CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 7 de Novembro de 1991 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Este processo foi apresentado ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE pelo tribunal de paix de Papeete (Polinésia francesa). O demandante no processo principal, B. Leplat, pede o reembolso de diversos encargos que teve de pagar quando, em 26 de Julho de 1988, importou para o território da Polinésia francesa um automóvel Mercedes fabricado na República Federal da Alemanha. O processo centra-se no efeito do artigo 133.o do Tratado em tais circunstâncias.

Contexto do litígio

2.

Antes de abordar as questões suscitadas pelo tribunal de reenvio, convém analisar a relação entre os Estados-membros e territórios como a Polinesia francesa. No sétimo considerando do Tratado CEE, faz-se referência à intenção dos Estados-membros «de confirmar a solidariedade que liga a Europa e os países ultramarinos» e ao seu desejo de «assegurar o desenvolvimento da prosperidade destes países, em conformidade com os princípios da carta das Nações Unidas...». O artigo 3.o, alínea k), do Tratado, neste entendimento, inclui na acção da Comunidade «a associação dos países e territórios ultramarinos com o objectivo de incrementar as trocas comerciais e de prosseguir em comum o desenvolvimento económico e social». O regime especial de associação previsto por estas disposições consta da quarta parte do Tratado (artigos 131.o a 136.o -A), encontrando-se os países e territórios ultramarinos aos quais este regime se aplica enumerados, nos termos do artigo 227.o, n.o 3, no anexo TV do Tratado. Um desses territórios é a Polinesia francesa.

3.

Nos termos do artigo 131.o, segundo parágrafo, «a finalidade da associação é promover o desenvolvimento econòmico e social dos países e territórios e estabelecer relações económicas estreitas entre eles e a Comunidade no seu conjunto». Um dos meios pelos quais este objectivo deveria ser atingido era através da liberalização do comércio entre os países e territórios ultramarinos e os Estados-membros. Esta acção deveria ser efectuada numa base não discriminatória, aplicando cada país ou território «às suas trocas comerciais com os Estados-membros e os outros países e territórios o regime que aplica ao Estado europeu com que mantenha relações especiais» (artigo 132.o, n.o 2).

4.

A supressão dos direitos aduaneiros que oneram as trocas entre os Estados-membros e os países e territórios é regulada pelo artigo 133.o, que dispõe:

«1.

As importações originárias dos países e territórios beneficiarão, ao entrarem nos Estados-membros, da eliminação total dos direitos aduaneiros que, nos termos do presente Tratado, se deve progressivamente realizar entre os Estados-membros.

2.

Em cada país e território, os direitos aduaneiros que incidam sobre as importações provenientes dos Estados-membros e dos outros países e territórios serão progressivamente suprimidos, nos termos dos artigos 12.o, 13.o, 14.o, 15.o e 17.o

3.

Os países e territórios podem, todavia, cobrar os direitos aduaneiros correspondentes às necessidades do seu desenvolvimento e às exigências da sua industrialização, ou os de natureza fiscal que tenham por fim produzir receita para os seus orçamentos.

Estes direitos serão, contudo, progressivamente reduzidos até ao nível daqueles que incidam sobre as importações dos produtos provenientes do Estado-membro com o qual cada país ou território mantém relações especiais. As percentagens e o calendário das reduções previstos no presente Tratado serão aplicáveis à diferença entre o direito que incide sobre um produto proveniente do Estado-membro que mantém relações especiais com o país ou o território em causa e o direito que incide sobre o mesmo produto proveniente dos outros Estados da Comunidade ao entrar no país ou território importador.

4.

O disposto no n.o 2 não é aplicável aos países e territórios que, por força das obrigações internacionais especiais a que se encontram vinculados, já apliquem, à data da entrada em vigor do presente Tratado, uma pauta aduaneira não discriminatória.

5.

A introdução ou modificação de direitos aduaneiros que incidem sobre as mercadorias importadas pelos países e territórios não deve originar, de direito ou de facto, qualquer discriminação directa ou indirecta entre as importações provenientes dos diversos Estados-membros.»

5.

O regime detalhado da associação dos países e territórios com a Comunidade foi, relativamente aos cinco primeiros anos a contar da entrada em vigor do Tratado, estabelecido por uma convenção de execução anexa ao Tratado CEE, nos termos do artigo 136.o, n.o 1. A partir daí, esse regime foi periodicamente renovado através de uma série de decisões do Conselho adoptadas nos termos do artigo 136.o, segundo parágrafo, que dispõe: «Antes do termo de vigência da convenção prevista no parágrafo anterior, o Conselho, deliberando por unanimidade, aprovará as disposições a prever para um novo período, com base nos resultados conseguidos e nos princípios enunciados no presente Tratado.»

6.

A decisão em vigor na época em causa era a Decisão 86/283/CEE, de 30 de Junho de 1986 (JO L 175 p. 1). Esta decisão trata de maneira diferente, por um lado, as importações na Comunidade a partir dos países e territórios e, por outro, as importações provenientes da Comunidade para os países e territórios ultramarinos. E assim que o artigo 70.o, n.o 1, da decisão geral dispõe que «Os produtos originários dos países e territórios são admitidos à importação na Comunidade com isenção de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente». No que respeita às importações da Comunidade nos países e territórios, reconhece-se, no entanto, no terceiro considerando da decisão que «... as necessidades de desenvolvimento dos países e territórios e as necessidades da promoção do seu desenvolvimento industrial justificam a conservação da possibilidade de cobrar direitos aduaneiros e de impor restrições quantitativas...». Em consequência, o artigo 74.o, n.o 1, da decisão estabelece o seguinte: «Relativamente à importação de produtos originários da Comunidade ou de outros países ou territórios, as autoridades competentes de um país ou território podem manter ou fixar os direitos aduaneiros ou restrições quantitativas que considerem necessários, tendo em conta as necessidades actuais de desenvolvimento do país ou território.»

Matéria de facto

7.

O montante que B. Leplat foi obrigado a pagar pela importação do seu automóvel na Polinésia francesa elevou-se a um total de 1143525 francos «pacífico» (CFP), moeda que vale cerca de um vigésimo do franco francês. Esse montante compunha-se da seguinte forma:

a)

892000 CFP a título de direito fiscal de entrada («droit fiscal d'entrée»). Este direito incide sobre todos os bens importados, independentemente da sua origem, nas mesmas condições que os direitos aduaneiros propriamente ditos;

b)

223000 CFP do novo imposto de solidariedade para a protecção social («taxe nouvelle de solidarité pour la protection sociale»). Este imposto incide sobre determinados bens importados na Polinésia francesa e é cobrado pelas autoridades aduaneiras. O produto do imposto é utilizado para financiar o fonds d'action sanitaire, sociale et familiale e o Office territorial de l'action sociale et de solidarité;

c)

27875 CFP a título de direitos portuários («droit de péage»). Este direito serve para financiar os serviços fornecidos pelo porto de Papeete, que, como explica o Governo francês, é responsável pela distribuição dos produtos importados pelas 125 ilhas agrupadas em cinco arquipélagos disseminados pelos quatro milhões de quilómetros quadrados de oceano que constituem o território da Polinésia francesa;

d)

650 CFP a título de imposto de estatística («taxe de statistique»), que incide sobre todos os bens produzidos na Polinésia francesa, bem como sobre os bens importados no território ou exportados a partir dele. Este imposto é utilizado para o financiamento do serviço local de estatística.

8.

B. Leplat não apresentou quaisquer observações ao Tribunal de Justiça, mas parece ter admitido na acção principal que os encargos mencionados não são direitos aduaneiros em sentido estrito. Defende antes tratar-se de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, qualificação que parece ter sido acolhida pelo tribunal de reenvio. Os autores das observações escritas apresentadas, na medida em que abordaram esta questão, partiram do princípio de que os encargos em causa não são direitos aduaneiros em sentido estrito, mas encargos de efeito equivalente. Como adiante se compreenderá, torna-se desnecessário manifestar aqui uma opinião sobre a correcta qualificação dos encargos em causa.

9.

Segundo a decisão de reenvio, B. Leplat defende que o artigo 133.o proíbe a instituição pelas autoridades da Polinésia francesa de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre as importações provenientes dos Estados-membros que excedam o nível dos direitos aduaneiros aplicados às importações provenientes da França metropolitana no momento da entrada em vigor do Tratado. Sabe-se que nessa época as importações da França metropolitana não estavam sujeitas a qualquer direito dessa natureza, ainda que não se sugira existir agora qualquer discriminação entre as importações na Polinésia francesa provenientes da França metropolitana e as importações a partir de qualquer outro país da Comunidade. Embora o artigo 133.o apenas se refira expressamente aos direitos aduaneiros, B. Leplat defende ser de considerar que engloba implicitamente os encargos de efeito equivalente. Na medida em que o artigo 74.o, n.o 1, da Decisão 86/283 visa autorizar os países e os territórios a instituírem encargos dessa natureza após a entrada em vigor do Tratado, B. Leplat alega que esta disposição não é válida, pelo facto de ser, em seu entender, incompatível com o artigo 133.o

10.

O tribunal de paix submeteu, em consequência, as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)

O disposto no artigo 133.o, n.o 2 e n.o 3, do Tratado de 25 de Março de 1957 visa os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros?

2)

Em caso afirmativo, os países e territórios ultramarinos associados à Comunidade podem cobrar esses direitos ou impostos aquando da importação de produtos originários da Comunidade Económica Europeia?

3)

Em caso afirmativo, quais são as obrigações impostas aos países e territórios ultramarinos pelo objectivo de redução dos direitos aduaneiros mencionado no artigo 133.o, n.o 3, do Tratado?

4)

Em caso de resposta negativa, as decisões do Conselho das Comunidades Europeias relativas à associação dos países e territórios ultramarinos que os autorizam a manter ou instituir direitos aduaneiros sobre os produtos importados da Comunidade, designadamente o artigo 74.o da Decisão 86/283/CEE, de 30 de Junho de 1986, são válidas face aos artigos 133.o e 136.o do Tratado?»

Questões prévias

11.

Na altura do reenvio, existiam algumas dúvidas quanto à questão de saber se os tribunais da Polinésia francesa tinham o direito de recorrer à faculdade prevista pelo artigo 177.o do Tratado CEE. Contudo, resulta claramente do acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1990, nos processos apensos C-100/89 e C-101/89, Kaefer e Procacci/Franca, que a faculdade do tribunal de reenvio invocar o artigo 177.o já não suscita qualquer contestação.

12.

O Tribunal de Justiça decidiu igualmente no processo Kaefer e Procacci que todas as disposições da Decisão 86/283 que fossem incondicionais e suficientemente precisas produziam efeitos directos nos países e territórios. Em meu entender, o mesmo acontece em princípio com o artigo 133.o do Tratado, ainda que, pelas razões adiante referidas, eu considere que não há que tomar uma decisão no caso em apreço sobre a questão do efeito directo.

As questões submetidas ao Tribunal de Justiça

13.

As questões submetidas ao Tribunal de Justiça suscitam dois pontos. Um é o da medida em que os países e territórios são autorizados a aplicar direitos aduaneiros às importações provenientes dos Estados-membros após a entrada em vigor do Tratado. O outro respeita à questão de saber se a expressão «direitos aduaneiros» utilizada no artigo 133.o abrange igualmente os encargos de efeito equivalente.

14.

No que respeita ao primeiro ponto, é, em meu entender, evidente que os países e territórios têm o direito de impor direitos aduaneiros sobre as importações provenientes dos Estados-membros, desde que sejam satisfeitas duas condições. Em primeiro lugar, não podem fazer discriminações entre os outros países e territórios (artigo 132.o, n.o 2), nem entre os diversos Estados-membros (artigo 132.o, n.o 2, e artigo 133.o, n.o 5). Em segundo lugar, todos os direitos aduaneiros introduzidos pelos países e territórios devem ser «correspondentes às necessidades do seu desenvolvimento e às exigências da sua industrialização, ou os de natureza fiscal que tenham por fim produzir receita para os seus orçamentos» (artigo 133.o, n.o 3, primeiro parágrafo). Ressalta claramente dos termos do artigo 133.o, n.o 3, primeiro parágrafo, e das primeiras palavras do artigo 133.o, n.o 5 (A «introdução ou modificação de direitos aduaneiros...»), que os países e territórios podem manter ou introduzir direitos aduaneiros sempre que as referidas condições se encontrem reunidas. Depreende-se claramente destas disposições que o artigo 133.o não impõe aos países e territórios uma proibição absoluta de aplicarem direitos aduaneiros às importações dos Estados-membros.

15.

Deve notar-se que existe uma ligeira divergência entre a versão inglesa do artigo 133.o, n.o 3, primeiro parágrafo, e algumas das outras versões linguísticas. Na versão francesa, por exemplo, os termos «qui, de caractère fiscal» figuram antes do equivalente a «produce revenue for their budgets». Na versão alemã a expressão utilizada é «als Finanzzölle». Parece provável que o tradutor inglés tenha considerado implícito na expressão «produce revenue for their budgets» o sentido da parte da frase omitida. Note-se que o texto inglês do artigo 17.o do Tratado faz referencia a «customs duties of a fiscal nature». Seja qual for a razão para a discrepância, considero que o artigo 133.o, n.o 3, primeiro parágafo, visa autorizar os países e territórios a instituir direitos aduaneiros tanto com caracter proteccionista como de obtenção de receita, desde que não façam discriminações entre os Estados-membros e os outros países e territórios.

16.

O facto de o artigo 74.o da Decisão 86/283 autorizar os países e territórios a manter ou a fixar direitos aduaneiros não afecta, assim, a sua validade. No entanto, deve notar-se que o artigo 74.o não se refere a direitos para obtenção de receita. O que levanta a questão de saber se tinha em vista limitar os poderes conferidos aos países ou territórios pelo artigo 133.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Tratado e, em caso afirmativo, se o Conselho tinha poder para fixar tal limite.

17.

Os termos da Decisão 86/283 podem ser, a este respeito, contrapostos aos das decisões que a precederam. O artigo 2.o da Decisão 64/349/CEE (JO 1964, 93, p. 1472) e o artigo 3.o da Decisão 70/549/CEE (JO 1970, L 282, p. 83) autorizavam os países e territórios a manter ou introduzir direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente correspondentes às necessidades do seu desenvolvimento ou que produzissem receitas para os seus orçamentos. No entanto, o artigo 5.o da Decisão 76/568/CEE QO 1976, L 176, p. 8) e o artigo 6.o da Decisão 80/1186/CEE QO 1980, L 361, p. 1), tal como o artigo 74.o da Decisão 86/283, referem-se apenas aos direitos aduaneiros e às restrições quantitativas consideradas necessárias pelos países e territórios tendo em conta as suas necessidades de desenvolvimento. A disposição actualmente em vigor, o artigo 106.o, n.o 1, da Decisão 91/482/CEE, de 25 de Julho de 1991 (JO L 263, p. 1), está formulada em termos semelhantes.

18.

Para efeitos do presente processo, não há que ter em conta a referência às restrições quantitativas nas últimas disposições, e voltarei adiante à questão de saber se deve atribuir-se qualquer significado à referência, nas disposições anteriormente em vigor, aos encargos de efeitos equivalente a direitos aduaneiros. A questão que agora irei abordar diz respeito ao problema de saber se, tendo em conta as circunstâncias do presente processo, é relevante o facto de o artigo 74.o da Decisão 86/283 não autorizar expressamente os países e territórios a manter ou a introduzir direitos aduaneiros para obtenção de receita.

19.

Se esta disposição se destinasse a limitar os poderes conferidos aos países e territórios pelo artigo 133.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Tratado e pelas decisões 64/349 e 70/549, seria de esperar que tal intenção fosse claramente manifestada. Nenhuma intenção dessa natureza resulta, no entanto, nem do texto da Decisão 86/283 nem nos seus considerandos, de que o considerando relevante se encontra reproduzido no n.o 6, supra. As disposições aplicáveis das duas decisões que precederam imediatamente esta decisão encontram-se formuladas em termos semelhantes. De facto, nenhuma das três decisões permite pensar que as economias dos países e dos territórios registaram melhorias a ponto de justificar restrições ao seu direito de aplicar direitos aduaneiros às importações. A falta de qualquer manifestação inequívoca de uma intenção por parte do Conselho de produzir esse resultado leva-me a concluir que ele não era pretendido.

20.

Interpreto assim o artigo 74.o da Decisão 86/283 como uma autorização dada aos países e territórios de manterem ou introduzirem direitos aduaneiros que considerem necessários ao seu desenvolvimento ou que produzam receita para os seus orçamentos, desde que não façam discriminações entre os Estados-membros e os outros países e territórios. Não excluo a possibilidade de o Conselho poder restringir, nos termos do artigo 136.o, segundo parágrafo, a liberdade de acção conferida aos países e territórios pelo artigo 133.o, mas a imposição de qualquer limite a este respeito deverá, de qualquer modo, ser correctamente fundamentada nos termos do artigo 190.o do Tratado.

21.

Em consequência, chego à conclusão de que o artigo 133.o do Tratado permite aos países e territórios manter ou introduzir direitos aduaneiros, nas condições acima referidas, e que o artigo 74.o da Decisão 86/283 é totalmente conforme com o artigo 133.o Além disso, parece não ter sido sugerido que os encargos em causa são discriminatórios ou que não correspondem às necessidades do desenvolvimento e da industrialização da Polinesia francesa, não produzindo igualmente receita para o seu orçamento. Em consequência, na medida em que os encargos em causa sejam qualificados de direitos aduaneiros, a sua licitude não pode ser contestada nos termos do direito comunitário. Resulta daí igualmente que, mesmo que o artigo 133.o seja interpretado no sentido de que abrange igualmente os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, não será possível contestar a legalidade dos encargos em causa, dado que, nesse caso, estariam também autorizados pelo artigo 133.o e pela Decisão 86/283. Assim, não é absolutamente necessário verificar se é nesse sentido que deve interpretar-se o artigo 133.o No entanto, dado que, com a excepção do Conselho, as partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça dispensaram considerável atenção ao alcance da referência aos direitos aduaneiros no artigo 133.o, será conveniente tomar uma posição a este respeito.

22.

A Comissão e o Governo do Reino Unido defendem que o artigo 133.o visa apenas os direitos aduaneiros propriamente ditos e não abrange os encargos de efeito equivalente. A Comissão defende que, quando os autores do Tratado pretenderam tratar dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, o fizeram de forma expressa. Da ausência de qualquer alusão a estes encargos no artigo 133.o deve assim concluir-se que não se pretendeu que estes fossem abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Ainda que o artigo 133.o, n.o 2, mencione diversas disposições do Tratado que dizem respeito aos direitos aduaneiros e aos encargos de efeito equivalente, a Comissão adopta o ponto de vista de que essa referência pode considerar-se limitada ao que ela considera ser o âmbito de aplicação do artigo 133.o, ou seja, que as referidas disposições do Tratado apenas são aplicáveis na medida em que digam respeito aos direitos aduaneiros em sentido estrito.

23.

O Governo do Reino Unido salienta que, no processo 26/69, Comissão/França (Recueil 1970, pp. 565, 584), o advogado-geral Roemer declarou: «... pode-se concluir do artigo 133.o do Tratado que se trata apenas da eliminação dos direitos aduaneiros sobre as importações e, portanto, que mesmo os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros não são abrangidos.» O Governo do Reino Unido prossegue defendendo que a referência no artigo 133.o, n.o 3, segundo parágrafo às «percentagens e (ao) calendário das reduções previstos no presente Tratado» apenas se aplica ao caso de direitos aduaneiros propriamente ditos. Segundo o Governo do Reino Unido, esta referência visa o calendário das reduções dos direitos aduaneiros constante do artigo 14.o do Tratado. O calendário da eliminação dos encargos de efeito equivalente devia ser fixado por directivas da Comissão nos termos do artigo 13.o n.o 2, do Tratado, mas, para o Governo do Reino Unido, os termos do artigo 133.o, n.o 3, segundo parágrafo, excluem qualquer alusão a directivas dessa natureza.

24.

Por outro lado, a Polinésia francesa e os governos francês e neerlandês defendem que o artigo 133.o se aplica não apenas aos direitos aduaneiros, mas também aos encargos de efeito equivalente. Alegam que, se assim não fosse, a eficácia do artigo seria consideravelmente reduzida. A Polinésia francesa e o Governo francês defendem que esta interpretação é corroborada pela referência contida no artigo 133.o, n.o 2, aos «artigos 12.o, 13.o, 14.o, 15.o e 17.» do Tratado, que prevêem a abolição dos direitos aduaneiros e dos encargos de efeito equivalente. Além disso, o Governo neerlandês defende que o princípio da não discriminação, que os países e territórios são obrigados a respeitar por força do artigo 132.o, n.o 2, e do artigo 133.o, n.o 5, ficaria comprometido se estes continuassem a ter o poder de introduzir encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre as importações provenientes dos Estados-membros e dos outros países e territórios.

25.

A redacção do artigo 133.o não é um modelo de clareza, mas, em meu entender, este deve ser interpretado como abrangendo não apenas os direitos aduaneiros, mas também os encargos de efeito equivalente. O facto de não mencionar expressamente estes últimos não é decisivo: ver os processos apensos 37/73 e 38/73, Diamantarbeiders/Indiamex, n.os 10 e 13 (Recueil 1973, p. 1609). Em meu entender, a expressão «direitos aduaneiros» utilizada no artigo 133.o designa abreviadamente os «direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente«. Uso semelhante desta expressão encontra-se na epígrafe dos artigos 12.o a 17.o do Tratado («A eliminação dos direitos aduaneiros entre os Estados-membros»), ainda que os artigos em causa se ocupem igualmente dos encargos de efeito equivalente. Se as regras do artigo 133.o se aplicassem exclusivamente aos direitos aduaneiros, seria possível contorná-las através da simples introdução de encargos que, embora não sendo direitos aduaneiros em sentido estrito, produzissem contudo o mesmo efeito. O artigo 133.o seria assim esvaziado de sentido. A única forma de evitar tal resultado é interpretar o artigo 133.o de forma a abranger os encargos de efeito equivalente.

26.

Pode encontrar-se apoio para esta interpretação do artigo 133.o nos termos do artigo 132.o, que enuncia os objectivos da associação. O artigo 132.o, n.o 1, dispõe que: «Os Estados-membros aplicarão às suas trocas comerciais com os países e territórios o mesmo regime que aplicam entre si por força do presente Tratado.» Este objectivo geral encontra a sua expressão concreta no artigo 133.o, n.o 1. Ainda que esta última disposição apenas se refira expressamente aos direitos aduaneiros, é obvio que os Estados-membros não têm o direito de instituir direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente nas trocas entre si. Em consequência, o artigo 133.o, n.o 1, apenas constituirá uma concretização do objectivo geral fixado no artigo 132.o, n.o 1, caso a expressão «direitos aduaneiros» da primeira disposição seja interpretada como abrangendo os encargos de efeito equivalente. E certo que as questões submetidas pelo tribunal de reenvio dizem respeito não ao artigo 133.o, n.o 1, mas ao artigo 133.o, n.os 2 e 3, mas, em meu entender, não pode razoavelmente defender-se que o sentido da expressão «direitos aduaneiros» difere de um número do artigo 133.o para outro.

27.

O Governo do Reino Unido alegou na audiência que o facto de se limitar o âmbito de aplicação do artigo 133.o exclusivamente aos direitos aduaneiros não afecta a eficácia deste artigo, mas apenas respeita o papel confiado ao Conselho pelo artigo 136.o, segundo parágrafo. Considero que não se trata de um argumento convincente, dado não explicar a razão pela qual os autores do Tratado teriam pretendido incluir no artigo 133.o disposições que, embora aplicáveis aos direitos aduaneiros propriamente ditos, não abrangeriam encargos com efeitos semelhantes aos direitos aduaneiros.

28.

A abordagem preconizada pela Polinésia francesa e pelos governos francês e neerlandês tem a vantagem de tornar desnecessário lançarmo-nos numa discussão estéril sobre a linha de fronteira entre direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente. Ela não é, em meu entender, incompatível com os termos do artigo 133.o Não posso aceitar a sugestão da Comissão de que a referência dos artigos 12.o e seguintes do Tratado ao artigo 133.o, n.o 2, pode ser razoavelmente entendida como circunscrita aos direitos aduaneiros. As modalidades do tratamento dos direitos aduaneiros e dos encargos de efeito equivalente nos referidos artigos encontram-se estreitamente ligadas, pelo que seria artificial tentar dissociá-las. Além disso, deve notar-se que um dos artigos referidos, o artigo 13.o, se divide em dois números, o primeiro dos quais respeita aos direitos aduaneiros e o segundo aos encargos de efeito equivalente. Ressalta do artigo 133.o, n.o 2, que os dois números são aplicáveis aos países e territórios.

29.

Contrariamente ao argumento invocado pelo Governo do Reino Unido, considero que a referência do artigo 133.o, n.o 3, segundo parágrafo «às percentagens e (ao) calendário das reduções previstos no presente Tratado», é de molde a abranger tanto o calendário para a redução dos direitos aduaneiros previsto no artigo 14.o como o calendário para a supressão dos encargos de efeito equivalente estabelecido no artigo 13.o, n.o 2. Tal como acabo de salientar, esta última disposição é aplicável aos países e territórios por força do artigo 133.o, n.o 2. A interpretação correcta do artigo 133.o, n.o 3, não pode depender da questão de saber se foram efectivamente adoptadas directivas que se ocupam dos encargos de efeito equivalente estabelecidos pelos países e territórios.

30.

O Reino Unido atribui alguma importância ao contraste entre o artigo 70.o, n.o 1, da Decisão 86/283, que como referi, menciona os encargos de efeito equivalente aos direitos aduaneiros, e o artigo 74.o da mesma decisão, que se refere apenas aos direitos aduaneiros. Defende que a referência, no artigo 70.o, n.o 1, aos encargos de efeito equivalente corrobora a tese segundo a qual a expressão «direitos aduaneiros», tanto na Decisão 86/283 como no artigo 133.o, não abrange esses encargos.

31.

Note-se que, tal como o artigo 70.o, n.o 1, o artigo 75.o, n.o 1, da Decisão 86/283 visa igualmente os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente. Além disso, as disposições equivalentes ao artigo 70.o, n.o 1, nas decisões que antecederam a Decisão 86/283 mencionam todas os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente ao tratarem das condições em que os produtos provenientes dos países e territórios devem ser admitidos nos Estados-membros: ver a Decisão 64/349, artigo 1.o, n.o 1, a Decisão 70/549, artigo 2.o, n.o 1, a Decisão 76/568, artigo 2.o, n.o 1, e a Decisão 80/1186, artigo 3.o, n.o 1. As disposições destas decisões relativas ao tratamento aduaneiro concedidos pelos países e territórios aos produtos originários da Comunidade ou de outros países ou territórios não apresentam, no entanto, o mesmo grau de coerência. O artigo 2.o da Decisão 64/349 e o artigo 3.o da Decisão 70/549 mencionam neste contexto os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente, enquanto o artigo 5.o da Decisão 76/568 e o artigo 6.o da Decisão 80/1186, tal como o artigo 74.o da Decisão 86/283, se referem apenas aos direitos aduaneiros.

32.

Mais uma vez, não há explicação, nos considerandos das últimas decisões, para a omissão, nas disposições relativas às importações nos países e territórios, de qualquer referência aos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros. Em meu entender, os termos da Decisão 86/283, tal como os das decisões que a precederam, fornecem quando muito uma indicação quanto ao modo como as instituições em causa interpretaram o artigo 133.o nos períodos em causa. É possível que a modificação introduzida na formulação aquando da adopção da Decisão 76/568 tenha traduzido simplesmente o desejo de fazer corresponder os termos da decisão aos do Tratado. Seja qual for a explicação para esta alteração, os pontos de vista das instituições relativamente à interpretação correcta do artigo 133.o, mesmo quando possam ser claramente identificados, não são mais que argumentos de carácter persuasivo, sendo evidente que não podem vincular o Tribunal de Justiça. Os termos das disposições aplicáveis da Decisão 86/283 não afectam, assim, a conclusão a que cheguei a propósito do âmbito de aplicação do artigo 133.o

Conclusão

33.

Considero, assim, que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo devem ser respondidas da seguinte forma:

«1)

O artigo 133.o do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se aplica tanto aos direitos aduaneiros como aos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros.

2)

Os países e territórios, aos quais se aplica o regime especial de associação estabelecido na quarta parte do Tratado CEE, podem introduzir direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre as importações provenientes dos Estados-membros e outros países e territórios, desde que:

a)

os direitos ou encargos correspondam às necessidades do desenvolvimento e da industrialização do país ou território em causa ou produzam receita para os seus orçamentos, e

b)

a introdução de direitos ou encargos não origine, de direito ou de facto, qualquer discriminação directa ou indirecta entre importações provenientes dos diversos Estados-membros ou de outros países ou territórios.

3)

A análise das questões submetidas não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade do artigo 74.o da Decisão 86/283/CEE do Conselho, de 30 de Junho de 1986.»


( *1 ) Língua original: inglês.