61991C0306

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 10 de Março de 1993. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA ITALIANA. - DIRECTIVA 72/464/CEE, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1972 - FIXACAO DO PRECO DOS TABACOS MANUFACTURADOS. - PROCESSO C-306/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-02133


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. A Comissão, em aplicação do artigo 169. do Tratado CEE, intentou uma acção que se destina a obter a declaração de que a República Italiana, ao fixar, por despachos do ministro das Finanças, os preços de venda a retalho dos tabacos manufacturados a um nível que, também em consequência dos substanciais atrasos na adopção dos referidos despachos, não correspondem ao solicitado pelos importadores ou fabricantes, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30. do Tratado CEE e do artigo 5. da Directiva 72/464/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados com excepção dos impostos sobre o volume de negócios (1).

2. O objectivo da directiva é evitar que os impostos que oneram o consumo de tabacos manufacturados tenham por efeito falsear as condições de concorrência e entravem a livre circulação dessas mercadorias na Comunidade (2).

O artigo 5. , n. 1, da directiva dispõe que para efeitos da realização deste objectivo "os fabricantes e importadores fixarão livremente os preços máximos de venda a retalho de cada um dos seus produtos".

Como excepção ao princípio citado, o mesmo número prevê que "esta disposição não obsta, todavia, à aplicação das legislações nacionais sobre controlo de nível de preços ou sobre a observância de preços impostos".

Este princípio é, além disso, objecto de ajustamentos, em aplicação do n. 2 deste artigo, que dispõe o seguinte:

"Todavia, a fim de facilitar a cobrança do imposto sobre consumo específico, os Estados-membros podem fixar uma tabela de preços de venda a retalho por grupo de tabacos manufacturados, desde que cada tabela seja suficientemente extensa e diversificada para corresponder à diversidade dos produtos comunitários. Cada tabela será válida para todos os produtos incluídos no grupo de tabacos manufacturados a que se refere, sem distinção baseada na qualidade, na apresentação, na origem dos produtos ou das matérias utilizadas, nas características das empresas ou em qualquer outro critério."

3. Resulta dos autos que, após queixas recebidas em especial em meados dos anos 80 de diversos grupos de fabricantes de produtos de tabaco noutros Estados-membros, foi a Comissão alertada para o facto de os importadores de produtos de tabaco terem dificuldades em Itália para verem fixados os preços para as mercadorias novas e as alterações de preços para as mercadorias existentes.

Estas queixas levaram a Comissão a enviar uma notificação e posteriormente um parecer fundamentado ao Governo italiano, invocando que a disposição italiana relativa à inserção de produtos de tabaco importados nas tabelas aplicáveis aos preços de venda a retalho era contrária ao artigo 5. da directiva.

A petição inicial demonstra também claramente que, com a propositura da presente acção, a Comissão deseja principalmente ver declarado que a disposição italiana em causa é contrária à directiva.

4. A disposição em litígio consta da Lei n. 825, de 13 de Julho de 1965, que constitui um elemento da regulamentação do monopólio fiscal existente em Itália no sector dos produtos do tabaco. A proibição de comercialização dos produtos de tabaco faz parte integrante desta regulamentação, na falta de inserção numa das tabelas existentes. A norma contestada pela Comissão é o artigo 2. da lei, que dispõe o seguinte:

"A inserção de cada produto sujeito a monopólio fiscal nas tabelas a que se refere o artigo 1. e respectivas modificações são efectuadas por despacho do ministro das Finanças, tendo em conta (' in relazione ai' ) os preços pedidos pelos fornecedores para as mercadorias importadas, após consulta para o efeito ao conselho de administração dos monopólios de Estado...".

5. A Comissão e o Governo italiano concordam que os operadores devem livremente poder escolher, para cada um dos seus produtos, um dos preços fixados nas tabelas ou que podem propor outro preço, que é em seguida incluído numa tabela, e a Comissão não contesta, de resto, que as tabelas italianas em vigor satisfazem as condições do artigo 5. , n. 2, da directiva.

6. A Comissão alega, ao invés, que o artigo 2. da lei italiana pode ser entendido no sentido de que o ministro das Finanças dispõe de um poder discricionário na aprovação dos preços do tabaco manufacturado. A Comissão referiu-se, a este propósito, entre outros, ao facto de a expressão "tendo em conta" ser ambígua e alega que esse poder discricionário é contrário ao direito dos importadores de fixarem eles próprios os seus preços em conformidade com o artigo 5. , n. 1, da directiva.

7. O Governo italiano nega que a disposição em litígio conceda ao ministro das Finanças um poder discricionário e alega, designadamente, que a expressão "tendo em conta" não é ambígua pois mais não faz do que exprimir, "graças à riqueza e à variedade da língua italiana", a ligação entre o preço escolhido pelos fabricantes e importadores e a sua inserção na tabela. O governo alega, além disso, que no acórdão de 7 de Junho de 1983, Comissão/Itália (3), o Tribunal de Justiça declarou que a disposição em litígio não violava os direitos dos importadores de fixarem eles próprios os seus preços.

8. Há pois, a título preliminar, que remeter para a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual é contrário ao direito comunitário, designadamente por razões de segurança jurídica, que as disposições nacionais estejam redigidas de tal modo que daí resultem para os particulares incertezas quanto aos direitos que possuem ao abrigo do direito comunitário (4).

9. A norma em litígio não satisfaz, em minha opinião, nesta perspectiva, as exigências do direito comunitário. Está redigida de um modo tal que parece natural interpretá-la no sentido de que o Ministério das Finanças tem o direito de não aprovar os preços que os importadores pediram para serem inseridos nas tabelas. É manifesto que não se encontra justificação para esse poder discricionário na excepção prevista no artigo 5. , n. 1, segunda parte, relativamente à legislação geral sobre o controlo de preços ° v., quanto a este ponto, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1983, Comissão/França (5). É igualmente claro, em minha opinião, que a competência do ministro, que não está especificada, para efeitos de aprovação quanto aos preços pedidos, não pode encontrar justificação no artigo 5. , n. 2, da directiva, segundo o qual cada tabela deve ser suficientemente extensa e diversificada para corresponder à diversidade dos produtos comunitários.

10. Além disso, neste contexto, há que dar importância ao facto de a disposição legislativa em litígio prever uma obrigação de obter o parecer do conselho de administração dos monopólios de Estado. A Comissão entende, justamente, que esta obrigação de consulta confirma que o artigo 2. da lei não é compatível com o artigo 5. da directiva. Em primeiro lugar, uma obrigação geral de consulta não pode ser motivada pela preocupação de obter uma ajuda técnica com vista à inserção correcta dos produtos de tabaco nas tabelas, dado que o conselho de administração deve igualmente ser ouvido, mesmo quando se trata simplesmente de modificar os preços já constantes dessas tabelas. Em segundo lugar, nada na letra da disposição milita a favor da tese segundo a qual o conselho de administração estaria impedido de exprimir a sua opinião no que respeita aos preços solicitados pelos importadores. Por conseguinte, o Governo italiano não explicitou satisfatoriamente o objecto deste procedimento de consulta e a Comissão tem indubitavelmente razão ao afirmar que o procedimento implica uma informação prévia do produtor nacional ° logo, concorrente dos importadores ° quanto à política de preços que estes pretendem seguir. Não tem qualquer interesse a este propósito que o conjunto dos importadores, segundo o Governo italiano, transmitam os seus pedidos ao ministro das Finanças por intermédio do conselho de administração. A circunstância de os importadores se servirem do conselho de administração neste contexto pode explicar-se pela certeza de que o conselho de administração tomará, de todo o modo, conhecimento dos seus pedidos. Pode portanto sustentar-se que a obrigação de consulta contende indirectamente com a liberdade em matéria de política de preços que a directiva procura assegurar.

11. Por último, é forçoso concluir que o Governo italiano não pode invocar o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983 em apoio do seu pedido. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão da compatibilidade do artigo 2. da lei italiana com o artigo 5. da directiva sob o prisma que nos ocupa presentemente. Deve, portanto, declarar-se que o artigo 2. da lei italiana é contrário ao artigo 5. da directiva.

12. A Comissão, como resulta dos seus pedidos, alega ainda que as autoridades italianas aplicaram o artigo 2. da lei de modo que contraria tanto o artigo 5. da directiva como o artigo 30. do Tratado. A este propósito, a Comissão remete para as queixas, já mencionadas, dos grupos de fabricantes de tabacos manufacturados de outros Estados-membros, dos quais resulta que as autoridades italianas, em determinadas ocasiões, rejeitaram os pedidos de modificação de preços, ou acederam a tais pedidos fixando montantes mais baixos do que os que tinham sido solicitados, ou ainda acederam aos pedidos com anos de atraso.

13. O Governo italiano conclui pela inadmissibilidade desta acusação. Alega que nem a notificação nem o parecer fundamentado tratam a prática administrativa como uma acusação autónoma e que as queixas citadas, que supostamente demonstram a ilegalidade da prática administrativa, apenas foram apresentadas no decurso da instância. Ao longo do procedimento administrativo, apenas o conteúdo da legislação nacional tinha aparentemente sido criticado e foi em resposta a esta crítica que a Itália apresentou as suas observações.

14. A Comissão indicou na fase oral que tinha referido estes casos concretos de aplicação contrária ao direito comunitário sobretudo para demonstrar que a disposição legislativa em discussão contrariava a directiva.

Este argumento é, em minha opinião, dificilmente compatível com a formulação dos pedidos e o teor da petição, que demonstram que a aplicação da disposição em litígio constitui uma acusação autónoma.

15. Assim, cabe examinar a questão prévia de inadmissibilidade do governo.

O Tribunal declarou que "no âmbito da acção por incumprimento... o parecer fundamentado delimita o objecto do litígio, não podendo este ser seguidamente alargado", tendo em conta que "a possibilidade de o Estado em questão apresentar as suas observações constitui uma garantia essencial desejada pelo Tratado e uma formalidade essencial da regularidade do processo destinado a declarar verificado determinado incumprimento por parte de um Estado-membro" (6).

16. Em minha opinião, deve reconhecer-se, no sentido apontado pelo Governo italiano, que a Comissão não deu, de forma razoavelmente clara, nem na notificação nem no parecer fundamentado, conhecimento à parte contrária de que a prática administrativa constituía uma acusação autónoma.

Assim, o Tribunal deve julgar esta acusação inadmissível.

17. A Comissão indica, na petição, que a Itália se absteve de respeitar a obrigação que incumbia aos Estados-membros, por força do artigo 12. , n. 2, da directiva, de comunicar à Comissão o texto das disposições essenciais de direito interno que adoptou para efeitos de aplicação da directiva.

É, no entanto, difícil supor que a Comissão tenha pretendido fazer desta circunstância uma acusação autónoma. Não consta dos pedidos, nem foi incluído nas acusações no decurso do procedimento administrativo. Assim, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre este ponto.

18. Tendo em conta que é de considerar procedente a acusação principal contida na petição da Comissão, entendo que é de condenar a República Italiana nas despesas.

Conclusão

19. Face às considerações que precedem, proponho ao Tribunal que:

° declare que, ao permitir ao ministro das Finanças, nos termos do artigo 2. , da Lei n. 825 de 13 de Julho de 1965, não aceder aos pedidos apresentados pelos importadores quanto à inserção de preços nas tabelas, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5. da Directiva 72/464/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados com excepção dos impostos sobre o volume de negócios;

° julgar inadmissíveis os demais pedidos da Comissão, e

° condenar a República Italiana nas despesas.

(*) Língua original: dinamarquês.

(1) - JO L 303, p. 1; EE 09 F1 p. 39.

(2) - O Tribunal de Justiça teve por diversas vezes ocasião de se pronunciar sobre esta directiva, objecto de vários acórdãos. V., em especial, os acórdãos de 7 de Maio de 1991, Comissão/Bélgica (C-287/89, Colect., p. I-2233), de 21 de Junho de 1983, Comissão/França (90/82, Recueil, p. 2011), de 7 de Junho de 1983, Comissão/Itália (78/82, Recueil, p. 1955), e de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno-BM/ATAB (13/77, Recueil, p. 2115).

(3) - V. nota 2.

(4) - V. a este propósito o acórdão de 3 de Março de 1988, Comissão/Itália (116/86, Colect., p. 1323), cujo n. 21 está assim redigido:

... uma legislação ambígua que mantém os destinatários num estado de incerteza quanto às possibilidades que lhes são concedidas de invocarem o direito comunitário não cumpre a obrigação de transposição de uma directiva para o direito nacional .

(5) - 90/82, Recueil, p. 2011, n.os 22 e 23.

(6) - V. acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1991, Comissão/Luxemburgo (C-152/89, Colect., p. I-3141, n. 9).