Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 15 de Septembro de 1992. - SCHUTZVERBAND GEGEN UNWESEN IN DER WIRTSCHAFT CONTRA YVES ROCHER GMBH. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: BUNDESGERICHTSHOF - ALEMANHA. - LIVRE CIRCULACAO DAS MERCADORIAS - RESTRICOES QUANTITATIVAS - MEDIDAS DE EFEITO EQUIVALENTE - PROIBICAO DE REALIZAR UMA PUBLICIDADE QUE TENHA POR OBJECTO UMA COMPARACAO DE PRECOS. - PROCESSO C-126/91.
Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-02361
Edição especial sueca página I-00191
Edição especial finlandesa página I-00201
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. Uma regulamentação interna que proíbe a publicidade que recorra a comparações de preços praticados para um mesmo produto durante períodos diferentes, quando esses anúncios são "aliciantes", é contrária ao artigo 30. do Tratado CEE? É esta, em substância, a questão submetida pelo Bundesgerichtshof.
2. Esta questão teve origem nos seguintes factos.
A sociedade Yves Rocher GmbH vende na Alemanha, principalmente por correspondência, produtos de beleza que lhe são fornecidos pela sociedade-mãe, a sociedade francesa Yves Rocher. A publicidade é concebida de modo uniforme pela sociedade-mãe para a maior parte dos Estados da Comunidade, e utiliza como suportes catálogos e prospectos. Um prospecto distribuído na Alemanha apresentava sob o título "poupe até 50% e mais em 99 dos seus produtos preferidos Yves Rocher", e ao lado do anterior preço riscado em caracteres normais, o novo preço do produto, menos elevado, indicado em grandes caracteres vermelhos (1).
3. A Schutzverband gegen Unwesen in der Wirtschaft (associação para o combate à concorrência desleal) intentou contra a sociedade Yves Rocher GmbH uma acção para cessação de tal prática (2), com o fundamento de a publicidade em questão ser contrária à legislação alemã sobre a concorrência desleal.
4. O § 6(e) da lei alemã sobre a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb, a seguir "UWG"), alterado pela lei de 25 de Julho de 1986, dispõe designadamente que:
"1) Nas relações comerciais com o consumidor final, quem comparar, com preços superiores, em publicações ou anúncios destinados ao grande público, os preços efectivamente praticados para determinadas mercadorias ou prestações comerciais colocadas em destaque na oferta global ou anunciar reduções de preço num determinado montante ou percentagem, dando a impressão de que o preço anteriormente praticado era o preço superior indicado, fica sujeito a uma acção para que cesse tais práticas.
2) O n. 1 não se aplica
1. a indicações de preços que não são destacadas para chamar a atenção;
2. se for feita referência, sem indicação aliciante, a um preço superior que consta de um catálogo mais antigo ou de um prospecto de venda análogo que proponha uma oferta completa de mercadorias ou de serviços...".
5. Considerando que o novo preço tinha sido destacado de forma a chamar a atenção, o Landgericht deu provimento ao pedido de cessação.
6. O tribunal de recurso considerou, pelo contrário, que a sociedade Yves Rocher GmbH podia invocar a excepção do § 6(e), n. 2, 2), da UWG.
7. Interposto recurso de revista para o Bundesgerichtshof, este considera adquirido que i) o novo preço foi destacado de forma aliciante, ii) a norma derrogatória do § 6(e), n. 2, 2), da UWG é inaplicável e iii) a publicidade em causa é abrangida pelo § 6(e), n. 1, da mesma lei (3).
8. Considerando que a proibição contida neste artigo afecta as trocas intracomunitárias, o Bundesgerichtshof coloca a seguinte questão: o artigo 30. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição legislativa de um Estado-membro A que proíbe uma empresa com sede neste Estado, e que se dedica à venda por correspondência, através de catálogos ou de prospectos, de mercadorias importadas do Estado-membro B, de fazer publicidade com indicação de preços na qual se destaca como aliciante um novo preço, chamando a atenção para o preço mais elevado contido num catálogo ou prospecto anterior (4)?
9. Sublinhe-se desde já a extrema precisão da questão submetida pelo juiz a quo. Com efeito, não interroga o Tribunal quanto à compatibilidade, com o artigo 30. do Tratado, da proibição da publicidade por comparação de preços em geral, mas de uma determinada forma de publicidade deste tipo (5).
10. O § 6(e) da UWG, que suscitou a questão do juiz a quo, estabelece o princípio de que é possível uma acção para cessação contra a publicidade que consiste em justapor o anterior e o novo preço de um mesmo produto, quer o anterior preço mencionado seja verídico ou não.
11. Não há violação desta proibição quando a publicidade não utilize indicações de preço destacadas para chamar a atenção, como aliciante (6). De acordo com os trabalhos preparatórios da lei de 25 de Julho de 1986, que altera a UWG, esta derrogação visa permitir ao comerciante retalhista, em caso de redução de preços, riscar o anterior preço e colocar ao lado o novo preço, sem ter de utilizar uma nova etiqueta(7).
12. É prevista uma segunda excepção para a publicidade "não aliciante" em catálogo (8). Assim, a publicidade em catálogo que contenha uma comparação de preços é ilícita se tiver sido destacado o novo preço de forma aliciante, quer os preços mencionados sejam exactos quer não. É esta última proibição que o Bundesgerichtshof submete à apreciação do Tribunal de Justiça. Por outras palavras, um Estado-membro pode proibir uma comparação de preços, ainda que verdadeira, com o fundamento de que está elaborada de tal forma que a indicação do novo preço capta a atenção?
13. Este tipo de publicidade só está regulamentado ao nível comunitário na medida em que se trate de uma publicidade enganosa. Esta última é objecto da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (9). Ora o juiz a quo submete à apreciação do Tribunal de Justiça uma regulamentação que proíbe comparações de preços que podem ser verídicas. Note-se, além disso, que uma proposta de directiva do Conselho respeitante à publicidade comparativa e que altera a Directiva 84/450/CEE relativa à publicidade enganosa (10), que autoriza em determinadas condições a publicidade comparativa, não foi ainda aprovada. Além do mais, ela não se refere à publicidade que consiste em comparar os diferentes preços sucessivos de um mesmo produto (11).
14. Resulta de jurisprudência constante em matéria de circulação de mercadorias que
"Na falta de uma regulamentação comum da produção ou da comercialização do produto em causa, compete aos Estados-membros regular, cada um no seu território, tudo o que se refere à produção, distribuição e consumo deste, desde que, todavia, essas regulamentações não constituam obstáculo directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, ao comércio intracomunitário". (12)
15. Se resultarem destas disparidades entre as legislações nacionais obstáculos à liberdade das trocas, estes
"devem ser admitidos desde que essas disposições possam ser reconhecidas como necessárias para satisfazer exigências imperativas atinentes, designadamente... à lealdade das transacções comerciais e à defesa dos consumidores" (13).
16. Em primeiro lugar, analisemos se uma legislação do tipo da que nos submete o juiz a quo, que não contém qualquer discriminação em relação a produtos importados, uma vez que a publicidade por comparação de preços é proibida independentemente da origem dos produtos objecto dessa publicidade, pode afectar o comércio intracomunitário.
17. Uma legislação que regulamenta a publicidade tem por objectivo um serviço. Ela não condiciona directamente as importações de mercadorias. Será ela susceptível de restringir o seu volume, pelo facto de afectar as possibilidades de comercialização de produtos importados?
18. A proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas, que o artigo 30. do Tratado estabelece, abrange, de acordo com uma jurisprudência constante, desde o acórdão de 11 de Julho de 1974, Procureur du Roi/Dassonville (14), qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros que possa
"entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário" (15).
Basta que a medida seja objectivamente susceptível de entravar as trocas, sem que seja necessário determinar se ela se traduziu efectivamente numa diminuição das importações ou se foi susceptível de afectar sensivelmente as trocas intracomunitárias (16).
19. No processo Oosthoek' s (17), foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça a compatibilidade, com os artigos 30. e 34. do Tratado CEE, da legislação neerlandesa que restringe a liberdade de oferecer prémios em espécie no quadro do exercício de uma actividade comercial.
20. Um editor neerlandês enviava livros como prémio aos assinantes de enciclopédias importadas, em parte, da Bélgica. O Tribunal admitiu que havia neste caso "transacções do comércio intracomunitário" (18) e, quanto às disposições do tipo das da lei neerlandesa analisadas à luz do artigo 30. do Tratado, o Tribunal decidiu que
"Uma legislação que limite ou proíba determinadas formas de publicidade e determinados meios de promoção de vendas, embora não condicione directamente as importações, pode ser susceptível de restringir o seu volume pelo facto de afectar as possibilidades de comercialização dos produtos importados. Não se pode excluir a possibilidade de o facto de um operador envolvido ser obrigado a adoptar sistemas diferentes de publicidade ou de promoção de vendas em função dos Estados-membros envolvidos, ou a abandonar um sistema que considera especialmente eficaz, poder constituir um obstáculo às importações, ainda que essa legislação se aplique indistintamente aos produtos nacionais e aos produtos importados" (19).
21. O Tribunal admitiu mesmo que entrava no âmbito de aplicação do artigo 30. a lei luxemburguesa que tinha como efeito proibir a difusão no Grão-Ducado de desdobráveis publicitários da sociedade belga GB-INNO-BM que incitavam os consumidores estabelecidos no Luxemburgo a comprar em supermercados situados no território belga (20).
22. Como a Comissão observa, o mesmo deve acontecer, a fortiori, quando, de modo perfeitamente nítido, a proibição de publicidade visa, no Estado-membro onde residem os compradores potenciais, as vendas de mercadorias que aí são importadas de outro Estado-membro (21).
23. Assim, uma legislação que impõe condições, desconhecidas da maior parte dos outros Estados-membros, que proíbem a publicidade que consiste em apresentar no suporte publicitário o anterior preço mais elevado e o novo, quando este é destacado de modo a chamar mais a atenção, é susceptível de poder produzir efeitos no volume de vendas e, portanto, nas trocas intracomunitárias. Isto é tanto mais verdade quando
1) os produtos em causa são exclusivamente importados,
2) a técnica publicitária utilizada se revela particularmente eficaz.
24. Por fim, o Governo alemão não pode sustentar que uma publicidade, apenas destinada ao mercado de um único Estado-membro, não terá efeitos no comércio intracomunitário. Uma vez que a publicidade tem precisamente como objectivo a promoção nesse país de mercadorias que são importadas, ela afecta o comércio intracomunitário.
25. A proibição de publicidade por comparação de preços, na origem da questão submetida pelo juiz a quo, é susceptível de restringir as importações de produtos de um Estado-membro para outro e constitui, assim, uma medida de efeito equivalente, na acepção do artigo 30. do Tratado.
26. A restrição que esta proibição representa deve ser admitida quando, sendo indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados, pode, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, ser justificada, na falta de regulamentação comunitária, por exigências imperativas atinentes à defesa do consumidor ou à lealdade das transacções comerciais (22). Dizemos exigências imperativas e não simples razões, ainda que sérias, como sugere a associação recorrente no processo principal, que considera que o critério de exigência imperativa não pode ser exclusivo (23).
27. Não há dúvida de que tal regulamentação pode servir esses objectivos de protecção do consumidor e de respeito da lealdade das transacções comerciais, uma vez que ela previne, se for caso disso, as comparações de preços enganosas. Mas será proporcionada, uma vez que pode também abranger as comparações de preços exactas, limitando, assim, sem razão, a informação do consumidor?
28. Vimos que a proibição em causa se aplica quando as indicações de preços chamem a atenção, sejam elas exactas ou não. A ratio de tal regulamentação aparece nos fundamentos do projecto governamental respeitante ao § 6(e) da UWG, recordados pela sociedade recorrida no processo principal: evitar os numerosos abusos em matéria de utilização de preços riscados ou de indicações similares, prevenir os riscos que resultam do efeito especialmente atractivo e do perigo de ser induzido em erro (24). Segundo o Governo alemão, "não se trata de um logro efectivo ...Trata-se do risco abstracto de logro que procede em geral dessa 'Lockvogelwerbung' (' publicidade astuciosa' )" (25). É certo que a publicidade por comparação de preços se presta facilmente a práticas duvidosas, como a do preço de referência artificialmente aumentado para fazer aparecer uma redução de preço na realidade enganosa. Além do mais, o consumidor não está sempre em condições de verificar a veracidade de um anterior preço de referência. Finalmente, como notou A. Reuter, a publicidade aliciante acentua o perigo de logro "denn der Blickfang verkuerzt, und wer verkuerzt, sagt haeufig nicht die ganze Wahrheit" (26).
29. Esta legislação atribui, assim, às indicações de preços "aliciantes" uma espécie de presunção de fraude por parte do anunciante que a conduz, numa preocupação de protecção do consumidor, a proibir este tipo de publicidade, tal como proíbe a publicidade falsa ou enganosa. São proibidas não apenas as publicidades enganosas, mas também as que, pelo modo como são estruturadas, poderão facilmente sê-lo. Assim, a proibição será total quando a fraude ou a simples inexactidão na indicação dos preços seja apenas possível e portanto incerta.
30. Por detrás da publicidade "aliciante" é de facto a publicidade "enganosa" que se visa. A proibição apenas da publicidade enganosa é considerada insuficiente por razões de prova. Muitas publicidades enganosas ou falsas não podem ser provadas: é, designadamente, muito difícil, em caso de publicidade por comparação de preços, determinar que o preço anterior de referência foi efectivamente praticado. Para obviar a esta dificuldade de prova, o legislador recorre à noção de publicidade aliciante ° fácil de provar materialmente, mesmo que a apreciação possa ser subjectiva ° presumindo que essas publicidades escondem um logro, ou pelo menos prevenindo qualquer "risco abstracto" na matéria.
31. Diga-se já que uma proibição deste tipo não nos parece necessária para satisfazer as exigências imperativas atinentes à protecção do consumidor e à lealdade das transacções comerciais.
32. O Tribunal de Justiça, no processo GB-INNO-BM, já se tinha pronunciado sobre as regulamentações nacionais em matéria de publicidade por comparação de preços.
33. Assim, o regulamento grão-ducal de 23 de Dezembro de 1974, respeitante à concorrência desleal, previa que as ofertas que contivessem uma redução de preços não deviam conter nem a indicação da duração da oferta, nem a referência aos anteriores preços, ainda que fossem exactos.
34. A sociedade belga GB-INNO-BM tinha distribuído no Luxemburgo desdobráveis publicitários contendo indicações sobre a limitação no tempo de reduções de preços, bem como o anúncio de preços reduzidos com referência aos anteriores preços.
35. O Tribunal de Justiça observou que o principal efeito da regulamentação luxemburguesa era impedir o consumidor de aceder a certas informações, quando a protecção do consumidor passa por uma melhor informação, como testemunha a política comunitária na matéria (27), e o Tribunal definiu o seguinte princípio:
"... O direito comunitário em matéria de protecção dos consumidores considera a informação destes como uma das exigências principais. Por isso, o artigo 30. do Tratado não poderá ser interpretado num sentido implicando que uma legislação nacional, que recusa o acesso dos consumidores a certas informações, possa ser justificada por exigências imperativas atinentes à protecção dos consumidores" (28).
36. Daí o Tribunal concluiu que o artigo 30. do Tratado se opõe a que seja aplicada a uma acção publicitária uma regulamentação nacional que contenha uma proibição de indicar o anterior preço numa publicidade comercial (29). Uma medida que prive o consumidor de determinadas informações não pode ser considerada uma medida que visa a sua protecção.
37. Vemos na necessidade de dar ao consumidor a informação adequada que lhe permita tomar a decisão de comprar ou de não comprar, com pleno conhecimento de causa, um dos fios condutores da jurisprudência do Tribunal em matéria de exigências imperativas atinentes à sua protecção.
38. Assim, embora o Tribunal declare contrárias ao artigo 30. as regulamentações nacionais em matéria de publicidade que restringem sem justificação a informação do consumidor (30), declara compatível com este artigo uma regulamentação nacional que protege o consumidor insuficientemente informado (31).
39. O Tribunal só admite restrições à informação do consumidor quando esta puder ser fonte de confusão ou for susceptível de induzir em erro (32).
40. Assim, em matéria de rotulagem de produtos, a proibição de determinadas informações sobre o produto é uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa proibida pelo artigo 30. , a menos que essas informações sejam susceptíveis de induzir o comprador em erro (33).
41. O facto de a indicação do novo preço ser feita de modo "aliciante" será, em si, susceptível de induzir o consumidor em erro?
42. A regulamentação a que se refere o juiz a quo distingue-se da regulamentação luxemburguesa no processo GB-INNO-BM ° que estabelecia uma proibição pura e simples de indicar o anterior preço ° ou da regulamentação de outros Estados-membros ° que autoriza este tipo de indicações ° pelo conceito de "publicidade aliciante", que traduz mal a expressão "blickfangmaessig" ("que chama a atenção").
43. Este conceito é aqui o critério decisivo. Consoante a indicação de preços chame ou não a atenção, a publicidade é proibida ou autorizada. O que a lei pune não é a informação, o conteúdo da publicidade, mas a sua disposição, a sua apresentação, numa palavra a sua "visibilidade".
44. Não dissimularemos aqui a nossa perplexidade. Sem querer utilizar exageradamente o paradoxo, não se poderá defender que o carácter aliciante é precisamente o critério de uma boa publicidade? O que é uma publicidade que não chama a atenção? Proibir uma publicidade que chame a atenção não será proibir a publicidade simplesmente? Em que é que o destaque do que é mais importante para o comprador ° o novo preço ° pode ser contrário aos interesses deste ou desleal em relação aos concorrentes?
45. Além do mais, em que momento uma publicidade se torna aliciante e, portanto, susceptível de proibição? Se uma publicidade é considerada aliciante quando o novo preço figura em grandes letras num círculo vermelho, o que será quando o círculo for cinzento? Não se pode aqui evitar uma apreciação subjectiva, fonte de incertezas, como testemunham, no nosso caso, as apreciações divergentes dos orgãos jurisdicionais no processo principal. Esta noção parece-nos, assim, ser factor de uma insegurança jurídica indiscutível.
46. A noção de "publicidade aliciante" encontra a sua justificação, como vimos, no facto, segundo o Governo alemão (34), de permitir prevenir "um risco abstracto de logro". Mas qual é, a este respeito, o valor do critério de "publicidade aliciante"?
47. Em primeiro lugar, observe-se que a publicidade aliciante, na acepção da questão submetida pelo juiz a quo, é aquela que evidencia o novo preço sem recurso a qualquer astúcia, ardil ou subtileza especial. Não tenta, por exemplo, fazer passar pelo preço de venda um número, contido na publicidade, mas que não é esse preço. Não é fonte de confusão para o consumidor, porque distingue o anterior preço do novo. O "risco de logro" resulta apenas do carácter dificilmente verificável do anterior preço de venda indicado.
48. Ora, muito especialmente no domínio da venda por correspondência através de catálogo, a proibição de comparações de preços concebidas de modo aliciante parece-nos tanto menos justificada quanto o anterior preço, indicado num catálogo, é facilmente verificável (35). A dificuldade de provar a inexactidão do anterior preço tal como é mencionado na publicidade não existe, portanto, aqui.
49. Aprovaríamos a noção de "publicidade aliciante" se ela permitisse detectar em todos os casos as inexactidões. O processo que nos submete o juiz a quo demonstra bem que ela pode ter como efeito proibir comparações de preços verídicas. É claro que a distinção publicidade aliciante/publicidade não aliciante não cobre a distinção publicidade enganosa/publicidade leal.
50. A proibição de comparações de preços com indicações de preços aliciantes poderia, além disso, ter como efeito o desenvolvimento de publicidades com formulações vagas, que anunciassem, de modo geral, reduções de preços sem indicar nem o anterior nem o novo preço e, portanto, muito menos ricas em informações e muito menos protectoras dos interesses do consumidor do que uma publicidade por comparação de preços, mesmo aliciante (36).
51. Além do mais, outros meios menos restritivos devem permitir alcançar o objectivo previsto.
52. A análise das regulamentações deste tipo de publicidade nos outros Estados-membros revela que exigências especiais de informação respeitantes
1) ao período durante o qual o preço de referência foi praticado,
2) à indicação do anterior e do novo preço,
permitem conciliar a informação do consumidor e a sua protecção. Tal é o caso, no Reino Unido, da Consumer Protection (Code of Practice for Traders on Price Indications) Approval Order de 1988, elaborada pelo Secretary of State (37). No mesmo sentido, a lei belga de 14 de Julho de 1991 sobre as práticas do comércio e sobre a informação e a protecção do consumidor prevê que qualquer publicidade que anuncie uma redução de preço deve fazer referência ao preço praticado "anteriormente e de um modo habitual para produtos idênticos" e deve corresponder a reduções reais que possam ser justificadas, nomeadamente no que diz respeito ao preço de referência (38). Em Portugal, o Decreto-Lei n. 253/86, de 25 de Agosto de 1986, relativo à regulamentação das vendas de produtos com redução de preços (39), impõe a indicação do "preço praticado anteriormente", definido como correspondendo ao preço mais baixo para o produto em questão, praticado no mesmo local de venda durante os trinta dias que antecedem o início da redução. Compete ao vendedor provar o preço praticado anteriormente. Em direito francês, a regulamentação muito rígida (40) da escolha pelo anunciante do preço de referência que consta da publicidade garante a sua veracidade, e proíbe o comerciante de aumentar o preço de referência precisamente antes de anunciar uma redução. O reforço da protecção do consumidor passa, então, por um reforço da sua informação e não por uma limitação desta.
53. No total, a proibição deste tipo de publicidade por comparação de preços, quando a indicação do novo preço é aliciante, não parece poder ser justificada por exigências imperativas atinentes à protecção do consumidor.
54. Quanto à protecção da lealdade na concorrência, não vemos como é que os interesses legítimos dos concorrentes do autor da publicidade em questão poderiam ser lesados se as comparações de preços não fossem nem inexactas nem enganosas (41). A lealdade das transacções comerciais será protegida através apenas da proibição das indicações de preços enganosas, de acordo com o artigo 4. , n. 1, da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, já referida.
55. As comparações de preços exactas não afectam as condições da concorrência. Estas são, pelo contrário, susceptíveis de serem perturbadas por uma lei que pode ter como efeito proibir essas comparações, no entanto praticadas noutros Estados-membros.
56. O Governo alemão defende, além disso, que a proibição da publicidade por comparação de preços visa tornar supérfluo um controlo de exactidão dos preços indicados, que a Alemanha ° que não dispõe de serviço de controlo dos preços ° indica não poder assumir (42).
57. Observe-se, a este respeito, que objectivos de simplificação administrativa não fazem parte das exigências imperativas susceptíveis de limitar a livre circulação de mercadorias e que o controlo da exactidão dos preços praticados é efectuado tanto pelas associações de consumidores como pelas empresas concorrentes (43).
58. Finalmente, uma regulamentação do tipo da que está em causa não poderia ser considerada compatível com o artigo 30. pela razão de apenas provocar um entrave "perfeitamente marginal" à livre circulação de mercadorias (44). O Tribunal de Justiça rejeitou na matéria a teoria "de minimis". Além disso, "o facto de uma medida poder ter efeitos restritivos economicamente despiciendos não tem efeitos quanto à aplicabilidade do artigo 30. do Tratado, impondo-se a proibição nele contida, qualquer que seja a amplitude dos efeitos restritivos da medida, ainda que estes sejam mínimos" (45).
59. Parece-nos, por fim, que o artigo 7. da directiva do Conselho de 10 de Setembro de 1984, que permite aos Estados-membros adoptarem disposições destinadas a assegurar uma protecção mais ampla dos consumidores, não os autoriza a adoptar uma medida de proibição de comparações de preços quando estes forem verdadeiros. Com efeito, indicações que correspondam à verdade não nos parecem poder entrar no âmbito de aplicação de uma directiva adoptada em matéria de publicidade enganosa.
60. Por conseguinte, propomos que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão prejudicial:
"O artigo 30. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição legislativa de um Estado-membro A que proíbe uma empresa com sede neste Estado e que se dedica à venda por correspondência, através de catálogos ou de prospectos, de mercadorias importadas de um Estado-membro B, de fazer publicidade com indicação de preços e na qual se destaca um novo preço de forma a atrair a atenção, ao mesmo tempo que se faz referência a um preço mais elevado constante de um catálogo ou prospecto anterior."
(*) Língua original: francês.
(1) ° V. anexo 5 das observações da sociedade Yves Rocher.
(2) ° A acção para cessação pode ter como efeito a proibição judicial total da publicidade contestada.
(3) ° Decisão prejudicial, p. 4 da tradução francesa.
(4) ° Note-se que o juiz a quo se refere à legislação que proíbe este tipo de publicidade por comparação de preços e não à que autoriza a acção para cessação contra esta publicidade, que pode conduzir a uma proibição judicial desta.
(5) ° Com efeito, entende-se geralmente por publicidade comparativa a publicidade que consiste em comparar os preços de um produto com os da concorrência.
(6) ° § 6(e), n. 2, ponto 1, da UWG.
(7) ° V. observações da sociedade recorrida, p. 11 da tradução francesa.
(8) ° § 6(e), n. 2, ponto 2, da UWG. Se a publicidade da sociedade francesa Yves Rocher não tivesse sido concebida de forma aliciante , a comparação de preços a que ela procede teria sido lícita.
(9) ° JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55.
(10) ° [COM(91) 147 final], JO 1991, C 180, p. 14.
(11) ° Ibidem, artigo 1.
(12) ° Acórdão de 26 de Junho de 1980, Processo penal/Gilli e Andres, n. 5 (788/79, Recueil, p. 2071).
(13) ° Acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe, n. 8 (120/78, Recueil, p. 649).
(14) ° 8/74, Recueil, p. 837.
(15) ° Ibidem, n. 5, sublinhado nosso.
(16) ° V. acórdãos de 20 de Fevereiro de 1975, Comissão/Alemanha, n. 14 (12/74, Recueil, p. 181, ), e de 13 de Março de 1984, Prantl, n. 20 (16/83, Recueil, p. 1299).
(17) ° Acórdão de 15 de Dezembro de 1982 (286/81, Recueil, p. 4575).
(18) ° N. 9.
(19) ° N. 15; v. também o n. 11 do acórdão de 10 de Julho de 1980, Comissão/França (152/78, Recueil, p. 2299), o n. 7 do acórdão de 7 de Março de 1990, GB-INNO-BM (C-362/88, Colect., p. I-667), o n. 29 do acórdão de 12 de Dezembro de 1990, SARPP (C-241/89, Colect., p. I-4695), e os n.os 10 e 11 do acórdão de 25 de Julho de 1991, Aragonesa de Publicidad (C-1/90 e C-176/90, Colect., p. I-4151).
(20) ° Acórdão já referido, n. 8.
(21) ° Observações da Comissão, n. 10 da tradução francesa.
(22) ° Acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe, já referido, n. 8, e jurisprudência constante desde então; v. nomeadamente o acórdão de 3 de Março de 1980, GB-INNO-BM, já referido, n. 10.
(23) ° Observações da recorrente no processo principal, p. 9 da tradução francesa.
(24) ° V. as observações da sociedade Yves Rocher, p. 12 da tradução francesa.
(25) ° Observações do Governo alemão, p. 7 da tradução francesa.
(26) ° Porque a publicidade aliciante abrevia e quem abrevia não diz geralmente toda a verdade , A. Reuter, Neues zu Euro-Marketing und §§ 6 e, 7 UWG, Betriebsberater, 1990, p. 1652.
(27) ° V. n.os 13 e 14 do acórdão de 7 de Março de 1990, GB-INNO-BM, já referido.
(28) ° N. 18.
(29) ° N. 21.
(30) ° Acórdão de 7 de Março de 1990, GB-INNO-BM, já referido.
(31) ° V. acórdão de 16 de Maio de 1989, Buet (382/87, Colect., p. 1235, n. 13) que declara que a aplicação a produtos importados de uma proibição de venda ao domicílio, respeitante à venda de material pedagógico, imposta por uma legislação nacional relativa à protecção dos consumidores não é incompatível com o artigo 30. do Tratado.
(32) ° Acórdão de 17 de Março de 1983, De Kikvorsch, n.os 11 e 12 (94/82, Recueil, p. 947).
(33) ° Ibidem, n. 13. V. também a Directiva 79/112/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1978, relativa à aproximação de legislações dos Estados-membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (JO L 33, p. 1; EE 13 F9 p. 162).
(34) ° V. observações do Governo alemão, p. 6 da tradução francesa.
(35) ° V., neste sentido, p. 7 das observações do Governo francês.
(36) ° V., neste sentido, Reuter, op. cit., p. 1652.
(37) ° Statutory Instrument 1988, n. 2078.
(38) ° V. artigo 43. da lei referida, Moniteur belge de 29.8.1991.
(39) ° Diário da República n. 194, de 25.8.1986.
(40) ° V. artigo 3. do Despacho n. 77-105 P de 2 de Setembro de 1977, BOSP de 3 de Dezembro de 1977.
(41) ° Esta observação responde igualmente à sugestão do Governo alemão (p. 5 da tradução francesa) que convida o Tribunal a fazer aqui a aplicação do artigo 36. do Tratado com o fundamento de que, segundo a Convenção de Paris, a protecção contra a concorrência desleal constitui um dos objectivos da propriedade industrial .
(42) ° Ibidem, p. 10 da tradução francesa.
(43) ° V., neste sentido, as conclusões do advogado-geral Lenz no processo GB-INNO-BM, já referido, n. 39.
(44) ° Observações do Governo alemão, p. 11 da tradução francesa.
(45) ° Mattera, Le marché unique européen, Jupiter 1990, p. 235; v. os acórdãos de 13 de Março de 1984, Prantl, n. 20 (16/83, Recueil, p. 1299), e de 5 de Abril de 1984, Van de Haar et Kaveka de Meern, n. 13 (177 e 178/82, Recueil, p. 1797).