Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 17 de Septembro de 1992. - RAYMOND BEAULANDE CONTRA DIRECTEUR DES SERVICES FISCAUX DE NANTES. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: TRIBUNAL DE GRANDE INSTANCE DE NANTES - FRANCA. - INTERPRETACAO DO ARTIGO 33 DA SEXTA DIRECTIVA IVA. - PROCESSO C-208/91.
Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-06709
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. Com a questão prejudicial que coloca, o tribunal de grande instance de Nantes convida o Tribunal de Justiça a determinar se direitos de registo cobrados sobre um terreno para construção em que, contrariamente ao compromisso assumido nesse sentido, nada foi construído nos quatro anos seguintes à sua aquisição terão a natureza de impostos sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33. da sexta directiva do Conselho (1) (a seguir "sexta directiva") e serão, em consequência, incompatíveis com o regime do IVA aplicável.
2. Os factos podem sucintamente resumir-se assim. R. Beaulande, que exercia a profissão de construtor e era portanto a esse título um profissional sujeito ao regime do IVA, adquiriu, em 16 de Janeiro de 1980, uma casa sita em Nantes, assumindo o compromisso de a demolir e de edificar no respectivo terreno um imóvel destinado à habitação, num prazo de quatro anos.
3. Não tendo o edifício sido construído no tempo prescrito, a administração fiscal, após ter indeferido um pedido de prorrogação do prazo formulado pelo interessado, notificou a este último, em 26 de Fevereiro de 1985, uma rectificação com que punha em cobrança uma soma de 221 700 FF (a título de direitos de registo) e 73 091 FF (direito suplementar de 6%);
4. R. Beaulande contestou essa modificação do seu regime de tributação e formulou, junto dos serviços fiscais, uma reclamação, que foi objecto de indeferimento em 2 de Junho de 1989.
5. Intentou então uma acção, em 14 de Setembro de 1989, contra o directeur des services fiscaux de Loire Atlantique no tribunal de grande instance de Nantes (França), invocando três fundamentos. O tribunal a quo rejeitou os dois primeiros relativos à aplicação apenas do direito nacional e, quanto ao terceiro, submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial com vista, no fundo, a definir, à luz da noção comunitária de impostos sobre o volume de negócios, a natureza dos direitos de registo reclamados pela administração fiscal.
6. As disposições nacionais e comunitárias pertinentes às quais faremos referência na medida do necessário figuram no relatório para audiência.
7. Em direito francês, o sistema do IVA relativo aos imóveis destacou-se progressivamente dos tradicionais direitos de registo, que, inicialmente, se aplicavam a todas as transmissões de imóveis (2). O desenvolvimento do urbanismo e a emergência de um sector económico importante, o da construção, conduziu o legislador nacional (3) a sujeitar os operadores económicos intervenientes desde a aquisição do terreno sem construções até à primeira venda do imóvel acabado a um imposto neutro, o IVA.
8. Todavia, os antigos direitos de registo não desapareceram totalmente, pois o regime actual apresenta-se de forma alternativa. Com efeito, se o artigo 257-7. , do code général des impôts (a seguir "CGI") inclui no âmbito de aplicação do IVA as "operações que concorrem para a construção ou a entrega de imóveis", o negociante de bens ou o construtor podem optar pela aplicação da taxa devida pelo registo predial ou pelo direito de registo à taxa de 0,60% (artigo 692 do CGI).
9. No caso presente, tendo o demandante escolhido colocar-se sob o regime de IVA imobiliário, pagou esse imposto à taxa em vigor e ficou isento do pagamento dos direitos de registo sob condição de, em conformidade com o artigo 691 II 1. do CGI (4), do compromisso de construir num prazo de quatro anos.
10. Não tendo observado esse compromisso e não tendo, portanto, podido fazer a prova da execução das obras previstas (artigo 691 II 2. do CGI), foram exigidas a R. Beaulande as somas já referidas, em aplicação do disposto no artigo 1840 G ter do CGI. Todavia, e em conformidade com o disposto no artigo 291 do Anexo II do CGI, o IVA pago aquando da compra e ainda não deduzido pôde ser imputado nos direitos de registo reclamados.
11. Como se vê, o regime nacional não acumula o IVA com os direitos de registo. Quando o construtor cumpre a sua obrigação de construir no prazo estabelecido, está sujeito apenas ao regime do IVA imobiliário e isento dos direitos de registo. No caso inverso, os direitos de registo, acrescidos dum direito suplementar de 6%, ser-lhe-ão reclamados, sendo especificado que o IVA que tiver pago sem poder proceder à dedução se imputa nessa soma. A operação é então de certo modo retroactivamente sujeita aos impostos que incidem sobre transmissões. Os dois impostos não são portanto cumulativos, mas antes alternativos.
12. O artigo 33. da directiva referido pelo tribunal de reenvio tem a seguinte redacção:
"Salvo o disposto noutras normas comunitárias, as disposições da presente directiva não impedem um Estado-membro de manter ou introduzir impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos específicos, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios."
13. O Tribunal de Justiça foi levado, uma dezena de vezes (5), a examinar a compatibilidade de impostos nacionais com a sexta directiva, mais precisamente com o artigo 33.
14. As decisões que o Tribunal de Justiça assim proferiu "balizam" de certo modo o debate. O demandante no processo principal sabe-o bem, quando afirma que a jurisprudência do Tribunal de Justiça testemunha que este "teve desse texto (o artigo 33. ) uma leitura bem surpreendente, que parece criticável em muitos dos aspectos" (6).
15. Antes de estudar as características determinantes do conceito comunitário de imposto sobre o volume de negócios, conceito à luz do qual será precisada a validade do encargo, convém recordar a economia geral do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
16. É, com efeito, essa ratio legis inicial que constitui a nossa base fundamental de interpretação.
17. É preciso remontar à primeira directiva do Conselho de 11 de Abril de 1967 (7) (a seguir "primeira directiva") para apreender o objectivo geral e operacional que conduziu à elaboração do sistema harmonizado de impostos, cuja finalidade é obter uma neutralidade concorrencial.
18. A preocupação que resulta desse texto e que se inscreve no longo prazo é a de "realizar uma harmonização das legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios a fim de eliminar, tanto quanto possível, os factores que possam falsear as condições de concorrência" (8).
19. As modalidades operacionais escolhidas para atingir esta finalidade consistem em instaurar um sistema comum de impostos sobre o valor acrescentado, que passa necessariamente pela "eliminação dos sistemas de impostos cumulativos em cascata" (9).
20. Todavia, dispondo os Estados-membros de sistemas de uma extrema diversidade e, por conseguinte, para não pôr em causa nos sectores económicos e orçamentais sensíveis das legislações nacionais, a abolição desses impostos cumulativos em cascata não pôde ser encarada senão de forma progressiva: a sexta directiva não é, portanto, senão uma etapa em direcção à aproximação prosseguida.
21. Por esta razão, o artigo 33. constitui uma derrogação ao sistema que foi posto a funcionar e cuja vocação é cobrir uniformemente as diferentes fases de produção e de circulação dos serviços e de mercadorias. Essa derrogação, de que o legislador comunitário marcou os limites, torna possível a dupla tributação de um bem, na condição de que o imposto que se junte ao IVA não tenha a natureza de imposto sobre o volume de negócios. Em termos claros, este não deve ser uma "duplicação" daquele.
22. Embora o princípio da proibição da cumulação do IVA com um imposto que tenha a natureza de imposto sobre o volume de negócios seja claramente consagrada nesse artigo, a enumeração dos impostos que podem combinar-se com o IVA não é limitativa. Notemos somente que o direito de registo figura nessa enumeração e que convém, para lá de qualquer critério formal, de qualquer denominação, apreciar, à luz das características intrínsecas de cada imposto, se este é ou não equiparável a um imposto sobre o volume de negócios.
23. Por fim, para terminar o enquadramento normativo do artigo 33. , importa indicar que, em todos os acórdãos, e mais particularmente nos primeiros, o Tribunal de Justiça sentiu a necessidade de localizar esse artigo na economia geral do regime de IVA.
24. No acórdão Rousseau Wilmot (10), o Tribunal afirmou como princípio que esta disposição não pode redundar num duplo IVA, ao julgar que:
"O artigo 33. da sexta directiva, deixando a liberdade de os Estados-membros manterem ou de introduzirem certos impostos indirectos... tem por finalidade impedir que o funcionamento do sistema comum de IVA seja comprometido por medidas fiscais de um Estado-membro que onerem a circulação de bens e de serviços e que incidam sobre as transacções comerciais de uma forma comparável à que caracteriza o IVA..." (11).
25. Do mesmo modo, o acórdão Bergandi (12) indica claramente que o objectivo prosseguido é do desaparecimento dos impostos sobre o volume de negócios e que, por isso, o artigo 33. não pode, ao deixá-los subsistir, pôr em causa o sistema adoptado (13).
26. Em último lugar, o acórdão Wisselink (14) resume perfeitamente nestes termos uma ratio legis cujo objectivo é não permitir, por meio da derrogação do artigo 33. , abrir brechas no regime harmonizado do IVA:
"Deste modo, foi proibida aos Estados-membros a manutenção total ou parcial e a reintrodução total ou parcial dos impostos sobre o volume de negócios segundo o sistema dos impostos cumulativos em cascata. Se tivesse sido permitido aos Estados-membros juntar ao IVA ainda outras formas de impostos sobre o volume de negócios ficariam comprometidos os objectivos que estão na base do regime comum de impostos sobre o volume de negócios" (15).
27. Ao responder à questão apresentada, caberá ao Tribunal de Justiça dar ao tribunal a quo os elementos de interpretação necessários que lhe permitam determinar se o imposto em litígio apresenta ou não as características de imposto sobre o volume de negócios. Com efeito, como o Tribunal referiu no acórdão Bergandi,
"embora não caiba ao Tribunal, no âmbito do presente processo (16), apreciar, à luz do direito comunitário, as características de um imposto nacional (acórdão de 21 de Outubro de 1970, Lesage, 20/70, Recueil, p. 861), o Tribunal é, no entanto, competente para interpretar o conceito de imposto que tenha o carácter de imposto sobre o volume de negócios a fim de dar ao órgão jurisdicional nacional a possibilidade de aplicar correctamente o imposto em questão..." (17).
28. Posto isto, e no momento de proceder a essa interpretação, convém recordar que o conceito de imposto sobre o volume de negócios é um conceito comunitário que se inscreve no contexto que acaba de ser descrito. Todos os acórdãos já referidos fazem referência ao carácter comunitário deste conceito. Assim, o acórdão Wisselink sublinha:
"O conceito de 'imposto sobre o volume de negócios' tem um alcance especial no âmbito do artigo 33. da sexta directiva. O Tribunal declarou que... o alcance do artigo 33. devia ser determinado à luz da função dessa disposição no âmbito do sistema harmonizado do imposto sobre o volume de negócios sob a forma de sistema comum sobre o valor acrescentado" (18).
29. Pouco importa aliás a denominação que é dada ao imposto nacional que vem juntar-se ao IVA, pois é a análise dessas características objectivas que vai permitir determinar se ele tem ou não a natureza de um imposto sobre o volume de negócios (19).
30. Passemos agora à enumeração dessas características.
31. É da definição do IVA que o imposto sobre o volume de negócios extrai os seus principais elementos. Definido no artigo 2. da primeira directiva, o IVA aparece como sendo um imposto geral sobre o consumo de bens ou serviços exactamente proporcional ao seu preço. Na sua jurisprudência sobre o artigo 33. , o Tribunal de Justiça remete sistematicamente para o princípio do sistema comum do IVA.
32. Assim, no acórdão Bergandi, o Tribunal referiu claramente a finalidade prosseguida em matéria de imposto sobre o volume de negócios e deu uma definição concisa do IVA ao julgar que,
"para apreciar se um imposto tem o carácter de imposto sobre o volume de negócios, há, designadamente, que verificar, como o Tribunal decidiu no seu acórdão de 27 de Novembro de 1985 (Rousseau Wilmot, 295/84, Recueil, p. 3759), se compromete o sistema comum do IVA através de um agravamento da circulação dos bens e dos serviços e de uma oneração nas transacções comerciais de modo semelhante ao que caracteriza o IVA.
... O princípio do sistema comum do IVA, consiste, nos termos do artigo 2. , n. 1, da primeira directiva, em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo, exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação" (20).
33. Em consequência, terão a natureza de imposto sobre o volume de negócios os impostos que, mesmo que não sejam idênticos, apresentem as mesmas características e prossigam a mesma finalidade que o IVA.
34. Nas suas observações escritas, a Comissão sublinha, a justo título, que não é necessário que o imposto em litígio seja em todos os aspectos semelhante ao IVA, pois o importante é saber se apresenta, para reproduzir os próprios termos do artigo 33. , a "natureza" de um imposto sobre o volume de negócios (21).
35. Considerando como adquirido este contexto, estabelecido desde as suas primeiras decisões, o Tribunal de Justiça, nomeadamente nos três últimos acórdãos relativos ao artigo 33. , aprofundou a definição de imposto sobre o volume de negócios desenvolvendo três critérios essenciais.
36. Assim, no acórdão Giant (22), após ter recordado os princípios já mencionados nas decisões precedentes, a saber, a coexistência possível de regimes de tributação com o IVA, na condição de que não comprometam o seu funcionamento, o Tribunal enumera as características de um imposto sobre o volume de negócios ao afirmar que
"há que concluir que o imposto do tipo referido pelo órgão jurisdicional nacional no presente processo não reveste as características de imposto sobre o volume de negócios, na acepção do artigo 33. da sexta directiva.
Com efeito, em primeiro lugar, não constitui um imposto geral... Em segundo lugar, não é cobrado em cada fase do processo de produção e de distribuição, dado que se aplica anualmente à totalidade das receitas... E, em terceiro lugar, não incide sobre o valor acrescentado em cada transacção..." (23).
37. Nos dois acórdãos subsequentes de 31 de Março de 1992, Dansk Denkavit, e de 7 de Maio de 1992, Bozzi (24), o Tribunal de Justiça baseou-se também nesses três critérios para determinar se o imposto em litígio é ou não um imposto sobre o volume de negócios e referiu:
"... O IVA aplica-se, genericamente, às transacções que tenham por objecto bens ou serviços; é proporcional ao preço desses bens e desses serviços; é cobrado em cada fase do processo de produção e de distribuição; finalmente, aplica-se ao valor acrescentado dos bens e dos serviços..." (25).
38. Convirá portanto que o tribunal a quo retome esse raciocínio e examine se os direitos de registo em causa satisfazem os critérios definidos.
39. Satisfá-los-à apenas se forem provadas:
- a generalidade do imposto, isto é, a sua aplicação a todas as transacções que tenham por objecto a cessão de bens ou a prestação de serviços;
- a sua cobrança em cada fase do processo de distribuição ou de produção;
- e, finalmente, a sua incidência apenas sobre o valor acrescentado.
40. Quanto ao primeiro ponto - generalidade do imposto -, afigura-se que os direitos de transmissão não dizem respeito senão à modificação da titularidade jurídica dos bens imobiliários e não a todas as operações económicas. Os direitos de registo incidem de forma limitativa sobre a circulação jurídica de bens imobiliários cedidos a título oneroso cuja transmissão dá lugar a um certo número de formalidades civis. Para retomar a definição dada por J.-C. Scholsem (26), os impostos sobre a transmissão de bens são "impostos analíticos de caráter real, incidindo sobre operações isoladas sem ter em conta a personalidade do seu autor". A este respeito, o Governo francês sublinhou que os direitos de registo não constituem um imposto geral.
41. Quanto ao segundo ponto - cobrança do imposto em todas as fases da produção e da distribuição -, convém salientar que os impostos sobre a transmissão de bens são cobrados unicamente quando o bem imobiliário entra no património do consumidor final, sendo as operações de produção e de distribuição abrangidas pelo regime do IVA imobiliário. É, portanto, ao que parece, a partir do momento em que o bem sai do circuito comercial para entrar num património privado que é tributado. O Governo francês observa a este propósito que essa tributação é relativa a um imposto sobre o capital que incide sobre a totalidade do valor do bem, sem possibilidade de dedução posterior possível.
42. Em terceiro lugar, parece, a cobrança de impostos sobre a transmissão de bens não tem em conta o valor acrescentado, mas baseia-se na totalidade do valor em capital do bem.
43. A favor dessas observações, parece-nos que um imposto tal como o que está em litígio não pode ser qualificado de imposto sobre o volume de negócios, e isto tanto mais que, num acórdão Kerrutt (27), o Tribunal de Justiça se pronunciou nesse sentido a propósito de um imposto alemão (a "Grunderwerbsteuer", lei relativa aos impostos sobre a transmissão de bens imobiliários) cujas características eram muito próximas das do caso que nos ocupa. O Tribunal de Justiça, com efeito, declarou:
"... Não contendo o direito comunitário, no seu estado actual, qualquer disposição específica que exclua ou limite a competência dos Estados-membros para criar impostos sobre as transmissões e transacções, para além do imposto sobre o volume de negócios, aceitando, assim, a existência de regimes de tributação concorrentes, tem de concluir-se que tais impostos podem ser igualmente aplicados quando, como no caso em apreço, a sua cobrança possa conduzir a uma cumulação com o imposto sobre o valor acrescentado para uma única operação" (28).
44. Ora, aqui, o problema da cumulação de impostos até não se coloca pois, como foi exposto anteriormente, se nenhuma construção for feita no terreno para construção no prazo de quatro anos, o IVA pago e não recuperado pode ser objecto de dedução dos direitos de registo devidos.
45. A proporcionalidade do imposto, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não pode ser analisada como um argumento pertinente conferindo aos impostos sobre a transmissão de bens a natureza de imposto sobre o volume de negócios. Se não há dúvida de que os direitos de registo são proporcionais ao valor do bem, isto é, ao preço expresso, não é menos verdade que o Tribunal de Justiça em várias ocasiões referiu que esse critério, por si só, era insuficiente (29).
46. Finalmente, para responder ao último argumento do demandante no processo principal, de resto sem grande incidência sobre a questão colocada, que não diz respeito à compatibilidade à luz do direito comunitário de todo o regime nacional do IVA imobiliário, mas à dos direitos de registo com o artigo 33. da sexta directiva, convém sublinhar que o conceito de terreno para construção é expressamente definido pelo direito nacional [artigo 4. , n. 3, alínea b) da referida directiva] e que a este título o Estado-membro pode considerar o critério da intenção de construir como determinante da qualificação fiscal do bem. Com efeito, se, no termo do prazo de quatro anos, o construtor não tiver exercido a sua actividade económica "de produtor, comerciante ou prestador de serviços" (n. 2 do artigo 4. da sexta directiva), pode-se legitimamente pensar que o bem adquirido sob o regime do IVA imobiliário e no quadro da sua actividade profissional não é utilizado para essa finalidade e deixa de estar abrangido, pois não está integrado em qualquer processo económico, por esse regime, mas sim pelo reservado aos particulares, que, salvo exercício pelos Estados-membros da faculdade que lhes é dada pelo n. 3 do artigo 4. da sexta directiva, assenta sobre os impostos sobre a transmissão de bens.
47. Finalmente, resulta dos desenvolvimentos anteriores que, tendo em conta a ratio legis da sexta directiva, não pode ser considerado como um imposto sobre o volume de negócios na acepção do seu artigo 33. um direito de registo que incide sobre a aquisição de um terreno para construção, quando não seja feita qualquer construção no referido terreno num prazo regulamentar de quatro anos a partir do acto de aquisição, a despeito do compromisso subscrito para esse efeito pelo adquirente.
48. Em consequência, concluímos no sentido de que o Tribunal declare:
"O artigo 33. da sexta directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativo à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à cobrança, nas aquisições de terrenos para construção onde não tenham sido realizadas construções no prazo de quatro anos previsto por uma regulamentação nacional, de direitos de registo, mesmo que estes direitos sejam proporcionais ao valor do imóvel."
(*) Língua original: francês.
(1) - Sexta Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).
(2) - Os conceitos de imposto sobre a transmissão e direitos de registo são indiferentemente utilizados para designar um imposto relativo à circulação jurídica de bens imobiliários transferidos a título oneroso; o conceito de impostos sobre a transmissão tem todavia uma natureza mais genérica.
(3) - Nomeadamente através das Leis n.os 405 de 10 de Abril de 1954 e 254 de 15 de Março de 1963.
(4) - Artigo 691 do CGI:
I. Estão isentas de taxa devida pelo registo predial ou de direito de registo quando derem lugar ao pagamento do IVA as aquisições;
1. De terrenos sem construções ou com edifícios destinados a demolição;
...
II. Esta isenção é subordinada à condição:
1. Que o acto de aquisição contenha o compromisso, pelo adquirente, de efectuar num prazo de quatro anos, a partir da data do acto, as obras necessárias, consoante o caso, para edificar um imóvel ou um bloco de imóveis...
1. bis Que seja emitido um certificado de urbanização declarando o terreno apto para a construção;
2. Que o adquirente prove, no termo do prazo de quatro anos, salvo aplicação das disposições do IV, a execução das obras previstas no 1. e o destino dos locais construídos ou acabados...
(5) - Acórdãos de 27 de Novembro de 1985, Rousseau Wilmot (295/84, Recueil, p. 3759); de 8 de Julho de 1986, Kerrutt (73/85, Colect., p. 2219); de 4 de Fevereiro de 1988, Comissão/Bélgica (391/85, Colect., p. 579); de 3 de Março de 1988, Bergandi (252/86, Colect., p. 1343); de 15 de Março de 1989, Lambert (317/86, 48/87, 49/87, 285/87, 363/87 a 367/87, 65/88 e 78/88 a 80/88 Colect., p. 787); de 13 de Julho de 1989, Wisselink (93/88 e 94/88, Colect., p. 2671); de 19 de Março de 1991, Giant (C-109/90, Colect., p. I-1385); de 31 de Março de 1992, Dansk Denkavit (C-200/90, Colect., p. I-2217, e de 7 de Maio de 1992, Bozzi (C-347/90, Colect., p. I-2947).
(6) - Observações de R. Beaulande, p. 11.
(7) - Directiva 67/227/CEE relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO L 1967, 1301, p. 67; EE 09 F1 p. 3).
(8) - Terceiro considerando da primeira directiva.
(9) - Quarto considerando.
(10) - V. referência supra, nota 5.
(11) - N. 16 do acórdão.
(12) - V. referências supra, nota 5.
(13) - V. n.os 9 e 10.
(14) - V. referências supra, nota 5.
(15) - N. 8 do acórdão.
(16) - Tratava-se também de um reenvio prejudicial.
(17) - N. 13.
(18) - N. 16.
(19) - V. acórdão Wisselink, n. 10.
(20) - N.os 14 e 15 (sublinhado por nós).
(21) - N. 7 das observações da Comissão.
(22) - V. referências supra, nota 4.
(23) - N.os 13 e 14.
(24) - V. referências supra, nota 5.
(25) - Acórdãos Dansk Denkavit, n. 11, e Bozzi, n. 12.
(26) - Scholsem, J.-C.: La TVA européenne face au phénomène immobilier, Liège, 1976, p. 371.
(27) - V. referências supra, nota 4.
(28) - N. 22.
(29) - V. acórdão Wisselink, já referido, n. 20.