apresentado no processo C-18/90 ( *1 )
I — Elementos de facto e tramitação processual
1. |
O acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos (a seguir «acordo») foi assinado em 27 de Abril de 1976 em Rabat pelo Reino de Marrocos, por um lado, e os Estados-membros da CEE e a Comunidade, por outro, e aprovado, em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.o 2211/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978 (JO L 264, p. 1; EE 11 F9 p. 3) |
2. |
Nos termos do seu artigo 1.o o acordo tem por objectivo: «Promover uma cooperação global entre as partes contratantes tendo em vista contribuir para o desenvolvimento económico e social de Marrocos e favorecer o reforço das suas relações. Para este efeito, serão aprovadas e executadas disposições e acções no domínio da cooperação económica, técnica e financeira, bem como nos domínios comercial e social.» |
3. |
Nos termos do artigo 40.o, que figura no título III do acordo, relativo à cooperação no domínio da mão-de-obra, «Cada Estado-membro aplicará aos trabalhadores de nacionalidade marroquina que trabalham no seu território um regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade em relação aos seus próprios nacionais, no que se refere às condições de trabalho e de remuneração. ...» |
4. |
O artigo 41.o prevê no seu n.o 1: «Sem prejuízo das disposições dos números seguintes, os trabalhadores de nacionalidade marroquina e os membros da sua família que com eles residam beneficiam, no domínio da segurança social, de um regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, em relação aos próprios nacionais dos Estados-membros em cujo território trabalham. ...» |
5. |
Os artigos 44.o e 45.o, que figuram no título IV relativo às disposições gerais e finais, prevêem a instituição de um conselho de cooperação, composto, por um lado, por membros do Conselho das Comunidades Europeias e membros da Comissão das Comunidades Europeias e, por outro, por membros do Governo do Reino de Marrocos. Este conselho dispõe, para a realização dos objectivos fixados pelo acordo e nos casos por ele previstos, de poderes de decisão. As decisões tomadas são obrigatórias para as partes contratantes que devem adoptar as medidas necessárias à sua execução. |
6. |
Nos termos do artigo 42.o, n.o 1: «Antes do final do primeiro ano após a entrada em vigor do presente acordo, o conselho de cooperação adoptará as disposições que permitam assegurar a aplicação dos princípios enunciados no artigo 41.o» (atrás referido). |
7. |
Apesar das propostas de decisão da delegação da Comunidade, não foi aprovada qualquer decisão pelo conselho de cooperação no domínio da segurança social. |
8. |
Na Bélgica, o decreto real de 20 de Dezembro de 1963 relativo ao emprego e ao desemprego (Moniteur belge de 18.1.1964, p. 506) prevê, no artigo 124.o, a concessão de prestações de desemprego, em determinadas condições, a jovens trabalhadores que tenham terminado quer estudos profissionais quer uma aprendizagem. No respeitante aos trabalhadores estrangeiros e apátridas, o artigo 125.o desse decreto real dispõe que estes só beneficiam das prestações de desemprego se forem abrangidos por uma convenção internacional. |
9. |
A Bahia Kziber, de nacionalidade marroquina, filha de um nacional marroquino, reformado na Bélgica depois de aí ter exercido um trabalho assalariado, foi recusado, pelo Office national de l'emploi (a seguir «Onem»), o benefício das prestações de desemprego, devido à sua nacionalidade. |
10. |
Contra essa decisão de recusa, a interessada recorreu para a jurisdição do trabalho. Perante o tribunal du travail, invocou a convenção de segurança social belgo-marroquina, no entanto, em recurso perante a cour du travail, veio invocar as disposições do artigo 41.o, n.o 1, do acordo. |
11. |
Considerando que o litígio envolve uma interpretação do acordo, a cour du travail de Liège, por acórdão de 16 de Janeiro de 1990, suspendeu a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre a seguinte questão: «Pode um Estado-membro recusar, em razão da nacionalidade, a concessão de uma vantagem social, na acepção do n.o 2 do artigo 7o do Regulamento (CEE) n.o 1612/68, aos descendentes a cargo do trabalhador nacional de um Estado terceiro (Marrocos), com o qual a Comunidade Económica Europeia concluiu um acordo de cooperação que contém, no domínio da segurança social, uma cláusula de igualdade de tratamento em favor dos trabalhadores migrantes daquele país que trabalham na Comunidade, bem como dos membros da sua família que com eles residem?» |
12. |
Nos considerandos do acórdão de reenvio, a cour du travail de Liège observa que o acordo faz parte da ordem jurídica comunitária e que a cláusula de não discriminação contida no artigo 41.o, n.o 1, presta-se perfeitamente, pela sua própria natureza, a produzir efeitos directos. A interessada não pode invocar a qualidade de trabalhador no território de um país da Comunidade, na acepção do artigo 41.o, n.o 1, do acordo; do mesmo modo, o Tribunal de Justiça reconheceu, no acórdão de 20 de Junho de 1985, Deak (94/84, Recueil, p. 1881), que o subsídio belga não constitui um direito derivado que o beneficiário possa invocar na sua qualidade de descendente de um trabalhador migrante; no entanto, classificou esse subsídio de vantagem social na acepção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, que impõe o princípio da igualdade de tratamento em matéria de benefícios sociais entre trabalhadores nacionais e trabalhadores nacionais de um Estado-membro (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77). Foi submetida à cour de travail a questão de saber se o benefício consagrado nesse diploma é reservado exclusivamente aos filhos a cargo de um trabalhador nacional de um Estado-membro ou se pode também ser reconhecido ao filho de um trabalhador nacional de um Estado terceiro com o qual a Comunidade Económica Europeia celebrou um acordo de cooperação, com base numa cláusula de não discriminação do tipo da contida no artigo 41.o, n.o 1, do acordo. |
13. |
O acórdão da cour du travail de Liège foi registado na Secretaria do Tribunal em 22 de Janeiro de 1990. |
14. |
Nos termos do artigo 20.o do Protocolo Relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas em 1 de Abril de 1990 pela Comissão, representada pelo seu consultor jurídico Jean-Claude Séché, na qualidade de agente, em 3 de Abril de 1990 por Bahia Kziber, demandante no processo principal, representada por Michèle Baiwir e René Jamar, delegados sindicais, em 6 e 9 de Abril de 1990 pelo Onem, demandado no processo principal, patrocinado por C. Derwael, advogado no foro de Bruxelas, em 17 de Abril de 1990 pela República Federal da Alemanha, representada por Ernst Roder e Joachim Karl, funcionários no Ministério Federal da Economia, e em 18 de Abril de 1990 pela República Francesa, representada por Philippe Pouzoulet, subdirector na Direcção dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Claude Chavance, adido principal da administração central na Direcção dos Assuntos Jurídicos no mesmo ministério. |
15. |
O Tribunal, visto o relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia. |
II — Observações escritas apresentadas perante o Tribunal
1. |
Segundo Bahia Kziber o artigo 41.o, n.o 1, que consagra o princípio da não discriminação, tem um alcance suficientemente preciso e concreto para ser directamente aplicável, apesar da falta de disposições adoptadas, por força do artigo 42.o, pelo conselho de cooperação. Para examinar se a interessada tem a qualidade de trabalhadora, é necessário não nos limitarmos a uma interpretação restritiva dessa noção. Com efeito, não deve unicamente ser considerado trabalhador um desempregado a quem foram concedidas as prestações de desemprego depois de um determinado período de emprego, mas também uma pessoa inscrita à procura de emprego e beneficiando, nos termos da legislação belga, de prestações de desemprego. Mesmo que o Tribunal de Justiça não admitisse essa equiparação, a interessada poderia invocar a regra de não discriminação enquanto membro da família de um trabalhador. Com efeito, no acórdão de 20 de Junho de 1985, Deak (atrás referido), o Tribunal qualificou o subsídio em causa de vantagem social na acepção do Regulamento n.o 1612/68. Admitiu que um trabalhador nacional de um Estado-membro pode, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, que prevê a igualdade de tratamento em matéria de regalias sociais, reivindicar a concessão do subsídio para o seu filho, mesmo que este último não tenha a nacionalidade de um Estado-membro. O artigo 41.o, n.o 1, do acordo, prevê uma garantia de não discriminação entre trabalhadores marroquinos e trabalhadores dos Estados-membros «no domínio» da segurança social. Esta formulação parece mais ampla do que a não discriminação quanto aos direitos próprios do trabalhador em causa às prestações da segurança social. Nestas condições, os trabalhadores marroquinos podem invocar, ao abrigo do artigo 41.o, n.o 1, do acordo, o artigo 7o do Regulamento n.o 1612/68, atrás referido, que proíbe, segundo o Tribunal, as cláusulas de nacionalidade que atinjam os filhos de trabalhadores nacionais de um Estado-membro, mesmo que a criança não possua a nacionalidade de um Estado-membro, pelo menos no respeitante aos direitos à segurança social, e não as «vantagens sociais», no sentido amplo. Assim, Bahia Kziber propõe que se responda à questão colocada nos seguintes termos: «Por força do artigo 41.o, n.o 1, do acordo de cooperação, os Estados-membros não podem opor aos nacionais marroquinos as condições de nacionalidade exigidas pela regulamentação nacional para a concessão de prestações de desemprego. Subsidiariamente: os trabalhadores marroquinos podem, ao abrigo do artigo 41.o, n.o 1, do acordo de cooperação, invocar em benefício dos seus filhos o artigo 7o do Regulamento n.o 1612/68 para a concessão de prestações de desemprego.» |
2. |
O Onem recorda que, no acórdão de 20 de Junho de 1985, Deak (atrás citado), o Tribunal qualificou o subsídio belga como um direito próprio dos jovens à procura de emprego, e não como um direito derivado da sua situação de membro da família de um trabalhador. A consagração, pelo Tribunal, do princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 7o do Regulamento n.o 1612/68, em relação à concessão destes subsídios aos filhos de trabalhadores nacionais de um Estado-membro, explica-se pelo objectivo do Tratado CEE, que consiste, na óptica da livre circulação, em assegurar as melhores condições sociais aos trabalhadores dos Estados-membros. Não há que estender a aplicação do artigo 7.o, n.o 2, aos trabalhadores nacionais de um Estado terceiro, mesmo que esse Estado tenha celebrado com a Comunidade um acordo de cooperação. Aliás, o acordo em causa tem manifestamente um alcance mais restrito e não concede aos filhos dos trabalhadores marroquinos um direito próprio aos subsídios. Além disso, por falta de adopção das disposições, nos termos do acordo, pelo conselho de cooperação, o princípio da não discriminação, inserido no artigo 41.o, n.o 1, do mesmo acordo, não pode ser aplicado. Mesmo admitindo, sem conceder, que o artigo 41.o, n.o 1, é aplicável, a interessada não tem a qualidade de trabalhadora referida nesse diploma. |
3. |
O Governo da República Federal da Alemanha considera que há que responder afirmativamente à questão prejudicial apresentada pela cour du travail de Liège. O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, só consagra o princípio da igualdade de tratamento em matéria de vantagens sociais em proveito dos trabalhadores de um Estado-membro. Diferentemente do processo decidido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 20 de Junho de 1985, Deak, a interessada no processo principal não é descendente de um trabalhador migrante comunitário. O artigo 41.o, n.o 1, não é aplicável no caso em apreço, porque a interessada não tem a qualidade de trabalhadora. Também não pode invocar os seus direitos enquanto membro da família de um trabalhador, dado que o seu pai está reformado. Com efeito, os artigos 40.o e 41.o, n.o 1, só prevêem a igualdade de tratamento em benefício dos trabalhadores marroquinos que trabalhem no território de um Estado-membro. Nestas condições, o próprio pai da interessada não pode invocar direitos nos termos do acordo. Mesmo admitindo que o pai da interessada possa invocar o artigo 41.o, n.o 1, do acordo, está excluído um direito à igualdade de tratamento para beneficiar de uma vantagem social na acepção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, atrás referido. Com efeito, este regulamento foi adoptado com base nos artigos 48.o e seguintes do Tratado CEE e visa assegurar o direito à livre circulação dos trabalhadores comunitários, objectivo diferente do do acordo. Nestas condições, a questão da qualificação do subsídio aos jovens enquanto vantagem social pode ficar em suspenso. |
4. |
O Governo da República Francesa sublinha, em primeiro lugar, que a demandante no processo principal, tendo em conta a sua nacionalidade e a do seu pai, não pode invocar, ao abrigo do direito comunitário, nem um direito próprio nem um direito derivado a prestações de segurança social. O acordo, único texto no qual a demandante no processo principal se pode basear, consagra no artigo 40.o, um princípio recíproco de não discriminação, recordado no artigo 41.o, n.o 1, em benefício dos trabalhadores de nacionalidade marroquina, cuja implementação compete, no entanto, nos termos do artigo 42.o, ao conselho de cooperação. O Tribunal sublinhou claramente, no acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel (12/86, Colect., p. 3719), que, para que uma disposição de um acordo celebrado pela Comunidade com países terceiros seja susceptível de ser directamente aplicável, é necessário que, tendo em consideração os termos, bem como o objecto e a natureza do acordo, contenha uma obrigação clara e precisa, que não esteja subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto posterior. Ora, no presente processo, o princípio geral inserido no artigo 41.o, necessita de ser posto em prática pelo conselho de cooperação. Apesar das propostas nesse sentido provenientes da delegação comunitária, não foi adoptada pelo conselho de cooperação qualquer decisão para o pôr em prática. Além disso, o Governo francês assinala que os subsídios de desemprego, em causa no processo principal, não figuram entre as prestações enumeradas no artigo 41.o do acordo. Na verdade o Tribunal qualificou esse subsídio de desemprego de vantagem social na acepção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, atrás referido, mas esta qualificação apenas é válida para os beneficiários desse regulamento nos quais não se incluem os trabalhadores nacionais dos países terceiros. Relativamente aos trabalhadores marroquinos essa qualificação na acepção do artigo 41.o do acordo, só pode resultar de um acto formal do conselho de cooperação. Assim, o Governo da República Francesa considera que 6 de responder à questão apresentada do seguinte modo: «As disposições do artigo 41.o do acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat em 27 de Abril de 1976, aprovado em nome da Comunidade por decisão do Conselho, de 26 de Setembro de 1978, não constituem regras de direito comunitário directamente aplicáveis na ordem interna dos Estados-membros. Consequentemente o filho de um marroquino, empregado ou reformado num Estado-membro, não pode invocar, com fundamento no direito comunitário, o benefício de um subsídio de desemprego. De qualquer forma, compete ao conselho de cooperação, nos termos da competência que lhe é conferida pelo artigo 42.o do acordo atrás referido, definir se a concessão desse subsídio aos filhos de trabalhadores marroquinos residentes num Estado-membro releva do âmbito de aplicação do artigo 41.o desse acordo». |
5. |
A Comissão recorda que o Tribunal, no acórdão de 20 de Junho de 1985, Deak, qualificou o subsídio belga em causa, de vantagem social na acepção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, de que deve beneficiar o trabalhador migrante nacional de um Estado-membro, independentemente da nacionalidade do seu filho. Quanto à questão do efeito directo de uma disposição incluída num acordo celebrado pela Comunidade com um Estado terceiro, a Comissão recorda os critérios fixados pelo Tribunal na sua jurisprudência, e nomeadamente, mais recentemente, no acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel. O acordo tem por objectivo promover uma cooperação global entre as partes contratantes tendo em vista contribuir para o desenvolvimento económico e social de Marrocos e favorecer o reforço das suas relações. O artigo 51.o, n.o 1, do acordo, ao prever que as partes contratantes adoptarão todas as medidas gerais e especiais que assegurem o cumprimento das obrigações decorrentes do acordo, não faz mais do que sublinhar o seu caracter obrigatório, sem tomar posição quanto ao efeito directo que possa ser reconhecido a algumas das suas disposições. Esse efeito directo deve ser reconhecido ao artigo 40.o do acordo que proíbe qualquer discriminação no que se refere às condições de trabalho e de remuneração. Com efeito, trata-se de noções suficientemente precisas e não é necessário nenhum acto posterior para a aplicação, relativamente a elas, do princípio da não discriminação. A noção de condições de trabalho e de remuneração não inclui, no entanto, os subsídios de desemprego em causa no processo principal. O artigo 40.o não pode ser interpretado no sentido de que cobre as vantagens sociais na acepção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1612/68, texto que só se aplica aos nacionais comunitários. Embora o acordo mencione as vantagens sociais, esta noção não tem o alcance que lhe foi reconhecida no Regulamento n.o 1612/68, dados os objectivos especiais do Tratado CEE em matéria de livre circulação. Por último, o artigo 40.o visa exclusivamente os trabalhadores e não os membros da sua família. O subsídio aos jovens à procura do primeiro emprego constitui, no entanto, uma prestação de segurança social na acepção do artigo 41.o, n.o 1, do acordo, que, contrariamente ao artigo 40.o, menciona expressamente os membros da família. No entanto, estes textos não podem ser considerados como tendo um efeito directo; com efeito, a aplicação dos princípios enunciados no artigo 41.o é condicionada por força do artigo 42.o, pela intervenção do conselho de cooperação. Ora, a delegação da Comunidade no conselho de cooperação não conseguiu obter o acordo de Marrocos, com vista à adopção de decisões para a sua aplicação. Assim, a Comissão propõe que se responda à questão apresentada que: «As disposições do artigo 41.o do acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, assinado em 27 de Abril de 1976 em Rabat, aprovado em nome da Comunidade Econòmica Europeia pelo Regulamento (CEE) n.o 2211/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978, não constituem regras de direito comunitário directamente aplicáveis na ordem interna dos Estados-membros.» |
F. A. Schockweiler
Juiz relator
( *1 ) Lingua do processo: francês.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
31 de Janeiro de 1991 ( *1 )
No processo C-18/90,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pela cour du travail de Liège (Bélgica), e destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre
Office national de l'emploi (Onem)
e
Bahia Kziber,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de determinadas disposições do acordo de cooperação entre a Comunidade Econômica Europeia e o Reino de Marrocos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, G. C. Rodriguez Iglesias e Díez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliet, F. A. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,
advogado-geral: W. Van Gerven
secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto
vistas as observações escritas apresentadas:
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em representação do Onem, por C. Derwael, advogado no foro de Bruxelas, |
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em representação de Bahia Kziber, por Michèle Baiwir e René Jamar, delegados sindicais, |
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em representação do Governo alemão, por Ernst Röder e Joachim Karl, funcionários no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo francês, por Philippe Pouzoulet, subdirector na Direcção dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Claude Chavance, adido principal da administração central na Direcção dos Assuntos Jurídicos do mesmo Ministério, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Jean-Claude Séché, consultor jurídico, na qualidade de agente, |
visto o relatório para audiência,
ouvidas as observações orais do Onem, de B. Kziber, do Governo francês e da Comissão, na audiência de 6 de Novembro de 1990,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 6 de Dezembro de 1990,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por acórdão de 16 de Janeiro de 1990, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de Janeiro seguinte, a cour du travail de Liège (Bélgica) colocou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat em 27 de Abril de 1976, aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.o 2211/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978 (JO L 264, p. 1; EE 11 F09 p. 3) (a seguir «acordo»). |
2 |
Esta questão foi suscitada no àmbito de um litígio que opõe Bahia Kziber, cidadã marroquina, ao Office national de l'emploi belga, a respeito da recusa de concessão de subsídios de desemprego. |
3 |
Resulta dos autos do processo principal que B. Kziber vive com o seu pai, cidadão marroquino, reformado na Bélgica após aí ter trabalhado como assalariado. |
4 |
O decreto real belga de 20 de Dezembro de 1963 relativo ao emprego e ao desemprego (Moniteur belge de 18,1.1964, p. 506) prevê, no artigo 124.o, a concessão de subsídios de desemprego em benefício dos jovens trabalhadores que tenham terminado, quer estudos profissionais quer uma aprendizagem profissional. No respeitante aos trabalhadores estrangeiros e apátridas, o artigo 125.o do decreto real, atrás referido, dispõe que os mesmos só têm direito ao benefício dos subsídios de desemprego dentro dos limites fixados por uma convenção internacional. |
5 |
O Office national de l'emploi recusou conceder a B. Kziber o subsídio de desemprego com fundamento na sua nacionalidade. Contra essa decisão de recusa, a interessada interpôs um recurso perante a jurisdição do trabalho belga, |
6 |
A cour du travail de Liège, solicitada a decidir em recurso de apelação, decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre a seguinte questão: «Pode um Estado-membro recusar, em razão da nacionalidade, a concessão de uma vantagem social, na acepção do n.o 2, do artigo 7o do Regulamento (CEE) n.o 1612/68, aos descendentes a cargo de um trabalhador nacional de um Estado terceiro (Marrocos), com o qual a Comunidade Económica Europeia concluiu um acordo de cooperação que contém, no domínio da segurança social, uma cláusula de igualdade de tratamento em favor dos trabalhadores migrantes daquele país que trabalham na Comunidade, bem como dos membros da sua família que com eles residem?» |
7 |
Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do tribunal. |
8 |
A fim de precisar o objecto da questão colocada pela cour du travail de Liège convém recordar o objectivo e as disposições pertinentes do acordo. |
9 |
O objectivo do acordo é, nos termos do artigo 1.o, promover uma cooperação global entre as partes contratantes tendo em vista contribuir para o desenvolvimento económico e social de Marrocos e favorecer o reforço das suas relações. Essa cooperação é estabelecida, nos termos do título I, no domínio económico, técnico e financeiro, nos termos do título II, no domínio das. trocas comerciais, e, nos termos do título III, no da mão-de-obra. |
10 |
O artigo 40.o, que faz parte do título III relativo à cooperação no domínio da mão-de-obra, dispõe que cada Estado-membro aplicará aos trabalhadores de nacionalidade marroquina que trabalham no seu território o regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, no que se refere às condições de trabalho e de remuneração. |
11 |
O artigo 41.o, que também faz parte do título III, prevê, no n.o 1, que, sem prejuízo das disposições dos números seguintes, os trabalhadores de nacionalidade marroquina e os membros da sua família que com eles residam beneficiam, no domínio da segurança social, de um regime caracterizado pela ausência de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, em relação aos próprios nacionais dos Estados-membros em cujo território trabalham. Esse artigo concede aos trabalhadores marroquinos, no n.o 2, o benefício da totalização dos períodos de seguro, de emprego ou de residência cumpridos nos diferentes Estados-membros para determinadas prestações, concedendo-lhes, no n.o 3, o benefício das prestações familiares em relação aos membros da família residentes na Comunidade e permite-lhes, no n.o 4, a livre transferência para Marrocos, das pensões e indemnizações. O artigo 41.o, n.o 5, institui o princípio da reciprocidade a favor dos trabalhadores dos Estados-membros no respeitante ao regime estabelecido nos n.os 1, 3 e 4 deste artigo. |
12 |
O artigo 42.o do acordo dá competência ao Conselho de Cooperação para adoptar as disposições que permitam assegurar a aplicação dos princípios enunciados no artigo 41.o |
13 |
Analisada à luz destas disposições do acordo, a questão prejudicial deve ser compreendida como destinada, essencialmente, a saber se o artigo 41.o, n.o 1, do acordo se opõe a que o Estado-membro recuse a concessão de um subsídio previsto pela sua legislação a favor dos jovens à procura de emprego, a um membro da família de um trabalhador de nacionalidade marroquina que com ele resida, com o fundamento de que a pessoa à procura de emprego tem a nacionalidade marroquina. |
14 |
Para responder de forma útil a esta questão, convém determinar, em primeiro lugar, se o artigo 41.o, n.o 1, do acordo, pode ser invocado perante um órgão jurisdicional nacional e, em seguida, se essa disposição abrange a situação do membro da família de um trabalhador migrante marroquino que solicita o benefício de um subsídio do tipo daquele que está em causa no processo principal. |
Quanto ao efeito directo do artigo 41.o, n.o 1, do acordo
15 |
É jurisprudência constante (ver acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, n.o 14, 12/86, Colect., p. 3719) que uma disposição de um acordo celebrado pela Comunidade com países terceiros deve ser considerada como sendo directamente aplicável quando, face aos próprios termos bem como ao objecto e à natureza do acordo, contém uma obrigação clara e precisa que não depende, quanto à sua execução ou aos seus efeitos, da intervenção de qualquer acto posterior. |
16 |
Para determinar se a disposição do artigo 41.o, n.o 1, do acordo, corresponde a estes critérios, convém proceder, em primeiro lugar, ao exame dos seus termos. |
17 |
A este respeito, há que reconhecer que o artigo 41.o, n.o 1, consagra, em termos claros, precisos e incondicionais, a proibição de discriminar, com base na nacionalidade, os trabalhadores de nacionalidade marroquina e os membros da sua família com eles residentes, no domínio da segurança social. |
18 |
O facto de o artigo 41.o, n.o 1, precisar que essa proibição de discriminação é aplicável sem prejuízo do disposto nos números seguintes significa que, no respeitante à totalização dos períodos de seguro, da concessão de prestações familiares e da transferencia para Marrocos das pensões e das indemnizações, essa proibição de discriminação só é garantida dentro dos limites das condições fixadas nos n.os 2, 3 e 4, do artigo 41.o No entanto, essa reserva não pode ser interpretada de forma a retirar à proibição de discriminação o seu carácter incondicional no que sé refere a qualquer outra questão que se coloque no domínio da segurança social. |
19 |
Do mesmo modo, a circunstância do artigo 42.o, n.o 1, prever a implementação dos princípios enunciados no artigo 41.o, pelo Conselho de Cooperação não pode ser interpretada como pondo em causa a aplicabilidade directa de uma norma que não depende, quanto à sua execução ou aos seus efeitos, da intervenção de um qualquer acto posterior. A função atribuída pelo artigo 42.o, n.o 1, ao Conselho de Cooperação consiste, como o advogado-geral o sublinhou no n.o 12 das suas conclusões, em facilitar ó respeito da proibição de discriminação e, sendo caso disso, adoptar as medidas necessárias à aplicação do princípio de totalização consagrado no n.o 2 do artigo 41.o, mas não pode ser considerada como condicionando a aplicação imediata do princípio da não discriminação. |
20 |
A conclusão de que o princípio da não discriminação, consagrado no artigo 41.o, n.o 1, é susceptível de regular directamente a situação de um trabalhador marroquino e dos membros da sua família que com ele residem nos Estadõs-membros da Comunidade não é, tão-pouco, contrariada pelo exame do objecto e da natureza do acordo de que essa norma faz parte. |
21 |
Com efeito, o acordo tem por objectivo, como já foi dito, promover á cooperação global entre as partes contratantes, nomeadamente no domínio da mão-de-obra. A circunstância de o acordo se destinar, fundamentalmente, a favorecer o desenvolvimento económico de Marrocos e de se limitar a estabelecer uma cooperação entre as partes, sem ter por finalidade a associação ou a futura adesão de Marrocos às Comunidades, não é susceptível de impedir á aplicabilidade directa de algumas das suas disposições. |
22 |
Esta conclusão é válida, particularmente, no que se refere aos artigos 40.o e 41.o, que figuram no título III relativo à cooperação no domínio da mão-de-obra, que, longe de terem um carácter puramente programático, estabelecem, no domínio das condições de trabalho e de remuneração e no da segurança social, um princípio susceptível de regular a situação jurídica dos particulares. |
23 |
Nestas condições, há que reconhecer que resulta dos termos do artigo 41.o, n.o 1, bem como do objecto e da natureza do acordo em que esse artigo se inscreve, que essa disposição é susceptível de ser directamente aplicável. |
Quanto ao alcance do artido 41.o, n.o 1, do acordo
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Para determinar o alcance do princípio da não discriminação consagrado no artigo 41.o, n.o 1, do acordo, convém definir, em primeiro lugar, a noção de segurança social que figura nesse diploma, em seguida, analisar a de trabalhador na acepção dessa disposição, antes de definir as condições que os membros da família do trabalhador marroquino devem preencher para ter direito ao benefício de prestações de segurança social. |
25 |
A noção de segurança social, que consta do artigo 41.o, n.o 1, do acordo, deve ser entendida por analogia com a noção idêntica que consta do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação do regime de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (versão codificada, JO 1980, C 138, p. 1). Ora, o artigo 4.o deste regulamento, relativo ao âmbito de aplicação material, enumera, no n.o 1, entre os ramos de segurança social, as prestações de desemprego, das quais os subsídios aos jovens à procura de emprego, em causa no processo principal, constituem apenas uma modalidade especial. |
26 |
O facto de o artigo 41.o, n.o 2, do acordo, diferentemente do Regulamento n.o 1408/71 não mencionar as prestações de desemprego entre os regimes a que se aplica a totalização dos períodos de seguro tem importância unicamente para a questão da totalização, mas não pode, só por si, na ausência de uma intenção claramente manifestada pelas partes contratantes, significar que estas tenham entendido excluir da noção de segurança social, na acepção do acordo, as prestações de desemprego, consideradas tradicionalmente como um ramo da segurança social. |
27 |
No que se refere à noção de trabalhador que consta do artigo 41.o, n.o 1, do acordo, há que reconhecer que inclui ao mesmo tempo os trabalhadores activos e os que deixaram o mercado de trabalho após terem atingido a idade exigida para beneficiar de uma pensão de velhice ou depois de terem sido vítimas de um dos riscos que dão direito a prestações ao abrigo de outros ramos da segurança social. Com efeito, os n.os 2 e 4 do artigo 41.o fazem referência expressa, no respeitante ao benefício da totalização e à possibilidade de transferir as prestações para Marrocos, a regimes tais como as pensões de velhice ou de invalidez de que beneficiam os trabalhadores reformados. |
28 |
Por último, no que se refere ao alcance dos direitos do membro da família do trabalhador marroquino com ele residente, o princípio da proibição de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, no domínio da segurança social, consagrado no artigo 41.o, n.o 1, implica que, ao interessado que se encontre nas condições previstas por uma legislação nacional para beneficiar do subsídio de desemprego previsto a favor dos jovens à procura de emprego, não possa ser recusado o benefício desse subsídio com fundamento na sua nacionalidade. |
29 |
Resulta do que precede que há que responder à cour du travail de Liège que, o artigo 41.o, n.o 1, do acordo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-membro recuse conceder um subsídio previsto pela sua legislação a favor dos jovens à procura de emprego, a um membro da família de um trabalhador de nacionalidade marroquina com ele residente, com fundamento no facto de o candidato a emprego ser de nacionalidade marroquina. |
Quanto às despesas
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As despesas efectuadas pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo da República Francesa e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões que lhe foram apresentadas pela cour du travail de Liège, por acórdão de 16 de Janeiro de 1990, declara: |
O artigo 41.o, n.o 1, do acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, assinado em 27 de Abril de 1976 em Rabat, aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.o 2211/78 do Conselho, de 26 de Setembro de 1978, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-membro recuse conceder um subsídio, previsto na sua legislação a favor dos jovens à procura de emprego, a um membro da família de um trabalhador de nacionalidade marroquina com ele residente, com fundamento no facto de o candidato a emprego ser de nacionalidade marroquina. |
Due Mancini Rodríguez Iglesias Diez de Velasco Slynn Kakouris Joliet Schockweiler Kapteyn Proferido em audiência pública no Luxemburgo em 31 Janeiro 1991. O secretário J.-G. Giraud O presidente O. Due |
( *1 ) Língua do processo: francês.