RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-338/90 ( *1 )

I — Resumo da matéria de facto,

Entre Junho e Dezembro de 1989, a requerente nos autos principais, a empresa Hamlin Electronics GmbH, importou dos Estados Unidos para a Alemanha interruptores de lâminas sem mercúrio que declarou, nos termos da tramitação da declaração conjunta, sob a posição pautal n.° 8536 5000 9930. Á requerida, Hauptzollamt Darmstadt, deferiu inicialmente o pedido de suspensão dos direitos aduaneiros previstos nesta subposição, em conformidade com o Regulamento (CEE) n.° 1656/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, que suspende temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (micro-electrónica e sectores conexos, JO L, 167, p. 1), que prorrogou para o segundo semestre de 1989 o Regulamento n.° 3696/88 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988, publicado com o mesmo título (JO L 329, p. 1).

Ambos os regulamentos contém a seguinte designação de mercadorias, no anexo, sob o código NC (nomenclatura combinada) ex 8536 5000:

«Interruptor de lâminas em forma de uma cápsula de vidro contendo no máximo 3 contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio.»

Através de aviso de cobrança emitido posteriormente a 29 de Janeiro de 1990, o Hauptzollamt exigiu em seguida à Hamlin Electronics o pagamento da importância de 152702 DM a título de direitos autónomos que não foram recebidos devido à suspensão, dado que os interruptores sem mercúrio se incluem na subposição pautal ex8536 5000 9990, para a qual não está prevista qualquer suspensão dos direitos aduaneiros.

Em suporte do recurso que interpôs contra esta decisão, a Hamlin Electronics sustentou que o Hauptzollamt tem uma concepção errada da pauta aduaneira comum, dado que interpretou de forma incorrecta a redacção da designação de mercadorias que corresponde à.subposição 8536 5000 9930. Defendeu que esta designação de mercadorias deve ser interpretada no sentido de que os interruptores de lâminas contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre -hastes metálicas, e contendo no máximo uma pequena quantidade de mercúrio, devem beneficiar das medidas previstas nos regulamentos supra-referidos.

Referiu em especial que o teor do texto da pauta de utilização nacional alemã a partir de 1 de Janeiro de 1990 («contendo uma pequena quantidade de mercúrio») não pode ser utilizado para interpretar á designação de mercadorias em causa, dado que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça-que apenas o texto dos regulamentos comunitários aplicáveis é vinculativo. Ora, nestes regulamentos não consta a palavra«contendo» («mit») que foi acrescentada na pauta de utilização nacional alemã, relativamente à «pequena quantidade de mercúrio». Ao contrário, e segundo a Hamlin Electronics, o texto dos regulamentos comunitários deve ser interpretado no sentido de que contempla interruptores «contendo no máximo três contactos eléctricos... e contendo no máximo uma pequena quantidade de mercúrio». Por outro lado, realçou que esta interpretação é confirmada pelos textos inglês e francês dos regulamentos em questão sendo igualmente lógica, uma vez que os interruptores sem mercúrio, que não são poluentes, seriam excluídos do benefício previsto caso não fosse adoptada a interpretação agora preconizada.

Concluindo no sentido do não provimento do recurso, o Hauptzollamt considerou que a nova redacção da pauta de utilização nacional alemã, no tocante especialmente à subposição 8536 5000 9930, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1990, evidencia que as mercadorias declaradas como interruptores de lâminas sem indicação do teor de mercúrio ficam excluídas da suspensão de direitos aduaneiros e que se incluem na subposição 853650009990. Na pauta de utilização alemã, os interruptores de lâminas contendo mercúrio foram classificados na posição 8536 5000 9930, e os interruptores com lâminas sem mercúrio na posição 8536 5000 9990.

O Finanzgericht tem dúvidas quanto à interpretação da formulação em questão. No seu entendimento, decorre do acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1989, Binder (161/88, Colect., p. 2415), que as disposições aduaneiras comuns constituem o único direito positivo nessa matéria. Uma pauta de utilização nacional, tal como a alemã, redigida pelas autoridades nacionais, apenas constitui, assim, um manual para as operações de desembaraçamento. Por consequência, um trabalho desse tipo tem apenas valor indicativo e em caso algum pode conduzir a que seja posto em causa o primado do direito comunitário.

Deste modo, e para os fins do litígio, o texto que faz fé não é a formulação usada na pauta de utilização nacional alemã, mas somente a redacção dos regulamentos comunitários em vigor no momento das importações, ou seja, dos regulamentos n.os 3696/88 e 1656/89 do Conselho. Ora, a versão alemã destes regulamentos, tal como as versões inglesa e francesa, é susceptível, do ponto de vista gramatical, de ser interpretada no sentido de que a suspensão dos direitos aduaneiros pode também aplicar-se aos interruptores de lâminas sem mercúrio.

O Hessische Finanzgericht solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre a seguinte questão:

«A definição utilizada no quadro II do Regulamento (CEE) n.° 3696/88 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988, e no anexo do Regulamento (CEE) n.° 1656/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, que suspendem temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos), publicados respectivamente no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 1 de Dezembro de 1988 (L 329, p. 1) e de 16 de Junho de 1989 (L 167, p. 1), a saber (ex8536 5000 ‘interruptor de lâminas em forma de uma cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio», deve interpretar-se no sentido de que os referidos interruptores de lâminas devem conter uma pequena quantidade de mercúrio para poderem beneficiar da suspensão de direitos aduaneiros, ou tal definição significa que os interruptores de lâminas sem ou, quando muito, com uma pequena quantidade de mercúrio podem beneficiar dessa suspensão?»

O despacho do Hessische Finanzgericht, com data de 18 de Outubro de 1990, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de Novembro de 1990.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo sobre o Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas pela recorrente nos autos principais, representada por D. Krüger, advogado no foro de Frankfurt, e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor juridico R. Barents, na qualidade de agente.

Com base no relatório do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução e atribuir os autos à Quarta Secção.

II — Observações escritas apresentadas no Tribunal de Justiça

A recorrente nos autos principais considera que, para responder à questão de saber se os interruptores de lâminas importados preenchem as condições a que o texto dos regulamentos em vigor na data das importações condiciona a suspensão temporária dos direitos autónomos da pauta aduaneira comum, ou seja, os regulamentos n.os 3696/88 e 1656/89 do Conselho, haverá que ter em conta certo número de elementos objectivos e vinculativos, que decorrem da correspondente parte do texto destes regulamentos.

Segundo a Hamlin Electronics, a mera interpretação gramatical da parte controversa do texto joga a favor da interpretação que ela própria dá a estes regulamentos. Deve assim a frase ser lida na íntegra da forma seguinte :

«Reedschalter... mit nicht mehr als drei elektrischen Kontakten... und mit nicht mehr als einer kleinen Menge Quecksilber.»

(«Interruptor de lâminas... contendo no máximo três contactos eléctricos... e contendo no máximo uma pequena quantidade de mercúrio.»)

Caso os autores destes regulamentos tivessem entendido seguir a concepção do Hauptzollamt — ou seja a de fazer com que apenas os interruptores que contivessem mercúrio beneficiassem da suspensão dos direitos aduaneiros, e não aqueles que o não contêm — teriam escolhido outra formulação.

No entender da Hamlin Electronics, há que concluir que, no caso da posição pautal NC ex8536 5000, não é de modo algum obrigatório que os interruptores de láminas contenham mercúrio, dado que uma pequena quantidade de mercúrio é tolerada simplesmente a título de limite superior.

A Hamlin Electronics considera que o contexto, no seu conjunto, constitui um elemento a favor da sua tese. A suspensão dos direitos da pauta aduaneira comum prevista nos Regulamentos n.os 3696/88 e 1656/89 diz respeito aos produtos da microelectrónica e de sectores conexos. Segundo uma lógica que corresponde a esta especialidade, os regulamentos definem as mercadorias a que são concedidas suspensões de direitos aduaneiros fixando-lhes, em geral, determinados limites superiores em cujo âmbito não é permitido ultrapassar certo número de unidades ou certas dimensões ou ainda certas quantidades.

Alega ainda a Hamlin Electronics que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de pauta aduaneira comum, a interpretação desta última, no caso de dúvida, deve ter em conta as outras línguas oficiais da Comunidade. Ora, o texto das outras línguas oficiais confirma a sua interpretação da definição litigiosa. Em seu critério, as versões inglesa e francesa são particularmente claras a este respeito.

A Hamlin Electronics defende que as regras da gramática inglesa não consentem na interpretação do Hauptzollamt. Caso a expressão «not more» não se destinasse a ser também relacionada com o termo «mercury», teria sido necessário ou introduzir uma vírgula em seguida a «metal arms», ou repetir o gerúndio «containing» em seguida a «metal arms and», a fim de se tornar inteligível. Só assim seria claro que a presença de mercúrio era indispensável. Ora, não foi esta a formulação escolhida.

No critério da Hamlin Electronics, os interruptores de lâminas sem mercúrio são preferíveis do ponto de vista tecnológico aos que contêm mercúrio. É, aliás, esta a razão porque também são apresentados como a modalidade mais actualizada. Do ponto de vista funcional, podem sempre substituir os interruptores de mercúrio, tecnologicamente ultrapassados.

Esclarece a Hamlin Electronics que, actualmente, os interruptores sem mercúrio são preferidos para usos em que razões de custo conduziam anteriormente à utilização de interruptores de mercúrio, menos caros. O mercúrio apenas é utilizado no fabrico de interruptores porque a combinação das suas propriedades físicas permite obter um elemento de contacto móvel. O seu estado físico «líquido» permite abrir ou fechar circuitos eléctricos conforme a posição do interruptor. O mercúrio corre para os contactos e forma uma ponte sobre a distância de isolamento entre os contactos, estabelecendo deste modo um circuito eléctrico, ou afasta-se dos contactos e abre esta distância, interrompendo deste modo o circuito eléctrico. Nos interruptores sem mercúrio, o impulso não é fornecido por uma alteração local do interruptor, mas tem de ser realizada através de uma solução electrónica.

Segundo a Hamlin Electronics, pode afirmar-se que os interruptores de lâminas sem mercúrio são melhores e, por esta razão, um pouco mais caros do que os que contêm mercúrio. A atracção do mercado pelos interruptores modernos eliminará os interruptores de mercúrio que são, a partir de agora, considerados como ultrapassados.

A Hamlin Electronics refere que as empresas da Comunidade que no passado fabricaram interruptores de mercúrio aperceberam-se igualmente destas modificações do mercado. A procura de interruptores sem mercúrio conduziu designadamente ao desenvolvimento de interruptores de lâminas contendo apenas uma simples película de mercúrio invisível a olho nu. Na prática, o resultado alcançado a este respeito representa o equivalente a interruptores sem mercúrio.

Sublinha a Hamlin Electronics que a atracção exercida no mercado por estes interruptores modernos se reforça ainda pelo seu carácter não poluente. O mercúrio é um produto tóxico. As mercadorias com mercúrio que se tornam inutilizáveis devem ser eliminadas, já que constituem resíduos especiais. Se esta eliminação especial for determinada por medidas legais, aparecerão determinadas taxas suplementares especiais. Estas taxas podem neutralizar, ou mesmo ultrapassar, a vantagem do preço.

Segundo a Hamlin Electronics, a utilização de interruptores sem mercúrio corresponde ao objectivo.comunitário de reforçar a política de ambiente. Não se compreende porque razão produtos nocivos, como os interruptores de mercúrio, mais poluentes do que os que o não têm, devem ser favorecidos com a suspensão dos direitos aduaneiros.

A este respeito, a Hamlin Electronics observa que o artigo 130.°-R do Tratado CEE define as tarefas que devem ser levadas a cabo pelas instituições da Comunidade. Estas instituições são obrigadas, designadamente, a basear-se nos princípios da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na própria fonte, dos atentados ao ambiente. Por isso mesmo devem actuar em favor do desenvolvimento de tecnologias «limpas» e de produtos não poluentes. Devem igualmente, em princípio, abster-se de tudo o que permita ou favoreça a manutenção de produtos pu de tecnologias nocivas.

A Hamlin Electronics afirma que, sendo as exigências em matéria de protecção do ambiente uma componente das outras políticas da Comunidade, os objectivos da política de ambiente devem ser respeitados e integrados no âmbito das outras políticas. Por consequência, as medidas adoptadas em matéria de política aduaneira não podem estar em contradição com a política de ambiente. Em especial, medidas de direito derivado, como os regulamentos em que o Conselho determinou a suspensão dos direitos autónomos da pauta aduaneira comum, não podem violar os objectivos comunitários definidos no Tratado CEE. Aliás, estes regulamentos não contêm qualquer elemento que indique que os interruptores de mercúrio, poluentes, sejam necessários para ultrapassar dificuldades de abastecimento e que tenha, portanto, de ser considerado como superior o princípio das necessidades de abastecimento ou como inferiores os objectivos do ambiente.

No entendimento dá Hamlin Electronics, tendo em conta este pano de fundo e com base numa análise objectiva, torna-se claro o que'o legislador comunitário entendeu através da formulação utilizada. Trata-se — a título excepcional — de tolerar uma pequena quantidade de mercúrio. Em caso algum é exigido que os interruptores de lâminas contenham pelo menos uma pequena quantidade de mercúrio, poluente, para poderem ser importados com isenção dos direitos aduaneiros.

A recorrente nos autos principais propõe portanto que se responda da forma seguinte à questão prejudicial colocada:

«A definição utilizada no quadro II do Regulamento (CEE) n.° 3696/88 do Conselho, e no anexo do Regulamento (CEE) n.os 1656/89 do Conselho, ambos relativos à suspensão temporária dos direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo nùmero de produtos industriais (microelectronica e sectores conexos) publicados respectivamente no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 1 de Dezembro de 1988 (L 329, p. 1) e de 16 de Junho de 1989 (L 167, p. 1), a saber, (ex8536 5000) ‘interruptores de láminas em forma de urna cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio’, deve ser interpretada no sentido de que os referidos interruptores não devem conter mercúrio para que haja lugar à suspensão dos direitos aduaneiros. Caso esses interruptores contenham apenas uma pequena quantidade de mercúrio, a presença desta pequena quantidade de mercúrio não afecta a possibilidade de beneficiarem da suspensão dos direitos.».

2.

A Comissão observa que, para interpretação da definição de mercadorias contida no código NC ex8536 5000 constante dos Regulamentos n.os 3646/88 e 1656/89, pode recorrer-se ao seu texto, à sua fundamentação, e à intenção legislativa da suspensão dos direitos aduaneiros.

Quanto ao texto, o órgão jurisdicional de reenvio, segundo a Comissão, recordou a este respeito, ao referir-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça, que apenas a letra da definição de mercadorias nos regulamentos comunitários faz fé para interpretação, e não a descrição retomada pelas autoridades alemãs na sua pauta de utilização nacional. A versão alemã da definição de mercadorias que figura nos regulamentos referidos pode ser interpretada de duas formas diferentes.

A primeira leitura («e uma pequena quantidade de mercúrio») significa que os interruptores de lâminas apenas se incluem na definição de mercadorias em causa se contiverem uma pequena quantidade de mercúrio. Segundo uma outra leitura, que entende este extracto da frase no sentido de «e contendo no máximo uma pequena quantidade de mercúrio», em relação com o anterior trecho da frase «contendo no máximo três contactos eléctricos», os interruptores de lâminas que não contenham mercúrio incluem-se também entre as mercadorias aqui definidas.

A Comissão não considera que a comparação linguística com as versões inglesa («Reed switches in the form of a glass capsule containing not more than three electrical contacts on metal arms and a small quantity of mecury») e francesa («Interrupteur à lames se présentant sous la forme d'une capsule de verre contenant au maximum 3 contacts électriques fixés sur des tiges métalliques et une petite quantité de mercure») da definição de mercadorias favoreça a segunda leitura.

A análise gramatical destas formulações permitiria antes concluir que a segunda parte da frase ligada pela conjunção «e» («and») deve ser relacionada, quanto ao seu sentido, aos participios presentes «containing» ou «contenant», o que daria o seguinte: «... containing not more than... and (containing) a small quantity of mercury» e «contenant au maximum... et (contenant) une petite quantité de mercure».

Segundo a Comissão, as versões dinamarquesa, espanhola e portuguesa da posição pautal NC ex8536 5000 indicam igualmente que a designação das mercadorias que figura no texto alemão deve ser entendida no sentido de «contendo uma pequena quantidade de mercúrio».

Quanto à fundamentação legislativa, afirma a Comissão que as definições de mercadorias usadas na nomenclatura combinada tem em vista dar a um determinado produto uma descrição positiva e tão exacta quanto possível. Caso se adoptasse a leitura preconizada pela Hamlin Electronics («Interruptor de lâminas... contendo no máximo uma pequena quantidade de mercúrio»), essa exigência não seria satisfeita. Com tal descrição, os produtos que contivessem pelo menos uma pequena quantidade de mercúrio seriam separados dos produtos que utilizassem uma quantidade de mercúrio em qualquer caso diferente, mas certamente mais importante, senão mesmo, com toda a lógica, importante. Uma descrição desse tipo constituiria uma delimitação particularmente vaga, em contraste com a clara referência «no máximo três contactos eléctricos», uma vez que não seria então possível distinguir a quantidade de mercúrio relevante para aquela definição de mercadorias da não relevante (ou mais). Além disso, a linha de demarcação tecnológica adequada a uma delimitação no âmbito da suspensão dos direitos aduaneiros passa entre os interruptores de lâminas sem mercúrio, ditos «interruptores secos», e os interruptores que utilizam mercúrio ditos «interruptores húmidos».

No tocante à intenção do legislador comunitário, esclarece a Comissão que, em matéria de suspensões tarifárias autónomas, os direitos aduaneiros desempenham um papel económico preciso, e que as suspensões só devem ser concedidas por motivos determinados, designadamente a fim de conceder às empresas comunitárias a possibilidade de se abastecerem durante um certo tempo ao melhor preço.

A Comissão refere que, em conformidade com esta política, o primeiro considerando dos Regulamentos n.os 3696/88 e 1656/89 menciona, como motivo para a concessão da suspensão dos direitos aduaneiros, a circunstância de que, para os produtos referidos naqueles regulamentos, a produção actual é insuficiente na Comunidade e que os produtores não podem assim responder às necessidades das indústrias utilizadoras da Comunidade.

A Comissão salienta que os pedidos que lhe foram formulados pelos Estados-membros com o objectivo de obter uma suspensão dos direitos aduaneiros para a importação de interruptores de lâminas diziam respeito, sem qualquer dúvida, a interruptores que contêm mercúrio. Deste modo, um primeiro pedido, formulado pelo Reino Unido, resultou na inclusão dos interruptores de lâminas no Regulamento (CEE) n.° 1736/85 do Conselho, de 4 de Junho de 1985, que suspende temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para um certo número de produtos industriais (JO L 170, p. 1; EE 02 F14 p. 3).

Refere a Comissão que, nùm pedido posteriormente apresentado pela Bélgica, e que conduziu à concessão da suspensão de direitos aduaneiros, conforme os Regulamentos (CEE) n.os 3696/88 e 1656/89, os interruptores de lâminas foram descritos da forma seguinte:

«Um dos contactos da cápsula é constituído por um material impregnado de mercúrio. A viscosidade do mercúrio permite evitar o choque eléctrico de retorno, quer dizer, uma pequena interrupção do contacto, quando os electrodos entram em contacto no campo magnético de uma bobina exterior. Que haja conhecimento, não são fabricados na Comunidade interruptores deste tipo, com mercúrio destinado a impregnar ou humidificar os contactos...» ( *2 )

Considera a Comissão que a conclusão da averiguação referida nestes regulamentos, segundo a qual não se fabrica na Comunidade uma quantidade suficiente de interruptores de lâminas contendo mercúrio, idênticos aos produtos importados ou de qualidade equivalente, ou susceptíveis de os substituir, não pode, portanto, ser aplicada ao tipo de produto dos interruptores de lâminas sem mercúrio através de uma interpretação posterior.

No que respeita ao argumento da superioridade dos interruptores de lâminas sem mercúrio do ponto de vista da protecção do ambiente, realça a Comissão que, mesmo que esta hipótese se revele exacta e fundada no princípio exposto no artigo 130.°-R, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado CEE, pode apesar disso esse argumento conduzir a pôr em dúvida os critérios que levaram o legislador comunitário a adoptar os Regulamentos n.os 3696/88 e 1656/89, ou seja, os critérios puramente económicos que tiveram papel determinante para a suspensão dos direitos aduaneiros aplicados às mercadorias referidas nesses regulamentos. Não é esse contudo o objecto da questão prejudicial que se limita a definir o conteúdo objectivo de uma designação de mercadorias.

Consequentemente, a Comissão propõe que o Tribunal de Justiça responda da forma seguinte à questão prejudicial colocada:

«A definição de mercadorias abrangidas pelo código NC ex8536 5000 (‘interruptores de lâminas em forma de cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio’) constante dos anexos dos Regulamentos (CEE) n.os 3696/88 e 1656/89 do Conselho, respectivamente; de 18 de Novembro de 1988 e de 29 de Maio de 1989, ambos suspendendo temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para um certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos), deve ser interpretada no sentido de que os referidos interruptores de lâminas devem conter uma pequena quantidade de mercúrio para que possam beneficiar da suspensão dos direitos aduaneiros.»

M. Díez de Velasco

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.

( *2 ) Tradução não oficial.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

31 de Março de 1992 ( *1 )

No processo C-338/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Hessische Finanzgericht, destinado a obter, no processo pendente naquela jurisdição entre

Hamlin Electronics GmbH

e

Hauptzollamt Darmstadt,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos Regulamentos (CEE) n. os 3696/88 e 1656/89 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988 (JO L 329 p. 1), e de 29 de Maio de 1989 (JO L 167, p. 1), que suspendem temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: P. J. G. Kapteyn, presidente de secção, C. N. Kakouris e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Hamlin Electronics GmbH, por Dirk Krüger, advogado no foro de Frankfurt;

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por René Barents, consultor jurídico, na qualidade de agente;

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Comissão, representada por Roberto Hayder, na qualidade de agente, na audiência de 22 de Novembro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 17 de Janeiro de 1992,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 18 de Outubro de 1990, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de Novembro seguinte, o Hessische Finanzgericht, por força do artigo 177.° do Tratado CEE, submeteu uma questão prejudicial relativa à interpretação dos regulamentos (CEE) n.° 3696/88 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988 (JO L 329, p. 1), e 1656/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989 (JO L 167, p. 1), que suspendem temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos).

2

Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre a sociedade Hamlin Electronics e o Hauptzollamt Darmstadt a respeito da classificação pautal de um produto na subposição 853650009930, constante do anexo dos regulamentos atrás referidos, intitulado «interruptores de lâminas em forma de uma cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio».

3

De Junho a Dezembro de 1989, a sociedade Hamlin Electronics importou dos Estados Unidos interruptores eléctricos de lâminas sem mercúrio. Em aplicação dos regulamentos supracitados, o Hauptzollamt Darmstadt, num primeiro tempo, concedeu a suspensão dos direitos aduaneiros relativamente a este interruptores. Exigiu, posteriormente através de notificação de cobrança a posteriori, direitos aduaneiros no montante de 152702 DM, pela razão de os interruptores sem mercúrio não se incluírem na subposição atrás citada, mas sim na subposição 853650009990, para a qual não estava prevista qualquer suspensão de direitos aduaneiros.

4

A sociedade Hamlin Electronics solicitou então a anulação desta notificação ao Hessische Finanzgericht. Em abono do seu recurso, sustentou que os interruptores eléctricos que não contêm mercúrio entram também no âmbito da já citada subposição 8536 5000 9930.

5

O Hessische Finanzgericht considerou que a interpretação desta disposição levantava o problema de saber se a presença de mercúrio nos interruptores em questão é condição determinante para a suspensão dos direitos aduaneiros. Suspendeu por isso a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A definição utilizada no quadro II do Regulamento (CEE) n.° 3696/88 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988, e no anexo do Regulamento (CEE) n.° 1656/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, que suspendem temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos), a saber (ex85365000) ‘interruptor de láminas em forma de uma cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio’ deve interpretar-se no sentido de que os interruptores de lâminas devem conter uma pequena quantidade de mercúrio para poderem beneficiar da suspensão de direitos aduaneiros, ou tal definição significa que os interruptores de lâminas sem, ou, quando muito, com uma pequena quantidade de mercúrio podem beneficiar dessa suspensão?»

6

Para mais ampla exposição dos factos, tramitação processual, e observações escritas apresentadas em Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

7

Através da questão colocada, o órgão jurisdicional nacional procura essencialmente saber se a disposição em litígio deve ser interpretada no sentido de que os interruptores em causa devem conter uma pequena quantidade de mercúrio para que possam beneficiar da suspensão temporária dos direitos aduaneiros.

8

Para responder a esta questão, convém desde logo recordar que segundo jurisprudência constante (v., em último lugar, o acórdão de 24 de Janeiro de 1991, Tomatis, C-384/89, Colect., p. I-127), tendo em conta os imperativos da segurança jurídica, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser averiguado, de modo geral, através das suas características e propriedades objectivas conforme se acham definidas na redacção das posições da pauta aduaneira comum.

9

Efectivamente, apenas assim a aplicação sem equívocos da disposição em causa será garantida, tanto para o operador económico interessado como para as autoridades chamadas à sua interpretação. Este imperativo de segurança jurídica reveste-se de uma importância particular quando se trata, como no caso em análise, de uma regulamentação que acarreta consequências financeiras para os operadores económicos.

10

No que respeita à redacção da disposição controvertida, coloca-se a questão de saber se a expressão «contendo no máximo» deve ser considerada como referindo-se às duas partes da frase que lhe seguem. Na hipótese afirmativa, a pequena quantidade de mercúrio constitui o limite superior para além do qual a suspensão dos'direitos aduaneiros não tem aplicação; assim, a formulação inclui os interruptores sem mercúrio. Ao contrário, caso esta expressão seja relativa apenas à primeira parte da frase que lhe segue, a presença de uma pequena quantidade de mercúrio é necessária para beneficiar da suspensão dos direitos aduaneiros, não abrangendo a formulação os interruptores sem mercúrio.

11

A este respeito há que realçar que a análise gramatical das várias versões linguísticas não fornece indicação inequívoca num ou noutro sentido, mesmo se o emprego, pelo Conselho, do termo «pequena» quantidade, pode ser entendido como uma expressão da sua intenção de limitar, na medida do possível, a quantidade de mercúrio presente nos interruptores.

12

Convém ter em conta que, na hipótese de ambiguidade de uma norma, esta deve ser interpretada em função da economia geral e dos objectivos da regulamentação de que é elemento integrante.

13

Neste âmbito, há que verificar que a suspensão dos direitos aduaneiros foi prevista em função de uma produção insuficiente, na Comunidade, de interruptores que contivessem pouco ou nenhum mercúrio e das necessidades das indústrias utilizadoras da Comunidade em dispor de tais produtos. Ao contrário, a produção, na Comunidade, de interruptores contendo grande quantidade de mercúrio era suficiente.

14

No que toca aos interruptores sem mercúrio, decorre dos debates em Tribunal que esses interruptores constituem produtos mais avançados do ponto de vista tecnológico, cuja eliminação implica, aliás, ofensa menos grave para o ambiente.

15

Vistas estas considerações, é de concluir que a norma litigiosa deve ser interpretada no sentido de que os interruptores em questão podem conter no máximo uma pequena quantidade de mercúrio. Entre eles logicamente figuram os interruptores sem mercúrio.

16

Deverá assim responder-se à questão prejudicial que a formulação utilizada no quadro II do Regulamento (CEE) n.° 3696/88 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988, e no anexo do Regulamento (CEE) n.° 1656/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, que suspendem, um e outro, temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos), designadamente (ex85365000) ‘interruptor de lâminas em forma de uma cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio’, deve ser interpretada no sentido de que a suspensão dos direitos aduaneiros se aplica aos interruptores que não contenham mercúrio.

Quanto às despesas

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As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo Hessische Finanzgericht, por decisão de 18 de Outubro de 1990, declara:

 

A formulação utilizada no quadro II do Regulamento (CEE) n.° 3696/88 do Conselho, de 18 de Novembro de 1988, e no anexo do Regulamento (CEE) n.° 1656/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, que suspendem, um e outro, temporariamente os direitos autónomos da pauta aduaneira comum para certo número de produtos industriais (microelectrónica e sectores conexos), designadamente (ex85365000) «interruptor de lâminas em forma de uma cápsula de vidro contendo no máximo três contactos eléctricos, fixados sobre hastes metálicas, e uma pequena quantidade de mercúrio», deve ser interpretada no sentido de que a suspensão dos direitos aduaneiros se aplica aos interruptores que não contenham mercúrio.

 

Kapteyn

Kakouris

Diez de Velasco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 31 de Março de 1992.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Quarta Secção

P. J. G. Kapteyn


( *1 ) Língua do processo: alemão.