CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 7 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

No presente processo, a Bestendige Deputatie (Deputação Permanente) do Provincieraad (Conselho Provincial) do Brabant, na Bélgica, submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do artigo 33.° da Sexta Directiva IVA (Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54). O artigo 33.° tem o seguinte teor:

«Salvo o disposto noutras normas comunitarias, as disposições da presente directiva não impedem um Estado-membro de manter ou introduzir impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos específicos, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios.»

O litígio incide sobre o significado da expressão «impostos sobre o volume de negócios», para efeitos dessa disposição.

2. 

O processo na causa principal tem origem num aviso de cobrança dirigido à sociedade NV Giant pela comuna de Overijse para pagamento de um imposto referente ao ano de 1988. Esse imposto baseia-se num regulamento local de 2 de Março de 1983, aprovado pela Deputação Permanente em 31 de Dezembro de 1983, nos termos do qual quem organize, na área da comuna, espectáculos ou divertimentos públicos e cobre um preço de entrada aos assistentes ou participantes fica sujeito a um imposto especial sobre o montante bruto de todas as receitas. O imposto em questão é aplicado ao montante integral das receitas referentes à venda de entradas, alugueres e guarda-roupa, venda de programas ou de carnets de baile, ao produto dos consumos e a quaisquer outras importâncias recebidas. O aviso de cobrança emitido pela comuna refere-se a uma sala de baile explorada pela sociedade Giant e é relativo a um imposto liquidado sobre as suas receitas à taxa de 25 %.

3. 

A Giant interpôs recurso desse aviso de cobrança na Deputação Permanente do Conselho Provincial do Brabant, sustentando que o imposto em litígio constitui, em substância, um imposto sobre o volume de negócios, na acepção do artigo 33.° da Sexta Directiva IVA, pelo que a comuna não tem o direito de o cobrar. A Deputação Permanente submeteu a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça:

«Infringe a proibição, que consta do artigo 33.° da Directiva 77/388/CEE, de introduzir outros impostos sobre o volume de negócios distintos do IVA, o regulamento tributário de 2 de Março de 1983 da comuna de Overijse, nos termos do qual quem organize habitual ou ocasionalmente na área da comuna espectáculos ou divertimentos públicos e cobre um preço de entrada aos assistentes ou participantes fica sujeito a um imposto especial sobre o montante bruto do produto das receitas das entradas e que, em especial no que se refere às salas de baile e restaurantes anexos, introduz um imposto anual de 25 % sobre o montante integral das receitas resultantes das entradas, alugueres e vestiários, da venda de programas ou de carnets de baile, do produto dos consumos e sobre as quotizações ou retribuições que substituam ou completem as referidas entradas ou preços, bem como quaisquer outras importâncias recebidas?»

4. 

O Tribunal de Justiça não pode responder à questão tal como está formulada, dado que se pede uma decisão a título prejudicial sobre a compatibilidade com a Sexta Directiva IVA de uma disposição específica do direito nacional. Ora, é princípio assente que o Tribunal de Justiça não é competente para proferir tal decisão no âmbito de um processo nos termos do artigo 177.° Por conseguinte, proponho que a questão seja interpretada como perguntando essencialmente se uma disposição com as características do regulamento local impugnado é compatível com o artigo 33.° da directiva.

5. 

Antes de analisar a substância da questão, é necessário interrogarmo-nos sobre a competência da Deputação Permanente para fazer uso do processo previsto no artigo 177.° Esse processo apenas pode ser utilizado por um «órgão jurisdicional de um dos Estados-membros», pelo que se suscita a questão de saber se a Deputação Permanente é um órgão desse tipo.

6. 

Na Bélgica, cada Conselho Provincial elege entre os seus membros uma Deputação Permanente que actua sob a presidência do governador da província, nomeado pelo rei. O papel da Deputação Permanente é principalmente de tipo administrativo, mas, por razões históricas, ela é também competente para os litígios que tenham por objecto impostos locais. No exercício dessa competência, a Deputação Permanente decide em audiência pública com respeito do princípio do contraditório, devendo fundamentar as suas decisões.

7. 

A competência da Deputação Permanente para conhecer dos litígios em matéria de impostos locais tem por base, presentemente, uma lei belga de 23 de Dezembro de 1986{Moniteur belge de 12.2.1987, p. 1993). O artigo 7.° dessa lei dispõe que quando um litígio tenha por objecto um montante superior a 10000 BFR, há recurso das decisões da Deputação Permanente para uma cour d'appel. Quando a importância em litígio seja inferior a 10000 BFR, a Deputação Permanente decide em última instância, podendo, todavia, as suas decisões ser objecto de recurso de cassação (limitado a questões de direito).

8. 

À luz destas indicações, não tenho dúvidas de que a Deputação Permanente deve, nas circunstâncias da causa principal, ser considerada um órgão jurisdicional de um Estado-membro, na acepção do artigo 177.° Portanto, a sua competência para submeter ao Tribunal de Justiça um pedido a título prejudicial nos termos desse artigo não pode ser posta em causa.

9. 

No que se refere à substância da questão prejudicial submetida, resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito comunitário não comporta, no seu estado actual, qualquer limite à competência dos Estados-membros para introduzir impostos distintos dos impostos sobre o volume de negócios: ver os acórdãos de 13 de Julho de 1989, Wisselink, n.° 13 (93/88 e 94/88, Colect., p. 2671), e de 13 de Março de 1988, Bergandi, n.° 10 (252/86), Colect., p. 1343). Acresce que o facto de um imposto ser cobrado sobre uma transacção já sujeita a IVA e de daí poder resultar uma dupla tributação dessa transacção não significa necessariamente que esse imposto constitua um imposto sobre o volume de negócios para os efeitos do artigo 33.° da Sexta Directiva IVA: ver o acórdão de 8 de Julho de 1986, Kerrut, n.° 22 (73/85, Colect., p. 2219), e o acórdão de 13 de Julho de 1989, Wisselink, já referido, n.o 14.

10. 

Nos termos do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Wisselink, o artigo 33.° tem por objectivo «impedir que o funcionamento do sistema comum de IVA seja comprometido por medidas fiscais de um Estado, que onerem a circulação dos bens e dos serviços e tributem as transacções comerciais de modo comparável ao que caracteriza o IVA» (n.° 17). Portanto, é necessário determinar se o imposto local em causa nos presentes autos é cobrado de forma comparável ao IVA e se, por conseguinte, compromete o funcionamento do sistema comum de IVA.

11. 

As características essenciais do sistema de IVA foram descritas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Wisselink do seguinte modo:

«O princípio do sistema comum de IVA consiste [...] em aplicar aos bens e serviços, até ao estádio do comércio a retalho, um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação. Todavia, em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado só é exigível com prévia dedução do montante do IVA que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço; o mecanismo das deduções é regulado [...] de modo que permite aos sujeitos passivos deduzir do IVA de que são devedores os montantes deste imposto que já incidiram sobre os bens a montante» (n.° 18).

12. 

Como refere a Comissão, o imposto controvertido difere do IVA em vários aspectos. Em primeiro lugar, não é de aplicação geral: aplica-se apenas dentro de uma determinada área geográfica e a uma categoria limitada de bens e serviços (ver acórdão Wisselink, n.° 20). Acresce que, uma vez que se aplica às receitas brutas e não ao valor acrescentado no estádio de cada transacção, não é possível determinar com precisão a parte do imposto aplicado a cada venda ou prestação de serviços que pode ser considerada como tendo sido repercutida no consumidor.

13. 

Contudo, em meu entender, existe ainda uma diferença mais fundamental entre o imposto controvertido e o IVA. Como resulta claramente do n.° 11 do acórdão Wisselink, o IVA é cobrado em cada estádio do processo de produção e de distribuição. Os sujeitos passivos podem deduzir do montante do imposto devido o IVA que já tenha onerado os bens. Ora, o imposto controvertido não apresenta estas características, que são essenciais para o sistema do IVA.

14. 

Concluo, pois, que o imposto em questão não é cobrado de forma comparável ao IVA e não é susceptível de comprometer o funcionamento do sistema de IVA. Em meu entender, não constitui, portanto, um imposto sobre o volume de negócios, na acepção do artigo 33.° da Sexta Directiva IVA.

15. 

Por conseguinte, considero que a questão submetida pela Deputação Permanente deve ser respondida da seguinte forma:

«Um imposto local aplicado anualmente às salas de baile e restaurantes anexos que tem por objecto as receitas de entradas, alugueres e guarda-roupa, venda de programas ou de carnets de baile, o produto dos consumos e quaisquer outras importâncias recebidas não constitui um imposto sobre o volume de negócios, na acepção do artigo 33.° da Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977.»


( *1 ) Língua original: inglês.