ACORDAO DO TRIBUNAL (QUINTA SECCAO) DE 4 DE JUNHO DE 1992. - PROCESSO-CRIME CONTRA MICHEL DEBUS. - PEDIDOS DE DECISAO PREJUDICIAL: PRETURA CIRCONDARIALE DI PORDENONE E PRETURA CIRCONDARIALE DI VIGEVANO - ITALIA. - MEDIDAS DE EFEITO EQUIVALENTE - CERVEJA - ANIDRIDO SULFUROSO. - PROCESSOS APENSOS C-13/91 E C-113/91.
Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-03617
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
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1. Livre circulação de mercadorias - Derrogações - Protecção da saúde pública - Regulamentação relativa à utilização de aditivos alimentares - Justificação - Condições e limites - Proibição geral e absoluta de comercializar cervejas contendo uma quantidade de dióxido de enxofre superior a 20 mg/l - Inadmissibilidade
(Tratado CEE, artigos 30. e 36. )
2. Direito comunitário - Efeito directo - Conflito entre o direito comunitário e uma lei nacional - Obrigações e poderes do juiz nacional que aprecia o litígio - Não aplicação da lei nacional, mesmo posterior
1. Tendo em conta as incertezas que subsistem no estádio actual da investigação científica em matéria de aditivos alimentares e a falta de harmonização completa das legislações nacionais, os artigos 30. e 36. do Tratado não se opõem a uma regulamentação nacional que restrinja a utilização dessas substâncias e fixe um limite de utilização de um determinado aditivo para certos produtos.
Ao aplicar essa regulamentação aos produtos importados contendo uma quantidade de aditivos que ultrapassa o limite autorizado pela regulamentação do Estado-membro de importação quando essa quantidade é autorizada no Estado-membro de produção, as autoridades nacionais devem, no entanto, tendo em conta o princípio da proporcionalidade que está na base do último período do artigo 36. , limitar-se ao que é efectivamente necessário à protecção da saúde pública. Por esta razão, a utilização de um determinado aditivo, admitido noutro Estado-membro, deve ser autorizada quanto aos produtos importados desse Estado, desde que, tendo em conta, por um lado, os resultados da investigação científica internacional, e especialmente os trabalhos do Comité Científico Comunitário da Alimentação Humana e da Comissão do Codex alimentarius da FAO e da Organização Mundial de Saúde, e, por outro, os hábitos alimentares no Estado-membro de importação, esse aditivo não represente um perigo para a saúde pública e corresponda a uma necessidade real, nomeadamente de ordem tecnológica. Este último conceito deve ser apreciado em função das matérias-primas utilizadas tendo em conta a apreciação que foi feita pelas autoridades do Estado-membro de produção e os resultados da investigação científica internacional.
Conclui-se que os artigos 30. e 36. do Tratado se opõem a um legislação nacional que proíbe, de modo geral e absoluto, a comercialização de cervejas importadas de outro Estado-membro em que são legalmente comercializadas, quando contenham uma quantidade de dióxido de enxofre superior a 20 mg/l, dado que é um facto que a absorção de dióxido de enxofre devida ao consumo de determinadas dessas cervejas não envolve riscos sérios de ultrapassagem dos limites da dose máxima diária de dióxido de enxofre autorizada pela FAO e pela OMS e que a legislação do Estado-membro de importação autoriza a utilização do dióxido de enxofre em proporções muito mais elevadas relativamente a outras bebidas, das quais uma é objecto no Estado-membro em causa de um consumo mais importante do que o da cerveja.
2. O juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas deixando se necessário de aplicar, por sua própria iniciativa, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou de esperar a eliminação prévia desta por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional.
Nos processos apensos C-13/91 e C-113/91,
que têm por objecto dois pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela Pretura circondariale di Pordenone (Itália) (no processo 13/91) e pela Pretura circondariale di Vigevano (Itália) (no processo C-113/91), destinados a obter, nos processos penais pendentes nestes órgãos jurisdicionais contra
Michel Debus, na sua qualidade de representante legal da sociedade Brasserie Fischer SA,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: R. Joliet, presidente de secção, F. Grévisse, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Zuleeg, juízes,
advogado-geral: W. Van Gerven
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação do Governo neerlandês, por B. R. Bot, Secretaris-generaal no Ministério dos Negócios Estrangeiros,
- em representação do Governo italiano, pelo professor Luigi Ferrari Bravo, chefe do serviço do contencioso diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Antonio Aresu, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Michel Debus, representado por Pierre Soler Couteaux, advogado no foro de Estrasburgo, do Governo neerlandês, representado por J. W. De Zwaan, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Governo italiano e da Comissão, na audiência de 13 de Fevereiro de 1992,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Março de 1992,
profere o presente
Acórdão
1 Por despachos de 9 de Janeiro de 1991 e de 25 de Março de 1991, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 16 de Janeiro de 1991 e 12 de Abril de 1991, a Pretura circondariale di Pordenone (no processo C-13/91) e a Pretura circondariale di Vigevano (no processo C-113/91) apresentaram, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE.
2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de processos penais instaurados contra Michel Debus, representante legal da sociedade francesa Brasserie Fischer SA.
3 O artigo 4. , alínea c), da Lei italiana n. 1354/62, de 16 de Agosto de 1962 (GURI n. 234, de 17.9.1962), especifica que a quantidade máxima de dióxido de enxofre autorizada na cerveja é de 20 miligramas por litro (20 mg/l). Este limite também se aplica às cervejas importadas, nos termos do artigo 19. , primeiro parágrafo, da mesma lei, que dispõe que a cerveja importada deve corresponder às características e satisfazer as condições fixadas pela lei em causa.
4 A Brasserie Fischer SA produz uma cerveja especial à base de extractos naturais de plantas denominada "36 15 Pêcheur - La bière amoureuse" que contém como aditivo dióxido de enxofre na proporção de 36,8 mg/l, e isto em conformidade com a legislação francesa na matéria. Esta cerveja foi importada para Itália onde é vendida como "bebida alcoólica à base de cerveja".
5 A NAS - Nucleo Antisofisticazioni e Sanità procedeu à colheita de uma amostra dessa bebida num estabelecimento público situado em Azzano Decimo. Tendo a análise dessa amostra revelado a presença de dióxido de enxofre em quantidade superior à autorizada pela legislação italiana para os produtos similares, o Procuratore della Repubblica instaurou processos penais por fraude contra M. Debus.
6 Foi neste contexto que os órgãos jurisdicionais nacionais apresentaram ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, idênticas nos dois processos:
"1) Os artigos 30. e 36. do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia devem ser interpretados no sentido de que não é compatível com os mesmos a legislação italiana que fixa normas de higiene para o fabrico e comércio da cerveja (Lei n. 1354/62, de 16 de Agosto de 1962, e Lei n. 141/89, 17 de Abril de 1989) na medida em que esta permite a utilização de dióxido de enxofre em quantidade não superior a 20 mg por litro?
2) O juiz penal deve abster-se de aplicar a regulamentação italiana?
3) Deve-se autorizar a livre circulação da cerveja com um teor de dióxido de enxofre superior a 20 mg por litro?"
7 Para mais ampla exposição dos factos nos processos principais, da tramitação dos processos, bem como das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
8 No que diz respeito às dúvidas suscitadas pela Comissão sobre a admissibilidade do pedido de interpretação prejudicial apresentado no processo C-113/91 porque provém de um juiz que, por força do direito processual penal nacional, é incompetente para conhecer do processo principal, basta salientar que, em princípio e na ausência de circunstâncias excepcionais, o Tribunal de Justiça não tem de verificar a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais face às normas de processo nacionais.
Quanto à primeira questão
9 Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se os artigos 30. e 36. do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que proíbe a comercialização de cervejas importadas de outro Estado-membro em que são legalmente comercializadas, quando contiverem uma quantidade de dióxido de enxofre superior a 20 mg/l.
10 Há que verificar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 1. da Directiva 64/54/CEE do Conselho, de 5 de Novembro de 1963, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos conservantes que podem ser utilizados nos géneros destinados à alimentação humana (JO 1964, 12, p. 161; EE 13 F1 p. 13), os Estados-membros só podem autorizar, para a protecção dos géneros destinados à alimentação humana contra as alterações provocadas por microrganismos, a utilização dos conservantes enumerados no seu anexo e entre os quais figura o dióxido de enxofre.
11 Segundo os seus considerandos, a directiva constitui apenas a primeira fase da aproximação das legislações neste domínio. Nesta fase, os Estados-membros não estão, por conseguinte, obrigados a autorizar a utilização de todas as substâncias mencionadas no anexo da directiva. Todavia, a sua liberdade de fixar regras quanto à adição dos conservantes aos géneros alimentícios só pode ser exercida na dupla condição de não ser autorizada a utilização de qualquer conservante não mencionado no anexo da directiva e de não ser totalmente proibida a utilização de um conservante que aí figure, excepto quando se trate de géneros alimentícios produzidos e consumidos no seu próprio território, nos casos especiais em que a utilização desse conservante não corresponda a qualquer necessidade tecnológica (v. acórdãos de 12 de Junho de 1980, Grunert, 88/79, Recueil, p. 1827; de 5 de Fevereiro de 1981, Kugelmann, 108/80, Recueil, p. 433; e de 13 de Dezembro de 1990, Bellon, C-42/90, Colect., p. I-4863).
12 Tratando-se de produtos importados de outro Estado-membro, onde são legalmente fabricados e comercializados, convém reconhecer que a aplicação de uma regulamentação nacional do tipo da que é objecto do litígio principal entrava o comércio intracomunitário e constitui assim, em princípio, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 30. do Tratado. Em presença de uma harmonização comunitária que no domínio em questão apenas é parcial, convém todavia examinar se essa medida pode ser justificada por razões de protecção da saúde das pessoas, nos termos do artigo 36. do Tratado.
13 Recorde-se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v. nomeadamente o acórdão de 14 de Julho de 1983, Sandoz, 174/82, Recueil, p. 2445), na medida em que subsistem no estádio actual da investigação científica incertezas quanto à nocividade dos aditivos alimentares, compete aos Estados-membros, na falta de harmonização completa, decidir do nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas, tendo simultaneamente em conta as exigências da livre circulação de mercadorias no interior da Comunidade.
14 Da jurisprudência do Tribunal de Justiça (e especialmente dos acórdãos de 14 de Julho de 1983, Sandoz, já referido; de 10 de Dezembro de 1985, Motte, 247/84, Recueil, p. 3887; de 6 de Maio de 1986, Muller, 304/84, Colect., p. 1511; e de 12 de Março de 1987, denominado "lei da pureza da cerveja", Comissão/Alemanha, 178/84, Colect., p. 1227), resulta igualmente que, nestas condições, o direito comunitário não se opõe a que os Estados-membros adoptem uma legislação que submeta a utilização de aditivos a uma autorização prévia concedida por um acto de alcance geral para determinados aditivos, quer para todos os produtos, quer apenas para alguns deles, quer para determinadas utilizações. O mesmo acontece quanto à fixação de um limite de utilização de um aditivo para determinados produtos. Uma regulamentação deste tipo corresponde a um objectivo legítimo de política sanitária, que é restringir o consumo incontrolado de aditivos alimentares.
15 A aplicação aos produtos importados da proibição de comercializar os produtos que contenham uma quantidade de aditivos ultrapassando o limite autorizado pela regulamentação do Estado-membro de importação, quando essa quantidade é autorizada no Estado-membro de produção, só é, todavia, admissível na medida em que seja conforme às exigências do artigo 36. do Tratado, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.
16 A este respeito convém recordar, em primeiro lugar, que nos acórdãos de 14 de Julho de 1983, Sandoz, de 10 de Dezembro de 1985, Motte, de 6 de Maio de 1986, Muller, de 12 de Março de 1987, "lei da pureza da cerveja" e de 13 de Dezembro de 1990, Bellon, já referidos, o Tribunal de Justiça deduziu do princípio da proporcionalidade, que está na base do último período do artigo 36. do Tratado, que as proibições de comercializar produtos contendo aditivos autorizados no Estado-membro de produção, mas proibidos no Estado-membro de importação, devem ser limitadas ao efectivamente necessário para assegurar a protecção da saúde pública.
17 O Tribunal de Justiça também concluiu daí que a utilização de um determinado aditivo, admitido noutro Estado-membro, deve ser autorizada no caso de um produto importado desse Estado-membro, desde que, tendo em conta, por um lado, os resultados da investigação científica internacional e especialmente os trabalhos do Comité Científico Comunitário da Alimentação Humana e da Comissão do Codex alimentarius da FAO e da Organização Mundial de Saúde, e, por outro, os hábitos alimentares no Estado-membro de importação, este aditivo não represente um perigo para a saúde pública e corresponda a uma necessidade real, nomeadamente de ordem tecnológica.
18 Em segundo lugar há que recordar que, como resulta nomeadamente dos acórdãos Muller, Comissão/Alemanha e Bellon, já referidos, bem como do acórdão de 30 de Novembro de 1983, Van Bennekom (227/82, Recueil, p. 3883), é às autoridades nacionais que compete demonstrar que a sua regulamentação é justificada por razões de protecção da saúde da sua população.
19 A este respeito, o Governo italiano observa que o Comité Misto de Peritos FAO/OMS e o Comité Científico da Alimentação Humana reconheceram que a utilização excessiva de dióxido de enxofre prejudica a saúde humana, em especial no caso dos grandes bebedores de cerveja. Consequentemente, considera que a política consistente em reduzir ao mínimo as quantidades de dióxido de enxofre absorvidas de outra forma do que pelas vias respiratórias é justificada por necessidades de saúde pública.
20 Por seu turno, o Governo neerlandês observa que compete em princípio a cada Estado-membro apreciar se as exigências de protecção da saúde permitem autorizar ou não a utilização de um determinado conservante nos géneros alimentícios, tendo em conta os hábitos alimentares da sua população. Afirma que o OMS fixou em 40 mg a dose máxima diária tolerável de dióxido de enxofre e que, para determinar a quantidade de dióxido de enxofre absorvido pelos consumidores, é necessário atender ao facto de que o dióxido de enxofre é, para além da cerveja, acrescentado a numerosos produtos alimentares.
21 A Comissão sustenta que uma proibição geral de importar e de comercializar produtos legalmente comercializados noutro Estado-membro, porque contêm um dos agentes mencionados na lista da Directiva 64/54 numa proporção superior à autorizada pela legislação do Estado de importação, é excessiva quando a adição do agente esteja dentro dos limites admissíveis atendendo aos conhecimentos científicos internacionais.
22 Mais especificamente, quanto ao dióxido de enxofre, a Comissão alega, a partir de dados toxicológicos elaborados pela FAO e pela OMS, bem como do relatório do consultor técnico designado pelo Procuratore della Repubblica junto da Pretura circondariale di Pordenone no âmbito do processo contra M. Debus, que se exclui que o dióxido de enxofre contido na cerveja francesa objecto da apreensão possa ter efeitos tóxicos. Com efeito, com base nos dados toxicológicos elaborados conjuntamente, a FAO e a OMS sugerem que se admita a absorção de uma dose diária não superior a 0,35 mg/kg de peso corporal, o que para um consumidor de 60 kg equivale a uma quantidade máxima de cerca de 21 mg por dia. Ora, segundo os cálculos efectuados pelo consultor técnico nacional, a dose que absorveria o consumidor italiano que beba uma cerveja contendo 36,8 mg/l de dióxido de enxofre, seria, em média, de 5,5 mg por dia.
23 Verifica-se que o regime em causa conduz à proibição geral e absoluta de todas as cervejas que contêm mais de 20 mg de dióxido de enxofre sem qualquer excepção.
24 A necessidade dessa proibição para a protecção da saúde não foi demonstrada. Bem pelo contrário, as afirmações não contestadas da Comissão demonstraram que a absorção de dióxido de enxofre devida ao consumo de uma cerveja contendo 36,8 mg/l do referido aditivo não envolve qualquer risco sério de ultrapassar os limites da dose máxima diária de dióxido de enxofre admitida pela FAO e pela OMS.
25 O carácter desproporcionado dessa proibição geral e absoluta relativamente às cervejas de importação é também evidenciado pela circunstância de a legislação do mesmo Estado-membro admitir a utilização de dióxido de enxofre em proporções muito mais elevadas para outras bebidas, nomeadamente o vinho, cujo consumo no Estado-membro em causa parece mais elevado do que o da cerveja.
26 O Governo italiano argumenta todavia que a adição de dióxido de enxofre não é de modo algum indispensável para a conservação da cerveja, porque o seu efeito pode ser obtido recorrendo a outros métodos, como a pasteurização.
27 Esta circunstância não é susceptível de justificar uma proibição geral e absoluta como a que aqui está em causa.
28 Com efeito, como resulta do acórdão "lei da pureza da cerveja", já referido, para excluir que determinados aditivos possam corresponder a uma necessidade tecnológica, não basta invocar outro método de fabrico do produto, utilizado pelos produtores nacionais, porque semelhante interpretação da noção de necessidade tecnológica, que conduz a privilegiar os métodos de produção nacionais, constitui uma forma de restringir disfarçadamente o comércio entre Estados-membros.
29 A noção de necessidade tecnológica deve ser apreciada em função das matérias- primas utilizadas e tendo em conta a apreciação que foi feita pelas autoridades do Estado-membro em que o produto é legalmente fabricado e comercializado. Convém ter igualmente em conta os resultados da investigação científica internacional, e em especial os dos trabalhos do Comité Científico Comunitário da Alimentação Humana e da Comissão do Codex alimentarius da FAO e da Organização Mundial de Saúde (acórdão "lei da pureza da cerveja", já referido).
30 Resulta do que precede que há que responder à primeira questão apresentada pelo órgão jurisdicional nacional que os artigos 30. e 36. do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que proíbe a comercialização de cervejas importadas de outro Estado-membro onde são legalmente comercializadas, quando contêm uma quantidade de dióxido de enxofre superior a 20 mg/l.
Quanto às segunda e terceira questões
31 Através da segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o juiz nacional deve abster-se de aplicar uma regulamentação nacional que é contrária ao direito comunitário ou se deve esperar até que seja adoptada uma regulamentação geral.
32 A este propósito, basta recordar a jurisprudência assente segundo a qual o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas não aplicando se for necessário, por sua própria iniciativa, qualquer disposição contrária da legislação nacional mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou esperar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Recueil, p. 629).
33 Assim há que responder às segunda e terceira questões apresentadas pelo órgão jurisdicional nacional que o juiz nacional deve abster-se de aplicar uma regulamentação nacional contrária ao direito comunitário.
Quanto às despesas
34 As despesas efectuadas pelos Governos da República Italiana, e do Reino dos Países Baixos, e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Pretura circondariale di Pordenone (no processo C-13/91) e pela Pretura circondariale di Vigevano (no processo 113/91) declara:
1) Os artigos 30. e 36. do Tratado devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que proíbe a comercialização de cervejas importadas de outro Estado-membro onde são legalmente comercializadas, quando contêm uma quantidade de dióxido de enxofre superior a 20 mg/l.
2) O juiz nacional deve abster-se de aplicar uma regulamentação nacional contrária ao direito comunitário.