DESPACHO DO TRIBUNAL

23 de Maio de 1990 ( *1 )

No processo C-72/90,

Asia Motor France, sociedade francesa com sede no Luxemburgo, e outras, representadas por Jean-Claude Fourgoux, advogado no foro de Paris e por Pierre Schütz, advogado no foro do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório deste último, 13, rue Aldringen,

demandantes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias,

demandada,

que tem por objecto uma acção com base, por um lado, no artigo 175.°, terceiro parágrafo, do Tratado CEE, destinada a obter a declaração de que a Comissão não tomou uma decisão a respeito das recorrentes com base nos artigos 30.° e 85.° do Tratado e, por outro lado, nos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, destinada a obter uma indemnização pelos prejuízos resultantes da referida omissão,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e M. Zuleeg, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliét, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse, M. Diez de Velasco e P. Kapteyn, juízes,

advogado-geral : F. G. Jacobs

secretario: J.-G. Giraud

ouvido o advogado-geral,

profere o presente

Despacho

1

Por petição entregue na Secretaria do Tribunal em 20 de Março de 1990 e registada no dia 21 do mesmo mês, a Asia Motor France e três outras sociedades intentaram uma acção destinada, em primeiro lugar, em aplicação do artigo 175.°, terceiro parágrafo, do Tratado, a obter a declaração de que a Comissão não adoptou, relativamente às demandantes, uma decisão com base nos artigos 30.° e 85.° do Tratado e, em segundo lugar, em aplicação dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, a obter uma indemnização pelos prejuízos resultantes da referida omissão.

2

As demandantes dedicam-se à importação e comercialização em França de veículos de marca japonesa admitidos em livre prática noutros Estados da Comunidade como a Bélgica e o Luxemburgo.

3

Considerando-se vítima de um acordo ilícito entre os cinco grandes importadores japoneses em França, protegidos pelo Governo francês, uma das empresas demandantes apresentou uma queixa junto da Comissão em 18 de Novembro de 1985, com base nos artigos 30.° e 85.° do Tratado. A esta queixa seguiu-se, em 29 de Novembro de 1988, nova queixa contra os cinco grandes importadores apresentada pelas quatro empresas demandantes, com base no artigo 85.°

4

As demandantes alegam que os cinco grandes importadores japoneses se comprometeram perante a administração francesa a não vender, pelo período de um ano, um número de veículos superior a 3 % do total de veículos registados nesse mesmo período. Esta quota seria partilhada entre os grandes importadores de acordo com regras previamente acordadas e que excluíam as empresas concorrentes.

5

Como contrapartida desta autolimitação, a administração francesa multiplicou os entraves à livre circulação de veículos japoneses não abrangidos pelo acordo. Em primeiro lugar, instaurou um processo excepcional de registo para os veículos objecto de importações paralelas. Tais veículos eram considerados como veículos em segunda mão e, por conseguinte, sujeitos a um duplo controlo técnico. Em segundo lugar, a gendarmerie nacional deu instruções no sentido de se proceder contra os compradores de veículos japoneses em segunda mão que circulassem com matrículas estrangeiras. Finalmente, era aplicada a tais veículos, no momento da importação em França, uma taxa de IVA discriminatória de 28 °/o, mais tarde reduzida para 18,6 %, com todos os prejuízos daí decorrentes para o distribuidor relativamente ao comprador.

6

Por carta de 9 de Junho de 1989, a Comissão pediu informações aos importadores acusados. O ministro francês da Indústria e do Ordenamento Territorial, por carta de 20 de Julho de 1989, deu instruções aos referidos importadores para não responderem às questões colocadas pela Comissão, uma vez que versavam sobre a política do Estado francês relativamente às importações de veículos japoneses.

7

Por outro lado, em Agosto de 1989, a Comissão enviou um pedido de informações ao Governo francês, cuja resposta, a ter havido resposta, não foi levada ao conhecimento das demandantes.

8

Vendo que a Comissão mantinha o silêncio sobre elas, as demandantes enviaram-lhe, em 21 de Novembro de 1989, uma carta em que solicitavam se tomasse posição sobre os processos desencadeados com base nos artigos 30.° e 85.° do Tratado. Persistindo o silêncio da Comissão, as demandantes intentaram a presente acção.

9

Nos termos do artigo 92.°, n.° 1, do Regulamento Processual, «se o Tribunal for manifestamente incompetente para conhecer de um pedido apresentado nos termos do n.° 1 do artigo 38.°, pode, mediante decisão motivada, declará-lo inadmissível. A decisão pode ser proferida mesmo antes do requerimento introdutório ser notificado à parte contrária».

10

Assinale-se que as pessoas singulares e colectivas só podem recorrer ao Tribunal ao abrigo do artigo 175.°, terceiro parágrafo, do Tratado, com o intuito de obterem a declaração de que uma das instituições não adoptou, em violação do Tratado, actos de que tais pessoas sejam potenciais destinatários. Ora, a queixa relativa à alegada violação do artigo 30.° pelas autoridades francesas não podia, em nenhuma circunstância, obrigar a Comissão a adoptar um acto destinado às demandantes.

11

Com efeito, mesmo que a Comissão tivesse decidido dar início a um processo de declaração de incumprimento ao abrigo do artigo 169.° do Tratado, resulta deste artigo que nenhum dos actos desse processo poderia ter sido dirigido aos queixosos. Trata-se de um processo que exclui o direito de os particulares exigirem à Comissão a adopção de uma posição em determinado sentido através de um acto que lhes seja dirigido (acórdão de 14 de Fevereiro de 1989, Star Fruit/Comissão, 247/87, Colect., p. 291 e despacho de 30 de Março de 1990, Emrich/Comissão, C-371/89, Colect., p. I-1555).

12

Nestas condições, há que declarar que a acção por omissão é manifestamente inadmissível uma vez que visa uma omissão da Comissão relativamente a uma pretensa violação do artigo 30.° pelas autoridades francesas.

13

Dado que a acção de indemnização tem como fundamento a responsabilidade decorrente da abstenção da Comissão relativamente ao artigo 30.° do Tratado, há que ter presente que, uma vez que a Comissão não é obrigada a desencadear um processo ao abrigo do artigo 169.° (acórdão de 14 de Fevereiro de 1989, 247/87, atrás citado), o único comportamento que poderia ser posto em causa como tendo originado o prejuízo seria o do Estado francês.

14

Ora, o Tribunal é manifestamente incompetente para se pronunciar, no âmbito de uma acção intentada ao abrigo do artigo 178.° do Tratado, sobre a responsabilidade decorrente do carácter ilegal do comportamento de um Estado. Essa competência pertence aos órgãos jurisdicionais nacionais, se necessário após recurso ao artigo 177.° do Tratado.

15

Nestas condições, há que declarar que a acção de indemnização é manifestamente inadmissível uma vez que visa a responsabilidade decorrente da abstenção da Comissão relativamente à pretensa violação do artigo 30.° pelas autoridades francesas.

16

Dado que a acção respeita à abstenção da Comissão relativamente à pretensa violação do artigo 85.° do Tratado e à responsabilidade daí decorrente, sublinhe-se que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1978, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1) «o Tribunal de Primeira Instância exerce, em primeira instância, a competência... nos recursos e acções contra uma Instituição das Comunidades por pessoas singulares ou colectivas, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 173.° e do terceiro parágrafo do artigo 175.° do Tratado CEE, que digam respeito à aplicação das regras de concorrência aplicadas às empresas».

17

O n.° 2 do mesmo artigo prevê que «quando uma mesma pessoa, singular ou colectiva, intentar uma acção para a qual o Tribunal de Primeira Instância seja competente... e propuser uma acção prevista... no artigo 178.° do Tratado CEE..., destinada à reparação de danos causados por uma instituição comunitária por acção ou omissão, que seja objecto da primeira acção, o Tribunal de Primeira Instância será igualmente competente para a acção de indemnização».

18

Finalmente, nos termos do artigo 47.° do estatuto CEE do Tribunal de Justiça, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 7° da citada decisão de 24 de Outubro de 1988«quando o Tribunal verificar que uma acção ou recurso é da competência do Tribunal de Primeira Instância remeter-lhe-á o respectivo processo, não podendo o Tribunal de Primeira Instância declinar a sua competência».

19

Assim, na medida em que visa a omissão da Comissão na aplicação do artigo 85.° do Tratado e a responsabilidade daí decorrente, a presenta acção é da competência do Tribunal de Primeira Instância.

20

Por conseguinte, há que declarar a presente acção manifestamente inadmissível em parte e, quanto ao restante, remetê-la ao Tribunal de Primeira Instância.

21

Compete ao Tribunal decidir quanto às despesas na parte correspondente às acções declaradas inadmissíveis pelo presente despacho. Essa parte das despesas deve, segundo um critério uniforme, ser avaliada em metade da totalidade das despesas efectuadas pelas demandantes até à data do presente despacho..Em conformidade com o artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual, há que condenar as demandantes a suportar essa parte das despesas. Compete ao Tribunal de Primeira Instância decidir sobre a parte restante das despesas efectuadas perante o Tribunal e sobre as despesas perante si próprio efectuadas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

ordena:

 

1)

A acção é inadmissível, na medida em que visa a omissão da Comissão relativamente ao artigo 30.° do Tratado e a responsabilidade daí decorrente.

 

2)

Quanto ao restante, a acção é remetida ao Tribunal de Primeira Instância.

 

3)

As demandantes são condenadas a suportar metade das despesas feitas até à data do presente despacho.

 

Proferido no Luxemburgo, a 23 de Maio de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: francês.