apresentado no processo C-10/90 ( *1 )
I — Enquadramento legal, matéria de facto e tramitação do processo
a) Legislação nacional e comunitária aplicável
1. |
O artigo 75.°, n.° 1, da Reichsknappschaftsgesetz (lei alemã do regime de previdência dos mineiros, a seguir «RKG») estabelece que: «No caso de cumulação de pensão de reforma do regime dos mineiros com pensão por incapacidade de trabalho do regime de acidentes de trabalho, a pensão de reforma será suspensa na parte em que, excluído o subsídio por filho a cargo e a prestação suplementar, em conjunto com a pensão por incapacidade de trabalho sem suplemento por filho a cargo, exceder 95 % da remuneração anual a ter em conta no cálculo da pensão por incapacidade e ainda 95 % da retribuição-base desse cálculo. Se a pensão por incapacidade do regime de acidentes de trabalho resultar de uma diminuição da capacidade de ganho de pelo menos 60 % devida a lesões derivadas de silicose, nos termos dos n.os 27-A ou 27-B do anexo do quinto regulamento sobre o alargamento do regime dos acidentes de trabalho às doenças profissionais, de 26 de Julho de 1952 (BGBl. I, p. 395), o beneficiário terá direito, do excedente e por cada 1 % da redução da capacidade de ganho, a receber, mensalmente, um por mil do montante máximo referido no artigo 54.°, n.° 1, último parágrafo. A suspensão da pensão nos termos da primeira parte desta disposição abrange apenas o montante da soma das pensões por incapacidade de trabalho e de reforma que exceda o devido nos termos do regime legal das pensões de reforma, sem aplicação das disposições sobre a suspensão.» |
2. |
Nos termos do artigo 76.°-A da RKG,
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3. |
O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade [codificado pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53)], estabelece que «as pessoas que residem no territòrio de um dos Estados-membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento». |
b) Resumo da matéria de facto do processo principal e tramitação perante os tribunais nacionais
1. |
Maria Masgio, cidadã italiana, era casada com um compatriota que trabalhou, de 1948 a 1952, na indústria mineira belga e recebeu, a partir 1972, uma pensão por silicose paga pela instituição belga competente em matéria de doenças profissionais. A partir de 1977, esta pensão foi concedida com base numa diminuição da capacidade de ganho de 56 % e, a contar de 1 de Dezembro de 1983, numa diminuição de 59 %. A partir de 1 de Fevereiro de 1983, o marido de Maria Masgio beneficiou igualmente de uma pensão de velhice belga, o que, nos termos da legislação belga aplicável, determinou a redução da sua pensão de invalidez. |
2. |
Com base nos períodos de seguro cumpridos pelo marido de Maria Masgio na República Federal da Alemanha entre 1938 e 1983, a Bundesknappschaft (Caixa Federal de Previdência dos Mineiros), a seguir «Caixa») comunicou-lhe, em 14 de Junho de 1983, o seu acordo de princípio sobre o pagamento de uma pensão de velhice, com base no regime mineiro alemão. A Caixa fixou o montante desta pensão mediante decisão de 6 de Fevereiro de 1984. No cálculo da suspensão de prestações, a Caixa baseou-se nos montantes brutos da pensão de invalidez belga, sem ter em conta a remuneração anual que serve de base a esta prestação. |
3. |
A reclamação apresentada pelo marido da Sr.a Masgio desta decisão, em cuja fundamentação se referia designadamente que era o montante líquido da pensão de invalidez belga, e não o montante bruto, que devia ser tido em conta, foi desatendida por decisão da Caixa de 30 de Maio de 1984. |
4. |
Por decisões de 13 de Dezembro de 1984 e 11 de Outubro de 1985, a Caixa procedeu a novo cálculo do montante objecto de suspensão, tendo em conta a redução entretanto verificada na pensão por incapacidade de trabalho belga, e aumentou, correspondentemente, o montante da pensão do regime mineiro alemão. |
5. |
Indeferida a sua reclamação da decisão da Caixa de 6 de Fevereiro de 1984, o marido da Sr.a Masgio interpôs recurso no Sozialgericht Duisbourg da decisão de fixação da pensão atribuída nos termos da legislação mineira alemã, tendo, no entanto, falecido no decurso do processo. A Sr.a Masgio prosseguiu a instância, na qualidade de viúva do recorrente. |
6. |
Por sentença de 10 de Abril de 1986, o Sozialgericht Duisbourg condenou a Caixa a alterar as suas decisões, calculando a pensão paga ao marido da Sr.a Masgio nos termos da legislação mineira alemã sem ter em conta a pensão de invalidez belga e a pagar à Sr.a Masgio, enquanto sucessora a título particular, as correspondentes prestações. |
7. |
Interposto recurso pela Caixa, o Landessozialgericht do Land da Renânia do Norte-Vestefália revogou esta decisão e negou provimento ao recurso por acórdão de 4 de Junho de 1987. Este tribunal considerou que a Caixa tinha aplicado correctamente as disposições conjugadas dos artigos 75.° e 76.°-A da RKG, e que estas regras relativas à suspensão de prestações não eram incompatíveis com as normas comunitárias de nível superior. Nomeadamente, o artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1408/71, já referido, exclusivamente aplicável às prestações concedidas de acordo com o referido regulamento, e não às pagas, como no caso em apreço, apenas com base no direito nacional, não se opõe a que um Estado-membro preveja a suspensão de uma prestação concedida apenas com base no direito interno, em caso de cumulação com outra prestação concedida nos termos da legislação de outro Estado-membro. A regra do artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG não é igualmente contrária ao direito de livre circulação de pessoas garantido pelo Tratado CEE, pois não parece que tenha havido violação do direito de entrada e de estada de trabalhadores ou do direito de acesso destas ao mercado do trabalho. De facto, as desvantagens que possam resultar do regime de prestações sociais não constituem um factor objectivamente determinante da escolha do lugar de trabalho. Por outro lado, segundo o Landessozialgericht, este artigo da RKG não afecta indirectamente a livre circulação, já que, do ponto de vista econômico, não obriga o trabalhador a evitar os mercados de trabalho estrangeiros. O artigo 75.°, n.° 1, segunda frase, da RKG estabelece um limite à suspensão da pensão, garantindo assim que as pensões desempenhem a função de substituição dos salários, nunca podendo deste modo um segurado receber uma prestação inferior àquela a que teria direito segundo o regime legal dos seguros de pensão, sem aplicação do regime da suspensão. Além disso, a legislação alemã não viola a proibição de discriminação estabelecida no Tratado CEE, a qual apenas se opõe à discriminação em razão da nacionalidade. Ora, o artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG aplica-se por igual, independentemente da respectiva nacionalidade, a todos os titulares de uma pensão de mineiro que beneficiem de uma pensão por incapacidade de trabalho paga por um organismo estabelecido fora do território da República Federal da Alemanha. Por último, tendo em conta o extenso poder de apreciação de que dispunha o legislador no domínio da concessão de prestações ao abrigo dos regimes públicos, não há igualmente violação do princípio geral da igualdade consagrado no artigo 3.° da Lei Fundamental alemã. Segundo o Landessozialgericht, o tratamento especial aplicado aos beneficiários de prestações de invalidez estrangeiras pode justificar-se objectivamente pelo facto de, em tais casos, ser muitas vezes impossível determinar uma remuneração anual. |
8. |
No recurso por si interposto e admitido pelo Landessozialgericht, a Sr.a Masgio alega que o artigo 76.°-A, n.° 2, primeira parte, da RKG era incompatível com os artigos 48.° a 51.° do Tratado CEE, o artigo 3.° do referido Regulamento n.° 1408/71, bem como o artigo 3.° da Lei Fundamental alemã. Em apoio do seu pedido, a Sr.a Masgio defendeu que, ao serem aplicadas as regras de suspensão, as pensões de acidente estrangeiras deviam ser equiparadas às previstas pelo direito nacional, de forma que também no caso das pensões de acidente estrangeiras haveria que determinar uma remuneração anual a fim de calcular o limite até ao qual as pensões de reforma não são suspensas. Que, de facto, a remuneração anual é, geralmente, superior ao montante base da liquidação pessoal da pensão de reforma, de forma que a falta de apuramento da remuneração anual tem por consequência que as pensões de acidentes de trabalho estrangeiras determinam uma suspensão mais importante da pensão de reforma do regime dos mineiros que as alemãs. Desta forma, uma pensão de acidente de trabalho estrangeira pode levar à suspensão total da pensão alemã de mineiro, o que no caso das pensões alemãs se encontra excluído. Os trabalhadores migrantes que beneficiem de pensões de acidente de trabalho noutros Esta-dos-membros sofrem, assim, uma discriminação resultante do disposto no artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG. De facto, o direito comunitário proíbe não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade como também qualquer forma de discriminação dissimulada que, mediante a aplicação de outros critérios distintivos, conduza, efectivamente, ao mesmo resultado. O facto de frequentemente não se conhecerem as remunerações anuais no caso das pensões de acidente de trabalho estrangeiras, não justifica tal discriminação, já que seria fácil calcular uma remuneração anual fictícia convertendo o montante da pensão em moeda alemã. Com vista a esse cálculo, a remuneração anual deve, neste caso, ser determinada com base no valor bruto da pensão de acidente belga, antes da redução. |
9. |
Ao invés, a Caixa concluiu pela legalidade da sentença impugnada e solicitou que fosse negado provimento ao recurso. |
10. |
O Landessozialgericht considerou que a aplicação das normas alemãs em matéria de suspensão, no caso de o interessado beneficiar de uma pensão de acidente de trabalho estrangeira não depara, em princípio, com qualquer objecção jurídica, dado que o artigo 76.° -A, n.° 2, primeira frase, da RKG não viola o princípio de igualdade de tratamento consagrado pelo direito constitucional alemão. |
11. |
No entanto, segundo o Bundessozialgericht, este regime pode por vezes, como no caso em apreço, originar um inconveniente para os segurados que recebem uma pensão de acidente estrangeira. Em consequência, há que verificar se as disposições alemãs relativas ao cálculo da suspensão são compatíveis com as comunitárias, de nível superior, e designadamente com o princípio da igualdade de tratamento consagrado nos artigos 7° e 48.° a 51.° do Tratado CEE e no artigo 3.° do refendo Regulamento n.° 1408/71. A este respeito, é necessário, por um lado, ter em conta o facto de que os mineiros que beneficiam de uma pensão alemã e ao mesmo tempo de uma pensão de acidente de trabalho de outro Estado-membro podem, aplicando certos modos de cálculo, encontrar-se em desvantagem em relação aos segurados que recebam ambas as pensões de uma instituição alemã, podendo daí resultar obstáculos à livre circulação de trabalhadores. Mas, por outro lado, pode considerar-se que a regra do artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG não constitui um facto objectivamente determinante da escolha do lugar de trabalho porque a suspensão nunca tem por efeito que um segurado obtenha globalmente menos do que lhe seria pago apenas com base no regime de pensão legal, sem aplicação das normas de suspensão. Além disso, estas aplicam-se a todos os trabalhadores migrantes, independentemente da respectiva nacionalidade. O tribunal nacional referiu ainda que, se o direito comunitário prevalecesse, no caso em apreço, sobre o artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RĶG, o artigo 75.°, n.° 1, da RKG seria aplicável sem restrições, também ao recebimento de uma pensão de acidente de trabalho estrangeira, e, nesse caso, ser tida em conta a remuneração anual que serve de base ao cálculo da pensão de acidente de trabalho estrangeira. Haveria então que revogar a decisão do Landessozialgericht e, dado que o montante da remuneração anual estrangeira não foi determinado, devolver o processo àquele tribunal para prosseguir no apuramento dos factos. |
12. |
Considerando que o litígio suscitava uma questão de interpretação do direito comunitário, o Bundessozialgericht, por despacho de 14 de Novembro de 1989, decidiu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre a seguinte questão: «Resulta da aplicação e da interpretação dos artigos 7.° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, que os segurados que beneficiam ao mesmo tempo de uma pensão ao abrigo da legislação nacional e de prestações do regime legal de acidentes pagas por uma instituição de outro Estado-membro não devem, no cálculo da suspensão a efectuar segundo as normas nacionais (no caso em apreço, o artigo 76.°-A conjugado com o artigo 75.° da RKG), ser alvo de tratamento menos favorável que os beneficiários de ambas as prestações ao abrigo da legislação nacional?» |
c) Tramitação perante o Tribunal de Justiça
1. |
A decisão do Bundessozialgericht deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro de 1990. |
2. |
Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações em 6 de Abril de 1990 pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Maria Patakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistida por Bernd Schulte, do Max-Planck-Institut für ausländisches und Internantionales Sozialrecht, Munique, em 20 de Abril de 1990 pelo Governo do Reino da Bèlgica, representado por Philippe Busquin, do Ministério da Previdência Social, na qualidade de agente, em 23 de Abril de 1990 por Maria Masgio, patrocinada por Kurt Leingärtner e Gert Siller, do Serviço Jurídico Federal do Deutscher Gewerkschaftsbund, Kassel. |
3. |
O Tribunal de Justiça, com base no relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, decidiu dar início à fase oral sem instrução. |
4. |
Nos termos do artigo 95.°, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça, por decisão de 20 de Setembro de 1990, atribuiu o processo à Segunda Secção. |
II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça
1. |
Maria Masgio começa por observar que o Tribunal de reenvio partiu legitimamente da ideia de que a não determinação de uma remuneração anual em caso de recebimento de uma pensão estrangeira de acidente de trabalho para calcular o limite máximo da suspensão das pensões pode colocar em desvantagem os segurados em causa relativamente aos segurados que beneficiem de uma pensão da mesma natureza ao abrigo da legislação nacional. Tal desvantagem é tanto mais acentuada quanto mais importantes forem as sequelas do acidente e o montante da pensão de acidente estrangeira. A Sr.a Masgio refere ainda que a lei alemã de 20 de Dezembro de 1982 (BGBl. I, p. 1875) impôs a tomada em consideração das pensões de acidente estrangeiras na aplicação do regime nacional da suspensão. No entanto, o regime anterior não impedia as instituiçõs alemãs de alargar igualmente as normas de suspensão às pensões de acidente estrangeiras, baseando-se para esse efeito no disposto no artigo 12.° do referido Regulamento n.° 1408/71. No entanto, tanto o Bundessozialgericht como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias rejeitaram esta tese das instituições alemãs. Segundo a Sr.a Masgio, não é possível justificar a não determinação de uma remuneração anual para as pensões de acidente de trabalho estrangeiras com o facto de não poder ser fixada para elas uma remuneração anual. Na verdade, a legislação da República Federal da Alemanha evoluiu recentemente no que respeita às prestações e pensões; assim, nos termos do artigo 93.°, n.° 4, terceira e quarta frases, do livro VI do Sozialgesetzbuch (código social), nas pensões de acidente de trabalho estrangeiras considera-se remuneração anual o montante mensal da pensão por acidente de trabalho ou doença profissional multiplicado por dezoito. Se a pensão se dever a uma diminuição da capacidade de ganho inferior a 100 %, haverá que tomar como base o montante da pensão resultante da diminuição da capacidade de ganho de 100 %. Segundo esta fórmula, a pensão de acidente estrangeira será tratada como se tivesse sido paga por uma instituição nacional. Ora, nos termos desta nova disposição, a suspensão da pensão de mineiro alemã não poderia, neste caso, ter sido efectuada se a pensão de acidente belga concedida à Sr.a Masgio fosse considerada como pensão de acidente nacional; ao invés, a Caixa, por decisão de 6 de Fevereiro de 1984, suspendeu o pagamento de 821,89 DM mensais da pensão alemã, devido à pensão de acidente paga pela instituição belga. A Sr.a Masgiö salienta que este novo regime de determinação da remuneração anual com base numa pensão estrangeira de acidente não é, no entanto, aplicável no presente caso. De facto, a norma transitória do artigo 311.°, n.° 7, do livro VI do Sozialgesetzbuch prevê expressamente que, tratando-se de pensões cujo direito já fora adquirido em 31 de Dezembro de 1991, não há necessidade de determinar uma remuneração anual para as prestações estrangeiras. Assim, apenas para os casos de prestações devidas a partir de 31 de Dezembro de 1991 será calculada a remuneração anual com base na pensão de acidente de trabalho estrangeira. Em consequência, a questão colocada pelo tribunal nacional continua a ser pertinente para a solução do processo principal. Quanto ao resto, a Sr.a Masgio alega que, devido ao artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG, os trabalhadores migrantes que recebem uma pensão de acidente de trabalho estrangeira sofrem uma discriminação em relação aos nacionais que beneficiam de uma pensão de acidente de trabalho paga por uma instituição alemã. De facto, os trabalhadores que trabalharam apenas na República Federal da Alemanha e que, por conseguinte, apenas têm direito a pensões e outras reparações por acidente de trabalho ao abrigo do direito alemão beneficiam, na aplicação do regime de suspensão, da possibilidade do cálculo baseado na remuneração anual, o que constitui, na maior parte dos casos, uma vantagem para os interessados. Ao invés, os trabalhadores que fizeram uso do seu direito à livre circulação e que beneficiam, noutro Estado-membro da Comunidade, de uma reparação na sequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, são, na hipótese da aplicação do regime alemão da suspensão, tratados de forma menos favorável que os nacionais, na medida em que, para aqueles trabalhadores, não há que determinar a remuneração anual para efeitos da aplicação do regime da suspensão. No entender da Sr.a Masgio, esta situação implica pelo menos uma discriminação dissimulada, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o princípio da igualdade de tratamento proíbe não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduzem na prática ao mesmo resultado (acórdão de 7 de Junho de 1988, Roviello, 20/85, Recueil, p. 2805). Por outro lado, infere-se de uma carta de 3 de Março de 1989, dirigida pela Comissão das Comunidades Europeias ao Deutscher Gewerkschaftsbund, que as autoridades alemãs, aparentemente conscientes de que o regime de suspensão aplicável no caso em apreço era incompatível com o direito comunitário, declararam que se encontrava prevista, no âmbito da reforma do sistema de pensões, a instauração de um regime aplicável, por igual, às pensões por acidente de trabalho alemãs e estrangeiras. Sobre este ponto, a Sr.a Masgio entende que, se o artigo 93.°, n.° 4, do livro VI do Sozialgesetzbuch, na redacção da nova lei que reformulou o regime das pensões, já não contém qualquer discriminação, tal não parece, em contrapartida, verificar-se no caso da norma transitória do artigo 311.°, n.° 7, do livro VI do Sozialgesetzbuch, em relação à qual a discriminação apenas foi eliminada relativamente às prestações posteriores a 31 de Dezembro de 1991. Em resumo, a Sr.a Masgio propõe que se responda à questão submetida pelo tribunal nacional da seguinte forma: «Resulta da aplicação e da interpretação dos artigos 7.° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, que os beneficiários de uma pensão ao abrigo da legislação nacional e de prestações do regime legal de acidentes de trabalho de uma instituição de segurança social de outro Estado-membro não devem, no cálculo da suspensão segundo as disposições nacionais (no caso em apreço, o artigo 76.°-A conjugado com o artigo 75.° da RKG), ser objecto de tratamento menos favorável do que o dos beneficiários de ambas as prestações ao abrigo da legislação nacional.» |
2. |
O Governo do Reino da Bélgica alega que ressalta do disposto nos artigos 75.° e 76.°-A da RKG que, em caso de cumulação de prestações alemãs de acidente de trabalho ou doença profissional com uma pensão de reforma alemã de mineiro, o beneficiário pode optar, na fixação do montante máximo que tal cumulação pode atingir, entre a base de liquidação da pensão e o salário anual que serve de base ao cálculo das prestações por acidente de trabalho ou doença profissional, ao passo que essa possibilidade de escolha não existe para os reformados que acumulem prestações belgas por acidente de trabalho ou doença profissional com uma pensão alemã de mineiro. Ora, tal regime pode ter efeitos prejudiciais para esta última categoria de pessoas, dado que o limite autorizado de cumulação é geralmente inferior, constituindo assim um obstáculo à livre circulação de trabalhadores. Deste modo, os trabalhadores migrantes que sofressem um acidente de trabalho ou uma doença profissional na Bélgica perderiam o referido direito de opção, ao contrário dos seus colegas que continuassem a trabalhar na República Federal da Alemanha. Em consequência, a legislação alemã em questão é discriminatória. |
3. |
A Comissão começa por referir que o artigo 76.°-A foi introduzido pela Haushaltsbegleitgesetz (lei orçamental de acompanhamento) de 20 de Dezembro de 1982. Após a entrada em vigor desta lei em 1 de Janeiro de 1983, os artigos 75.° e 76.°-A da RKG passaram a aplicar-se igualmente às pensões de acidente de trabalho estrangeiras. Regime análogo foi, aliás, previsto para o regime de pensões de reforma dos trabalhadores (artigo 1279.°-A do Reichsversicherungsordnung, código alemão da segurança social) e dos empregados (artigo 56.°-A da Angestelltenversicherungsgesetz, a lei do seguro social dos empregados). As referidas disposições constituem uma regulamentação especial para os beneficiários de pensões de acidente estrangeiras, na medida em que não há que ter em conta, na fixação do montante máximo da pensão de reforma, da remuneração anual que serve de base ao cálculo da pensão de acidente estrangeira. No entender da Comissão, esta regulamentação pode ser desvantajosa para os interessados na hipótese de a remuneração anual ficticiamente calculada nos termos do direito alemão ser superior à base pessoal utilizada no cálculo da pensão de reforma. Se se basear no cálculo da remuneração anual, obtém-se um limite máximo mais elevado e uma suspensão correspondentemente inferior. A decisão de não ter em conta a remuneração anual que serve de base ao cálculo da pensão de acidente estrangeira baseou-se no facto de ser muitas vezes difícil determinar essa remuneração anual. Relativamente à questão de saber se o direito comunitário obriga a ter em conta a remuneração anual fictícia calculada nos termos do direito alemão, a Comissão alega que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, já citado, é proibida qualquer desigualdade de tratamento, directa ou indirecta, entre nacionais de um Estado-membro e os nacionais dos outros Estados-membros. Esta proibição corresponde ao objectivo geral das normas do Tratado CEE relativas à igualdade de tratamento, que é o de garantir a livre circulação de pessoas através da supressão de todas as discriminações em matéria de emprego, de salário e de condições de trabalho. Apenas são, assim, aceitáveis desigualdades de tratamento resultantes de divergências entre as ordens jurídicas dos Estados-membros, na medida em que estas se apliquem em função de critérios objectivos, independentemente da nacionalidade dos interessados. Assim, o artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71, já referido, constitui um afloramento da proibição de discriminação prevista no artigo 48.°, n.° 2, do Tratado CEE que, por sua vez, é uma regulamentação especial em relação à proibição geral de discriminação prevista no artigo 7.°, n.° 1, do mesmo Tratado. A proibição de discriminação, que faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário, é válida tanto para as instituições comunitárias como para os Estados-membros. Nestas condições, constitui jurisprudência constante que são proibidas não apenas quaisquer desigualdades de tratatamento directamente ligadas à nacionalidade mas igualmente quaisquer desigualdades de tratamento indirecto não baseadas na nacionalidade mas que sob a forma de uma desigualdade de tratamento dissimulada conduzam, na prática, ao mesmo resultado (acórdão de 15 de Janeiro de 1986, Pinna, 41/84, Colect., p. 1; acórdão de 7 de Junho de 1988, Roviello, já citado). No que respeita, em particular, ao artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG, a Comissão salienta que ressalta desta disposição que a tomada em consideração de pensões de acidente estrangeiras para efeitos de uma pensão de reforma de mineiro deve ser efectuada de forma a que o organismo alemão competente, contrariamente ao que prevê a regulamentação relativa à imputação de pensões de acidente alemãs, não tenha que determinar qualquer remuneração anual para a prestação paga pelo organismo estrangeiro. Daqui resulta que, em caso de cumulação com uma pensão de acidente estrangeira, a pensão de reforma paga pelo regime de previdência alemão fica suspensa logo que ultrapasse a percentagem determinante da base de liquidação pessoal do regime legal das pensões de reforma, ao passo que, em caso de cumulação com uma pensão de acidente alemã, tal consequência apenas se verifica se a pensão de reforma e a de acidente cumuladas ultrapassarem a percentagem da base da liquidação pessoal e a da remuneração anual que serve de base ao cálculo da pensão de acidente. Em consequência, os beneficiários de pensões nacionais de acidente e os de pensões de acidente estrangeiras não são tratados da mesma forma, na medida em que a suspensão se verifica principalmente no caso dos últimos. A Comissão refere ainda que o facto de a legislação alemã em causa não ter em conta a remuneração anual para efeitos da imputação das pensões de acidente de trabalho estrangeiras constitui uma discriminação indirecta na medida em que, embora esta regulamentação se aplique independentemente da nacionalidade dos interessados e portanto em condições idênticas para os titulares alemães e estrangeiros das pensões de acidente estrangeiras, afecta, no entanto, antes de mais, os beneficiários de prestações que fizeram uso do direito de livre circulação, dado que são estes que recebem mais frequentemente prestações de diversos Esta-dos-membros, e portanto também pensões de acidente estrangeiras. Ora, estas pessoas são colocadas em desvantagem no plano do direito da segurança social, dado que, para elas, a suspensão da pensão de reforma do regime mineiro alemão pode verificar-se antes do que em relação às pessoas que sempre trabalharam na República Federal da Alemanha, recebendo assim uma pensão de reforma de mineiro e uma pensão de acidente neste país. Segundo a Comissão, esta desigualdade de tratamento não pode justificar-se por razões objectivas e designadamente pelas alegadas dificuldades na determinação do salário anual no caso das pensões de acidente estrangeiras. De facto, por um lado, o novo artigo 93.°, n.° 4, do livro VI do Sozialgesetzbuch prevê que, em caso de recebimento de uma pensão de acidente estrangeira, o limite máximo deve ser calculado com base numa remuneração anual fictícia, o que demonstra que, para uma pensão de acidente estrangeira, a determinação da remuneração anual é possível. Por outro lado, dificuldades práticas de ordem geral não podem justificar uma desigualdade de tratamento entre trabalhadores nacionais e trabalhadores migrantes. A Comissão acrescenta que os atrasos no processo e as imprecisões na determinação dos factores de cálculo necessários não justificam mais uma excepção à proibição de discriminação que a raridade das discriminações verificadas e a pouca importância das desvantagens sofridas pelas pessoas em questão. A Comissão conclui sugerindo que se responda da seguinte forma à questão submetida pelo tribunal de reenvio: «Os artigos 7.° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que um trabalhador migrante que beneficia simultaneamente de uma pensão nos termos de um regime sujeito à legislação nacional de um Es-tado-membro e de uma prestação do regime legal de acidentes de trabalho de outro Es-tado-membro não deve, no cálculo da parte da pensão que deve ser suspensa nos termos da legislação nacional, ser objecto de tratamento menos favorável do que o dos beneficiários de ambas as prestações ao abrigo da legislação de um mesmo Estado-membro.» |
F. A. Schockweiler
Juiz relator
( *1 ) Língua do processo: alemão.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
7 de Março de 1991 ( *1 )
No processo C-10/90,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Bundessozialgericht com vista a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Maria Masgio
e
Bundesknappschaft,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, com a redacção do Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53),
O TRIBUNAL (Segunda Secção),
composto por T. F. O'Higgins, presidente de secção, G. F. Mancini e F. A. Schockweiler, juízes,
advogado-geral : M. Darmon,
secretário: V. Di Bucci, administrador
vistas as observações escritas apresentadas:
— |
em representação de Maria Masgio, por Kurt Leingärtner e Gert Siller, do Serviço Jurídico Federal do Deutscher Gewerkschaftsbund, Kassel (República Federal da Alemanha), |
— |
em representação do Governo do Reino da Bélgica, por Philippe Busquin, ministro dos Assuntos Sociais, na qualidade de agente, |
— |
em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Patakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistida por Bernd Schulte, do Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Sozialrecht, Munique (República Federal da Alemanha), |
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Maria Masgio e da Comissão na audiência de 14 de Novembro de 1990,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Janeiro de 1991,
profere o presente
Acórdão
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Por decisão de 14 de Novembro de 1989, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro de 1990, o Bundessozialgericht submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7° e 48.° a 51.° deste Tratado, bem como do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, com a redacção alterada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53). |
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Esta questão foi suscitada no quadro de um litígio entre Maria Masgio, sucessora nos direitos do seu marido no processo principal, e a Bundesknappschaft (Caixa de Previdência Federal dos Trabalhadores Mineiros, a seguir «Caixa») a propósito do método de cálculo da pensão de velhice devida ao Sr. Masgio, ao abrigo de regime mineiro alemão. |
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Ressalta do processo enviado ao Tribunal de Justiça pelo tribunal nacional que a Sr.a Masgio é viúva de um cidadão italiano que trabalhou na indústria mineira na Bélgica e na República Federal da Alemanha. A partir de 1972, o Sr. Masgio recebeu uma pensão por silicose da instituição belga competente. Nos termos da legislação belga, esta prestação foi reduzida em 1983, dado que o interessado beneficiou, a partir desta data, de uma pensão de velhice belga. |
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Em 1983, a Caixa reconheceu ao Sr. Masgio o direito à pensão de reforma ao abrigo do regime mineiro alemão. A situação dos mineiros que beneficiam simultaneamente de tal pensão e de uma prestação de seguro de acidente é regulamentada pelos artigos 75.°, n.° 1, e 76.°-A da Reichsknappschaftsgesetz (lei alemã da segurança social dos trabalhadores mineiros, a seguir «RKG»). |
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O artigo 75.°, n.° 1, primeira parte, da RKG estabelece que «no caso de cumulação de reforma do regime dos mineiros com pensão por incapacidade de trabalho do regime de acidentes de trabalho, a pensão de reforma será suspensa na parte em que... em conjunto com a pensão por acidente de trabalho... exceder 95 % da remuneração anual a ter em conta no cálculo da pensão por incapacidade e ainda 95 % da retribuição-base desse cálculo». |
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Nos termos do artigo 76.°-A da RKG:
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Nos termos do artigo 76.° -A da RKG, a Caixa acabou por fixar o montante da pensão de velhice devida ao Sr. Masgio baseando-se, para o cálculo da parte das prestações que devia ser objecto de suspensão, no montante bruto da pensão de acidente belga, sem ter em conta a remuneração anual base do cálculo desta prestação. |
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Em apoio do recurso deste método de cálculo da pensão de reforma de mineiro, o Sr. Masgio e, após a sua morte, a Sr.a Masgio alegaram que o artigo 76.°-A, n.° 2, primeira frase, da RKG era incompatível com os artigos 48.° a 51.° do Tratado e com o artigo 3.° do referido Regulamento n.° 1408/71. Referiram que, na aplicação das regras de suspensão, as pensões de acidente recebidas num outro Estado-membro devem ser equiparadas às previstas pelo direito alemão, de modo que deve, de cada vez, determinar-se uma remuneração anual para calcular o montante das prestações que não dá lugar à suspensão. De facto, a remuneração anual é, geralmente, superior à base de liquidação da pensão, tendo assim a falta de determinação da remuneração anual por consequência que as pensões de acidente estrangeiras implicam a suspensão de uma parte mais significativa da pensão de mineiro que as pagas por um organismo alemão. Deste modo, os trabalhadores migrantes que beneficiam de uma pensão ao abrigo do regime mineiro alemão e de uma pensão de acidente paga por uma instituição de outro Estado-membro são discriminados em relação aos que recebam aquelas duas prestações de um organismo alemão. |
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Considerando que o litígio levantava uma questão de interpretação do direito comunitário, o Bundessozialgericht suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão: «Resulta da aplicação e interpretação dos artigos 7.° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 que os segurados que beneficiam ao mesmo tempo de uma pensão ao abrigo da legislação nacional e de prestações do regime de seguro legal de acidentes pagas por uma instituição de outro Estado-membro não devem, no cálculo da suspensão a efectuar segundo as normas nacionais (no caso em apreço, artigo 76.° -A, conjugado com o artigo 75.° da RKG), ser alvo de tratamento menos favorável que os beneficiários de ambas as prestações ao abrigo da legislação nacional?» |
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Para mais ampla exposição dos factos da causa principal, da tramitação do processo, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida em que sejam necessários à fundamentação do Tribunal de Justiça. |
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O tribunal de reenvio pretende, com a segunda questão, fundamentalmente saber se os artigos 7° e 48.° a 51.° do Tratado, bem como o artigo 3.°, n.° 1, do referido Regulamento n.° 1408/71 devem ser interpretados no sentido de que obstam a que os trabalhadores migrantes que beneficiem de uma pensão de velhice ao abrigo da legislação de um Estado-membro e de pensões de acidente pagas por uma instituição de outro Estado-membro sejam alvo, no cálculo da parte das prestações que deve ser suspensa por aplicação das disposições nacionais do primeiro Estado, de um tratamento menos favorável que os trabalhadores que, não tendo feito uso do direito de livre circulação, beneficiam de ambas as prestações ao abrigo da legislação de um mesmo Estado-membro. |
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Para responder a esta questão, deve, antes de mais, recordar-se que, de acordo com a jurisprudência (ver acórdão de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia, n.os 12 e 13, 305/87, Colect., p. 1461), o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrado no artigo 7.°, primeiro parágrafo, do Tratado, apenas pode ser aplicado autonomamente às situações regulamentadas pelo direito comunitário em relação às quais o Tratado não prevê regras especiais de não discriminação. |
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Ora, o princípio geral de não discriminação em razão da nacionalidade, consagrado no artigo 7° do Tratado, foi aplicado e concretizado, no que respeita aos trabalhadores assalariados, pelos artigos 48.° a 51.° desse Tratado, assim como pelos actos das instituições comunitárias adoptados com base nestas disposições, e designadamente pelo Regulamento n.° 1408/71, já referido. |
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Com efeito, por um lado, o artigo 48.°, n.° 2, do Tratado prevê que a livre circulação de trabalhadores «implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho». |
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Por outro lado, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do referido Regulamento n.° 1408/71, «as pessoas que residem no território de um dos Estados-membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento». |
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Deve salientar-se que estas disposições devem ser interpretadas à luz do respectivo objectivo, que é o de contribuir, designadamente em matéria de segurança social, para o estabelecimento de uma liberdade tanto quanto possível completa da circulação de trabalhadores migrantes, que constitui um dos princípios fundamentais da Comunidade (ver, por exemplo, acórdão de 12 de Outubro de 1978, Belbouab, n.° 5, 10/78, Recueil, p. 1915; acórdão de 25 de Fevereiro de 1986, Spruyt, n.° 18, 284/84, Colect., p. 685; acórdão de 2 de Maio de 1990, Winter-Lutzins, n.° 13, C-293/88, Colect., p. I-1623). |
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Neste contexto, o Tribunal de Justiça já decidiu que os artigos 48.° a 51.° do Tratado, bem como os actos comunitários para sua aplicação, e designadamente o referido Regulamento n.° 1408/71, visam impedir que os trabalhadores que, fazendo uso do seu direito de livre circulação, exerceram actividade em mais do que um Estado-membro sejam tratados de forma menos favorável que aqueles cuja carreira decorreu integralmente num único Estado-membro (ver, neste sentido, acórdãos de 5 de Maio de 1977, Jansen, n.° 12, 104/76, Recueil, p. 829, e de 10 de Março de 1983, Baccini, n.° 17, 232/82, Recueil, p. 583). |
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Assim, o Tribunal de Justiça admitiu, em especial (ver, por exemplo, acórdão de 21 de Outubro de 1975, Petroni, n.° 13, 24/75, Recueil, p. 1149; acórdão de 9 de Julho de 1980, Gravina, n.° 6, 807/79, Recueil, p. 2205, acórdão de 25 de Fevereiro de 1986, Spruyt, já citado, n.° 19; acórdão de 2 de Maio de 1990, Winter-Lutzins, já citado, n.° 14), que o objectivo dos artigos 48.° a 51.° do Tratado não seria alcançado caso os trabalhadores migrantes, ao exercerem o respectivo direito de livre circulação, perdessem as vantagens da segurança social proporcionadas pela legislação de um Estado-membro. Na verdade, tal consequência poderia dissuadir os trabalhadores comunitários de exercerem aquele direito; constituindo assim um obstáculo a esta liberdade (ver acórdãos de 22 de Fevereiro de 1990, Bronzino, n.° 12, C-228/88, Colect., p. I-531, e Gatto, n.° 12, C-12/89, Colect., p. I-557). |
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Ora, uma disposição como a em causa no processo principal é susceptível, embora se aplique independentemente da nacionalidade dos trabalhadores em questão, de desfavorecer, no plano da segurança social, os trabalhadores migrantes em relação aos que apenas exerceram a sua actividade num único Estado-membro. |
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De facto, uma regulamentação como a em causa no processo principal prevê que, na hipótese de cumulação de uma pensão de acidente paga num Estado-membro e de uma pensão de velhice devida neste mesmo Estado, a instituição deste Estado encarregada de determinar o montante da suspensão da pensão deve ter em conta tanto a remuneração anual base do cálculo da pensão de acidente como a base da liquidação da pensão, e aplicar aquele dos dois limites máximos que implique a menor redução da pensão. Em contrapartida, em caso de cumulação de uma pensão de velhice devida num Estado-membro e de uma pensão do seguro de acidente paga noutro Estado-membro, a instituição do primeiro Estado apenas pode, nos termos de uma regulamentação deste tipo, basear-se, para determinação da parte da pensão a suspender, na base da liquidação desta. |
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Daqui resulta que um trabalhador que apenas exerceu actividade no Estado-membro em que vigora uma regulamentação do tipo da em causa e que neste recebe simultaneamente uma pensão de acidente e uma pensão de velhice, beneficia, para a determinação da parte da pensão devida neste Estado que deve ser suspensa, de uma possibilidade de escolha de que não goza o trabalhador migrante que, além da pensão a que tem direito ao abrigo da legislação deste Estado-membro, recebe igualmente uma pensão de acidente de uma instituição de outro Estado-membro. |
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No processo principal, reconhece-se que o cálculo fundado na base da liquidação pode levar à suspensão de uma parte mais significativa da pensão de velhice que o baseado na remuneração anual. |
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Nestas condições, uma disposição como a referida pelo tribunal de reenvio, que trate de forma mais desfavorável os trabalhadores comunitários que tenham exercido o direito à livre circulação que aqueles que não exerceram tal direito, pode constituir um obstáculo à livre circulação dos trabalhadores. |
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No que respeita ao argumento, invocado no processo principal, de que a diferença de tratamento resultante da aplicação da regulamentação em causa no tribunal de reenvio se justifica pelas dificuldades de ordem prática que se traduzem no facto de, na hipótese de as pensões de acidente recebidas num outro Estado-membro, a instituição que calcula o montante da suspensão das prestações se encontrar frequentemente na impossibilidade de conhecer a remuneração anual, basta verificar que o artigo 48.°, n.° 3, do Tratado apenas autoriza limitações à livre circulação dos trabalhadores que se justifiquem por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública. Sendo assim, fora destas hipóteses expressamente previstas no Tratado, não se justifica qualquer obstáculo à livre circulação dos trabalhadores. |
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Resulta do que fica dito que deve responder-se à questão submetida pelo tribunal nacional que os artigos 7° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como o artigo 3.°, n.° 1, do referido Regulamento n.° 1408/71, devem interpretar-se no sentido de que obstam a que os trabalhadores migrantes que beneficiam de uma pensão de velhice ao abrigo da legislação de um Estado-membro e de pensões de acidente pagas por uma instituição de outro Estado-membro sejam alvo, no cálculo da parte das prestações que deve ser suspensa em aplicação da legislação do primeiro Estado, de tratamento menos favorável que os trabalhadores que, não tendo feito uso do direito de livre circulação, beneficiam de ambas as prestações ao abrigo da legislação de um mesmo Estado-membro. |
Quanto às despesas
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As despesas efectuadas pelo Governo do Reino da Bélgica e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, , O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção), pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida peio Bundessozialgericht, por decisão de 14 de Novembro de 1989, declara: |
Os artigos 7° e 48.° a 51.° do Tratado CEE, bem como o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, com a redacção do Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, devem ser interpretados no sentido de que obstam a que os trabalhadores migrantes que beneficiam de uma pensão de velhice ao abrigo da legislação de um Estado-membro e de pensões de acidente pagas por uma instituição de outro Estado-membro, sejam alvo, no cálculo da parte das prestações que deve ser suspensa por aplicação da legislação do primeiro Estado, de tratamento menos favorável que os trabalhadores que, não tendo feito uso do direito de livre circulação, beneficiam de ambas as prestações ao abrigo da legislação de um mesmo Estado-membro. |
O'Higgins Mancini Schockweiler Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Março de 1991. O secretário J.-Giraud O presidente da Segunda Secção T. F. O'Higgins |
( *1 ) Língua do processo: alemão.