ACORDAO DO TRIBUNAL DE 27 DE ABRIL DE 1993. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA HELENICA. - RESTRICOES QUANTITATIVAS - PROTECCAO DA SAUDE - FRANGOS CONGELADOS. - PROCESSO C-375/90.
Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-02055
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Livre circulação de mercadorias ° Restrições quantitativas ° Medidas de efeito equivalente ° Exigências microbiológicas aplicáveis aos produtos alimentares ° Inexistência de normas comunitárias ° Competência dos Estados-membros ° Limites
(Tratado CEE, artigos 30. e 36. )
2. Acção por incumprimento ° Prova do incumprimento ° Ónus que impende sobre a Comissão
(Tratado CEE, artigo 169. )
1. Se os dados disponíveis, no estado actual da investigação científica, não permitem fixar com certeza o número de microrganismos patogénicos para além do qual um produto alimentar constitui um perigo para a saúde, compete aos Estados-membros, na falta de harmonização nessa matéria, decidir qual o nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e vida das pessoas, tendo simultaneamente em conta a exigência de livre circulação das mercadorias.
2. No âmbito do processo previsto no artigo 169. do Tratado, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado.
No processo C-375/90,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dimitrios Gouloussis, consultor jurídico, e Rafael Pellicer, membro do Serviço Jurídico, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
demandante,
apoiada por
República Francesa, representada por Philippe Pouzoulet, subdirector dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Géraud de Bergues, secretário adjunto principal dos Negócios Estrangeiros do mesmo ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 9, boulevard du Prince Henri,
interveniente,
contra
República Helénica, representada inicialmente por K. Samoni-Rantou, advogada, colaboradora jurídica de primeira classe do Serviço de Contencioso Comunitário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e posteriormente por Fokion P. Georgakopoulos, membro delegado do Conselho Jurídico do Estado, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido na Embaixada da Grécia, 117, Val Sainte-Croix,
demandada,
que tem por objecto obter a declaração de que a República Helénica,
a) ao proibir a importação de um lote de 90 toneladas de frangos congelados proveniente de França devido à presença de salmonelas na superfície de certas carcaças;
b) ao proibir a importação de mais de 40 toneladas de frangos com o pretexto de um pretenso teor excessivo em água estranha;
c) ao atrasar de maneira sistemática e reiterada a importação de vários lotes de frangos congelados,
não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 71/118/CEE do Conselho, de 15 de Fevereiro de 1971, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio de carnes frescas de aves de capoeira (JO L 55, p. 23; EE 03 F4 p. 131), da Directiva 83/643/CEE do Conselho, de 1 de Dezembro de 1983, relativa à facilitação dos controlos físicos e das formalidades administrativas aquando do transporte de mercadorias entre Estados-membros, com as alterações introduzidas pela Directiva 87/53/CEE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1986 (JO L 24, p. 33), do Regulamento (CEE) n. 2967/76 do Conselho, de 23 de Novembro de 1976, que determina normas comuns relativas ao teor em água dos galos, galinhas e frangos congelados ou supercongelados (JO L 339, p. 1; EE 03 F11 p. 72), do Regulamento (CEE) n. 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira (JO L 282, p. 77; EE 03 F9 p. 151), e dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: O. Due, presidente, C. N. Kakouris e M. Zuleeg, presidentes de secção, R. Joliet, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse, M. Díez de Velasco, P. J. G. Kapteyn e D. A. O. Edward, juízes,
advogado-geral: G. Tesauro
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 27 de Outubro de 1992,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 2 de Dezembro de 1992,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 18 de Dezembro de 1990, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169. do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao proibir a importação de um lote de 90 toneladas de frangos congelados proveniente de França devido à presença de salmonelas na superfície de certas carcaças, ao proibir a importação de mais de 40 toneladas de frangos com o pretexto de um pretenso teor excessivo em água estranha e ao atrasar de maneira sistemática e reiterada a importação de vários lotes de frangos congelados, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 71/118/CEE do Conselho, de 15 de Fevereiro de 1971, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio de carnes frescas de aves de capoeira (JO L 55, p. 23; EE 03 F4 p. 131), da Directiva 83/643/CEE do Conselho, de 1 de Dezembro de 1983, relativa à facilitação dos controlos físicos e das formalidades administrativas aquando do transporte de mercadorias entre Estados-membros, com as alterações introduzidas pela Directiva 87/53/CEE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1986 (JO L 24, p. 33), do Regulamento (CEE) n. 2967/76 do Conselho, de 23 de Novembro de 1976, que determina normas comuns relativas ao teor em água dos galos, galinhas e frangos congelados ou supercongelados (JO L 339, p. 1; EE 03 F11 p. 72), do Regulamento (CEE) n. 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira (JO L 282, p. 77; EE 03 F9 p. 151), e dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE.
2 Durante o ano de 1987, os serviços da Comissão receberam queixas alegando que as autoridades gregas tinham imposto restrições à importação de frangos congelados provenientes de França.
3 Segundo a primeira queixa, as autoridades gregas teriam apreendido sem justificação 90 toneladas de frangos congelados, porque uma inspecção veterinária efectuada por essas autoridades teria revelado a presença de salmonelas na pele das amostras colhidas. Além disso, essas autoridades não teriam respeitado os procedimentos previstos na Directiva 71/118, já referida.
4 Relativamente a esta queixa, foi efectuada em 2 de Dezembro de 1987 uma peritagem, nos termos do artigo 10. desta directiva, por um perito veterinário de nacionalidade diversa da francesa ou grega. Este, no final da peritagem, considerou que a presença de salmonelas se devia a uma contaminação post mortem da pele dos frangos. Em seu entender, a diferença entre os resultados dos exames efectuados na Grécia e em França explica-se por os veterinários gregos terem colhido tecido subcutâneo, músculo peitoral e pele, quando o método utilizado em França abrangia a análise de 25 gramas de tecido muscular após retirada a pele. Concluiu que os lotes em causa estavam conformes com as exigências da Directiva 71/118, já referida.
5 Na sequência da intervenção dos serviços da Comissão, foi efectuada uma nova peritagem a um lote de 50 frangos. Esta peritagem abrangia a análise de uma metade de cada frango segundo o método grego e da outra metade segundo o método francês. As amostras analisadas segundo o método francês não revelaram quaisquer vestígios de salmonelas, ao passo que as analisadas segundo o método grego revelaram vestígios de salmonelas em dois frangos.
6 Nos termos da segunda queixa, dois lotes de frango teriam sido retidos desde Outubro de 1987, com o pretexto de que esses frangos tinham um teor em água que excedia as normas comunitárias.
7 No que diz respeito a esta segunda queixa, uma contra-análise efectuada em 25 e 26 de Janeiro de 1988 revelou que o teor em água estranha, segundo o método de detecção rápida previsto no Anexo II do Regulamento n. 2967/76, já referido, era de 4,9%, ou seja, um teor inferior ao máximo admitido por este regulamento. No entanto, um segundo controlo de sete carcaças, realizado segundo o método de controlo previsto no Anexo III do mesmo regulamento, revelou que o teor em água era superior aos valores-limite previstos por este regulamento.
8 Nos termos da terceira queixa, as autoridades gregas teriam atrasado por três vezes, em 1987, a admissão ao consumo no mercado grego de lotes de frangos congelados.
9 Após exame deste caso, a Comissão iniciou o processo previsto no artigo 169. do Tratado e enviou em 18 de Abril de 1988 ao Governo grego uma notificação de incumprimento.
10 Por ofício de 22 de Julho de 1988, as autoridades gregas negaram ter infringido as normas comunitárias em causa e afirmaram ter cumprido escrupulosamente as disposições sanitárias comunitárias e, na ausência de tais disposições, as disposições nacionais vigentes, e sem qualquer discriminação quanto ao país de origem dos produtos sujeitos a inspecção sanitária.
11 Considerando que a resposta das autoridades gregas à notificação de incumprimento não era satisfatória, a Comissão dirigiu, em 28 de Setembro de 1989, à República Helénica um parecer fundamentado, pedindo-lhe que tomasse as medidas necessárias para cumprimento do mesmo, no prazo de um mês a contar da sua notificação.
12 Por ofício de 18 de Dezembro de 1989, a República Helénica comunicou que mantinha a sua posição de que as medidas em causa se justificavam por razões de saúde pública.
13 Foi nestas circunstâncias que a Comissão intentou no Tribunal a presente acção.
14 Para mais ampla exposição dos antecedentes do litígio, da tramitação processual, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
Quanto à primeira acusação baseada na violação do artigo 30. do Tratado e da Directiva 71/118 do Conselho
15 Deve notar-se, a título liminar, que, nos termos do artigo 9. da Directiva 71/118, já referida, "um Estado-membro pode proibir a circulação no seu território de carne fresca de aves de capoeira proveniente de outro Estado-membro se se tiver constatado... que essa carne está imprópria para consumo humano". Conforme o Tribunal já decidiu, a Directiva 71/118 reserva expressamente essa faculdade aos Estados-membros, na expectativa de uma harmonização mais avançada (v. acórdão de 22 de Maio de 1990, Alimenta, C-332/88, Colect., p. I-2077, n. 17).
16 Convém salientar igualmente que, como precisa esse mesmo acórdão, embora o parecer do perito veterinário, cuja intervenção está prevista no artigo 10. da Directiva 71/118, já referida, constitua um elemento de apreciação importante para as autoridades nacionais, não tem efeito decisivo e vinculativo.
17 A Comissão alega, em primeiro lugar, que, por força das disposições da directiva, os frangos só são impróprios para o consumo humano se estiverem afectados por uma doença infecciosa. Só se esta hipótese se tivesse verificado no caso em análise é que a República Helénica teria o direito de proibir a importação dos lotes em questão. Ora, a presença de salmonelas na pele dos frangos de modo nenhum significa que essas aves estejam afectadas por uma doença infecciosa, neste caso a salmonelose, infecção septicémica de localização gastrintestinal.
18 A República Helénica invoca o artigo 36. do Tratado para justificar as medidas controvertidas. Com efeito, sustenta que a simples presença de salmonelas na pele de um frango, esteja este ou não afectado por salmonelose, constitui um risco para a saúde humana, uma vez que estes micróbios podem provocar doenças infecciosas no homem.
19 Quanto a estes diferentes argumentos, convém lembrar que, segundo jurisprudência constante, se os dados disponíveis, no estado actual da investigação científica, não permitem fixar com certeza o número de microrganismos patogénicos para além do qual um produto alimentar constitui um perigo para a saúde, compete aos Estados-membros, na falta de harmonização nessa matéria, decidir qual o nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e vida das pessoas, tendo simultaneamente em conta a exigência de livre circulação das mercadorias (v. designadamente o acórdão de 6 de Junho de 1984, Melkunie, 97/83, Colect., p. 2367, n. 18).
20 A Comissão, apesar de admitir a aplicabilidade desta jurisprudência ao presente processo, considera, no entanto, que os controlos efectuados pelas autoridades gregas não respeitaram o princípio da proporcionalidade. A este respeito, argumenta, em primeiro lugar, que ao examinar os tecidos não somente musculares, mas também os da pele e os tecidos subcutâneos, a República Helénica utilizou um método afastado pela totalidade dos Estados-membros, incluindo a própria República Helénica, para o controlo prévio à comercialização do mesmo produto de origem nacional. Em segundo lugar, o risco para a saúde pública representado pelas salmonelas na pele das aves de capoeira pode ser eliminado por medidas de higiene e, designadamente, por um tratamento a alta temperatura. Em terceiro lugar, os vestígios de salmonelas detectadas nas amostras colhidas eram claramente inferiores à dose mínima susceptível de provocar uma intoxicação alimentar.
21 Estes argumentos da Comissão não podem ser acolhidos.
22 Com efeito, em relação ao primeiro argumento, há que observar que na audiência a Comissão especificou, em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal, que não dispunha de qualquer elemento que lhe permitisse definir os métodos efectivamente aplicados pela República Helénica para detectar a presença de salmonelas nos frangos gregos e que, de qualquer modo, não alegava que a República Helénica tinha aplicado medidas discriminatórias contra produtos importados. Acresce que resulta dos dados fornecidos pela própria Comissão que um certo número de outros Estados-membros executam os controlos em causa tanto na pele como no tecido muscular das aves de capoeira, da mesma forma que a República Helénica. Deve salientar-se, por fim, que a República Francesa, interveniente em apoio dos pedidos da Comissão, reconheceu que, na falta de normas comunitárias, as autoridades gregas tinham o direito de proceder à análise de amostras compostas por uma mistura de pele e de músculo.
23 Quanto ao segundo argumento, resulta da literatura científica apresentada pelas partes a pedido do Tribunal que a presença de salmonelas, ainda que só na pele das aves, pode representar um perigo para a saúde humana, devido designadamente, antes da cozedura da carne, ao risco de contaminação das instalações, utensílios e outros produtos alimentares utilizados para esse efeito.
24 Quanto ao terceiro argumento, foi afirmado pela República Helénica na audiência, e isso não foi contestado pela Comissão, que o método de detecção de salmonelas em causa, que é um método de enriquecimento, permite constatar unicamente a presença ou a ausência de salmonelas e não a determinação do número exacto de salmonelas presentes. Além disso, mesmo se esse número fosse relativamente reduzido, resulta dos documentos juntos que algumas camadas da população, designadamente as crianças, as pessoas idosas e as pessoas já doentes, são particularmente vulneráveis e que mesmo uma dose relativamente reduzida basta para as contaminar.
25 Daqui decorre que a Comissão não provou a alegação de que os controlos em causa teriam sido desproporcionados em relação à finalidade visada e que a sua primeira acusação deve, portanto, ser rejeitada na totalidade.
Quanto à segunda acusação baseada na violação do Regulamento n. 2967/76 do Conselho
26 Importa, liminarmente, lembrar o disposto no artigo 4. do Regulamento n. 2967/76, já referido, que estabelece o seguinte:
"1. O controlo do teor em água pode, em primeira instância, ser efectuado pela técnica de detecção rápida descrita no Anexo II.
Se existir a presunção de que durante a preparação foram utilizadas substâncias que têm como efeito aumentar a retenção de águas nas aves, a determinação do teor em água será efectuada directamente segundo um dos métodos de análise descritos nos Anexos III e IV, à escolha do Estado-membro.
Se o controlo, feito segundo a técnica de detecção rápida, fornecer um resultado igual ou inferior ao valor fixado no ponto 7 do Anexo II, pressupõe-se que as aves estão em conformidade com o presente regulamento.
2. Se os resultados do controlo, feito segundo a técnica de detecção rápida, ultrapassarem o limite fixado no ponto 7 do Anexo II, ou se o controlo segundo esta técnica se não realizar, proceder-se-á a uma análise química segundo um dos métodos descritos nos Anexos III e IV, à escolha do Estado-membro.
Se os resultados do controlo, feito segundo um dos métodos de análise descritos nos Anexos III e IV, ultrapassarem os limites admitidos, as aves serão consideradas como não estando em conformidade com o presente regulamento.Todavia, neste caso, o possuidor das aves em causa poderá solicitar a realização de uma contra-análise, a efectuar segundo o mesmo método."
27 A Comissão alega que, no controlo realizado nos dois lotes de frangos em causa, as autoridades gregas utilizaram primeiro o método de controlo de detecção rápida previsto no Anexo II do Regulamento n. 2967/76, já referido, que revelou que os frangos tinham um teor em água inferior ao limite autorizado. Assim, nos termos do artigo 4. , n. 1, do mesmo regulamento, as aves deveriam ter sido consideradas como conformes com o regulamento e não ter sido objecto do segundo controlo, em que as autoridades gregas aplicaram o método previsto no Anexo III do regulamento.
28 Nas respostas à notificação de incumprimento e ao parecer fundamentado, na contestação, bem como na audiência, a República Helénica afirmou ter utilizado, neste caso, não o método da detecção rápida previsto no Anexo II, mas exclusivamente o método de controlo previsto no Anexo III do Regulamento n. 2967/76. O método de detecção rápida só teria sido utilizado no âmbito da nova análise efectuada a pedido do perito.
29 Convém salientar que a Comissão não contestou esta afirmação nem na fase escrita do processo nem na audiência. Deve, assim, constatar-se que esta instituição não forneceu a prova da sua alegação de que a República Helénica estava vinculada aos resultados dos controlos feitos pelo método previsto no Anexo II e que, portanto, não tinha o direito de proceder a um segundo controlo pelo método de detecção previsto no Anexo III do Regulamento n. 2967/76.
30 Na audiência, a Comissão alegou que, por força do artigo 4. do Regulamento n. 2967/76, já referido, a República Helénica deveria, de qualquer modo, ter utilizado em primeiro lugar o método de detecção rápida previsto no Anexo II, visto que as autoridades nacionais só teriam o direito de utilizar o método previsto no Anexo III se fosse de presumir que o emprego de certas substâncias, aquando da preparação das aves, tivessem tido como consequência aumentar a retenção de água nos tecidos.
31 Importa constatar que este argumento, apresentado na audiência, não foi invocado durante o processo pré-contencioso, nem durante a fase escrita do processo perante o Tribunal. Este argumento não poderia por isso ser tomado em conta pelo Tribunal.
32 Subsidiariamente, a Comissão alega que a República Helénica não respeitou, na análise dos frangos em causa, as exigências técnicas previstas no Anexo III do Regulamento n. 2967/76, o que põe em dúvida a fiabilidade destas análises.
33 A este respeito, convém lembrar que é jurisprudência constante (v. designadamente acórdãos de 17 de Novembro de 1992, Comissão/Países Baixos, C-157/91, n. 12, Colect., p. I-5899, e de 25 de Abril de 1989, Comissão/Itália, 141/87, n.os 15 e 16, Colect., p. 943) que, no âmbito do processo previsto no artigo 169. do Tratado CEE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado.
34 Ora, se é certo que no presente processo a Comissão baseou o seu fundamento num certo número de dados, não é menos certo que a República Helénica, nas suas peças escritas e na audiência, deu indicações detalhadas que visavam demonstrar que, de facto, as exigências do Anexo III tinham sido respeitadas, e sem que, de resto, a exactidão dessas indicações tenha sido contestada pela Comissão.
35 Importa, por isso, constatar que a Comissão não demonstrou a alegada violação das disposições do Regulamento n. 2967/76. Assim sendo, a segunda acusação deve ser considerada improcedente.
Quanto à terceira acusação baseada na violação do Tratado e do artigo 6. da Directiva 83/643 do Conselho
36 Com este argumento, a Comissão acusa a República Helénica de ter atrasado de forma sistemática e reiterada a importação de vários lotes de frangos congelados. Trata-se, com efeito, de um lote de 112 toneladas, cuja admissão ao consumo foi atrasada por um mês em Abril de 1987, de um lote de 216 toneladas atrasado por duas semanas em Julho de 1987 e de dois lotes, de 22 toneladas cada um, atrasados, respectivamente, em 2 e 4 semanas em Outubro de 1987.
37 Esta acusação baseia-se no artigo 30. do Tratado e no artigo 6. da Directiva 83/643, com as alterações da Directiva 87/53, já referidas. Nos termos desta última disposição:
"Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para assegurar que os tempos de espera causados pelos diferentes controlos e formalidades não excedam os prazos necessários à sua boa execução. Para esse efeito, organizarão os horários de intervenção dos serviços que tenham de efectuar os controlos e cumprir as formalidades e os efectivos disponíveis, bem como as modalidades práticas de tratamento das mercadorias e dos documentos necessários à execução dos controlos e formalidades, de modo a reduzir ao mínimo os tempos de espera no escoamento do tráfego."
38 Para justificar os atrasos, a República Helénica forneceu um certo número de explicações que importa examinar.
39 Em primeiro lugar, em relação ao lote de 216 toneladas e a um dos lotes de 22 toneladas, a República Helénica alega que os atrasos ocorridos eram imputáveis ao facto de os frangos em causa terem um teor em água estranha que excedia os limites previstos pelo Regulamento n. 2967/76, já referido. Assim, nos termos do artigo 2. do Regulamento (CEE) n. 2785/80 da Comissão, de 30 de Outubro de 1980, que estabelece modalidades de aplicação do Regulamento n. 2967/76 (JO L 288, p. 13; EE 03 F19 p. 153), os frangos deviam ficar sob o controlo da autoridade competente até que o seu detentor procedesse, sob o controlo dessa autoridade, a uma etiquetagem que incluísse a menção "teor em água superior ao limite CEE". Atendendo a estas circunstâncias, a República Helénica não seria responsável pelo atraso de que era acusada.
40 Para a Comissão, este argumento não pode merecer acolhimento, visto que o controlo do teor em água não foi realizado correctamente pelas autoridades gregas e que, portanto, estas não poderiam invocar tal circunstância para justificar o atraso causado às importações.
41 A este propósito, importa lembrar que a segunda acusação da Comissão, baseada na violação das disposições do Regulamento n. 2967/76 relativas ao controlo do teor em água estranha, foi rejeitada. Assim, sendo idênticos os lotes visados no âmbito das segunda e terceira acusações, tem de se constatar que a Comissão não fez prova da existência da violação das disposições invocada no âmbito da terceira acusação e, tratando-se de lotes diferentes, não trouxe qualquer elemento novo que permita provar a alegada violação.
42 Têm, pois, de ser considerados improcedentes os argumentos invocados pela Comissão no que respeita aos dois lotes atrás mencionados.
43 No que diz respeito ao segundo lote de 22 toneladas, a República Helénica, que admite as obrigações com que a Directiva 83/643, já referida, onera os Estados-membros, argumentou que o atraso era justificado por circunstâncias excepcionais. Para a demandada, esse atraso dever-se-ia ao facto de a máquina utilizada para efectuar o controlo do teor em água estranha se ter avariado e não ter podido ser reparada, pelo que teve de ser substituída por uma máquina importada do estrangeiro, o que provocou o atraso de um mês censurado pela Comissão.
44 Sem contestar a veracidade destas afirmações, a Comissão contrapôs que uma dificuldade de ordem interna não podia justificar entraves às trocas.
45 Importa referir que o artigo 6. da Directiva 83/643, já referida, impõe um dever de diligência aos Estados-membros, designadamente para reduzir ao mínimo os tempos de espera no escoamento do tráfego. A Comissão, no entanto, não fez a prova de que a avaria em causa era imputável à negligência das autoridades gregas, ou que estas tivessem demorado um tempo excessivo para substituir a máquina defeituosa, ou que o atraso objecto de acusação poderia ter sido reduzido através do recurso a outros meios.
46 Deste modo, a acusação da Comissão relativa ao segundo lote de 22 toneladas de frangos deve ser igualmente julgada improcedente.
47 Em terceiro lugar, no que respeita ao lote de 112 toneladas, a República Helénica argumenta que o atraso de um mês causado à importação deste lote se deveu ao facto de, por um lado, os frangos não virem rotulados com as datas de abate e de congelação e, por outro, o atraso se ter prolongado por causa das férias da Páscoa.
48 Este argumento não pode ser acolhido.
49 Na verdade, no que respeita à rotulagem atrás mencionada, há que notar que esta exigência não é justificada por qualquer disposição de direito comunitário. Quanto à explicação de que o atraso era em parte imputável às férias da Páscoa, basta lembrar que as autoridades gregas tinham a obrigação, por força do artigo 6. da Directiva 83/643, já referida, de garantir que os tempos de espera provocados pelos vários controlos e formalidades não excedessem os prazos necessários à sua execução e que, no âmbito desta obrigação, deviam reduzir ao mínimo os tempos de espera no escoamento do tráfego.
50 Importa, por isso, constatar que a República Helénica não respeitou esta obrigação em relação a este lote, não constituindo a explicação avançada uma justificação razoável.
51 Cabe, todavia, ter presente que, segundo o teor da terceira acusação, a Comissão censura à República Helénica o ter atrasado de maneira sistemática e reiterada a importação de vários lotes de frangos congelados. Ora, no presente processo, a Comissão apenas demonstrou a existência de um atraso injustificado relativamente à admissão ao consumo de um único lote.
52 Assim, há que considerar que a Comissão não fez a prova de que a República Helénica atrasou de forma sistemática e reiterada a importação de vários lotes de frangos. O último argumento da Comissão deve, portanto, ser rejeitado e, consequentemente, a terceira acusação no seu conjunto.
53 Decorre do conjunto das considerações precedentes que a acção é julgada improcedente.
Quanto às despesas
54 Por força do n. 2 do artigo 69. do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decide:
1) A acção é julgada improcedente.
2) A Comissão é condenada nas despesas.