RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-198/90 ( *1 )

I — Quadro regulamentar

1. A regulamentação comunitária

Nos termos do artigo 1.°, alínea a), i), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 (a seguir «regulamento»), o termo trabalhador designa qualquer pessoa que estiver abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo continuado contra uma ou mais eventualidades correspondentes aos ramos de um regime de segurança social aplicável aos trabalhadores assalariados ou não assalariados.

O âmbito de aplicação pessoal do regulamento é definido no artigo 2.°, n.° 1, que dispõe que o mesmo é aplicável aos trabalhadores que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-membros.

O artigo 3.° do regulamento enuncia o princípio da igualdade de tratamento das pessoas que residem no território de um dos Estados-membros e às quais se aplicam as disposições do regulamento.

O artigo 73.° do regulamento, na redacção dada pelo artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 3427/89, tem a seguinte redacção:

«O trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado-membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste, sem prejuízo do disposto no anexo VI.»

2. A regulamentação nacional

A legislação neerlandesa em causa é a Algemene Kinderbijslagwet (a seguir «AKW», Staatsblad n.° 1, de 17.1.1980).

Os artigos 6.°, n.° 1, e 7.°, n.° 1, dispõem:

«Artigo 6.°

1.   Estão segurados nos termos das disposições desta lei:

a)

os residentes;

b)

as pessoas que, não residindo nos Países Baixos, estão no entanto sujeitas ao imposto sobre salários a título de uma actividade profissional assalariada exercida nos Países Baixos.

Artigo 7.°

1.   Nos termos das disposições desta mesma lei, o segurado tem direito aos abonos de família para os seus próprios filhos e os filhos do seu cônjuge, bem como pelas crianças que lhe forem confiadas, que tiver a cargo ou de que assegura a manutenção.»

II — Matéria de facto

Nos Países Baixos, os trabalhadores que beneficiam de uma pensão de reforma antecipada — a qual é organizada no âmbito do regime sectorial e de empresa — só continuam a receber os abonos de família neerlandeses se residirem nesse Estado.

A Comissão administrativa para a segurança social dos trabalhadores migrantes debruçou-se sobre este problema aquando da sua 209. a sessão. O representante do Governo neerlandês defendeu então a tese de que o beneficiário de uma pensão de reforma antecipada que tem a sua residência fora dos Países Baixos (já) não está obrigatoriamente segurado nos termos da AKW. Assim, o interessado já não tem direito aos abonos de família neerlandeses. Os artigos 73.°, 74.° ou 77° do Regulamento n.° 1408/71 não são aplicáveis porque a pessoa reformada antecipadamente não é nem trabalhador assalariado nem desempregado, nem titular de uma pensão ou de uma renda.

Por carta de 5 de Outubro de 1988, a Comissão chamou a atenção do Governo neerlandês para esta desigualdade de tratamento, convidando-o a apresentar as suas observações.

A Comissão, não tendo julgado satisfatória a resposta do Governo neerlandês de 12 de Janeiro de 1989, dirigiu ao Reino dos Países Baixos, em 30 de Maio de 1989, um parecer fundamentado.

Por carta de 30 de Agosto de 1989, o Governo neerlandês rejeitou a tese da Comissão. Face a esta última resposta, a Comissão intentou a presente acção.

III — Fase escrita e pedidos das partes

1.

A acção da Comissão foi registada na Secretaria do Tribunal em 28 de Junho de 1990. A fase escrita do processo seguiu a sua tramitação normal. A Comissão renunciou à apresentação da réplica.

O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução prévia.

Todavia decidiu colocar uma questão à Comissão; a Comissão respondeu nos prazos fixados.

2.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a)

declarar que o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário ao recusar conceder os abonos de família aos trabalhadores em situação de reforma antecipada que residam fora do território nacional, embora sujeitos à legislação neerlandesa nos termos dos artigos 73.° e 75.° do Regulamento n.° 1408/71.

b)

condenar o Reino dos Países Baixos nas despesas.

O Reino dos Países Baixos conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a)

julgar improcedente por não fundamentado o pedido da Comissão destinado a obter a declaração de que, ao recusar conceder os abonos de família aos trabalhadores em situação de reforma antecipada que residam fora do território nacional, embora sujeitos à legislação neerlandesa nos termos dos artigos 73.° a 75.° do Regulamento n.° 1408/71, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE;

b)

condenar a Comissão nas despesas.

IV — Fundamentos e argumentos das partes

A Comissão alega que os beneficiários do regime de reforma antecipada neerlandês continuam a ser trabalhadores na acepção do artigo 1.°, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71.

Segundo a jurisprudência do Tribunal, a noção de trabalhador é uma noção de direito comunitário que deve ser interpretada de forma lata, tendo em conta o artigo 51.° do Tratado CEE cujo objectivo é estabelecer a livre circulação, tão completa quanto possível, dos trabalhadores. O conceito visa qualquer pessoa que, enquanto tal e sob que denominação for, esteja coberta pelos diferentes sistemas nacionais de segurança social (acórdãos de 24 de Setembro de 1987, De Rijke, 43/86, Colect., p. 3611, e de 19 de Março de 1964, Unger-Hoekstra, 75/63, Recueil, p. 353).

A Comissão salienta que em direito neerlandês os beneficiários da reforma antecipada continuam abrangidos pelo seguro obrigatório nos termos da Ziekenfondswet, se já o estivessem antes de deixar de trabalhar, e isto, independentemente do local da sua residência. Daqui decorre que os trabalhadores em situação de reforma antecipada, desde que continuem obrigatoriamente segurados, nem que seja apenas contra uma única eventualidade correspondente às prestações de doença, satisfazem a definição de trabalhador que o Tribunal elaborou.

Na opinião da Comissão, resulta dos acórdãos de 10 de Julho de 1986, Luijten (60/85, Recueil, p. 2365), e de 3 de Maio de 1990, Kits van Heijningen (C-2/89, Colect., p. I-1755), que o título II do Regulamento n.° 1408/71 destina-se a que o trabalhador comunitário esteja sujeito ao regime de segurança social de um único Estado-membro. A determinação da lei aplicável ao trabalhador tem, assim, por consequência que apenas essa legislação lhe é aplicável, o que tem por objectivo impedir que as pessoas abrangidas pelo referido título II sejam privadas de protecção em matéria de segurança social na falta de um regime legal que lhes seja aplicável. A Comissão considera que o facto de os reformados antecipadamente estarem abrangidos pelo seguro obrigatório nos termos da lei relativa aos seguros de doença, como o estavam na altura das suas actividades profissionais, implica que estão sujeitos à legislação neerlandesa. Com efeito, se estivessem sujeitos a outra lei nacional não poderiam continuar obrigatoriamente segurados nos termos da Ziekenfondswet.

A Comissão recorda a este respeito que segundo a jurisprudência do Tribunal (nomeadamente os acórdãos de 23 de Setembro de 1982, Koks, 275/81, Recueil, p. 3013, de 17 de Maio de 1984, Brusse, 101/83, Recueil, p. 2223, e de 3 de Maio de 1990, Kits van Heijningen, já referido), o trabalhador que está sujeito à lei do país de emprego tem um direito adquirido aos abonos de família previstos por essa lei. Esse direito não pode ser posto em causa pela aplicação de uma cláusula de residência que exclua do benefício dos abonos de família as pessoas não residentes no território do Estado-membro em questão.

Por último, a Comissão observa que a solução contrária equivaleria, através da aplicação de uma cláusula de residência discriminatória, a fixar arbitrariamente aos trabalhadores fronteiriços abonos de família apenas em relação ao período de reforma antecipada quando eles têm direito aos mesmos tanto anteriormente, durante a sua actividade profissional, como posteriormente quando atingirem a idade da reforma.

O Governo neerlandês considera que uma pessoa em situação de reforma antecipada que continua segurada nos termos da lei relativa ao seguro de doença, mas que não está segurada em relação aos outros ramos, é um trabalhador na acepção do artigo 1.°, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71, mas não está abrangido pelas disposições relativas à determinação da legislação aplicável do título II desse regulamento.

Com efeito, essas normas de conflito apenas abrangem as pessoas que podem ser qualificadas de trabalhadores na acepção social do termo.

O Governo neerlandês observa que se apoia nas conclusões do advogado-geral J. Mischo, apresentadas em 14 de Junho de 1990 no processo Noij (C-140/88, acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, Colect., p. I-387), nos quais este refere que o artigo 13.° do regulamento só pode aplicar-se às pessoas que exerçam uma actividade profissional. Consequentemente, o trabalhador que deixou de exercer uma actividade profissional está sujeito à legislação do país em que reside. Aliás, o Governo neerlandês salienta que esta posição foi defendida pela Comissão nas alegações escritas que apresentou no referido processo, baseando-se no objectivo, no alcance do regulamento e na razão de ser das normas de conflito do título II do regulamento.

O Governo neerlandês observa, além disso, que a aplicação do artigo 73.° pressupõe que a legislação de um Estado-membro seja determinada nos termos do título II do Regulamento n.° 1408/71. É o que resulta, aliás, do acórdão do Tribunal de 17 de Maio de 1984, Brusse, n.° 31 (101/83, Recueil, p. 2223).

De qualquer modo, a disposição do artigo 73.° não tem por efeito afastar uma condição de residência fixada como condição de inscrição num regime legal de prestações familiares. Segundo o Governo neerlandês, este artigo visa apenas os casos em que a legislação nacional impõe condições de residência aos membros da família para a concessão ou pagamento das prestações familiares. Só estas últimas condições são afastadas através dessa disposição.

O Governo neerlandês considera que a igualdade de tratamento imposta pelo artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71 visa unicamente os casos em que a inscrição nos termos da legislação nacional de um Estado-membro, quer de acordo com a própria legislação nacional, quer de acordo com o título II do regulamento, depare com um critério de nacionalidade consagrado pela referida legislação. O artigo 3.° não afasta, todavia, um critério de residência como condição de inscrição e não pode, deste modo, dar origem à inscrição num ramo de um regime de segurança social de um Estado-membro.

Segundo o Governo neerlandês, as condições de residência só são afastadas quando tais condições estiverem previstas por uma legislação nacional determinada de acordo com as normas de conflito do título II. O Estado-membro não pode invocar contra um antigo trabalhador, desde que este esteja inscrito, disposições discriminatórias em matéria de concessão ou de pagamento de prestações abrangidas pelo regulamento.

Por último o Governo neerlandês observa que a posição da Comissão conduz a que os regimes fundados na condição de residência como condição de inscrição devem incluir no seu grupo de segurados todos os nacionais de todos os Estados-membros. O Governo neerlandês considera que essa consequência é inaceitável.

V — Resposta da Comissão à questão colocada pelo Tribunal

Questão

Pede-se à Comissão que tome posição, tendo nomeadamente em conta os acórdãos do Tribunal de 21 de Fevereiro de 1991 nos processos C-140/88, Noij, já referido, e C-245/88, Daalmeijer (Colect., p. I-555), relativamente à seguinte afirmação do Governo neerlandês constante do ponto 17 da sua contestação:

«No caso em que uma pessoa pode, é um facto, ser qualificada de trabalhador assalariado na acepção do artigo 1.°, alínea a), do regulamento, porque nos termos da legislação nacional de um Estado-membro está inscrita num ramo de um regime de segurança social desse Estado-membro, essa inscrição num ramo da segurança social não é, em si, suficiente para lhe permitir beneficiar da inscrição nos outros ramos do regime de segurança social desse mesmo Estado-membro. Com efeito, as condições de inscrição são fixadas pelo legislador nacional. Se a legislação nacional impõe uma condição de residência como condição de inscrição, esse exigência só pode ser afastada nos termos do título II. Na óptica do Governo neerlandês, as disposições desse título não são todavia aplicáveis aos trabalhadores em situação de reforma antecipada.»

Resposta

Esta observação parece ir no sentido da posição adoptada pelo Tribunal nos acórdãos de 21 de Fevereiro de 1991, Noij, C-140/88, e Daalmeijer, n.° 14, C-245/88, já referidos.

Por força desse acórdão, é efectivamente defensável que o título II do regulamento não se aplica aos trabalhadores fronteiriços que beneficiam de uma pensão de reforma antecipada neerlandesa e que os mesmos não estão assim, por esse motivo, sujeitos à globalidade do regime neerlandês de segurança social. Apesar disso, tal não significa que não possam ter direito, por outra razão, a uma ou várias das prestações referidas no título III, pelo contrário. Com efeito isto é o que resulta do próprio acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, Daalmeijer. Na verdade, o Tribunal confirma que compete ao legislador nacional determinar as condições de inscrição num regime de segurança social, desde que não haja discriminação entre nacionais e cidadãos de outros Estados-membros.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal, a proibição de discriminação consagrada no artigo 51.° do Tratado CEE deve ser interpretada em sentido lato: abrange todas as formas de discriminação que, com recurso a critérios de distinção, conduzam ao mesmo resultado. No caso em apreço, trata-se de uma forma dissimulada de discriminação. O problema atinge quase exclusivamente nacionais não neerlandeses, no caso concreto antigos trabalhadores fronteiriços belgas, que continuaram sempre a residir na Bélgica ou que para aí voltaram a seguir. Além disso, no acórdão de 15 de Janeiro de 1986, Pietro Pina (41/84, Colect., p. 1) o Tribunal considerou que o montante dos abonos de família concedidos por um Estado-membro não podia depender da residência dos membros da família. Na opinião da Comissão, deve a fortiori passar-se o mesmo relativamente à concessão das prestações familiares que estão em causa no presente processo.

Retira-se um terceiro argumento do próprio objectivo do artigo 51.° do Tratado CEE. Como se sabe, esse objectivo é o de garantir aos trabalhadores migrantes a manutenção do direito às prestações de segurança social, a fim de garantir o melhor possível a livre circulação dos trabalhadores migrantes. Daqui duas implicações: por um lado, qualquer residente de um Estado-membro deve poder ir trabalhar para outro Estado-membro na qualidade de trabalhador assalariado ou independente sem perder os direitos que adquiriu no seu próprio Estado-membro. Por outro, essa mesma pessoa deve poder regressar ao seu próprio Estado-membro, sem no entanto perder os direitos que adquiriu no país onde trabalhou. Ora, seria esse o caso se se aceitasse a posição do Governo neerlandês: os trabalhadores, encorajados a deixar a vida activa no âmbito de um regime de reforma antecipada, perdem por esse facto uma parte dos seus direitos adquiridos, isto é, o direito aos abonos de família. Este resultado vai contra os objectivos do artigo 51.° do Tratado CEE.

A divergência de opiniões entre o Governo neerlandês e a Comissão resulta do facto de o Regulamento n.o 1408/71 não abordar o problema dos trabalhadores assalariados beneficiários de uma reforma antecipada. Aguardando que o regulamento seja formalmente alterado quanto a este ponto, é possível abordar o problema de duas maneiras: ou, à semelhança do Governo neerlandês, adoptar uma atitude formalista e restritiva e daí concluir que qualquer pessoa que não preencha as condições de inscrição previstas pela legislação nacional é automaticamente excluída do benefício das prestações, ou, como o propõe a Comissão, procurar conseguir apoios no regulamento, a fim de não tornar essas pessoas esquecidos do sistema. Este último resultado pode novamente ser atingido de dois modos diferentes: ou se equiparam os reformados antecipadamente aos pensionistas, ou se equiparam aos trabalhadores. No primeiro caso, é-lhes aplicável por analogia o artigo 77° do regulamento; no segundo caso, é-lhes aplicável o artigo 75.° O facto de as pessoas em situação de reforma antecipada deixarem definitivamente a vida activa, à semelhança dos pensionistas, joga a favor da primeira solução.

Os acórdãos de 31 de Maio de 1979, Pierik (182/78, Recueil, p. 177), e de 5 de Julho de 1983, Valentini (171/82, Recueil, p. 2157), são um argumento a favor da segunda solução. No primeiro processo, tratava-se de uma pessoa que já não «estava em actividade», mas que, segundo o Tribunal, devia, apesar disso, ser considerada «trabalhador assalariado» na acepção do artigo 1.°, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71. No segundo processo, excepto algumas semelhanças, o Tribunal insistiu essencialmente nas diferenças entre pensão de reforma e reforma antecipada, para chegar à conclusão de que as prestações em causa não podiam ser consideradas como sendo da mesma natureza que as prestações de velhice previstas no artigo 46.° do Regulamento n.° 1408/71 (n.° 19). Dado que esta jurisprudência diz especificamente respeito ao Regulamento n.° 1408/71, a Comissão propõe que a mesma se aplique à presente situação.

Em conclusão, a Comissão mantém a sua posição segundo a qual qualquer trabalhador assalariado, que beneficie de uma pensão de reforma antecipada, mas que resida noutro Estado-membro, conserva, apesar da condição de residência prevista pela legislação neerlandesa, o direito aos abonos de família neerlandeses. A solução inversa, tal como é preconizada pelo Governo neerlandês, conduz a um resultado contrário ao artigo 51.° do Tratado CEE.

J. C. Moitinho de Almeida

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

28 de Novembro de 1991 ( *1 )

No processo C-198/90,

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Marie Wolfcarius e René Barents, e posteriormente por Marie Wolfcarius e Berend Jan Drijber, todos membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo junto de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

Remo dos Países Baixos, representado por J. W. de Zwaan e T. Heukels, consultores jurídicos adjuntos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo,

demandado,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao recusar conceder os abonos de família aos trabalhadores em situação de reforma antecipada que residam fora do território nacional, embora sujeitos à legislação neerlandesa nos termos dos artigos 73.° e 75.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p. 98), alterado, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, R. Joiiet, F. Grévisse e P. J. G. Kapteyn, presidentes de secção, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, M. Diez de Velasco e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral: W. Van Gerven

secretário: J. A. Pompe, secretano adjunto

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 12 de Junho de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 17 de Setembro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 28 de Junho de 1990, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao recusar conceder os abonos de família aos trabalhadores em situação de reforma antecipada que residam fora do território nacional, embora sujeitos à legislação neerlandesa nos termos dos artigos 73.° e 75.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p. 98), alterado, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

2

A recusa das autoridades neerlandesas concederem os abonos de família às pessoas que beneficiam de uma pensão de reforma antecipada, no caso de estas não residirem nos Países Baixos, baseia-se, por um lado, no artigo 6.°, n.° 1, da Nederlandse Algemene Kinderbijslagwet {Staatsblad n.° 1, de 17.1.1980, a seguir «AKW»), e, por outro, na inexistência, no Regulamento n.° 1408/71, atrás referido, de disposições que, à semelhança das previstas para os trabalhadores (artigo 73.°), os desempregados (artigo 74.°) e os titulares de pensões (artigo 77°), reconheçam o direito às prestações familiares dos trabalhadores em situação de reforma antecipada que residam no território de outros Estados-membros.

3

Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da AKW:

«Estão segurados nos termos das disposições desta lei:

a)

os residentes;

b)

as pessoas que, não residindo nos Países Baixos, estão no entanto sujeitas ao imposto sobre salários a título de uma actividade profissional assalariada exercida nos Países Baixos».

4

A Comissão considera que os artigos 73.° e 75.° do Regulamento n.° 1408/71 são aplicáveis aos trabalhadores que beneficiam de um regime de reforma antecipada, e qüe, de qualquer modo, a condição de residência prevista no artigo 6.° da AKW é inoponível às pessoas que são abrangidas pelo Regulamento n.° 1408/71.

5

Para mais ampla exposição dos factos do processo, da tramitação processual, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à aplicação dos artigos 73.° e 75.° do Regulamento n.° 1408/71 aos trabalhadores que beneficiam de um regime de reforma antecipada

6

A Comissão alega que os trabalhadores em situação de reforma antecipada satisfazem a definição de trabalhador na acepção do artigo 1.°, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71 e que, na medida em que devem ser considerados trabalhadores activos, são abrangidos pelo artigo 13.°, n.° 2, alínea a), do mesmo regulamento, segundo o qual a pessoa que exerça uma actividade assalariada no território de um Estado-membro está sujeita à legislação deste Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-membro. Na opinião da Comissão conclui-se que a legislação neerlandesa lhes é aplicável e que, deste modo, beneficiam do direito concedido pelo artigo 73.°, n.° 1, de receber os abonos de família em relação aos membros da sua família que não residam nos Países Baixos.

7

A este respeito, a Comissão acrescenta que a circunstância de os trabalhadores em situação de reforma antecipada estarem obrigatoriamente segurados nos termos da lei relativa ao seguro de doença (Ziekenfondswet, a seguir «ZKW») constitui efectivamente a prova de que a lei neerlandesa lhes continua a ser aplicável.

8

Nos termos do artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 3427/89 do Conselho, de 30 de Outubro de 1989 (JO L 331 , p. 1):

«O trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado-membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste.»

9

Convém recordar que esta disposição se conjuga com as normas de conflito previstas nos artigos 13.° a 17.° do mesmo regulamento (ver acórdão de 19 de Fevereiro de 1981, Beeck, n.° 7, 104/80, Recueil, p. 503).

10

Ora, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o artigo 13.°, n.° 2, alínea a), não é aplicável aos trabalhadores em situação de reforma antecipada. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal que esta disposição visa resolver os conflitos de legislação que possam verificar-se quando, no decurso do mesmo período, o lugar de residência e o lugar de emprego não se situam no mesmo Estado-membro. Ora, esses conflitos não podem produzir-se no que respeita aos trabalhadores que cessaram definitivamente qualquer actividade profissional (ver acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, Noij, n.os 9 e 10, C-140/88, Colect., p. I-387).

11

Deste modo, embora seja um facto que os trabalhadores em situação de reforma antecipada referidos na presente acção continuam a estar segurados ao abrigo da ZFW, a aplicação desta lei não resulta da norma de conflito prevista no artigo 13.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1408/71.

12

Conclui-se que o artigo 73.° não é aplicável a estes trabalhadores. Sendo o artigo 75.° mero complemento das duas disposições que o precedem, a acusação assente na violação dos artigos 73.° e 75.° deve, deste modo, ser rejeitada.

Quanto à acusação baseada na inoponibilidade do artigo 6.° da AKW

13

Subsidiariamente, a Comissão alega que, segundo a jurisprudência do Tribunal, compete à legislação de cada Estado-membro determinar as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, ou em tal ou tal ramo desse regime, incluindo as condições de cessação da inscrição, desde que não haja discriminação entre nacionais e cidadãos de outros Estados-membros (ver, designadamente, acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, Daalmeijer, n.° 15,C-245/88, Colect., p. I-555). Ora, a condição de residência imposta pela AKW seria indirectamente discriminatória dado que correria o risco de desfavorecer os nacionais dos outros Estados-membros e, desse modo, não lhes seria aplicável.

14

Há que observar que essa acusação não resulta, nem da notificação do incumprimento, nem do parecer fundamentado, que se limitam a invocar a violação dos artigos 73.° e 75.° do Regulamento n.° 1408/71 sem fazerem alusão, directa ou indirectamente, à violação do princípio da igualdade de tratamento.

15

Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal (ver, designadamente, acórdão de 7 de Fevereiro de 1984, Comissão/Itália, n.° 16, 166/82, Recueil, p. 459) que o objecto de uma acção nos termos do artigo 169.° do Tratado é circunscrito pelo processo administrativo pré-contencioso previsto nessa disposição, bem como pelos pedidos da acção e que o parecer fundamentado da Comissão e a acção devem ser baseados nos mesmos argumentos e fundamentos.

16

Conclui-se que esta acusação não pode ser objecto de apreciação pelo Tribunal e que, portanto, a acção deve ser julgada improcedente no seu todo.

Quanto às despesas

17

Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, deve ser condenada nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide :

 

1)

A acção é julgada improcedente.

 

2)

A Comissão é condenada nas despesas.

 

Due

Slynn

Joliét

Grévisse

Kapteyn

Kakouris

Moitinho de Almeida

Diez de Velasco

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Novembro de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.