CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

CARL OTTO LENZ

apresentadas em 6 de Fevereiro de 1992 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

A — Introdução

1.

Na presente acção por incumprimento contra o Reino de Espanha, a Comissão critica a falta de observância de disposições aplicáveis da Directiva 71/305/CEE relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas ( *2 ), aquando da adjudicação da empreitada de obras públicas que tinha por objecto a ampliação da Universidade Complutense de Madrid.

2.

No início do ano de 1989, a reitoria da Universidade adjudicou uma empreitada de obras que tinha por objecto a ampliação e a transformação da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia e da Escola de Trabalho Social da referida Universidade por ajuste directo.

3.

O Governo acusado defende a forma de proceder da administração da Universidade, argumentando que a urgência dos trabalhos a realizar não permitia respeitar os prazos previstos pela directiva. As autorizações de verbas necessárias para iniciar o processo de adjudicação foram concedidas em Janeiro de 1989. Segundo o Governo espanhol, o arquitecto responsável do projecto tinha previsto que os trabalhos durassem sete meses e meio. Uma vez que estes trabalhos deveriam estar terminados para o início do ano académico de 1989/1990, em 1 de Outubro de 1989, não havia tempo a perder. Os dados de facto correspondiam às condições exigidas para aplicação da disposição derrogatória prevista no artigo 9.°, alínea d), da directiva. Segundo essa disposição, as entidades adjudicantes não são obrigadas a respeitar as disposições previstas pela directiva, «na medida do estritamente necessário, quando a urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pelas entidades adjudicantes não seja compatível com os prazos exigidos por outros processos».

4.

Na opinião da Comissão, as condições necessárias para a aplicação dessa disposição derrogatória não estavam preenchidas. A Comissão argumenta que, mesmo que se admitisse que a adjudicação da empreitada em questão requeria um tratamento de urgência, seria possível respeitar o processo acelerado de adjudicação de uma empreitada de obras públicas previsto no artigo 15.° da directiva.

5.

A Comissão, demandante, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar que, tendo a reitoria da Universidade Complutense de Madrid decidido adjudicar por ajuste directo uma empreitada de obras públicas que tem por objecto a ampliação e a transformação da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia e da Escola de Trabalho Social da refenda Universidade, omitindo assim a publicação de um anúncio de concurso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, designadamente dos seus artigos 9.° e 12.° a 19.°;

condenar o Reino de Espanha nas despesas.

6.

O Governo espanhol, demandado, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar a acção proposta pela Comissão improcedente;

condenar a Comissão nas despesas.

7.

No que respeita aos pormenores da causa, ao enquadramento jurídico e aos argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência.

B — Conclusões

1. Quanto à admissibilidade

8.

Embora o Governo espanhol não tenha invocado fundamentos baseados na inadmissibilidade da presente acção, impõem-se algumas reflexões prévias a esse respeito.

9.

Numa acção por incumprimento, importa que o comportamento incriminado seja imputável ao Estado ao qual se pedem explicações. Este problema coloca-se, nomeadamente, quando o Estado utiliza institutos de direito privado para desempenhar tarefas que lhe incumbem. Nestes casos, é necessário que a influência do Estado possa ser verificada de forma positiva ( *3 ).

10.

As coisas passam-se diversamente quando são postos em causa actos de um organismo que é originalmente um organismo do Estado. O Estado-membro conti- nua a ser responsável face à Comunidade, mesmo quando os actos em questão são praticados por órgãos independentes, relativamente aos quais não está prevista uma intervenção directa do Governo sobre alguns dos seus comportamentos.

11.

As Universidades do Estado são normalmente instituições do Estado, mesmo que se tenham tornado entidades autónomas no plano da organização. A esse propósito, não tem qualquer interesse saber qual a forma de pessoa colectiva de direito público que o Estado-membro escolhe para a sua criação. No âmbito de uma acção por incumprimento, os actos jurídicos de uma Universidade são, por consequência, imputáveis ao Estado.

12.

Este ponto de vista é confirmado pela descrição do âmbito de aplicação pessoal da Directiva 71/305, feita no seu artigo 1.°, alínea b). São considerados «entidades adjudicantes», na acepção deste artigo, «o Estado, as colectividades territoriais e as pessoas colectivas de direito público», enume- radas no anexo I, que são, em Espanha, as «outras pessoas colectivas de direito público sujeitas a um regime de direito público na celebração de contratos» ( *4 ). O facto de estar sujeito a um regime de direito público de celebração de contratos constitui, por si só, um indício que permite caracterizar o organismo que celebra o contrato como um «organismo de direito público».

13.

No decurso do processo, não foi suscitada qualquer reserva quanto à natureza jurídica da Universidade como pessoa colectiva de direito público nem quanto à aplicabilidade da directiva, de forma que se deve concluir que se pode imputar o comportamento em litígio ao Estado-membro demandado.

2. Quanto ao mérito

14.

A empreitada de obras públicas em questão, cujo montante se eleva a 430256250 PTA, está, em princípio, sujeita à aplicação da directiva, em conformidade com o seu artigo 7.° O aumento do limiar mínimo para aplicação da directiva de um para cinco milhões de ecus, através da Directiva 89/440, não tem qualquer influência sobre o presente processo, visto que essa regulamentação só entrou em vigor após os factos que estão em apreciação neste processo.

15.

Visto que é necessário, por isso, partir do princípio de que a directiva é aplicável, a questão que se põe é saber se existem motivos suficientes que justifiquem uma derrogação das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação dos contratos. Visto que a própria directiva prevê, por um lado, no seu artigo 9.°, situações excepcionais que permitem uma derrogação e, por outro, a possibilidade de aplicar um processo acelerado quando existam circunstâncias excepcionais, as derrogações das disposições relativas à publicidade genericamente previstas devem situar-se dentro dos limites fixados pela directiva quanto a derrogações.

16.

Segundo a Comissão, a Universidade poderia, tendo em conta que as verbas que lhe foram concedidas em Janeiro de 1989, o que não é objecto de controvérsia, iniciar o processo de adjudicação da empreitada mais cedo, de forma a dispor de mais tempo para o processo de concurso. O Governo espanhol opõe-se a essa concepção, argumentando que o processo de adjudicação só pode iniciar-se quando a dotação orçamental correspondente tiver sido fixada definitivamente pela lei orçamental. Continua a subsistir entre as partes um desacordo quanto às medidas que, eventualmente, poderiam pelo menos preparar a adjudicação da empreitada numa data anterior.

17.

Para continuar a presente análise, gostaríamos, por conseguinte, de partir da versão dos factos mais favorável ao Estado-membro acusado, de forma que, neste caso, partimos do pressuposto de que a empreitada não poderia ser adjudicada antes de as verbas serem concedidas, a fim de o fazer de forma definitiva.

18.

Não foi possível apurar de forma definitiva em que data precisa as verbas foram postas à disposição. A primeira data que pôde fixar-se foi 9 de Fevereiro de 1989, data em que o Conselho de Administração da Universidade Complutense aprovou a execução das obras em questão. A questão de saber se ocorreu um atraso entre o momento em que as dotações foram definitivamente votadas e a reunião do Conselho de Administração de 9 de Fevereiro de 1989 não obteve resposta.

19.

Visto que a disposição derrogatória prevista no artigo 9.°, alínea d), da directiva, eventualmente aplicável no caso dos autos, só se aplica quando as condições que na mesma se descrevem mais em pormenor «não são compatíveis com os prazos exigidos por outros processos», deve examinar-se, antes de mais, a questão de saber se a directiva prevê outras possibilidades de reagir de modo apropriado.

20.

A Comissão chamou a atenção para o facto de que poderia ter sido adoptado o processo acelerado previsto no artigo 15.° da directiva. No caso de um concurso limitado, os prazos são os seguintes: a publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias deve, em conformidade com o artigo 12.° da directiva, ser efectuada, o mais tardar, cinco dias após a data de envio. O prazo de recepção dos pedidos de participação é, nesse caso, em conformidade com o artigo 15.° da directiva, de doze dias, calculados também a partir da data de envio do anúncio, de forma que não se deve acrescentar o prazo de cinco dias, previsto para a publicação, ao prazo de doze dias. No caso de um processo limitado acelerado, deve contar-se para a recepção das propostas um n prazo suplementar de dez dias, a partir da e data do convite. Por consequência, é neces- sário contar pelo menos com 22 dias entre o envio da comunicação ao Jornal Oficial das Comunidades Europeias e o prazo final para a recepção das propostas. Uma vez que a data do convite para apresentar uma proposta é posterior à data do pedido de participação, pode verificar-se um ligeiro atraso suplementar.

21.

Não há necessidade de analisar a questão de saber se o processo descrito anterior- mente dá realmente aos candidatos estrangeiros a possibilidade de participar efectivamente no mesmo. Se atentarmos apenas no simples cálculo do número de dias, teria sido possível, em todo o caso, aplicar o processo acelerado no caso em questão.

22.

O Conselho de Administração decidiu a execução das obras em 9 de Fevereiro de 1989, uma quinta-feira. Por consequência, a reitoria poderia facilmente ter efectuado na sexta-feira seguinte, ou seja, em 10 de Fevereiro de 1989, as diligências necessárias para a publicação do anúncio do concurso e, se necessário, dado cumprimento às outras exigências de natureza administrativa.

23.

Na prática, a reitoria só agiu em 27 de Fevereiro, ou seja, duas semanas e meia após a decisão das autoridades da Universidade, só então tendo iniciado as diligências necessárias para a publicação. O Governo espanhol não deu explicações suficientes para este atraso de duas semanas e meia. Tratou-se de necessidades de natureza administrativa que não foram expostas mais detalhadamente.

24.

Num caso em que se impõe a maior rapidez, deve ser possível preparar o desenrolar dos processos técnico-administrativos de forma a não provocar outros atrasos. Por consequência, se se pudesse contar com o facto de que os créditos seriam proximamente atribuídos no orçamento — e mesmo a data em que o orçamento é aprovado é previsível —, o processo de adjudicação poderia ter sido preparado no plano administrativo, mesmo que não se tivesse ainda iniciado formalmente.

25.

A declaração do chefe do gabinete técnico quanto à urgência dos trabalhos, que consta do anexo IV da contestação, poderia muito provavelmente ter sido pedida antes da decisão do Conselho de Administração, e não em 12 de Fevereiro de 1989.

26.

Mesmo que as autoridades tivessem agido imediatamente após a decisão de 9 de Fevereiro de 1989, e que nenhuma medida tivesse sido tomada nos dias 10, 11 e 12 de Fevereiro, o prazo de 22 dias, necessário para levar a cabo o processo acelerado, teria terminado em 6 de Março de 1989, dia em que precisamente terminou o prazo para a recepção das propostas, nos termos do anúncio publicado em 27 de Fevereiro de 1989. Por conseguinte, não é possível argumentar que os trabalhos teriam sido atrasados se o processo prescrito na directiva tivesse sido respeitado.

27.

Por conseguinte, a análise da questão de saber se estavam reunidas as condições previstas no artigo 9.°, alínea d), da directiva, para ser concedida uma derrogação, é meramente hipotética. O artigo 9.°, alínea d), da directiva exige que haja uma «urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pelas entidades adjudicantes (que) não seja compatível com os prazos exigidos por outros processos». Nas nossas conclusões no processo 199/85, já sustentámos que se devem interpretar estas disposições de forma estrita e que as condições enumeradas no citado artigo devem estar cumulativamente preenchidas ( *5 ). Se faltar uma das condições exigidas, a disposição derrogatória não pode, por conseguinte, ser aplicada. Mesmo que os factos do processo 199/85 fossem diferentes dos do processo em análise no que respeita à urgência das obras, isso não altera em nada a justeza da interpretação abstracta da disposição em questão.

28.

No acórdão que proferiu no citado processo, o Tribunal de Justiça pronunciou-se também sobre a interpretação do artigo 9.°, alínea d), da directiva e concluiu que essas derrogações deveriam ser objecto de interpretação escrita ( *6 ).

29.

É possível que, tendo em conta a exiguidade das instalações, o aumento do número de estudantes tenha realmente provocado, no início do ano de 1989, uma urgência imperiosa, susceptível de impor a adopção de medidas com vista a aumentar as capacidades. A importância das novas inscrições não constituía, todavia, um acontecimento súbito e imprevisível, capaz de afectar a Universidade de forma imprevista e de impor a adopção de medidas imediatas. Admitimos que o aumento constante do número de estudantes tenha tido por consequência tornar a situação insuportável num certo momento. Essa evolução não é, todavia, de forma nenhuma, imprevisível. O número exacto das novas inscrições também não pode ter importância a este respeito, visto que flutuações pouco importantes não podem melhorar nem tornar consideravelmente mais difícil a situação global. Em Fevereiro de 1989, o número das novas inscrições para o ano universitário de 1989/1990 ainda não estava, de resto, fixado. Estas novas inscrições só se efectuariam em Julho de 1989, de forma que, no início do ano de 1989, só se podia trabalhar com estimativas, no que respeita ao número de novas inscrições. No que diz respeito à deterioração efectiva da situação, não se pode, por consequência, falar de acontecimentos imprevisíveis para a entidade adjudicante.

30.

No que respeita à autorização das verbas, deve, certamente, presumir-se que não se poderia proceder à adjudicação de empreitada antes de essas verbas terem sido definitivamente concedidas. Todavia, mesmo quando se trata de créditos concedidos, a pedido da interessada, pela lei orçamental no orçamento complementar, não se trata de acontecimentos imprevisíveis, de forma que a administração da Universidade — perante a situação problemática — era certamente obrigada a preparar cuidadosamente essa decisão e a agir em seguida rapidamente.

31.

O Governo espanhol argumentou a este respeito que a atribuição das verbas não é necessariamente imprevisível, mas que, no caso dos autos, devia ser considerada imprevisível. Segundo o Governo espanhol, só quando um acontecimento ocorre é que se podem tirar as respectivas consequências.

32.

A este respeito, deve observar-se, antes de mais, que essa interpretação do artigo 9.°, alínea d), da directiva contradiz a redacção da citada disposição. Além disso, é igualmente contrária ao objectivo dessa disposição, que consiste em estabelecer um critério objectivo para a aplicação das derrogações. O critério da previsibilidade é um critério que permite medir o grau de previsão a que está obrigada uma entidade adjudicante, quando surgem circunstâncias agravantes. E por isso que só as condições objectivamente imprevisíveis desvinculam a entidade adjudicante da obrigação de tomar as medidas necessárias para respeitar as disposições da directiva.

33.

Por consequência, deve concluir-se que a administração da Universidade não cumpriu as obrigações que lhe impunha a Directiva 71/305, condenando-se o Estádo-membro demandado em conformidade com o pedido da Comissão.

C — Conclusão

34.

Por conseguinte, propomos que o Tribunal de Justiça decida da forma seguinte:

«1)

Declara-se que, tendo a reitoria da Universidade Complutense de Madrid decidido adjudicar por ajuste directo uma empreitada de obras públicas que tinha como objecto a ampliação e transformação da Faculdade dè Ciências Políticas e Sociologia e da Escola de Trabalho Social da referida Universidade, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas.

2)

O Reino de Espanha é condenado nas despesas.»


( *1 ) Língua original: alemão.

( *2 ) Directiva do Conselho, de 26 de Julho de 1971 (JO L 185, p. 5; EE 17 Fl p. 9), alterada pela Directiva 89/440/CEE do Conselho, de 18 de Julho de 1989 (JO L 210, p. 1), através da qual o montante dos trabalhos sujeitos a aplicação da directiva foi aumentado de um para cinco milhões de ecus.

( *3 ) V. acórdãos de 24 de Novembro de 1982, Comissão/Irlanda (249/81, Recueil, p. 4005), e de 13 de Dezembro de 1983, Apple and Pear Development Council (222/82, Recueil, p. 4083), bem como os n.os 15 e segs. das conclusões do acórdão de 11 de Julho de 1991 (C-247/89, Colect., p. I-3659).

( *4 ) V. a Directiva 71/305, na versão alterada pelo Acto de Adesão da Espanha.

( *5 ) V. n.° 36 das conclusões do acórdão de 10 de Março de 1987, Comissäo/Itäüa (199/85, Colcct., p. 1039, p. 1047).

( *6 ) V. acórdão de 10 de Março de 1987, 199/85, n.° 14.