61990J0163

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 16 DE JULHO DE 1992. - ADMINISTRATION DES DOUANES ET DROITS INDIRECTS CONTRA LEOPOLD LEGROS E OUTROS. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR D'APPEL DE SAINT-DENIS (LA REUNION) - FRANCA. - LIVRE CIRCULACAO DE MERCADORIAS - REGIME FISCAL DOS DEPARTAMENTOS FRANCESES DO ULTRAMAR. - PROCESSO C-163/90.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-04625
Edição especial sueca página I-00053
Edição especial finlandesa página I-00053


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Livre circulação de mercadorias - Direitos aduaneiros - Encargos de efeito equivalente - Conceito - Imposto ad valorem cobrado por um Estado-membro sobre as mercadorias importadas de outros Estados-membros devido à sua introdução numa região do seu território - Inclusão - Cobrança idêntica sobre as mercadorias de proveniência nacional - Falta de incidência

(Tratado CEE, artigos 9. , 12. e 13. )

2. Acordos internacionais - Acordo CEE-Suécia - Eliminação dos obstáculos às trocas pela supressão dos direitos aduaneiros e dos encargos de efeito equivalente - Implicações - Interpretação do artigo 6. do acordo baseada na dos artigos 9. , 12. e 13. do Tratado - Cobrança por um Estado-membro de um imposto ad valorem sobre as mercadorias importadas da Suécia devido à sua introdução numa região do seu território - Inadmissibilidade - Cobrança idêntica sobre as mercadorias de proveniência nacional - Falta de incidência

(Tratado CEE, artigos 9. , 12. e 13. ; acordo CEE-Suécia, artigo 6. )

3. Questões prejudiciais - Interpretação - Efeitos no tempo dos acórdãos de interpretação - Efeito retroactivo - Limites - Segurança jurídica - Poder de apreciação do Tribunal

(Tratado CEE, artigo 177. )

Sumário


1. O octroi de mer aplicado nos departamentos ultramarinos franceses e cujo regime é o de um imposto proporcional ao valor aduaneiro dos bens, cobrado por um Estado-membro sobre as mercadorias importadas de outro Estado-membro devido à sua introdução numa região do território do primeiro Estado-membro, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação, apesar de incidir igualmente sobre as mercadorias introduzidas nessa região provenientes de outra parte do mesmo Estado.

Com efeito, a justificação da proibição de qualquer direito aduaneiro aplicável às mercadorias que circulam entre os Estados-membros reside no entrave que os encargos pecuniários, aplicados em razão da passagem de fronteiras, constituem para a circulação de mercadorias, e um imposto cobrado numa fronteira regional devido à introdução de produtos numa região de um Estado-membro constitui um entrave pelo menos tão grave à livre circulação de mercadorias como um imposto cobrado na fronteira nacional devido à introdução dos produtos no conjunto do território do Estado-membro. A violação feita por tal imposto regional à unicidade do território aduaneiro comunitário não é alterada pelo facto de atingir igualmente as mercadorias provenientes das outras partes do território do Estado-membro em questão.

2. O acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a Suécia tem por objectivo consolidar e alargar as relações económicas existentes entre as partes e, para esse efeito, eliminar os obstáculos no essencial das suas trocas em conformidade com as disposições do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) relativas à criação de zonas de comércio livre. Neste quadro, a supressão tanto dos direitos aduaneiros de importação como dos encargos de efeito equivalente, que estão estreitamente ligados, desempenha um papel primordial. O referido acordo ficaria, pois, privado de uma parte importante do seu efeito útil se o conceito de encargo de efeito equivalente, constante do seu artigo 6. , que proíbe a cobrança desses impostos, fosse interpretado como tendo um alcance mais restritivo que o da mesma expressão constante do Tratado CEE.

Por conseguinte, o artigo 6. do acordo deve ser interpretado como proibindo a cobrança por um Estado-membro, sobre mercadorias importadas da Suécia, de um imposto, como o octroi de mer aplicado nos departamentos ultramarinos franceses, que é proporcional ao valor aduaneiro dos bens e é cobrado devido à introdução destes numa região desse Estado-membro, apesar de o imposto incidir igualmente sobre as mercadorias introduzidas nessa região provenientes de outra parte do território do mesmo Estado.

3. No exercício da competência de interpretação que lhe confere o artigo 177. do Tratado, só a título excepcional, e unicamente no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada, o Tribunal pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar, para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé, uma disposição que o Tribunal interpretou. Deve, a este respeito, tomar-se em consideração o facto de que, embora as consequências práticas de qualquer decisão judicial devam ser cuidadosamente ponderadas, não se pode contudo ir ao ponto de inflectir a objectividade do direito e comprometer a sua aplicação futura devido a repercussões que uma decisão judicial pode gerar para o passado.

Uma vez que as especificidades dos departamentos ultramarinos franceses e as particularidades do octroi de mer que aí é cobrado criaram um estado de incerteza quanto à legitimidade deste imposto face ao direito comunitário, incerteza que, ao nível das instituições comunitárias, se traduziu por um comportamento que pode ter feito pensar as autoridades francesas que a cobrança do imposto era conforme ao direito comunitário, considerações imperiosas de segurança jurídica opõem-se a que sejam postas em causa relações jurídicas que esgotaram os seus efeitos no passado, quando isso transtornaria retroactivamente o sistema de financiamento das colectividades locais em causa.

Por isso, o Tribunal deve decidir que nem as disposições do Tratado CEE nem o artigo 6. do acordo entre a Comunidade e a Suécia podem ser invocados em apoio de pedidos de restituição de montantes pagos a título de um imposto como o octroi de mer antes da data do acórdão que declare a inadmissibilidade dessa tributação face ao direito comunitário, a não ser pelos requerentes que antes dessa data tenham interposto recurso judicial ou deduzido impugnação equivalente, precisando-se que a limitação dos efeitos do referido acórdão no tempo não se aplica aos pedidos de restituição de montantes pagos posteriormente à sua prolação por importações efectuadas anteriormente.

Partes


No processo C-163/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pela cour d' appel de Saint-Denis (Reunião), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Administration des douanes et droits indirects

e

Léopold Legros,

Louise Alidor, de casada Brun,

Armand-Joseph Payet,

Henri-Michel Techer,

Interveniente:

Região da Reunião,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do Tratado CEE, e designadamente dos seus artigos 9. , 13. e 95. ,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, R. Joliet, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e P. J. G. Kapteyn, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Díez de Velasco, M. Zuleeg, J. L. Murray e D. A. O. Edward, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs

secretário: D. Triantafyllou, administrador

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de L. Legros, A. Payet, H. Techer e L. Alidor, por Philippe Rivière, advogado no foro de Saint-Denis (Reunião);

- em representação da Região da Reunião, por Pierre Soler-Couteaux, professor agregado da Faculdade Robert Schuman, advogado no foro de Estrasburgo;

- em representação do Governo da República Francesa, por Philippe Pouzoulet, na qualidade de agente, assistido por Géraud de Bergues, agente suplente;

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Joern Sack, consultor jurídico, na qualidade de agente;

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Região da Reunião, representada pelo advogado Llorens, do foro de Estrasburgo, do Governo francês, do Conselho das Comunidades Europeias, representado pelo Sr. Torrens, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 31 de Março de 1992,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Maio de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 21 de Fevereiro de 1990, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de Março seguinte, a cour d' appel de Saint-Denis (Reunião) submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, três questões prejudiciais sobre a interpretação deste Tratado, e designadamente dos seus artigos 9. , 13. e 95. , bem como sobre o artigo 6. do Acordo de Comércio Livre celebrado entre a Comunidade e o Reino da Suécia.

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a administration des douanes et droits indirects a Léopold Legros, Armand-Joseph Payet, Henri-Michel Techer e Louise Alidor, de casada Brun (a seguir "recorridos"), a propósito de um pedido apresentado por estes últimos para restituição de determinados montantes por eles pagos à administration des douanes et droits indirects.

3 Resulta dos autos que os recorridos compraram num concessionário na França metropolitana três veículos fabricados na Alemanha e um originário da Suécia. Estes veículos beneficiaram, aquando da sua entrada no território aduaneiro francês, de um regime de suspensão de direitos. Sempre com uma matrícula de trânsito, foram transferidos para o território da Região da Reunião em regime de trânsito comunitário interno, no que respeita aos veículos alemães, e de trânsito comunitário externo quanto ao veículo sueco. O regime de suspensão dos direitos manteve-se até à sua chegada à Reunião, onde se efectuaram as operações de desalfandegamento. Nessa altura, a administration des douanes et droits indirects exigiu que cada um dos recorridos pagasse uma importância a título de octroi de mer aplicável aquando da entrada das mercadorias na Região da Reunião.

4 O octroi de mer é cobrado nos departamentos ultramarinos franceses (a seguir "DOM") com base em determinados decretos de 1947 e numa lei de 1984. Incide em princípio sobre todas as mercadorias, salvo determinados bens de primeira necessidade, de todas as origens, mesmo da França metropolitana e dos outros departamentos ultramarinos, pela simples entrada no DOM em questão. Em contrapartida, os produtos do DOM em questão não são abrangidos pelo octroi de mer nem por qualquer imposto interno equivalente. A matéria colectável deste imposto é o valor aduaneiro das mercadorias no local da entrada no DOM em questão. Os bens sujeitos a octroi de mer estão onerados com quatro taxas principais de tributação; além disso, as regiões estão autorizadas a cobrar, nas mesmas condições, um direito adicional à taxa máxima de 1%. A receita proveniente do octroi de mer serve essencialmente para financiar, segundo as regras da autonomia regional, os orçamentos das colectividades locais.

5 Os recorridos, considerando que a aplicação do octroi de mer às mercadorias importadas para a Reunião e produzidas noutro Estado-membro ou no Reino da Suécia é contrária ao direito comunitário, recorreram aos órgãos nacionais competentes para obter a restituição dos montantes pagos. Foi nessas circunstâncias que a cour d' appel de Saint-Denis decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

"1) Os artigos 3. , 9. e 13. e, se assim não se entender, o segundo parágrafo do artigo 95. do Tratado de Roma, devem ser interpretados no sentido de que proíbem a cobrança, por um dos Estados-membros ou pelas suas colectividades públicas, de um imposto proporcional ao valor dos bens, diferente do IVA, cobrado pela introdução dos bens numa parte apenas do território desse Estado, e que incide igualmente sobre as mercadorias estrangeiras e as mercadorias nacionais que não sejam originárias da parte do território considerada?

2) Mais especificamente:

a) os artigos 9. e 13. do Tratado de Roma devem ser interpretados no sentido de que um imposto pode receber a qualificação de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro quando for cobrado sobre o valor das mercadorias estrangeiras e nacionais aquando da sua colocação no consumo, sem consideração directa ou indirecta da passagem de uma fronteira estatal, ou essas disposições exigem, pelo contrário, que a passagem de uma fronteira estatal seja, de direito ou de facto, o facto ou um dos factos geradores de tributação?

b) nos termos do segundo parágrafo do artigo 95. do Tratado de Roma:

- a origem regional de produções ou categorias de produções, na medida em que exclui necessariamente os produtores estrangeiros das disposições mais favoráveis, pode constituir o critério legal de uma diferenciação fiscal fixada por um Estado-membro, ou essa diferenciação deve basear-se também, ou exclusivamente, na natureza das produções em causa?

- os benefícios fiscais concedidos às produções dos departamentos ultramarinos franceses, e especialmente às da Reunião, que resultam da isenção do imposto de octroi de mer, podem ser considerados como prosseguindo objectivos de política económica compatíveis com as exigências do Tratado e do direito derivado?

3) O Acordo de Comércio Livre em vigor entre a Comunidade e a Suécia deve ser interpretado no sentido de que proíbe a cobrança, por um dos Estados-membros ou pelas suas colectividades públicas, de um imposto proporcional ao valor dos bens, diferente do IVA, cobrado aquando da colocação em livre prática dos bens importados da Suécia, devido à sua introdução numa parte do território desse Estado e incidindo igualmente sobre as mercadorias comunitárias que não sejam originárias da parte do território considerada?"

6 Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da regulamentação comunitária em causa, da tramitação processual bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal de Justiça.

Quanto às normas de direito comunitário aplicáveis aos departamentos ultramarinos franceses

7 Importa, a título liminar, lembrar o estatuto dos DOM face ao direito comunitário. Verifica-se que, nos termos da Constituição francesa, os DOM são parte integrante da República Francesa. Enquanto tais, estão abrangidos no território aduaneiro da Comunidade, nos termos do artigo 1. do Regulamento (CEE) n. 2151/84 do Conselho, de 23 de Julho de 1984, relativo ao território aduaneiro da Comunidade (JO L 197, p. 1; EE 02 F11 p. 47). Todavia, a aplicação do Tratado CEE nos DOM é objecto de regulamentação especial enunciada no artigo 227. , n. 2, deste Tratado, que tem a seguinte redacção:

"No que diz respeito à Argélia e aos departamentos franceses ultramarinos, as disposições especiais e gerais do presente Tratado relativas:

- à livre circulação de mercadorias;

- à agricultura, salvo disposto no n. 4 do artigo 40. ;

- à liberalização dos serviços;

- às regras de concorrência;

- às medidas de protecção previstas nos artigos 108. , 109. e 226. ;

- às Instituições;

são aplicáveis a partir da entrada em vigor do presente Tratado.

As condições de aplicação das outras disposições do presente Tratado serão determinadas o mais tardar dois anos após a sua entrada em vigor, por meio de decisões do Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão."

8 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão de 10 de Outubro de 1978, Hansen, 148/77, Recueil, p. 1787), resulta deste artigo que as disposições do Tratado mencionadas expressamente no artigo 227. , n. 2, primeiro parágrafo, são aplicáveis nos DOM desde a entrada em vigor do Tratado CEE, ao passo que, para as outras disposições, este artigo reservou um prazo de dois anos durante o qual as condições particulares de aplicação podiam ser determinadas pelo Conselho. O Tribunal precisou em seguida que, para as disposições do Tratado que não são enumeradas no n. 2, segundo parágrafo, deste artigo, é sempre possível prever ulteriormente medidas específicas para responder às necessidades destes territórios.

9 No uso do poder que lhe era assim reconhecido, o Conselho adoptou um determinado número de disposições, entre as quais consta designadamente a Decisão 89/687/CEE, de 22 de Dezembro de 1989, que cria um programa de opções específicas para o afastamento e a insularidade dos departamentos franceses ultramarinos "Poseidom" (JO L 399, p. 39). No âmbito deste programa, o Conselho adoptou igualmente no mesmo dia a Decisão 89/688/CEE, relativa ao regime do octroi de mer nos departamentos franceses ultramarinos (JO L 399, p. 46). Esta última decisão prevê nomeadamente que, "o mais tardar até 31 de Dezembro de 1992, as autoridades francesas tomarão as medidas necessárias para que o regime do octroi de mer actualmente em vigor nos departamentos ultramarinos seja aplicável indiferentemente... aos produtos introduzidos e obtidos nessas regiões". O artigo 4. desta decisão prevê que "a República Francesa fica autorizada a manter, o mais tardar até 31 de Dezembro de 1992, o regime do octroi de mer actualmente vigente". Importa todavia salientar que as disposições desta decisão não entraram em vigor senão após os factos do caso vertente e é pacífico que não têm qualquer efeito retroactivo.

Quanto à legalidade de um imposto como o octroi de mer

10 Com as duas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um imposto proporcional ao valor aduaneiro das mercadorias, cobrado apenas numa região do território nacional de um Estado-membro, incidindo indistintamente sobre as mercadorias provenientes do resto do território nacional ou do estrangeiro devido à sua introdução nesta região, mas de que os produtos obtidos nesta região estão isentos, constitui um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros ou uma imposição interna.

11 O Tribunal declarou já que uma imposição que incide sobre um produto de outro Estado-membro não constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, mas uma imposição interna na acepção do artigo 95. do Tratado, se se integrar num regime geral de tributação interna que abrange sistematicamente categorias de produtos segundo critérios objectivos aplicados independentemente da origem do produto (acórdão de 3 de Outubro de 1981, Comissão/França, n. 14, 90/79, Recueil, p. 283). O Tribunal precisou, além disso, que um encargo pecuniário, quando é cobrado na importação, apenas se deve qualificar de imposição interna se se destina a colocar em situação fiscal comparável, no território nacional, todas as categorias de produtos, qualquer que seja a sua origem (acórdão de 4 de Abril de 1968, Fink-Frucht, 27/67, Recueil, p. 327).

12 Ora, o octroi de mer incide, salvo algumas excepções, sobre todos os produtos introduzidos na região da Reunião, devido à sua entrada nesta parte do território francês, enquanto todos os produtos originários da Reunião estão sistematicamente isentos, precisamente devido à sua origem regional e não devido a critérios objectivos que poderiam igualmente aplicar-se a produtos importados. Estes elementos excluem que o imposto em causa seja qualificado de imposição interna.

13 Importa pois examinar se um imposto como o octroi de mer constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro. A este respeito, o Tribunal considerou já que um encargo pecuniário, unilateralmente imposto, independentemente da sua designação e da sua técnica, e que incide sobre as mercadorias nacionais ou estrangeiras pelo facto de atravessarem a fronteira, quando não é um direito aduaneiro propriamente dito constitui um encargo de efeito equivalente, na acepção dos artigos 9. e 12. do Tratado, mesmo que não seja cobrado em proveito do Estado, que não exerça qualquer efeito discriminatório ou proteccionista e que o produto tributado não se encontre em concorrência com um produto nacional (v. designadamente acórdão de 1 de Julho de 1969, Sociaal Fonds Diamantarbeiders, 2/69 e 3/69, Recueil, p. 211).

14 A República Francesa alega que o imposto em causa não constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro. Salienta, em primeiro lugar, que, se as mercadorias forem importadas e colocadas no comércio na França metropolitana, não estão sujeitas ao octroi de mer. Em sua opinião, é a introdução no território na Região da Reunião, isto é, uma transacção interna e não a passagem da fronteira estatal, que constitui o facto gerador da cobrança do octroi de mer. Em segundo lugar, salienta que o octroi de mer atinge igualmente e de modo idêntico os produtos provenientes da França metropolitana introduzidos na Reunião.

15 Esta argumentação não pode ser acolhida.

16 Com efeito, a justificação da proibição de qualquer direito aduaneiro aplicável às mercadorias que circulam entre os Estados-membros reside no entrave que os encargos pecuniários, ainda que mínimos, aplicados em razão da passagem de fronteiras, constituem para a circulação de mercadorias (v. acórdão Sociaal Fonds Diamantarbeiders, já referido). Ora, um imposto cobrado numa fronteira regional devido à introdução dos produtos numa região de um Estado-membro constitui um entrave pelo menos tão grave à livre circulação de mercadorias como um imposto cobrado na fronteira nacional devido à introdução dos produtos no conjunto do território do Estado-membro.

17 A violação feita por tal imposto regional à unicidade do território aduaneiro comunitário não é alterada pelo facto de atingir igualmente as mercadorias provenientes das outras partes do território do Estado-membro em questão.

18 Importa, pois, responder ao órgão jurisdicional de reenvio que um imposto proporcional ao valor aduaneiro dos bens, cobrado por um Estado-membro sobre as mercadorias importadas de outro Estado-membro devido à sua introdução numa região do território do primeiro Estado-membro, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação, apesar de o imposto incidir igualmente sobre as mercadorias introduzidas nessa região provenientes de outra parte do mesmo Estado.

Quanto à aplicabilidade do acordo de comércio livre em vigor entre a Comunidade e a Suécia (terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio)

19 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o acordo entre a Comunidade e o Reino da Suécia [Regulamento (CEE) n. 2838/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, relativo à conclusão de um acordo entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino da Suécia, JO L 300, p. 96 (EE 11 F2 p. 98), a seguir "acordo"], proíbe a cobrança de um imposto com as características do octroi de mer, tal como acima descrito, sobre produtos provenientes da Suécia.

20 Importa lembrar a este propósito que o acordo se aplica a determinados produtos, entre os quais os automóveis, originários da Comunidade ou da Suécia. O artigo 6. proíbe a cobrança de novos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação nas trocas entre a Comunidade e a Suécia, e prevê igualmente a supressão em 1 de Julho de 1977 dos encargos de efeito equivalente existentes.

21 A República Francesa alega que, mesmo que o octroi de mer fosse qualificado de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação na acepção do Tratado CEE, daí não decorre que constitua um encargo dessa natureza na acepção do artigo 6. do acordo. Para sustentar esta argumentação cita designadamente o acórdão de 9 de Fevereiro de 1982, Polydor (270/80, Recueil, p. 329), no qual o Tribunal entendeu que a similitude das expressões do artigo 14. , n.os 2 e 23, do Acordo de Comércio Livre em vigor entre a Comunidade e Portugal, por um lado, e dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE, por outro, não eram razão suficiente para transpor para o sistema do acordo a jurisprudência do Tribunal, que determina, no âmbito da Comunidade, a relação entre a protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial e as normas relativas à livre circulação de mercadorias.

22 Este argumento não pode ser acolhido.

23 É verdade que os termos de um acordo celebrado entre a Comunidade e um país terceiro não têm necessariamente o mesmo significado que os termos idênticos que constam de disposições do Tratado CEE. Tal como resulta do acórdão Polydor, já referido, para se determinar se a interpretação de uma disposição constante do Tratado CEE deve ser alargada a uma disposição idêntica que se encontra num acordo como o que é invocado no caso vertente, haverá que analisar essa disposição à luz tanto do objecto e finalidade do acordo como do seu contexto.

24 Segundo o preâmbulo, o acordo tem por objectivo consolidar e alargar as relações económicas existentes entre a Comunidade e a Suécia e assegurar, no respeito de condições equitativas de concorrência, o desenvolvimento harmonioso do seu comércio com o objectivo de contribuir para a construção europeia. Para tal efeito, as partes contratantes decidiram eliminar progressivamente os obstáculos no essencial das suas trocas, em conformidade com as disposições do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) relativas à criação de zonas de comércio livre.

25 Na acepção do artigo XXIV, n. 8, deste acordo geral, há que entender por zona de comércio livre "um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais sejam eliminados os direitos aduaneiros e as outras regulamentações comerciais restritivas... para o essencial das trocas comerciais relativas aos produtos originários dos territórios constitutivos de tal zona de comércio livre".

26 Daí resulta que, no quadro do objectivo de eliminação dos obstáculos às trocas, a supressão dos direitos aduaneiros de importação desempenha um papel primordial. O mesmo se passa com a supressão dos encargos de efeito equivalente que, segundo jurisprudência do Tribunal, estão estreitamente ligados aos direitos aduaneiros stricto sensu (v. designadamente os acórdãos Sociaal Fonds Diamantarbeiders, já referido, e de 12 de Fevereiro de 1992, Leplat, C-260/90, Colect., p. I-643). O acordo ficaria, pois, privado de uma parte importante do seu efeito útil se a noção de encargo de efeito equivalente, constante do artigo 6. , fosse interpretada como tendo um alcance mais restritivo que o da mesma expressão constante do Tratado CEE.

27 Assim, deve responder-se à terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 6. do acordo entre a Comunidade e a Suécia, que consta do anexo do Regulamento n. 2838/72, deve ser interpretado como proibindo a cobrança por um Estado-membro de um imposto proporcional ao valor aduaneiro dos bens sobre mercadorias importadas da Suécia devido à sua introdução numa região desse Estado-membro, apesar de o imposto incidir igualmente sobre as mercadorias introduzidas nessa região provenientes de outra parte do território do mesmo Estado-membro.

Quanto aos efeitos do presente acórdão no tempo

28 Nas observações escritas e na audiência, a Região da Reunião e a República Francesa invocaram a possibilidade de o Tribunal, caso entendesse que um imposto como o octroi de mer é incompatível com as disposições pertinentes do Tratado CEE e do acordo de comércio livre celebrado entre a Comunidade e a Suécia, limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

29 Em apoio deste pedido, a República Francesa alega designadamente, por um lado, que uma incerteza jurídica rodeara durante muito tempo a aplicação do direito comunitário nos DOM, e que continuava a afectar o octroi de mer. Por outro lado, chamou a atenção do Tribunal para as consequências financeiras catastróficas para os DOM que teria um acórdão que implicasse a obrigação de reembolsar o imposto indevidamente cobrado até ao presente. De facto, as colectividades locais dos DOM seriam obrigadas a fazer face a um número incalculável de pedidos de reembolso, que não estariam seguramente em condições de suportar. Tal situação seria agravada pelo facto de o prazo aplicável a tais pedidos de reembolso ser a prescrição de trinta anos do direito civil francês.

30 Importa lembrar que só a título excepcional o Tribunal pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que o Tribunal interpretou para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé. Tal limitação só pode ser admitida, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal, no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada. Para decidir se há ou não que limitar o alcance de um acórdão no tempo, deve tomar-se em consideração o facto de que, embora as consequências práticas de qualquer decisão judicial devam ser cuidadosamente ponderadas, não se pode contudo ir ao ponto de inflectir a objectividade do direito e comprometer a sua aplicação futura devido às repercussões que uma decisão judicial pode gerar para o passado (acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Blaizot, n.os 28 e 30, 24/86, Colect., p. 379).

31 Quanto ao caso vertente, as particularidades do octroi de mer e as especificidades dos DOM franceses criaram um estado de incerteza quanto à legitimidade deste imposto face ao direito comunitário. Tal incerteza encontra-se, aliás, reflectida no comportamento, face ao problema do octroi de mer, das instituições comunitárias.

32 Na verdade, a Comissão desistiu de prosseguir a acção por incumprimento que tinha iniciado contra a França relativamente ao octroi de mer. Em seguida, propôs ao Conselho a Decisão 89/688, que, entre outros objectivos, visa autorizar a manutenção do octroi de mer a título temporário, no âmbito do já referido programa Poseidom. Por fim, precisa-se ainda nos terceiro e quarto considerandos dessa decisão que "o octroi de mer constitui actualmente um elemento de apoio às produções locais que se encontram sujeitas às dificuldades decorrentes do afastamento e da insularidade" e que "se trata, além disso, de um instrumento essencial de autonomia e de democracia locais cujos recursos devem constituir um meio de desenvolvimento económico e social dos departamentos franceses ultramarinos".

33 Estes elementos levaram a República Francesa e as colectividades locais dos DOM franceses a entender razoavelmente que a legislação nacional na matéria era conforme ao direito comunitário.

34 Nestas condições, considerações imperiosas de segurança jurídica opõem-se a que sejam postas em causa relações jurídicas que esgotaram os seus efeitos no passado, quando isso transtornaria retroactivamente o sistema de financiamento das colectividades locais dos DOM franceses.

35 Há, pois, que decidir que nem as disposições do Tratado CEE relativas aos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação, nem o artigo 6. do acordo entre a Comunidade e a Suécia, podem ser invocados em apoio de pedidos de restituição de um imposto como o octroi de mer pago antes da data do presente acórdão, a não ser pelos requerentes que antes dessa data tenham interposto recurso judicial ou deduzido impugnação equivalente.

36 A este respeito, importa precisar que esta limitação do efeito do presente acórdão no tempo não se aplica aos pedidos apresentados para restituição de tal imposto pago às autoridades competentes após a data do acórdão, por uma importação de mercadorias para o DOM em questão efectuada antes dessa data.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

37 As despesas efectuadas pela República Francesa, pela Região da Reunião e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela cour d' appel de Saint-Denis (Reunião), declara:

1) Um imposto proporcional ao valor aduaneiro dos bens, cobrado por um Estado-membro sobre as mercadorias importadas de outro Estado-membro devido à sua introdução numa região do território do primeiro Estado-membro, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação, apesar de o imposto incidir igualmente sobre as mercadorias introduzidas nessa região provenientes de outra parte do mesmo Estado.

2) O artigo 6. do acordo celebrado entre a Comunidade e a Suécia, que consta do anexo do Regulamento (CEE) n. 2838/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, deve ser interpretado como proibindo a cobrança por um Estado-membro de um imposto proporcional ao valor aduaneiro dos bens sobre mercadorias importadas da Suécia devido à sua introdução numa região desse Estado-membro, apesar de o imposto incidir igualmente sobre as mercadorias introduzidas nessa região provenientes de outra parte do território do mesmo Estado-membro.

3) Nem as disposições do Tratado CEE relativas aos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação, nem o artigo 6. do acordo entre a Comunidade e a Suécia podem ser invocados em apoio de pedidos de restituição de um imposto como o octroi de mer pago antes da data do presente acórdão, a não ser pelos requerentes que antes dessa data tenham interposto recurso judicial ou deduzido impugnação equivalente.