar, por outro lado, que esses dados estatísticos se baseiam em factos objectivos, susceptíveis de verificação, salvo os respeitantes ao autoconsumo das unidades de produção e às vendas entre produtores que, de qualquer modo, foram excluídos do cálculo da quantidade sujeita à taxa. A Comissão declara, finalmente, que não lhe é possível recorrer a outros métodos para o apuramento das contas, porque não dispõe de capacidade financeira e material suficiente para verificar todas as operações efectuadas no interior dos Estados-membros.

22 Tendo em conta estes argumentos, convém lembrar os seguintes factos. Em primeiro lugar, a taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais, tal como esta é prevista pelo artigo 4. , n. 4, do Regulamento n. 2727/85, já referido, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n. 1579/86, já referido, é considerada como "fazendo parte das intervenções destinadas à regularização dos mercados agrícolas no sector dos cereais e é afectada ao financiamento das despesas do sector dos cereais". Resulta, por outro lado, das disposições conjugadas do artigo 3. , n. 1, e do artigo 1. , n. 2, alínea b), do Regulamento n. 729/70, já referido, que as intervenções destinadas à regularização dos mercados agrícolas se enquadram no seu âmbito de aplicação.

23 Convém salientar, em segundo lugar, que nem dos considerandos nem das disposições do Regulamento n. 729/70 resulta qualquer diferença de procedimento no apuramento de contas em função de se tratar de despesas a financiar pelo FEOGA ou de receitas a cobrar por este organismo. Pelo contrário, resulta claramente do último parágrafo do artigo 5. , n. 1 deste mesmo regulamento que ele se aplica a todas as operações financiadas pela Secção "Garantia", incluindo as intervenções destinadas à regularização dos mercados, entre as quais se encontra a taxa de co-responsabilidade.

24 Há que admitir, por último, que, tendo em consideração a sua natureza e as suas finalidades, os dados estatísticos são inevitavelmente aproximativos e, portanto, não reflectem as situações reais se não com um grau de precisão limitado. Segundo a Comissão, a margem de erro, devida precisamente à utilização desses dados, foi consideravelmente reduzida no caso em apreço pelas correcções efectuadas com base em comparações entre dados de origens diferentes por ela obtidos e pelas conversações a este respeito com as autoridades nacionais. Deve referir-se a este propósito que o Governo neerlandês ° que não foi contestado neste ponto pela Comissão ° observa que todos os dados utilizados por esta instituição tinham a sua origem em dados da administração neerlandesa. Ora, a comparação de dados com uma mesma origem não pode ser considerada uma garantia de objectividade. Quanto às conversações com as autoridades neerlandesas, deve salientar-se que, como a Comissão reconheceu na audiência, tais conversações apenas incidiram sobre as diferenças entre os seus próprios números e os da administração neerlandesa elaborados segundo o método estatístico. Assim, essas trocas de pontos de vista não podiam levar a correcções significativas na margem de erro inerente à utilização de dados aproximativos.

25 Deve sublinhar-se, em quarto lugar, no que se refere à impossibilidade por razões financeiras invocada pela Comissão de recorrer a outros métodos de controlo, que ao adoptar o Regulamento n. 729/70, já referido, o Conselho estava consciente dos limites de um processo como o do apuramento de contas do FEOGA. Com efeito, ao prever que este seria efectuado com base nas contas anuais apresentadas pelos Estados-membros, bem como nos documentos justificativos necessários ao seu apuramento, deixando embora à Comissão a possibilidade de recorrer a outros métodos, como as verificações locais, o Conselho pretendeu assegurar a esta instituição a consulta de dados fiáveis, que só certos organismos, como é o caso das administrações nacionais, podem deter, e a possibilidade de comparar, por quaisquer meios, os números assim obtidos dos Estados-membros com outros dados, de modo a poder confirmar ou infirmar a exactidão dos primeiros.

26 Deve sublinhar-se, em quinto lugar, que o recurso às estatísticas não pode ser considerado como um critério de verificação uniforme das operações a cargo do FEOGA realizadas nos Estados-membros, dado que cada Estado contabiliza essas operações de modo diferente. Basta salientar a este respeito que resulta dos autos que o método utilizado nos Países Baixos para contabilizar as exportações difere significativamente do utilizado noutros Estados-membros. As estatísticas elaboradas pelos serviços neerlandeses não podem, nestas condições, ser comparadas às efectuadas pelos outros Estados-membros ou pela Comissão.

27 Decorre claramente do sistema instituído pelo Regulamento n. 729/70, e designadamente dos seus artigos 5. e 9. , que o Conselho pretendeu precisamente estabelecer um processo uniforme para todos os Estados-membros para o apuramento das contas agrícolas, consistente na adopção de uma base de cálculo comum, ou seja, as contas anuais apresentadas por cada um dos Estados-membros e os documentos necessários ao seu apuramento. Como o indica o artigo 9. deste regulamento, não se exige à Comissão automatismo ou uniformidade no recurso aos métodos de controlo e de verificação dos dados transmitidos pelos Estados-membros. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal precisa (v. acórdão de 21 de Fevereiro de 1989, Grécia/Comissão, 214/86, Colect., p. 367) que a Comissão não tem por missão verificar a regularidade de cada medida de intervenção a partir da sua execução, mas que tem o direito de utilizar o poder de controlo que lhe é atribuído pelo artigo 9. do mesmo regulamento a todo o momento e, designadamente, quando recebe informações que lhe permitem duvidar da eficácia dos controlos nacionais.

28 Deve, portanto, considerar-se que o método estatístico só pode ser utilizado pela Comissão como um dos meios indirectos de verificação referidos no artigo 9. , n. 1, do Regulamento n. 729/70. Mas este método, que não apresenta aliás um grau de fiabilidade suficiente para servir de base ao apuramento das contas das despesas agrícolas a cargo do FEOGA, não pode, em nenhum caso, substituir-se ao previsto no artigo 5. do mesmo regulamento, ou seja, "a análise das contas anuais, acompanhadas de documentos necessários ao seu apuramento". Em consequência, a Comissão não pode rectificar os dados transmitidos pelos Estados-membros, pelo simples facto de estes não concordarem com os dados estatísticos na sua posse.

29 Como segundo fundamento, intimamente ligado ao primeiro, afirma-se no recurso que, dado que a Comissão se baseou, para o apuramento de contas, essencialmente em dados estatísticos, a Decisão 90/644 é ilegal. Com efeito, a Comissão não teria o direito de imputar aos Países Baixos uma responsabilidade decorrente da má gestão das intervenções do FEOGA, pelo simples facto de os números apresentados pelas autoridades nacionais não serem idênticos aos dados estatísticos do Eurostat que, pela sua natureza, são apenas números estimativos. Tendo em consideração que nos Países Baixos se encontra instituído um sistema administrativo e de controlo para a correcta aplicação da taxa de co-responsabilidade, para poder rectificar as contas apresentadas pelo Governo neerlandês, a Comissão deveria ter apresentado provas da inexactidão dos números da administração neerlandesa. A Decisão 90/644 não contém nenhuma consideração sobre este ponto; de onde resulta que a Comissão não recorreu a todos os meios previstos pelo Regulamento n. 729/70 para verificar as contas apresentadas pelos Países Baixos, e nomeadamente às verificações locais e às comparações dos livros de registo ou outros documentos contabilísticos, violando desta forma o seu dever de diligência.

30 Para responder a esta argumentação, deve referir-se, em primeiro lugar, que, ao contrário do que sustenta o Governo neerlandês, a Comissão não é obrigada a citar para sustentar as suas conclusões casos individuais em que tenha verificado que a cobrança não foi efectuada, exigência esta que, a não ser cumprida, implicaria a impossibilidade de provar a existência de violação da regulamentação e de efectuar rectificações. A Comissão pode efectivamente justificar as suas dúvidas baseando-se na análise das contas anuais e dos documentos necessários ao apuramento destas, ou em informações não nominativas recolhidas durante as verificações efectuadas no Estado-membro em causa.

31 Com efeito, não se pode deduzir do acórdão de 12 de Junho de 1990, Alemanha/Comissão (C-8/88, Colect., p. I-2321), que a inexistência de casos individuais nos quais a Comissão tenha verificado a violação da regulamentação comunitária basta para comprovar que o sistema de controlo instituído por um Estado-membro responde às exigências dessa regulamentação.

32 Pelo contrário, como se sublinha no n. 42 do referido acórdão, a identificação de casos individuais em que a Comissão verifique o desrespeito da regulamentação agrícola aplicável constitui apenas um elemento, entre outros, de justificação da sua crítica à eficácia do sistema de vigilância e de controlo utilizado pelo Estado-membro.

33 Do mesmo modo, como resulta do n. 44 do mesmo acórdão, o facto inverso de a Comissão não apresentar provas referentes a casos individuais nos quais a regulamentação agrícola não tenha sido respeitada não significa de modo nenhum que o sistema de controlo existente no Estado-membro garante a aplicação correcta dessas disposições. Esses casos individuais constituem, porém, um elemento suplementar que pode corroborar as críticas da Comissão quanto à eficácia do sistema de controlo do Estado-membro.

34 Em segundo lugar, é necessário examinar se os dados que a Comissão foi buscar às estatísticas da Eurostat reúnem as condições de objectividade e de precisão requeridas para servir de base ao apuramento das contas do FEOGA.

35 Deve sublinhar-se a este respeito que no ponto 4.2.2.2.3 do relatório de síntese, a Comissão expôs as razões que, do seu ponto de vista, justificam a adopção do método estatístico para efeitos de apuramento das contas do FEOGA no sector dos cereais. Declara nomeadamente que "cada estatística utilizada no estudo corresponde a uma situação real num Estado-membro e foi comunicada por esse Estado-membro ao serviço estatístico da Comunidade". Dito de outro modo, para a Comissão, os dados estatísticos que utilizou no apuramento de contas foram calculados com base em números correctos, visto que foram apresentados e comunicados pelos Estados-membros. As estatísticas deveriam, portanto, ter um valor semelhante ao das contas anuais transmitidas pelos Estados-membros. Sublinha, além disso, que o próprio Governo neerlandês admitiu que os números por ele inicialmente apresentados para efeitos de apuramento de contas para o exercício de 1988 continham erros.

36 No caso em apreço, é pacífico que os números apresentados pelo Países Baixos para o apuramento de contas e os que enviou ao Eurostat, mesmo se estes últimos implicam uma inevitável margem de erro, própria das estatísticas, são sensivelmente diferentes. Como sublinhou a Comissão, sem ser contestada pelos Países Baixos, os dados que o Governo neerlandês transmite ao Eurostat são enviados mais de um ano após as operações a que se referem e podem, consequentemente, ser verificados e rectificados antes de serem transmitidos ao Eurostat. Devemos admitir, como a Comissão, que a diferença entre as duas categorias de dados bastava pra criar dúvidas justificadas sérias em relação à contabilidade apresentada pelos Países Baixos para o apuramento das contas do FEOGA na campanha em causa.

37 Deve verificar-se, porém, se os Países Baixos efectuaram diligências para demonstrar a inexactidão das consequências financeiras que a Comissão tinha retirado da diferença entre os vários números transmitidos pelo Governo neerlandês. Como foi referido acima (n. 4), na sequência das reuniões entre os funcionários neerlandeses e os da Comissão, o Governo neerlandês encarregou o serviço de contabilidade do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas de proceder a um inquérito sistemático para verificar se a taxa de co-responsabilidade cerealífera tinha sido integralmente cobrada e paga ao organismo competente. Ora, os resultados deste inquérito confirmaram a correcção desses últimos números apresentados pelos Países Baixos.

38 A Comissão responde que este inquérito tinha na realidade como objectivo não o de verificar se a taxa de co-responsabilidade cerealífera tinha sido integralmente cobrada nos Países Baixos, mas apenas apurar se o sistema neerlandês tinha permitido e permitia cobrar correctamente a taxa em questão. Além disso, o inquérito limitou-se à revisão dos livros e dos documentos de contabilidade nas empresas e nos organismos públicos e privados dos Países Baixos. Ora, não oferece dúvidas que as fraudes não são lançadas nos livros ou na contabilidade das empresas.

39 Para verificar a bondade destes argumentos, deve examinar-se o sistema de controlo instituído nos Países Baixos para garantir a cobrança da taxa de co-responsabilidade dos cereais. Como afirmou a este propósito o Governo neerlandês nos seus articulados e na audiência, sem ser contestado pela Comissão, as autoridades do país elaboraram um sistema de registo de todas as empresas que poderiam ser sujeitas à taxa, gerido pelo "Hoofdproduktschap voor Akkerbouwprodukten". No ano em causa, este organismo e o serviço de inspecção do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas neerlandês, efectuaram fiscalizações de 90% dos livros de contabilidade de todas as empresas de transformação assim registadas.

40 O inquérito posteriormente levado a cabo pelo ministério referido consistiu na revisão e no controlo dos números mais uma vez e não se limitou de modo nenhum à apreciação do controlo efectuado a este respeito pela administração financeira do Hoofdproduktscap voor Akkerbouwprodukten. Incidiu igualmente sobre as declarações periódicas das empresas registadas quanto às quantidades transformadas ou não transformadas, bem como sobre a correcção do tratamento administrativo dessas declarações e dos certificados relativos às quantidades isentas. O inquérito teve como objectivo, por último, verificar o cumprimento da obrigação da taxa de co-responsabilidade pelas empresas, no quadro das verificações locais, e fazer uma avaliação da estrutura e do funcionamento da organização administrativa e do controlo interno neerlandês.

41 Deve concluir-se do exame do inquérito conduzido pelos serviços do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas neerlandês, tal como este resulta dos autos, e tendo em conta as circunstâncias inerentes ao processo, bem como o tempo decorrido entre os factos e as operações que foram objecto do controlo, que este foi realizado com um carácter exaustivo e sistemático suficiente para eliminar as dúvidas levantadas pela Comissão.

42 Quanto à afirmação de que as fraudes não são lançadas nos documentos, deve reconhecer-se que, não sendo destituída de lógica, não há dúvida de que o controlo das actividades e das operações já realizadas só pode ser efectuado com base nos documentos existentes, na sua verificação e na sua comparação. Convém aliás recordar a este propósito que, como a Comissão reconheceu, a validade das estatísticas que apresentou assenta no facto de que quase todas elas podem ser verificadas graças aos documentos. Finalmente, a ter havido algumas fraudes não detectadas pelos serviços neerlandeses, também não poderiam sê-lo pela tomada em consideração de dados estatísticos que têm a sua origem precisamente nos dados estabelecidos por esses serviços.

43 Nestas condições, deve concluir-se que os Países Baixos fizeram prova suficiente de que a Comissão tirou conclusões erradas das dúvidas resultantes das diferenças entre os diversos números transmitidos pelo Governo neerlandês.

44 Deve, por conseguinte, anular-se a Decisão 90/644 da Comissão, na parte em que esta recusa imputar ao FEOGA um montante de 708 540 HFL.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

45 Por força do disposto no n. 2 do artigo 69. do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas.

46 Nos termos do disposto no n. 4 do artigo 69. do Regulamento de Processo, o Reino Unido e a República Francesa, intervenientes em apoio da posição do Reino dos Países Baixos, suportarão as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1) A Decisão 90/644/CEE da Comissão, de 30 de Novembro de 1990, relativa ao apuramento das contas dos Estados-membros a título das despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), Secção "Garantia", para o exercício financeiro de 1988, é anulada na parte em que recusa imputar ao FEOGA o montante de 708 540 HFL.

2) A Comissão é condenada nas despesas.

3) O Reino Unido e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.