CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

CLAUS GULMANN

apresentadas em 13 de Dezembro de 1991 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

O objecto do presente processo é, em suma, o seguinte:

Em finais de 1988, o Parlamento Europeu organizou um concurso geral destinado a prover um lugar de chefe de divisão para dirigir o Serviço de Informação de Paris.

Jean-Louis Búrban, funcionário do grau A 4 do Parlamento, desejou participar no concurso e, em consequência, enviou o formulário do seu acto de candidatura. Todavia, o júri não o admitiu ao concurso com base em não ter juntado os documentos comprovativos dos estudos e experiência profissional que invocava no acto de candidatura. Após esta rejeição, houve uma troca de notas entre o júri e J. L. Búrban que contestava a justeza da decisão do júri. J. L. Búrban referia, em particular, não ter enviado os documentos comprovativos dado ter contactado o chefe do serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal», da Divisão do Pessoal do Parlamento, que o informou de que os anexos necessários para o exame da sua candidatura, que se encontravam no seu processo pessoal, seriam directamente enviados ao júri pela administração do Parlamento. Entretanto, o júri manteve a sua decisão.

J. L. Búrban interpôs um recurso contra o Parlamento destinado à anulação da decisão do júri. Por acórdão de 20 de Junho de 1990, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso ( 1 ). J. L. Búrban recorreu deste acórdão para o Tribunal de Justiça. Considera incorrecto que o erro por si cometido, ao não ter juntado ao formulário do seu acto de candidatura os documentos comprovativos necessários, tenha tido consequências tão graves. Com efeito, o erro revestia um carácter puramente formal que era de fácil correcção. De resto, o recorrente considera que, por força das circunstâncias particulares, havia que lhe dar, precisamente, essa possibilidade. Em primeiro lugar, porque, em qualquer caso, um dos membros do júri estava perfeitamente consciente de que o recorrente preenchia as condições substanciais para participar no concurso e, em segundo lugar, por que o erro residia no facto de se ter cingido às informações que recebeu do já referido funcionário do Parlamento, que devia estar ao corrente do processo que convinha seguir.

A decisão do Tribunal de Primeira Instância testemunha, de acordo com J. L. Búrban, um excessivo formalismo. O recorrente reuniu estas considerações num único fundamento que alega em apoio do seu recurso, a saber, que o acórdão impugnado contém uma violação e uma interpretação errada do dever de solicitude face aos funcionários assim como do princípio da boa administração. Considera que resulta destes princípios que lhe devia ter sido dada a oportunidade de apresentar posteriormente os documentos comprovativos necessários ao exame da sua candidatura.

No que se refere às particularidades da situação de facto do presente processo e às considerações jurídicas desenvolvidas pelas partes, remete-se para o acórdão do Tribunal de Primeira Instância e para o relatório para audiência.

2. 

Refira-se desde já que, em minha opinião, o Tribunal de Primeira Instância chegou ao resultado correcto. Os considerandos relevantes são os n.os 21 a 40 dos fundamentos do acórdão, aos quais posso aderir.

Importa realçar que, longe de traduzir um excessivo formalismo jurídico, a decisão litigiosa se baseia em princípios de direito administrativo essenciais, que também são aplicáveis à organização de concursos. Neste domínio, a gestão deve assegurar, simultaneamente, uma igualdade de tratamento entre os candidatos e uma tramitação das operações do concurso, tão rápida e racional quanto possível, tendo em conta que os candidatos têm o direito de exigir uma apreciação objectiva.

3. 

E pacífico, no caso vertente, que:

em varios sítios do aviso do concurso se mencionava que os documentos comprovativos necessários para a apreciação das candidaturas deviam ser transmitidos antes de expirar o prazo de candidatura;

também era claramente indicado no aviso do concurso que esta obrigação de prova se aplicava de igual modo aos funcionários e outros agentes do Parlamento; e

se assinalava que a consequência jurídica da falta de envio dos documentos comprovativos dentro do prazo fixado consistia na recusa da admissão do interessado ao concurso.

De facto, é habitual exigir a apresentação de tais documentos comprovativos e, em caso de inobservância, atribuir a consequência jurídica, acima indicada.

Nos concursos organizados pelas instituições podem haver centenas e mesmo milhares de candidatos. Há, portanto, que definir regras claras e fáceis de gerir. Está implícito, e ao mesmo tempo conforme à justa repartição de tarefas, que a apresentação dós documentos comprovativos exigidos incumbe aos candidatos ( 2 ). O júri não pode ter por tarefa apreciar a razão do não cumprimento da obrigação de apresentar os documentos comprovativos. E evidente que o júri não pode ter uma obrigação positiva de verificar — por exemplo, consultando os processos dos candidatos internos — que oś candidatos satisfazem de facto as condições exigidas no caso concreto. O, júri também não pode ter por tarefa apreciar se um candidato que não enviou os documentos necessários estará em condições de remediar essa falta e, em caso afirmativo, se existem razões de carácter mais ou menos absoluto que justifiquem dar tal oportunidade ao interessado. O júri ver-se-ia confrontado dessa maneira com uma tarefa que poderia ser extremamente pesada e que implicaria, em qualquer caso, difíceis questões de delimitação.

O aviso de concurso é, portanto, a justo título, inequívoco neste ponto. Compete aos candidatos apresentar os documentos comprovativos necessários para efeitos do exame da sua candidatura e o júri não tem a faculdade de admitir candidatos que não tenham satisfeito esta exigência.

Essa regra clara constitui, igualmente, uma boa base de partida para assegurar o respeito do princípio da igualdade de tratamento entre candidatos, incluindo a igualdade de tratamento entre candidatos internos e externos.

Nestas condições, o dever de solicitude da administração e o princípio da boa administração não podem ser invocados pelos candidatos com vista a obterem o direito de obviarem a um erro cometido em ligação com a apresentação de documentos comprovativos.

4. 

Isto é igualmente válido a respeito de J. L. Burban. As circunstâncias particulares que alega, supostamente pugnando em favor de uma autorização que lhe permita remediar o erro cometido, não são de natureza a permitir uma derrogação da condição claramente enunciada no aviso do concurso.

Não há que insistir na circunstância de um dos membros do júri ter conhecimento de que J. L. Búrban preenchia as condições exigidas em matéria de exames e experiência profissional. Esta casualidade não pode fundamentar uma excepção às exigências claras e apropriadas enunciadas no aviso de concurso, no que respeita aos documentos comprovativos. Pelo contrário, tal excepção criaria uma discriminação em relação aos outros candidatos cujas candidaturas deveriam ser afastadas porque, por casualidade, o júri não incluía um membro que os conhecesse.

J. L. Búrban alega que tinha cabimento permitir-lhe rectificar o erro uma vez que este resultava de informações que havia recebido de um funcionário do Parlamento. O Tribunal de Primeira Instância tomou posição sobre este argumento sem decidir, de forma definitiva, se tais informações erradas tinham sido dadas a J. L. Búrban, tendo o Tribunal de Primeira Instância considerado que as informações que o interessado invocava, «à les supposer établis et pour regrettables qu'ils soient» (a dá-las como provadas e por lamentável que seja), não eram de molde a dar-lhe ganho de causa. Partilho, quanto a este ponto, a opinião do Tribunal de Primeira Instância.

J. L. Burban não pode invocar declarações cujo teor é contrário às regras claramente fixadas sobre o desenrolar das operações do concurso, proferidas por um funcionário que não tinha competência para este assunto. É manifesto que o funcionário em causa não tinha qualquer competência para alterar a obrigação de anexar os documentos comprovativos, tal como a autoridade investida do poder de nomeação tinha definido, sem ambiguidade, no aviso de concurso. As declarações deste funcionário não podem habilitar ou — a fortiori — obrigar o júri ou a AIPN a agirem em violação do aviso de concurso. Esta opinião é corroborada, além do mais, pela jurisprudência segundo a qual não é possível invocar declarações contrárias ao Estatuto; remeto a este respeito para o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Vlachou ( 3 ) bem como para as conclusões do advogado-geral Warner no processo Dautzenberg ( 4 ).

5. 

Além disso, J. L. Búrban alega que resulta da jurisprudencia do Tribunal de Justiça que o júri estava, em virtude do dever de solicitude e do princípio da boa administração, obrigado a aplicar a disposição do segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do Estatuto, de acordo com o qual podem ser exigidos aos candidatos documentos ou informações complementares. A este respeito, J. L. Búrban invocou os acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas ( 5 ), e de 4 de Fevereiro de 1987, Maurissen/Tribunal de Contas ( 6 ). Em minha opinião, este argumento nãp resiste à análise. Em primeiro lugar, pesa sobre esta tese a presunção em contráriò, dado que tal obrigação não resulta da redacção da já citada disposição. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou, no seu acórdão de 25 de Abril de 1978, Allgayer/Parlamento ( 7 ), que um júri não tem tal obrigação. Os dois acórdãos invocados por J. L. Burban não modificaram o estado do direito na matéria. Estes dois acórdãos diziam respeito a situações

relativas a concursos internos;

comportando um número reduzido de candidatos;

nas quais os funcionários em questão tinham transmitido os documentos comprovativos dentro do prazo de apresentação das candidaturas; e

nas quais o júri tinha decidido utilizar a faculdade de exigir informações complementares, prevista no segundo parágrafo do artigo 2.

Correctamente considerados, os dois acórdãos relacionam-se, pois, com a questão de saber como deve ser utilizada a faculdade prevista no segundo parágrafo do artigo 2.°, uma vez que se decida utilizar essa faculdade.

6. 

Em consequência, J. L. Búrban não pode obter provimento no seu recurso: No que se refere às despesas, deveriam ser suportadas, em minha opinião, pelo recorrente. Todavia, resulta da conjugação das disposições do n.° 2 do artigo 69.° com as do artigo 122.° do Regulamento de Processo que a parte vencida apenas é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. No seu pedido, o Parlamento convidou o Tribunal de Justiça a decidir sobre as despesas em conformidade com as disposições do Regulamento de Processo. Este pedido dificilmente se pode interpretar como um pedido de condenação nas despesas. Em consequência, cada parte deve suportar as suas próprias despesas.

7. 

Perante as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso, suportando cada parte as suas despesas.


( *1 ) Língua original: dinamarquês.

( 1 ) Burban/Parlamemo (T-133/89, Colect., p. II-245).

( 2 ) O Tribunal de Justiça decidiu várias vezes que compete aos candidatos — e não ao júri — apresentar os documentos comprovativos que permitam ao júri apreciar, se os candidatos preenchem as condições substanciais para poderem participar no concurso, por exemplo, no acórdão de 12 de Julho de 1989, Belardinelli/Tribunal de Justiça (225/87, Colect., pp. 2353, 2384).

( 3 ) Acórdão de 6 de Fevereiro de 1986, Vlachou/Tribunal de Contas (162/84, Colect., pp. 481, 491).

( 4 ) Acórdão de 28 de Outubro de 1980, Dautzenberg/Tribunal de Justiça (2/80, Recueil, pp. 3107, 3121).

( 5 ) Acórdão de 23 de Outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas (321/85, Colect., p. 3199).

( 6 ) Acórdão de 4 de Fevereiro de 1987, Maurissen/Tribunal de Contas (417/85, Colect., p. 551).

( 7 ) Allgayer/Parlamento (74/77, Recueil, p. 977). Neste processo, o júri de um concurso geral documental e por prestacão de provas tinha recusado admitir às provas escritas uma candidata, funcionária da Comissão, por não ter sido possível atribuir-lhe, com base nos diplomas por ela enviados, a pontuação exigida no aviso de concurso para poder participar nas provas escritas. A funcionária exigiu poder apresentar, documentos complementares. O Tribunal de Justiça, no n.° 9 do acórdão, considerou o seguinte:

«A recorrente compreendeu a necessidade de apresentar um processo completo ao ter anexado documentos supérfluos, tais como a cópia do seu diploma de estudos de nível secundário superior e a do seu diploma dó curso geral do ensino secundário, cuja detenção era evidente tendo em conta o seu diploma universitário;

No caso de um concurso documental é obrigatório, pela própria natureza do concurso, que os diplomas sejam anexados ao acto de candidatura, não tendo o júri a obrigação de os pedir aos candidatos;

Se a recorrente não juntou ao seu acto de candidatura os certificados, que posteriormente enviou, a culpa é exclusivamente sua e deve suportar as consequências daí decorrentes;

Deve, aliás, sublinhar-se que, de acordo com os critérios objectivos de base adoptados pelo júri para apreciar os diplomas dos candidatos, esses certificados não podiam ser tomados em consideração.»