RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado nos processos apensos C-87/90, C-88/90 e C-89/90 ( *1 )

I — Factos e fase escrita do processo

1.

A Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174), aplica-se, nos termos do artigo 2.°, à população activa, incluindo os trabalhadores independentes, os trabalhadores cuja actividade seja interrompida por doença, acidente ou desemprego involuntário, e às pessoas à procura de emprego, bem como aos trabalhadores reformados e aos trabalhadores inválidos.

De acordo com o artigo 3.°, a directiva aplica-se aos regimes legais que assegurem uma protecção contra os seguintes riscos: doença, invalidez-velhice, acidente de trabalho e doença profissional, desemprego.

O artigo 4.° define o princípio da igualdade de tratamento como implicando a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa quer indirectamente, por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar, especialmente no que respeita ao âmbito dos regimes, à obrigação de pagar contribuições, ao cálculo destas e ao cálculo das prestações.

O artigo 5.° impõe a obrigação de os Esta-dos-membros tomarem as medidas necessárias a fim de serem suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento.

O prazo de transposição da directiva, fixado em seis anos, nos termos do artigo 8.°, expirou, para os Países Baixos, em 23 de Dezembro de 1984.

2.

Nos Países Baixos, a Algemene Ouderdomswet (lei geral sobre pensões de velhice, a seguir «AOW») de 31 de Maio de 1956 (Stbl., p. 281) instituiu, em benefício dos residentes neerlandeses e também dos não residentes sujeitos ao imposto sobre o rendimento por força de uma actividade exercida nos Países Baixos, um regime geral de pensão de velhice em que os direitos de pensão são determinados com base nos períodos de seguro cumpridos.

As pessoas seguras nos termos da AOW têm direito a pensão de reforma a partir dos 65 anos. As pessoas seguras sem interrupção entre o 15.° e 65.° ano recebem a pensão por inteiro. Por cada ano em que o interessado não esteve seguro é aplicada uma redução de cerca de 2 %.

Um acréscimo é pago ao beneficiário de uma pensão cujo cônjuge a cargo não tenha ainda atingido a idade de 65 anos. A este acréscimo é aplicada uma redução em função dos anos em que o cônjuge não esteve seguro.

3.

Nos termos do regime aplicável até 1 de Abril de 1975, regido por dois decretos reais de 18 de Outubro de 1968 (Stbl., p. 575) e de 19 de Outubro de 1976 (Stbl., p. 557), ficavam excluídos do seguro nos termos da AOW os residentes neerlandeses exercendo uma actividade profissional num país estrangeiro que estivessem seguros, em função desse trabalho, nos termos da legislação desse país.

A mulher casada residente nos Países Baixos, cujo cônjuge fosse residente neerlandês não seguro nos termos da AOW, não ficava segura durante os períodos em que o marido estivesse excluído do seguro. Pelo contrário, o homem casado residente cuja esposa estivesse excluída do seguro por exercer uma actividade assalariada ficava seguro sem restrições nos períodos em causa.

4.

A lei de 28 de Março de 1985 (Stbl., p. 180) veio introduzir na AOW o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, e o decreto real de 26 de Abril de 1985 (Stbl., p. 297) suprimiu, a partir de 1 de Abril de 1975, a exclusão da mulher casada do seguro nos termos da AOW com fundamento no facto de o seu marido não estar seguro.

O legislador neerlandês não adoptou normas instituindo a caducidade, a partir desse momento, da referida exclusão, legalmente aplicável antes de 1 de Abril de 1985.

5.

A. Verholen, demandante no processo principal C-87/90, residiu permanentemente nos Países Baixos onde exerceu uma actividade assalariada. Aos 61 anos, obteve uma pensão de velhice antecipada, nos termos de um regime resultante do seu contrato de trabalho. Durante todo o período de actividade profissional, pagou cotizações para a AOW.

O seu cônjuge, residente nos Países Baixos, desempenhou durante oito anos uma actividade profissional na Bélgica, período durante o qual não esteve seguro nos termos da AOW.

Por esta razão, a pensão de velhice concedida, nos termos da AOW, a A. Verholen no momento em que atingiu os 65 anos sofreu uma redução da ordem dos 16 %.

6.

T. H. M. Van Wetten-Van Uden, demandante no processo principal C-88/90, jamais exerceu qualquer actividade profissional.

O seu cônjuge, residente nos Países Baixos, desempenhou, durante períodos que, no total, excedem quatro anos, uma actividade assalariada na República Federal da Alemanha, não tendo estado seguro nos termos da AOW durante esses períodos.

Por este motivo, a pensão de velhice concedida, nos termos da AOW, a Van Wetten-Van Uden no momento em que perfez a idade de 65 anos sofreu uma redução da ordem dos 8 %.

7.

G. H. Heiderijk, demandante no processo principal C-89/90, residente nos Países Baixos, exerceu uma actividade profissional na República Federal da Alemanha durante determinado número de anos. A sua esposa, com ele residente nos Países Baixos, jamais exerceu qualquer actividade profissional.

Ao atingir a idade de 65 anos, o interessado obteve uma pensão de velhice nos termos da AOW, completada por um acréscimo decorrente de a esposa, a seu cargo, não ter ainda cumprido 65 anos. Contudo, foi aplicada uma redução sobre este acréscimo em consequência dos anos de ausência de seguro da esposa, incluindo os períodos durante os quais Van Heiderijk trabalhou na República Federal da Alemanha.

8.

Foi destas decisões do Sociale Verzekeringsbank de Amsterdam, que reduziram os seus direitos de pensão, que A. Verholen, T. H. M. van Wetten-van Uden e G. H. Heiderijk interpuseram recurso para o Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch.

9.

Por entender que estes litígios implicam a interpretação da citada Directiva 79/7, o Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch, por decisões, respectivamente, de 30 de Janeiro e de 15 de Fevereiro de 1990, tomadas nos termos dos artigos 177.° do Tratado CEE, suspendeu a instância até o Tribunal de Justiça se pronunciar a título prejudicial sobre as seguintes questões:

No processo C-87/90

«É compatível com o n.° 1 do artigo 4.° (è/ou com o artigo 5.°) da Directiva 79/7/CEE que os efeitos de uma disposição nacional, que só exclui do seguro AOW as mulheres casadas, se mantenham para além de 22 de Dezembro de 1984, de modo que, mesmo posteriormente a essa data, a pensão AOW das referidas mulheres pode continuar a ser reduzida devido a uma condição de seguro que não existia para os homens?»

No processo C-88/90

«1)

O direito comunitário impede o órgão jurisdicional nacional de apreciar (ex officio) a conformidade de uma regulamentação nacional com uma directiva CEE cujo prazo de transposição já terminou, quando o particular não a invoque (por exemplo, por ignorância) ?

2)

O direito comunitário impede o órgão jurisdicional nacional de apreciar a conformidade de uma regulamentação nacional com uma directiva CEE cujo prazo de transposição já terminou, quando esse particular não podia invocar a referida directiva pelo facto de não ser abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal dessa directiva, ainda que esse particular releve de um regime legal nacional abrangido por essa mesma directiva?

3)

O artigo 2.° da Directiva 79/7/CEE refere-se ao âmbito de aplicação pessoal da própria directiva ou deve ser considerado como limitando (além da delimitação do artigo 3.° da referida directiva) os regimes legais nacionais abrangidos pela referida directiva?»

No processo C-89/90

«Num processo perante o órgão jurisdicional nacional, o particular pode invocar o n.° 1 do artigo 4.° (e/ou artigo 5.°), da Directiva 79/7/CEE quando sofre os efeitos de uma disposição nacional discriminatória que dizia respeito à sua esposa, a qual não é parte no processo referido?»

10.

Na decisão de reenvio proferida no processo C-87/90, o Raad van Beroep considera que os efeitos das condições discriminatórias de que padece a legislação neerlandesa, que ocorram após a data de transposição da citada Directiva 79/7, podem ser contrários ao n.° 1 do artigo 4.° deste diploma. Com efeito, a AOW limitadamente pode ser considerada um regime de constituição progressiva de direitos. A aquisição do direito não está, com efeito, dependente do cumprimento de determinado período de seguro, mas do facto de se atingir a idade de 65 anos. Sendo que o facto de se ter pago contribuições não constitui condição para que se possa considerar determinado período como período de seguro, não existe, ou apenas existe tenuamente, vínculo directo entre o pagamento (obrigatório) de cotizações e o montante da pensão.

Na decisão de reenvio no processo C-88/90, o Raad van Beroep observa que o âmbito de aplicação pessoal da citada Directiva 79/7 apenas pode ser definido como o círculo de pessoas abrangidas pelos regimes nacionais de segurança social que se apliquem (designadamente) à população activa.

Na decisão de reenvio no processo C-89/90, o Raad van Beroep afirma que a questão de se saber se o interessado no processo principal pode invocar a citada Directiva 79/7 deve ser decidida atendendo ao facto de o direito neerlandês não conceder à esposa a possibilidade de intervir no processo para contestar os efeitos discriminatórios da legislação neerlandesa.

11.

As decisões do Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de Março de 1990.

12.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas nos três processos, respectivamente, em 30 de Junho de 1990, em representação da Sociale Verzekeringsbank Amsterdam, demandada no processo principal, por E. H. Pijnacker Hordijk e M. Droogleever Fortuyn, advogados no foro de Amsterdão e de Haia, em 29 de Junho e 3 de Julho de 1990, em representação do Governo neerlandês, por B. R. Bot, secretário-geral no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e em 21, 22 e 26 de 1990, em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por René Barents e Karen Banks, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

13.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

14.

Por despacho de 16 de Janeiro de 1991, os processos C-87/90, C-88/90 e C-89/90 foram apensos para efeitos de audiência e acórdão.

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

Processo C-87/90

1.

O Sociale Verzekeringsbank Amsterdam recorda as disposições relevantes da AOW, que constitui um regime de constituição progressiva de direitos. Com efeito, o montante da pensão depende directamente e é directamente proporcional à duração da carreira de seguro. Os traços discriminatórios do regime, que, designadamente, exclui a mulher casada do seguro relativamente aos períodos durante os quais o marido tenha também estado excluído, foram revogadas nos prazos previstos na citada Directiva 79/7.

A questão colocada apresenta semelhanças com a segunda questão suscitada nos processos 48/88 e 107/88, e com a terceira questão suscitada no processo 106/88, a que o Tribunal de Justiça não teve de responder no acórdão de 27 de Junho de 1989, Ach-terberg-te Riele e outros (48/88, 106/88 e 107/88, Colect., p. 1963). Trata-se de determinar se o artigo 4.° da citada Directiva 79/7 exige que os períodos durante os quais uma mulher casada não esteve segura nos termos da AOW, antes da data-limite de transposição da directiva, devem, apesar disso, ser considerados, para efeitos de cálculo da pensão de velhice, num momento posterior a essa data, como períodos de seguro efectivos em virtude de, relativamente aos períodos anteriores, a mulher casada ter sido excluída do seguro nos termos de uma regulamentação não aplicável aos homens casados.

O Sociale Verzekeringsbank sublinha que, no acórdão de 23 de Setembro de 1982, Koks (275/81, Recueil, p. 3013), o Tribunal de Justiça reconheceu que as disposições que excluíam a mulher casada do seguro, em virtude de o marido estar também excluído, eram compatíveis com o direito comunitário então em vigor. Num regime de constituição progressiva dos direitos, como o da AOW, o facto de se não ter estado seguro durante determinados períodos implica, de forma inevitável e definitiva, uma redução da pensão em regime de pro rata. Interpretar a citada Directiva 79/7 no sentido de se dever considerar que a demandante no processo principal esteve segura nos períodos em que não o esteve significa atribuir efeito retroactivo ao princípio da igualdade de tratamento. Esta situação criaria, aliás, desigualdade de tratamento com os homens, no sentido de que a mulher casada estaria segura apesar de não ter estado obrigada a pagar cotizações, enquanto que o homem casado cuja esposa tivesse desempenhado uma actividade no estrangeiro estaria sujeito ao pagamento de cotizações.

Nas conclusões apresentadas nos processos Achterberg-te Riele e outros, já citados, o advogado-geral invocou injustificadamente o acórdão de 8 de Março de 1988, Dik e outros (80/87, Colect., p. 1601), para sustentar que a citada Directiva 79/7 obriga a que sejam considerados como períodos de seguro, para efeitos de cálculo da pensão concedida após expirado o prazo de transposição da directiva, os períodos anteriores durante os quais o beneficiário não esteve seguro.

No citado acórdão Dik e outros, o Tribunal de Justiça admitiu, é certo, que um Estado-membro não pode manter, findo o prazo de transposição da directiva, desigualdades de tratamento devidas ao facto de as condições exigidas para a criação de um direito a prestações serem anteriores a essa data, acrescentando que o facto de essas desigualdades resultarem de disposições transitórias não é susceptível de conduzir a diferente conclusão. Contrariamente ao processo Dik, o presente processo não suscita um problema de prorrogação de uma desigualdade de tratamento para além do prazo de transposição da directiva. Além disso, o advogado-geral não atende ao facto de o processo Dik ter por objecto condições de concessão de um direito a prestações de desemprego, nos termos de um regime de risco, que não implica nem uma carreira de seguro nem a obrigação de cotização. Ademais, o processo Dik diz respeito à aplicação de determinadas condições discriminatórias, ainda parcialmente aplicáveis após a adopção da directiva.

No caso vertente, o que está em causa é o efeito sobre o montante de uma pensão de velhice de uma condição discriminatória em matéria de inscrição, aplicável antes de expirado o prazo de transposição da directiva. Tal efeito é inerente aos regimes de constituição progressiva dos direitos. O facto de a citada Directiva 79/7 não estabelecer uma distinção nítida entre os regimes de risco e os regimes de constituição progressiva dos direitos não autoriza que seja feita abstracção da diferença fundamental entre os diversos regimes de seguro. Além disso, outras directivas, como a Directiva 86/378/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres aos regimes profissionais da segurança social (JO L 225, p. 40), precisam que os direitos e obrigações relativas a um período de inscrição num regime profissional anterior à revisão desse regime continuam a reger-se pelas disposições do regime em vigor nesse período. A interpretação da citada Directiva 79/7 preconizada pelo advogado-geral traduzir-se-ia, além disso, em fazer beneficiar as mulheres casadas do regime de pensão apesar de terem estado dispensadas da obrigação de pagar cotizações, enquanto que os homens casados em situação idêntica apenas poderiam beneficiar desses mesmos direitos na condição de terem cumprido a obrigação de pagamento de cotizações.

No caso vertente, o facto de a demandante no processo principal ter pago cotizações durante os períodos de actividade profissional resulta de um mal-entendido por parte das autoridades encarregadas da cobrança dessas cotizações e não permite uma conclusão diferente.

Assim sendo, o Sociale Verzekeringsbank propõe a seguinte resposta à questão colocada:

«As disposições dos artigos 4.° e 5.° da Directiva 79/7 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, não exigem que para efeitos de concessão de pensão de velhice a um beneficiário do sexo feminino, no decurso de períodos posteriores a 22 de Dezembro de 1984, nos termos de um regime de seguro de acordo com o qual o montante da pensão de velhice depende da duração de seguro, esse mesmo beneficiário da pensão se considere que esteve seguro nos termos do citado regime, relativamente a períodos anteriores a 23 de Dezembro de 1984, durante os quais, nos termos da legislação então em vigor, não esteve obrigatoriamente seguro por força de uma exclusão unicamente aplicável às mulheres casadas e não aos homens casados.»

2.

O Governo neerlandês recorda que, no acórdão Achterberg e outros, já citado, o Tribunal de Justiça definiu o âmbito de aplicação pessoal da Directiva 79/7, já citada, que se aplica à população activa, às pessoas à procura de emprego, bem como aos trabalhadores cuja actividade tenha sido interrompida por um dos riscos enumerados na alínea a) do n.° 1 do artigo 3.° A demandante no processo principal não exercia já qualquer actividade profissional quando obteve a pensão de velhice. Para a integrar no âmbito de aplicação pessoal da directiva, terá de se admitir que a saída voluntária antecipada do mercado de emprego, nos termos de um regime de direito privado, equivale à ocorrência do risco de velhice, na acepção do n.° 1 do artigo 3.° da directiva.

A demandante no processo principal, ainda que se admita estar abrangida no âmbito de aplicação pessoal da citada Directiva 79/7, não pode prevalecer-se do artigo 4.° Os regimes de constituição progressiva dos direitos são fundamentalmente diferentes dos regimes de risco. Nos regimes da primeira categoria, os direitos constituem-se no decurso dos períodos de seguro e as condições de seguro são determinadas pela lei então em vigor. Ora, no acórdão Koks, já citado, o Tribunal de Justiça reconheceu que o regime neerlandês em vigor antes da aplicação da citada Directiva 79/7 era conforme com o direito comunitário então em vigor.

O seguro nos termos AOW implica uma obrigação de pagamento de cotizações, indissoluvelmente ligada ao regime de constituição progressiva dos direitos. Ora, a mulher casada não segura em virtude de o marido o não estar também não esteve obrigada ao pagamento de cotizações. A interpretação da citada Directiva 79/7, preconizada pelo órgão jurisdicional de reenvio, significa reconhecer-lhe efeito retroactivo, implicando necessariamente a recuperação a posteriori das cotizações relativas aos períodos durante os quais o interessado não esteve seguro.

3.

A Comissão observa que a citada Directiva 79/7 é aplicável, nos termos do artigo 3.°, à pensão de velhice. O âmbito de aplicação de uma norma jurídica é de ordem pessoal, material, territorial e temporal. Ao estabelecer o princípio da não discriminação, o artigo 4.° da directiva tem também um âmbito de aplicação temporal. Assim sendo, e de acordo com o que o próprio Tribunal de Justiça sublinhou no acórdão Dik e outros, já citado, a Directiva 79/7, já citada, opõe-se à prorrogação dos efeitos de antigas disposições discriminatórias para além do prazo de aplicação da directiva. Essa data de aplicação reveste-se de natureza incondicional; não se pode considerar que o facto de a directiva se aplicar directamente às situações criadas na vigência de uma anterior legislação discriminatória implica natureza retroactiva.

Em consequência, a Comissão propõe a seguinte resposta à questão colocada:

«A Directiva 79/7 deve ser interpretada no sentido de que obriga os Estados-membros a abolir, num regime em que o montante das prestações é função da duração do período de seguro, os efeitos prejudiciais provocados por diferença na aquisição dos direitos a prestações, proibida pela directiva, sobre o nível da prestação, na hipótese das prestações de velhice a serem pagas após 22 de Dezembro de 1984, nos termos de direitos próprios do beneficiário.»

Processo C-88/90

1.

O Sociale Verzekeringsbank Amsterdam sublinha que, no citado acórdão Achterberg-te Riele e outros, o Tribunal de Justiça respondeu claramente à terceira questão prejudicial colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio relativa ao âmbito de aplicação pessoal da citada Directiva 79/7. Jamais tendo exercido qualquer actividade profissional independente ou assalariada, a demandante no processo principal não está abrangida no âmbito de aplicação da directiva, não podendo beneficiar das suas disposições.

A segunda questão é similar à questão 1, alínea c) do processo 107/88, Achterberg-te e outros, já citado; ora, no acórdão Achterberg, o Tribunal de Justiça declarou que uma pessoa não abrangida pelo artigo 2.° da directiva não pode prevalecer-se do artigo 4.° Outros acórdãos do Tribunal de Justiça, proferidos em diferentes domínios, confirmam que é o âmbito de aplicação pessoal ou material da directiva, e não o da legislação nacional em que a directiva é aplicada, que assume relevância para efeitos de determinação de quem pode invocar a directiva.

Assim sendo, não cabe responder à primeira questão.

2.

O Governo neerlandês observa, no que se refere à primeira questão, que o facto de se recusar o direito de aplicação a título oficioso pelo órgão jurisdicional nacional de uma directiva significa desconhecer a natureza vinculativa atribuída pelo artigo 189.° do Tratado CEE a esse tipo de diploma. Um particular apenas pode invocar a disposição de uma directiva caso dela derivem directamente direitos em seu favor. Dentro desta lógica, deve admitir-se que o direito comunitário não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional examine a título oficioso se essa disposição de uma directiva é aplicável à relação jurídica entre um particular e o organismo encarregado de determinar os direitos do interessado em matéria abrangida pela directiva.

Nestas condições, o Governo neerlandês propõe a seguinte resposta à primeira questão:

«Resulta da natureza vinculativa que, nos termos do artigo 189.° do Tratado CEE, se deve atribuir ao n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 79/7, que o direito comunitário não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional aplique as respectivas disposições no âmbito de processos relativos ao princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social que lhe sejam submetidos, ainda que não sejam invocadas por um particular.»

No que se refere às segunda e terceira questões, o Governo neerlandês recorda que, no citado acórdão Achterberg-te Riele e outros, o Tribunal de Justiça definiu o âmbito de aplicação pessoal da citada Directiva 79/7 por remissão para o artigo 2.°, que se refere à população activa. Nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que uma pessoa não abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 2.° não pode prevalecer-se do artigo 4.° da directiva.

O Governo neerlandês sugere, assim, que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às segunda e terceira questões:

«Consideradas no seu conjunto, as disposições da Directiva 79/7 opõem-se a que o órgão jurisdicional nacional aplique o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social a quem não esteja abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do artigo 2.° dessa mesma directiva.»

3.

No que se refere à primeira questão, a Comissão sublinha o perigo de ausência de aplicação uniforme do direito que se verificaria se a apreciação da conformidade das disposições internas com o direito comunitário dependesse do facto de um sujeito de direito as invocar perante o órgão jurisdicional. Como resulta de uma jurisprudência constante, o órgão jurisdicional nacional deve aplicar o direito comunitário aos casos que lhe são submetidos, quando este a isto se prestar.

No que se refere às segunda e terceira questões, a Comissão refere-se também ao citado acórdão Achterberg-te Riele e outros. A citada Directiva 79/7 apenas é aplicável à população activa, tal como definida no artigo 2.°, não podendo deduzir-se da conjugação dos artigos 2.° e 3.° a existência de uma obrigação a cargo dos Estados-membros de alargarem o princípio da igualdade de tratamento em matéria de segurança social a quem não esteja abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal da directiva.

Nestas condições, a Comissão propõe a seguinte resposta às três questões colocadas:

«1)

O órgão jurisdicional nacional é obrigado a apreciar a conformidade do direito interno com uma directiva cujo prazo de transposição expirou, ainda que o sujeito de direito não invoque as respectivas disposições.

2)

Um sujeito de direito näo pode prevalecer-se do princípio da igualdade de tratamento enunciado na Directiva 79/7 quando não esteja abrangido pela noção de população activa definida no artigo 2° dessa mesma directiva, mesmo que tenha direito a uma prestação que faça parte do respectivo âmbito de aplicação material.»

Processo C-89/90

1.

O Sociale Verzekeringsbank Amsterdam observa que o Tribunal de Justiça se pronunciou já, no citado acórdão Achterberg-te Riele e outros, sobre o âmbito de aplicação pessoal da citada Directiva 79/7. A esposa do demandante no processo principal jamais esteve disponível no mercado de emprego, não podendo, pois, prevalecer-se do artigo 4.° da directiva. Assim sendo, o demandante no processo principal também não pode invocar essa disposição para se defender de um pretenso tratamento discriminatório para com a sua esposa, cujas consequências financeiras suporta.

2.

O Governo neerhndês observa que o princípio de não discriminação constante da citada Directiva 79/7 pode ser invocado por qualquer interessado, quer a pretensa não aplicação do princípio lhe diga respeito directamente ou ao seu cônjuge, na medida em que tenha por efeito causar-lhe também um prejuízo. Tal solução está, contudo, sujeita à condição de que tanto a pessoa que invoca o princípio de não discriminação como o seu cônjuge façam parte do âmbito de aplicação pessoal da directiva e estejam submetidas a um regime legal abrangido pelo âmbito de aplicação material da Directiva 79/7. A este respeito, o Governo neerlandês refere-se também ao âmbito de aplicação pessoal da directiva, esclarecido pelo Tribunal de Justiça no citado acórdão Ach-terberg-te Riele e outros, para concluir que, no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, se não pode entender que a esposa do demandante no processo principal faz parte da população activa, na acepção do artigo 2° da directiva.

Para a hipótese de o Tribunal de Justiça vir a considerar, apesar disso, que a esposa do demandante no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal da directiva, o Governo neerlandês sublinha que a pretensa diferença de tratamento não é contrária ao princípio de não discriminação contido no artigo 4.° da directiva. Recorda, a este respeito, as observações feitas a propósito da questão prejudicial no processo C-87/90, relativas à diferença fundamental entre um regime de constituição progressiva dos direitos e um regime de risco.

3.

A Comissão reitera as observações feitas a propósito do processo C-88/90, sublinhando que o princípio da igualdade de tratamento, consagrado pela citada Directiva 79/7, apenas pode ser invocado quando a vítima de uma discriminação caiba na noção de população activa. Ora, a esposa do demandante no processo principal não entra no âmbito de aplicação pessoal dessa directiva.

F. A. Schockweiler

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

11 de Julho de 1991 ( *1 )

Nos processos apensos C-87/90, C-88/90 e C-89/90,

que têm por objecto vários pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch (Países Baixos), destinados a obter, nos processos pendentes neste órgão jurisdicional entre

A. Verholen

e

Sociale Verzekeringsbank (processo C-87/90),

e entre

T. H. M. van Wetten-van Uden

e

Sociale Verzekeringsbank (processo C-88/90),

e entre

G. H. Heiderijk

e

Sociale Verzekeringsbank (processo C-89/90),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de determinadas disposições de Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174),

O TRIBUNAL,

composto por: O. Due, presidente, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét e F. A. Schockweiler, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação do Sociale Verzekeringsbank Amsterdam, por E. H. Pijnacker Hordijk e M. Droogleever Fortuyn, advogados nos foros de Amsterdão e de Haia,

em representação do Governo neerlandês, por B. R. Bot, secretário-geral no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por René Barents e Karen Banks, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Sociale Verzekeringsbank Amsterdam, do Governo neerlandês e da Comissão, na audiencia de 17 de Abril de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 29 de Maio de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por três decisões, de 30 de Janeiro e 15 de Fevereiro de 1990, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 23 de Março de 1990, o Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch (Países Baixos) colocou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, diversas questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174).

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de três processos entre nacionais neerlandeses e o Sociale Verzekeringsbank Amsterdam, relativos à aplicação da lei geral sobre pensões de velhice («Algemene Ouderdomswet», Stbl., p. 281, a seguir «AOW»).

3

Decorre dos elementos dos processos principais que a AOW instituiu, em benefício tanto dos residentes neerlandeses como dos não residentes, de 65 anos, que tenham estado sujeitos ao imposto sobre o rendimento em função de uma actividade exercida nos Países Baixos, um regime geral de pensão de velhice, em cujo âmbito os direitos de pensão são calculados com base nos períodos de seguros cumpridos. Nos termos deste regime, aplicável até à reforma legislativa que entrou em vigor em 1 de Abril de 1985, a mulher casada, residente nos Países Baixos, cujo cônjuge, residente neerlandês, não estivesse seguro nos termos da AOW por exercer uma actividade profissional no estrangeiro, estando aí seguro, ficava excluída do seguro pelos períodos correspondentes; pelo contrário, o homem casado, residente nos Países Baixos, cuja esposa não gozasse do benefício do seguro, mantinha-se sujeito ao regime neerlandês de pensões.

4

O beneficiário de uma pensão, cujo cônjuge a cargo não tenha ainda atingido a idade de 65 anos, recebe uma pensão de montante mais elevado. O acréscimo é, contudo, reduzido em função do número de anos durante os quais o cônjuge não esteve seguro.

5

A demandante do processo principal C-87/90, A. Verholen, beneficiou, após exercer uma actividade assalariada nos Países Baixos até à idade de 61 anos, de uma reforma antecipada por velhice, nos termos de um regime decorrente do seu contrato de trabalho. A demandante no processo principal C-88/90, T. H. M. van Wetten-van Uden, bem como a esposa do demandante no processo principal C-89/90, G. H. Heiderijk, jamais exerceram actividade profissional.

6

Ao atingirem a idade de 65 anos, as demandantes nos processos C-97/90 e C-88/90, A. Verholen e T. H. M. van Wetten-van Uden, viram ser-lhes recusada, pelo Sociale Verzekeringsbank, a concessão de uma pensão por inteiro, com fundamento em os respectivos maridos, residentes nos Países Baixos, terem exercido, durante determinados períodos, uma actividade profissional no estrangeiro, estando aí seguros. O demandante no processo C-89/90, G. H. Heiderijk, viu ser-lhe reduzido o acréscimo da pensão de velhice por cônjuge a cargo que não atingiu ainda a idade de 65 anos, em função dos anos em que a sua mulher não esteve segura, incluindo aqueles durante os quais ele próprio trabalhava na República Federal da Alemanha.

7

Por considerar que os recursos interpostos das decisões do Sociale Verzekeringsbank suscitam problemas de interpretação da Directiva 79/7, o Raad van Beroep te's-Hertogenbosch suspendeu a instância e colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

No processo C-87/90

«É compatível com o n.° 1 do artigo 4.° (e/ou com o artigo 5.°) da Directiva 79/7/CEE que os efeitos de uma disposição nacional, que só exclui do seguro AOW as mulheres casadas, se mantenham para além de 22 de Dezembro de 1984, de modo que, mesmo posteriormente a essa data, a pensão AOW das referidas mulheres pode continuar a ser reduzida devido a uma condição de seguro que não existia para os homens?»

No processo C-88/90

«1)

O direito comunitário impede o órgão jurisdicional nacional de apreciar (ex officio) a conformidade de uma regulamentação nacional com uma directiva CEE cujo prazo de transposição já terminou, quando o particular não a invoque (por exemplo por ignorância) ?

2)

O direito comunitário impede o órgão jurisdicional nacional de apreciar a conformidade de uma regulamentação nacional com uma directiva CEE cujo prazo de transposição já terminou, quando esse particular não podia invocar a referida directiva pelo facto de não ser abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal dessa directiva, ainda que esse particular releve de um regime legal nacional abrangido por essa mesma directiva?

3)

O artigo 2° da Directiva 79/7/CEE refere-se ao âmbito de aplicação pessoal da própria directiva ou deve ser considerado como limitando (além da delimitação do artigo 3.° da referida directiva) os regimes legais nacionais abrangidos pela referida directiva?»

No processo C-89/90

«Num processo perante o órgão jurisdicional nacional, o particular pode invocar o n.° 1 do artigo 4.° (e/ou artigo 5.°) da Directiva 79/7/CEE quando sofre os efeitos de uma disposição nacional discriminatória que dizia respeito à sua esposa, a qual não é parte no processo referido?»

8

Por despacho de 16 de Janeiro de 1991, os processos C-87/90, C-88/90 e C-89/90 foram apensos para efeitos da fase oral do processo e de acórdão.

9

Para mais ampla exposição dos factos dos processos principais, tramitação processual, bem como observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

10

Tendo as questões colocadas pelo Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch nos processos C-88/90 e C-89/90 por objectivo precisar a competência do órgão jurisdicional nacional na aplicação do direito comunitário e as modalidades dessa aplicação, cabe responder a essas questões antes de passar à análise da colocada no processo C-88/90, relativa à aplicação no tempo do princípio da igualdade de tratamento, consagrado na Directiva 79/7.

Quanto às questões colocadas no processo C-88/90

11

Através da primeira questão suscitada no processo C-89/90, o Raad van Beroep te's-Hertogenbosch pretende saber se o direito comunitário se opõe a que um órgão jurisdicional nacional conheça oficiosamente da conformidade de uma regulamentação nacional com uma directiva cujo prazo de transposição expirou, quando o sujeito de direito não invocou o benefício dessa directiva perante esse órgão jurisdicional.

12

Cabe recordar, a este respeito, que o Tribunal de Justiça reconheceu que o artigo 177.° do Tratado CEE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais a faculdade, e, sendo caso disso, lhe impõe a obrigação de reenvio prejudicial, desde que o órgão jurisdicional constate, quer oficiosamente quer a pedido das partes, que o fundo da causa contém matéria abrangida pelo primeiro parágrafo daquele artigo (acórdão de 16 de Janeiro de 1974, Rheinmühlen, n.° 3, 166/73, Recueil, p. 33).

13

Esta faculdade de suscitar oficiosamente uma questão de direito comunitário pressupõe que o órgão jurisdicional nacional entenda dever aplicar-se o direito comunitário, deixando inaplicado, se for caso disso, o direito nacional, ou dever interpretar o direito nacional conformemente ao direito comunitário.

14

Tal situação pode dar-se, em especial, no caso de uma directiva não transposta pelas autoridades nacionais nos prazos fixados, directiva essa que é obrigatória para os Estados-membros e cujas disposições precisas e incondicionais podem, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ser directamente aplicadas pelo órgão jurisdicional nacional.

15

Assim sendo, o direito de um sujeito de direito em determinadas condições invocar, perante o órgão jurisdicional nacional, uma directiva cujo prazo de transposição expirou não exclui a faculdade de o órgão jurisdicional nacional tomar em consideração essa directiva, mesmo que o sujeito de direito a não tenha invocado.

16

Cabe, assim, responder à primeira questão suscitada no processo C-88/90 que o direito comunitário não se opõe a que um órgão jurisdicional conheça oficiosamente da conformidade de uma regulamentação nacional com as disposições precisas e incondicionais de uma directiva cujo prazo de transposição expirou, mesmo que o interessado a não tenha invocado perante o órgão jurisdicional nacional.

17

Na segunda questão colocada no processo C-88/90, o órgão jurisdicional nacional interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se pode conhecer da conformidade do direito nacional com uma directiva, caso o interessado não esteja abrangido pelo respectivo âmbito de aplicação pessoal, apesar de estar sujeito a um regime legal nacional abrangido por essa directiva.

18

Esta questão suscita problema idêntico ao colocado, de forma mais precisa, pela terceira questão, através da qual o órgão jurisdicional nacional pergunta se o artigo 2° da Directiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que se refere ao respectivo âmbito de aplicação pessoal, ou, como o artigo 3.°, à delimitação dos regimes nacionais de segurança social abrangidos pela directiva.

19

Cabe recordar, a este respeito, que, no acórdão de 27 de Junho de 1989, Achterberg-te Riele e outros , n.° 9 (48/88, 106/88 e 107/88, Colect., p. 1963), o Tribunal de Justiça considerou que o âmbito de aplicação pessoal da directiva se encontra delimitado pelo respectivo artigo 2.°, nos termos do qual se aplica à população activa, às pessoas que procuram emprego, bem como aos trabalhadores cuja actividade foi interrompida em consequência de um dos riscos enumerados na alínea a) do n.° 1 do artigo 3.°

20

Cabe precisar também que, na hipótese de uma disposição de uma directiva, como o artigo 2° da Directiva 79/7, delimitar, de forma clara, os respectivos beneficiários, o órgão jurisdicional nacional não pode alargar o respectivo âmbito de aplicação pessoal, com fundamento no facto de os interessados estarem abrangidos por um regime nacional, como o da AOW, a que é aplicável outra disposição da directiva, relativa ao respectivo âmbito de aplicação material, como é o caso do artigo 3.° da Directiva 79/7.

21

Cabe, pois, responder às segunda e terceira questões suscitadas no processo C-89/90, que o artigo 2° da Directiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de se referir ao respectivo âmbito de aplicação pessoal, cujo conteúdo não pode variar em função do âmbito de aplicação material, tal como precisado no artigo 3.°

Quanto à questão colocada no processo C-89/90

22

A questão suscitada no processo C-89/90 visa saber se o interessado pode invocar as disposições da Directiva 79/7 perante os órgãos jurisdicionais nacionais quando sofra os efeitos de uma disposição nacional discriminatória relativa à sua mulher, que não é parte no processo.

23

Cabe precisar liminarmente que o direito de invocar as disposições da Directiva 79/7 não está limitado aos interessados abrangidos no âmbito de aplicação pessoal da directiva, na medida em que se não pode excluir que outras pessoas possam ter interesse directo em que o princípio da não discriminação seja respeitado relativamente a pessoas protegidas.

24

Embora seja, em princípio, da competência do direito nacional determinar a qualidade e interesse em agir judicialmente, o direito comunitário exige, contudo, que a legislação nacional não afecte o direito de efectiva protecção jurisdicional (ver acórdãos de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Cole., p. 1651; de 15 de Outubro de 1987, Heylens, 222/86, Colect., p. 4097) e que a aplicação da legislação nacional não possa ter por efeito tornar praticamente inviável o exercício dos direitos atribuídos pela ordem jurídica comunitária (acórdão de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595).

25

Cabe contudo precisar, quanto à situação do caso vertente, que o interessado, que sofre os efeitos de uma disposição nacional discriminatória, apenas pode invocar a Directiva 79/7 se a esposa, vítima da discriminação, estiver abrangida pelo respectivo âmbito de aplicação.

26

Assim sendo, cabe responder à questão colocada no processo C-89/90 que um interessado pode invocar perante um órgão jurisdicional nacional as disposições da Directiva 79/7, quando sofra os efeitos de uma disposição nacional discriminatória relativa à sua esposa, que não é parte no processo, desde que, todavia, esta esteja abrangida pelo respectivo âmbito de aplicação.

Quanto à questão colocada no processo C-87/90

27

A questão colocada no processo C-87/90 tem por objecto saber se os artigos 4.°, n.° 1, e 5.° da Directiva 79/7 impedem a manutenção, após decorrido o prazo de transposição da directiva, dos efeitos de uma legislação nacional anterior que excluía, em determinadas circunstâncias, as mulheres casadas do benefício do seguro de velhice.

28

Cabe recordar que, no acórdão de 24 de Junho de 1987, Borrie Clarke (384/85, Colect., p. 2865), o Tribunal de Justiça sublinhou que a Directiva 79/7 não estabelece qualquer derrogação ao princípio da igualdade de tratamento, previsto no n.° 1 do artigo 4.°, que autorize a prorrogação dos efeitos discriminatórios de disposições nacionais anteriores. O mesmo Tribunal concluiu no acórdão de 8 de Maio de 1988, Dik e outros (80/87, Recueil, p. 1601), que um Estado-membro não pode manter, após 23 de Dezembro de 1984, desigualdades de tratamento com fundamento no facto de as condições exigidas para a existência de um direito a prestações serem anteriores a essa data.

29

O Governo neerlandês e o Sociale Verzekeringsbank observam, sem razão, que essa jurisprudência, aplicada no contexto dos regimes ditos de risco, não pode ser transposta para os regimes ditos de contribuição, como o regime AOW. Com efeito, tanto o texto da Directiva 79/7 como os acórdão de 24 de Junho de 1987 Borrie Clarke, e de 8 de Março de 1988, Dik e outros, já citados, afirmam, de forma particularmente clara, o princípio da proibição de qualquer discriminação após expirado o prazo de transposição da directiva, sem estabelecer qualquer distinção entre os diversos regimes de seguro.

30

Assim sendo, cabe responder à questão colocada no processo C-87/90 que a Directiva 79/7 deve ser interpretada no sentido de que impede os Estados-membros de manter, após expirado o prazo de transposição fixado no artigo 8.°, os efeitos de uma legislação nacional anterior que excluía, em determinadas circunstâncias, as mulheres casadas do benefício do seguro de velhice.

Quanto às despesas

31

As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Raad van Beroep te 's-Hertogenbosch, por decisões de 30 de Janeiro e de 15 de Fevereiro de 1990, declara:

 

1)

O direito comunitário não se opõe a que um órgão jurisdicional aprecie ex oficio a conformidade de uma regulamentação nacional com as disposições precisas e imperativas de uma directiva cujo prazo de transposição expirou, mesmo que o interessado não a tenha invocado perante o órgão jurisdicional.

 

2)

O artigo 2.oda Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, deve ser interpretado no sentido de se referir ao âmbito de aplicação pessoal dessa directiva, cujo conteúdo não pode variar em função do âmbito de aplicação material, tal como definido no artigo 3.°

 

3)

Um particular pode invocar perante um órgão jurisdicional nacional as disposições da citada Directiva 79/7/CEE, quando tem de suportar as consequências de uma disposição nacional discriminatória no que se refere à sua mulher, que não é parte no processo; desde que, todavia, a esta seja aplicável a directiva.

 

4)

A citada Directiva 79/7/CEE deve ser interpretada no sentido de que impede os Estados-membros de manterem, após a expiração do prazo de transposição fixado no artigo 8.°, os efeitos de uma legislação nacional anterior que impedia, em determinadas circunstâncias, as mulheres casadas de beneficiarem do seguro de velhice.

 

Due

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Joliét

Schockweiler

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 11 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Lingua do processo: neerlandês.