ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

22 de Novembro de 1990 ( *1 )

No processo T-54/89,

Sr.a V. ( 1 ), antiga agente temporária do Parlamento Europeu, residente em Bruxelas, representada pelos advogados Cristina Pagni, do foro de Milão, e Andrea Guarino, do foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Alain Lorang, 51, rue Albert-1er,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por Jorge Campinos, jurisconsulto, e Manfred Peter, chefe de divisão, na qualidade de agentes, e, na audiência, por Aloyse May, advogado no foro do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto a anulação do relatório da comissão de invalidez encarregada de examinar o caso da recorrente, bem como de diversas decisões do Parlamento Europeu relativas, respectivamente, à recusa em conceder à recorrente o benefício do regime de invalidez, à recusa em reconhecer o atestado médico de interrupção de actividade apresentado pela recorrente, à rescisão do seu contrato de agente temporário e à rejeição das diversas reclamações apresentadas pela recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

constituído pelos Srs. D. A. O. Edward, presidente, R. Schingten e R. García-Valdecasas, juízes,

secretario: H. Jung

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 4 de Julho de 1990,

profere o presente

Acórdão

Factos que deram origem ao recurso

1

A recorrente foi admitida em 10 de Julho de 1981 como agente temporária do grau C 1 no grupo do Partido Popular Europeu (a seguir «grupo do PPE») do Parlamento Europeu (a seguir «Parlamento»). No decurso dos anos que se seguiram, as suas faltas, por doença, acumuladas excederam doze meses num período de três anos. De acordo com a recorrente, tais ausências deveram-se, numa primeira fase, a uma ptose renal que se manifestou pelo aparecimento súbito de dores lancinantes e por um estado de prostração física, e, em seguida, por uma depressão psicológica. A recorrente apresentou atestados médicos relativamente a algumas dessas ausências.

2

Nos termos das disposições do quarto parágrafo do n.o 1 do artigo 59.o do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), aplicável aos agentes temporários nos termos do artigo 16.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades Europeias (a seguir «RAA»), a recorrente foi submetida a um primeiro processo que visava determinar a eventual existência de invalidez. A comissão de invalidez, reunida em 20 de Novembro de 1986, concluiu que a recorrente não padecia de invalidez total que a impedisse de exercer as funções correspondentes a um lugar da sua carreira e que, assim, devia retomar as suas funções. O membro da comissão de invalidez designado pela recorrente, o Dr. Boccardo, manifestou, contudo, o seu desacordo com essa conclusão. A recorrente foi informada do parecer da comissão por carta de 5 de Dezembro de 1986 do director-geral do Pessoal, do Orçamento e das Finanças (a seguir «director-geral»), que a intimava a retomar o trabalho. A recorrente retomou o trabalho em 6 de Janeiro de 1987.

3

Após numerosas ausências posteriores e a pedido do médico do Parlamento, a recorrente foi examinada pelo Dr. Van Roost, nefrólogo em Bruxelas, que declarou que:

«Os elementos do exame clínico e o estudo cuidadoso de todos os documentos apresentados pela Sr.a V. não permitem concluir pela existência de invalidez permanente total que a coloque na impossibilidade de exercer as suas funções de secretária.»

4

Tendo a recorrente faltado novamente por diversas vezes, a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») decidiu, em 14 de Julho de 1987, submeter o seu caso a uma nova comissão de invalidez. A recorrente designou o Dr. Boccardo e o Parlamento o Dr. Di Paolantonio para dela fazerem parte. Estes dois médicos, contudo, não chegaram a acordo quanto à designação do terceiro membro, bem como à obrigação, por parte da administração, de transmitir ao Dr. Boccardo cópia da totalidade do dossier médico da recorrente.

5

Por carta de 6 de Outubro de 1987, o Dr. Di Paolantonio escreveu ao Dr. Boccardo o seguinte:

«As exigências formuladas pela Sr.a V. a respeito da escolha do terceiro médico (cultura e mentalidade italianas, distanciamento em relação ao local de trabalho da interessada) estão reunidas na pessoa do médico que escolheu para a representar, mas o terceiro médico deve, nos termos do Estatuto, ser escolhido de comum acordo pelos dois outros médicos da comissão de invalidez.

Venho confirmar não me ser possível aceitar os médicos que me propôs nas cartas de 26 de Agosto e de 19 de Setembro de 1987 e lamento que não tenha podido aceitar as candidaturas que propus na minha carta de 11 de Setembro de 1987. Assim sendo, proponho como terceiro médico o Prof. Alexandre, especialista em nefrologia de reputação mundial, que trabalha na Clínica Universitária Saint-Luc, em Bruxelas.

No que se refere ao processo da Sr.a V. ... Em Março de 1984, foi por si consultada no contexto do exame médico anual. Todos os elementos médicos posteriores a essa data foram-me transmitidos pela interessada e por si próprio, pelo que penso não ser necessário transmitir-lhe ‘uma cópia dessas cópias’.»

6

Por carta de 17 de Outubro de 1987, o Dr. Boccardo respondeu ao Dr. Di Paolantonio:

«Estou em condições ... de confirmar a resposta que lhe dei telefonicamente em 12 de Outubro de 1987: não tenho qualquer objecção em relação ao Prof. Alexandre, da Universidade de Bruxelas, como terceiro membro da comissão de invalidez.

Quero, contudo, sublinhar as condições que desejaria ver aceites antes de dar o meu acordo definitivo quanto ao nome que me propôs:

1)

como é a segunda vez que aceito pessoas por si propostas, no caso de o Prof. Alexandre não aceitar integrar a comissão, a eventual próxima escolha será feita de entre diversas pessoas por mim propostas, com exclusão dos nomes que anteriormente recusou, ainda que sem razão especial;

2)

não considero suficiente o relatório em que resume o dossier médico da minha doente, pelo que a comissão de invalidez apenas será convocada quando tiver recebido cópia de toda a correspondência relativa à minha doente (visitas de fiscalização, intervenções de assistência durante o trabalho, terapias e outras) e de qualquer outro documento que não esteja em minha posse por ter sido enviado por meu intermédio ao Serviço Médico do Parlamento.»

7

Em 26 de Outubro de 1987, considerando inaceitáveis as condições propostas pelo Dr. Boccardo, o Parlamento solicitou ao presidente do Tribunal de Justiça, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 7o do anexo II do Estatuto, a designação oficiosa do terceiro membro da comissão de invalidez. Foi designado o Dr. Pouthier, médico do Serviço de Nefrologia do Centro Hospitalar do Luxemburgo, facto de que o Dr. Boccardo foi informado por carta do director-geral, de 12 de Novembro de 1987.

8

Em 26 de Janeiro de 1988, a comissão de invalidez reuniu-se durante cinco horas e quarenta minutos. No decurso dessa reunião foi analisada a generalidade dos problemas médicos, físicos e psicológicos da recorrente. O Dr. Di Paolantonio e o Dr. Pouthier recusaram-se a assinar um projecto de 98 páginas preparado pelo Dr. Boccardo que concluía pela colocação da recorrente no regime de invalidez.

9

O Dr. Pouthier não quis, além disso, assinar qualquer documento durante a sessão, por desejar obter informações complementares. Declarou que daria a conhecer as suas conclusões num prazo bastante breve. Não foi redigida qualquer acta da reunião da comissão.

10

Em 27 de Janeiro de 1988, o Dr. Di Paolantonio redigiu um relatório médico de quatro páginas e um projecto de conclusões que submeteu aos seus dois colegas. Em 1 de Fevereiro de 1988, no final do prazo que se reservara, o Dr. Pouthier concluiu no sentido de partilhar o parecer do Dr. Di Paolantonio, assinando as conclusões por este propostas. Em 8 de Fevereiro de 1988, o Dr. Boccardo informou os seus dois colegas de que se recusava a assinar as citadas conclusões, solicitando uma nova reunião da comissão de invalidez.

11

Em 19 de Fevereiro de 1988, o Dr. Di Paolantonio informou o director-geral do que ocorrera na reunião, transmitindo-lhe cópia das conclusões a que chegara a comissão de invalidez.

12

Em 24 de Fevereiro de 1988, por carta com o n.o 05170, o director-geral informou o Dr. Boccardo de que, tendo dois médicos assinado as mesmas conclusões, entendia constituírem estas o parecer da maioria da comissão de invalidez e, em consequência, dava por concluídos os trabalhos da citada comissão. Por carta da mesma data, com o n.o 05169, o director-geral remeteu à recorrente, sem comentários, as conclusões da comissão de invalidez.

13

Por carta do mesmo dia, o presidente do grupo do PPE, na sua qualidade de AIPN, notificou a recorrente da rescisão do seu contrato, nos termos das disposições da alínea a) do n.o 2 do artigo 47.o do RAA. Esclarecia que o prazo de pré-aviso começaria a correr em 1 de Março de 1988, findando em 31 de Maio de 1988.

14

Entretanto, a recorrente transmitira à administração um atestado de baixa por um período de dois meses, datado de 23 de Fevereiro de 1988 e assinado pelo Dr. Verreydt. Por carta de 26 de Fevereiro de 1988, com o n.o 05531, o director-geral informou a recorrente de que o referido atestado fora recusado pela instituição, «atendendo às conclusões da comissão de invalidez encarregada de examinar o seu caso ... e com base na proposta do nosso medico», intimando-a a retomar imediatamente as suas funções. O atestado em causa não mencionava as razões médicas justificativas da baixa. De acordo com a recorrente, fora hospitalizada para uma lavagem ao estômago.

15

A recorrente apresentou então um segundo atestado, com data de 1 de Março de 1988, também assinado pelo Dr. Verreydt, em que se previa uma interrupção do trabalho de 1 de Março a 1 de Junho de 1988.

16

Em 7 de Março de 1988, o Dr. Vandenitte, médico do Parlamento, efectuou, na sequência de uma conversa telefónica com o médico da recorrente, uma visita de controlo ao domicílio da recorrente. Considerou estar a recorrente, nessa data, apta para trabalhar.

17

Por nota de 3 de Maio de 1988, que deu entrada no Parlamento em 24 de Maio de 1988, a recorrente apresentou uma reclamação da decisão do presidente do grupo do PPE, de 24 de Fevereiro de 1988, e da decisão n.o 05531 do director-geral, de 26 de Fevereiro de 1988, recusando o atestado médico passado em 23 de Fevereiro de 1988.

18

Por outra nota, de 16 de Maio de 1988, que deu entrada em 24 de Maio de 1988, a recorrente solicitou, por um lado, a anulação da decisão n.o 05169 do director-geral, de 24 de Fevereiro de 1988, na medida em que assume as conclusões da comissão de invalidez, e, por outro, a continuação do processo de colocação em regime de invalidez.

19

Em 22 de Agosto de 1988, a AIPN indeferiu expressamente as duas reclamações.

Tramitação processual

20

Foi assim que, por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Novembro de 1988, a recorrente interpôs o presente recurso contra o Parlamento, registado sob o n.o 336/88.

21

A fase escrita do processo desenrolou-se integralmente perante o Tribunal de Justiça. Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 14.o da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, que instituiu o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, remeteu o processo para este Tribunal, em que ficou registado sob o n.o T-54/89.

22

Com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

23

Após dois adiamentos, a audiência teve finalmente lugar em 4 de Julho de 1990. Os representantes das partes apresentaram as suas alegações e responderam às questões colocadas pelo Tribunal.

24

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1)

anular os seguintes actos do Parlamento:

a)

o relatório da comissão de invalidez relativo à existência de invalidez da recorrente, que lhe foi remetido em 24 de Fevereiro de 1988,

b)

a decisão n.o 05169 do director do pessoal do Parlamento, na medida em que aceita implicitamente e assume o relatório da comissão de invalidez e recusa a atribuição à recorrente do benefício do regime de invalidez,

c)

a decisão n.o 05531 do director do pessoal do Parlamento, de 26 de Fevereiro de 1988, que recusou o atestado médico de baixa por doença apresentado pela recorrente e a intimou a retomar o trabalho,

d)

a decisão do presidente do grupo do Partido Popular Europeu — na qualidade de autoridade investida do poder de nomeação — de rescindir o contrato de trabalho da recorrente como agente temporária do Parlamento, do grau C 1/5, junto do grupo do Partido Popular Europeu,

e)

a decisão adoptada pelo presidente do grupo do Partido Popular Europeu — na qualidade de autoridade investida do poder de nomeação —, na medida em que constitui indeferimento da reclamação da decisão n.o 05169, do director do pessoal, formulada pela recorrente em 16 de Maio de 1988, nos termos do n.o 2 do artigo 90.o do Estatuto,

f)

a decisão do presidente do grupo do Partido Popular Europeu — na qualidade de autoridade investida do poder de nomeação —, na medida em que indeferiu a reclamação da decisão da AIPN de rescindir o seu contrato de trabalho, formulada pela recorrente em 3 de Maio de 1988, nos termos do n.o 2 do artigo 90.o do Estatuto;

2)

garantir à recorrente o direito a ser submetida a um processo regular de avaliação da existência de um estado de invalidez física e psíquica;

3)

condenar o recorrido:

a)

no pagamento integral dos salários que lhe são devidos, na qualidade de agente temporária do Parlamento, desde 31 de Maio de 1988, acrescidos dos juros de mora à taxa bancária corrente,

b)

no pagamento das despesas e honorários dos advogados.

25

O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1)

negar provimento ao recurso;

2)

decidir sobre as despesas nos termos das disposições estatutárias aplicáveis.

Quanto à matéria de fundo

26

Justificando o pedido, a recorrente invocou, nos articulados, um conjunto de fundamentos que, no decurso da audiência, foram resumidos pelo representante da recorrente da seguinte forma:

a comissão de invalidez foi.constituída de forma irregular, visto o seu terceiro membro ter sido designado, a pedido do Parlamento, pelo presidente do Tribunal de Justiça, quando as partes estavam de acordo quanto ao nome do Prof. Alexandre;

os trabalhos dessa comissão não se desenrolaram de forma colegial, nos termos dos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 10 de Dezembro de 1987, Jansch/Comissão (277/84, Colect., p. 4923);

os trabalhos da referida comissão padecem de um vício processual essencial, por não existirem actas;

a decisão de rejeitar a concessão à recorrente do benefício do regime de invalidez é irregular por ter sido tomada por pessoa incompetente, por não ter a qualidade de AIPN, e estar desprovida de qualquer fundamentação;

a decisão de despedir a recorrente é irregular por ter sido tomada antes da notificação da decisão relativa ao seu pedido de colocação em regime de invalidez, ou seja, antes de concluído o processo de invalidez e antes de lhe ser notificada a decisão da AIPN;

a decisão de despedir a recorrente é também irregular por ter sido adoptada numa altura em que estava justificadamente ausente por doença, sendo também irregular a própria decisão de rejeição dos atestados passados em 23 de Fevereiro e 1 de Março de 1988.

27

Cabe examinar estes fundamentos sob dois prismas, a saber, por um lado, a regularidade da constituição e dos trabalhos da comissão de invalidez e, por outro, das decisões adoptadas no final de Fevereiro e no início de Março de 1988.

Quanto à constituição e trabalhos da comissão de invalidez

28

A recorrente argumenta, em primeiro lugar, que o Dr. Boccardo e o Dr. Di Paolantonio haviam chegado a acordo quanto à designação do Prof. Alexandre corno terceiro membro da comissão de invalidez. Assim sendo, o Parlamento não tinha legitimidade para solicitar que o presidente do Tribunal de Justiça completasse a composição da comissão, processo esse que é excepcional, exclusivamente reservado para o caso de desacordo absoluto e duradouro entre os dois médicos designados pelas partes. Assim sendo, o Dr. Pouthier não foi designado de acordo com as normas do Estatuto, estando assim todos os trabalhos ulteriores da comissão irremediavelmente inquinados por nulidade.

29

Em segundo lugar, a recorrente pretende que os trabalhos da comissão se desenrolaram com violação do princípio da colegialidade, tal como foi consagrado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 10 de Dezembro de 1987, Jänsch (277/84, já citado). Para a recorrente, o relatório médico e as conclusões redigidas pelo Dr. Di Paolantonio na sequência da primeira reunião deviam ter sido objecto, juntamente com o relatório do Dr. Boccardo, de uma discussão contraditória entre os membros da comissão aquando da segunda reunião. A recorrente argumenta que só na sequência dessa discussão a comissão podia ter adoptado conclusões válidas.

30

A recorrente sustenta, em terceiro lugar, que a inexistência de actas constitui um vício processual essencial de que decorre a nulidade dos trabalhos da comissão de invalidez. Embora o Tribunal de Justiça tenha considerado, no acórdão de 10 de Dezembro de 1987, Jänsch (277/84, já citado), que a existência de actas não é condição essencial da validade das deliberações de uma comissão de invalidez, o Tribunal de Primeira Instância não deve adoptar o mesmo ponto de vista.

31

O Parlamento responde que o pretenso acordo dado pelo Dr. Boccardo à designação do Prof. Alexandre não era definitivo, visto estar sujeito a condições inaceitáveis. O recurso ao processo excepcional do terceiro parágrafo do artigo 7.o do anexo II do Estatuto não pode ser considerado prematuro, visto só ter ocorrido três meses após a decisão de submeter o caso a uma nova comissão.

32

Quanto à pretensa violação do princípio da colegialidade, o Parlamento entende que este princípio não implica que os médicos sejam obrigados a redigir as conclusões em conjunto. No caso presente, teve lugar uma longa reunião durante a qual cada um dos membros podia ter tomado notas e a partir delas propor um projecto de conclusões. O facto de o Dr. Di Paolantonio ter submetido aos seus colegas um projecto de conclusões não viola a natureza colegial dos trabalhos da comissão. As conclusões da maioria são válidas apesar de não assinadas pelo médico colocado em situação de minoria. A este respeito, o Parlamento cita os acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Março de 1975, Gigante/Comissão (31/71, Recueil, p. 337), e de 9 de Julho de 1975, Vellozzi/Comissão (42/74 e 62/74, Recueil, p. 871). No que se refere à inexistência de actas, remete para o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1987, Jansen (277/84, já citado).

33

O Tribunal de Primeira Instancia considera que os termos da carta do Dr. Boccardo de 17 de Outubro de 1987, interpretados à luz da carta do Dr. Di Paolantonio de 6 de Outubro de 1987 (ver adiante n.os 5 e 6), não autorizam qualquer dúvida sobre a natureza das condições de que o Dr. Boccardo fez depender o seu acordo quanto à designação do Prof. Alexandre como terceiro membro da comissão de invalidez. Tais condições, que não eram puramente formais, foram expressamente qualificadas como prévias a um «acordo definitivo», tendo assim por efeito a sua suspensão. A recorrente não pode pretender, em consequência, ter existido acordo entre os Drs. Boccardo e Di Paolantonio. Conclui-se, pois, dever ser rejeitado o fundamento baseado num pretenso vício processual na constituição da comissão de invalidez.

34

Quanto à natureza colegial dos trabalhos da comissão, o Tribunal de Primeira Instância entende que, no caso de ter tido lugar, como sucedeu no caso vertente, uma reunião de cinco horas e quarenta minutos em que foi discutido um projecto de 98 páginas, não ser passível de crítica a posterior continuação por escrito da troca de pontos de vista. Nenhum elemento permite concluir que o processo adoptado pelo Dr. Di Paolantonio tenha impedido o exercício pelos outros membros da comissão do respectivo direito de expressarem livremente as suas opiniões. Nenhum elemento permite também considerar que os dois outros médicos estavam insuficientemente informados sobre o ponto de vista do Dr. Boccardo. Finalmente, nenhum elemento autoriza o Tribunal de Primeira Instância a considerar que o Dr. Pouthier foi levado a assinar os documentos preparados pelo Dr. Di Paolantonio sem total liberdade nem perfeita consciência. Assim sendo, o Tribunal de Primeira Instância entende terem sido plenamente respeitados os critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 10 de Dezembro de 1987, Jänsch (277/84, já citado).

35

Quanto à inexistência de actas, o Tribunal de Primeira Instância entende que, tal como o Tribunal de Justiça julgou no acórdão de 10 de Dezembro de 1987, Jänsch (277/84, já citado), a existência de actas não é condição essencial da validade das deliberações de uma comissão. No caso vertente, a inexistência de actas não teve qualquer incidência sobre a continuação dos trabalhos da comissão de invalidez nem sobre o exercício do controlo jurisdicional de que são actualmente objecto.

36

Resulta das considerações precedentes que o desenrolar dos trabalhos da comissão de invalidez não está afectado por qualquer vício essencial susceptível de pôr em causa a sua legalidade. Este fundamento deve, pois, ser rejeitado.

Quanto à legalidade das decisões adoptadas no final de Fevereiro e no inicio de Março de 1988

37

A recorrente formula diversos fundamentos e argumentos que visam provar a ilegalidade de todas as decisões adoptadas a seu respeito pela AIPN em fins de Fevereiro e no início de Março de 1988. Em especial, sustenta, em primeiro lugar, que a decisão que lhe recusou a concessão do benefício do regime de invalidez é ilegal por incompetência e por falta de fundamentação. Em segundo lugar, afirma que a decisão de rescindir o seu contrato de agente temporário é também ilegal, por ter sido adoptada numa altura em que não apenas estava ainda em curso o processo de colocação em regime de invalidez como se encontrava também legitimamente em regime de ausência por doença. Para obter a declaração da ilegalidade destas duas decisões, a recorrente considera necessário impugnar sucessivamente a «decisão» n.o 05169 do director-geral, de 24 de Fevereiro de 1988, «na medida em que aceita e assume o relatório da comissão de invalidez e recusa conceder-lhe o benefício do regime de invalidez», e a «decisão» n.o 05531 do director-geral, de 26 de Fevereiro de 1988, que recusou o atestado médico passado pelo Dr. Verreydt em 23 de Fevereiro de 1988. Conclui de tudo isto ser também ilegal a decisão do presidente do grupo do PPE, na qualidade de AIPN, de rescindir o seu contrato de trabalho, tanto mais que, na data em que devia começar a correr o prazo de pré-aviso, o Dr. Verreydt atestou de novo a sua incapacidade para trabalhar. Finalmente, e pelas mesmas razões, sustenta serem também ilegais as decisões de indeferimento das suas reclamações.

38

Quanto à carta n.o 05169, de 24 de Fevereiro de 1988, a recorrente argumenta que a AIPN devia ter tomado uma decisão fundamentada sobre as conclusões do processo de colocação em regime de invalidez, independentemente do relatório da comissão de invalidez. A carta n.o 05169 mais não foi do que uma mera carta de transmissão das conclusões da comissão de invalidez, assinada por uma pessoa — a saber, o director-geral — que não tinha a qualidade de AIPN e que, em consequência, não era competente para adoptar a decisão de recusar a concessão à recorrente do benefício do regime de invalidez. Para a recorrente, essa carta não encerrou, pois, o processo de colocação em regime de invalidez, que prosseguiu o seu curso.

39

O Parlamento reconhece que, tendo em vista a simplificação da gestão administrativa, as conclusões da comissão de invalidez foram transmitidas à recorrente pelo director-geral encarregado do pessoal. Sustenta, contudo, não se poder negar a natureza de notificação e de acto lesivo, na acepção do n.o 2 do artigo 90.o do Estatuto, a essa comunicação feita sob a forma de carta registada endereçada ao funcionário. Seja como for, o Parlamento sustenta que a AIPN, ao indeferir a reclamação da recorrente baseada nessa pretensa irregularidade processual, confirmou a notificação contida na carta n.o 05159.

40

Quanto aos atestados médicos passados pelo Dr. Verreydt, a recorrente sublinha que a decisão de rejeição do atestado de 23 de Fevereiro de 1988 foi tomada à luz das conclusões da comissão de invalidez, de acordo com as próprias palavras da carta n.o 05531 do director-geral, de 26 de Fevereiro de 1988, que a informou desse facto. Baseando-se no acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 1989, Fedeli/Parlamento (271/87, Colect., p. 993), a recorrente argumenta que as citadas conclusões nada têm a ver com a avaliação da legitimidade da ausência temporária por motivo de doença — visto tratar-se de duas questões distintas. Além disso, o referido atestado foi recusado sem visita de controlo. O posterior atestado, de 1 de Março de 1988, apenas deu origem a uma visita de controlo em 7 de Março de 1988 — ou seja, numa altura em que já começara a correr o prazo de pré-aviso.

41

O Parlamento responde que o primeiro atestado, de 23 de Fevereiro de 1988, não referia razões médicas que justificam a interrupção de actividade, enquanto o segundo se baseava no mesmo diagnóstico invocado perante as duas sucessivas comissões de invalidez. O longo período de ausência previsto nesses dois certificados constituiu elemento de apreciação relevante, aquando da tomada da referida decisão. O facto de o médico da instituição ter constatado que a recorrente estava em condições de trabalhar, respectivamente quinze dias depois da prescrição de uma baixa por dois meses e seis dias após a de uma baixa por três meses, confirma que a AIPN teve razão em recusar o primeiro atestado médico e em não tomar o segundo em consideração.

42

Quanto à decisão de despedimento comunicada pela carta do presidente do grupo do PPE de 24 de Fevereiro de 1988, a recorrente não contesta ter ela sido adoptada pela AIPN. Sustenta, porém, que a AIPN não podia adoptar tal decisão por estar ainda em curso o processo de colocação em regime de invalidez e não ter ainda sido recusado o atestado médico de 23 de Fevereiro de 1988. A recorrente pretende que, ao escolher a data de 1 de Março de 1988 como início do prazo de pré-aviso, o recorrido cometeu um desvio de poder para estar seguro de que a recusa do atestado médico fora devidamente comunicada à recorrente.

43

Em resposta, o Parlamento cita as disposições dos artigos 47.o e 48.o do RAA., bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1977, Schertzer/Parlamento (25/68, Recueil, p. 1729), que evidenciam a precaridade da posição do agente temporário, como era a recorrente, cujo contrato de trabalho pode ser rescindido sem menção dos fundamentos. O Parlamento contesta que a decisão de despedimento tenha sido adoptada após a recepção do atestado médico de 23 de Fevereiro de 1988. Considera que os factos do processo, tal como se encontram provados, permitem concluir que a recorrente não estava em situação de incapacidade para o trabalho — e, assim, não estava em situação de baixa por doença — nem no momento em que foi adoptada a decisão de despedimento, nem naquele em que começou a correr o prazo de pré-aviso.

44

No que se refere, antes de mais, à carta n.o 05169 do director-geral, de 24 de Fevereiro de 1988, o Tribunal de Primeira Instância constata não se tratar de uma decisão da AIPN susceptível de recurso de anulação. Tal carta inscreve-se, com efeito, no âmbito da notificação das conclusões da comissão de invalidez prevista no segundo parágrafo do artigo 9.o do anexo II do Estatuto, nos termos do qual

«As conclusões da comissão são transmitidas à entidade competente para proceder a nomeações e ao interessado.»

Assim sendo, não pode ser acolhido o fundamento do pedido da recorrente relativo à anulação desta carta.

45

Na medida em que a argumentação da recorrente pressupõe que o processo de colocação em regime de invalidez apenas pode dar-se por terminado com uma decisão da AIPN, refira-se que, relativamente aos agentes temporários, o n.o 2 do artigo 33.o do RAA dispõe expressamente que:

«O estado de invalidez é determinado pela comissão de invalidez prevista no artigo 9.o do Estatuto.»

Conclui-se, assim, que, nos casos em que a comissão de invalidez chega à conclusão de que um agente não sofre de invalidez, a AIPN não pode adoptar decisão contrária. Não compete, pois, à AIPN adoptar uma decisão que ponha fim ao processo. Devemos, contudo, interrogar-nos sobre a questão de saber se a legalidade da decisão de despedimento da recorrente terá sido afectada pelo facto de ter sido adoptada antes de a recorrente ter sido notificada das conclusões da comissão. O Tribunal de Primeira Instância analisará essa questão no âmbito do exame da legalidade da decisão de despedimento.

46

No que se refere aos atestados médicos passados pelo Dr. Verreydt, é certo que o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão de 27 de Abril de 1989, Fedeli (271/87, já citado), que o objectivo do relatório elaborado por uma comissão de invalidez, no âmbito de um processo de colocação em regime de invalidez, consiste em «determinar se um funcionário está ou não apto para exercer de forma permanente um trabalho da sua carreira, e não em apreciar se a ausência temporária desse funcionário pode ser considerada medicamente justificada». O Tribunal de Justiça julgou, com essa base, que «as conclusões da comissão de invalidez que entendeu, no âmbito do processo de colocação em regime de invalidez da recorrente, näo estarem reunidas as condições para essa colocação em regime de invalidez, não podem servir de prova quanto à aptidão física dessa funcionária para exercer as suas funções em determinado momento, atendendo à diversa natureza das apreciações a efectuar num e noutro caso». O Tribunal de Justiça esclareceu também nessa altura que se a instituição recorrida «continuar com dúvidas quanto ao bem-fundado dos atestados médicos apresentados pela recorrente e, assim, sobre a legitimidade das suas ausências», «deverá adoptar o processo estabelecido para esse efeito no Estatuto, mandando proceder aos controlos previstos no respectivo artigo 59.o». Da leitura da versão integral do acórdão, do relatório para audiência e das conclusões do advogado-geral conclui-se, porém, serem particularmente específicas as circunstâncias que estavam na origem do processo Fedeli, em que o Parlamento pretendeu, atendendo às conclusões de uma comissão de invalidez, rejeitar determinados atestados médicos devidamente fundamentados, apesar de já ter sido levado a modificar a sua posição relativamente a outros atestados anteriores e a reconhecer o seu fundamento em consequência, precisamente, das verificações efectuadas aquando de uma visita de controlo. O Tribunal de Primeira Instância entende, assim, que o citado acórdão não pode ser considerado susceptível de reforçar a posição sustentada pela recorrente no presente processo, a saber, que a exclusiva apresentação de um atestado médico, ainda que não fundamentado, confere imediatamente direito, em qualquer caso, a uma licença por doença que apenas pode ser dada por finda após uma visita de controlo em que se constate a aptidão para o trabalho.

47

No caso vertente, o primeiro atestado do Dr. Verreydt, de 23 de Fevereiro de 1988, não mencionava quaisquer razões médicas que justificassem a interrupção da actividade, prevendo, contudo, uma interrupção de dois meses. O Tribunal de Primeira Instância considera que, atendendo às circunstâncias especiais do caso vertente e, em especial, aos longos antecedentes do processo, às conclusões da comissão de invalidez e à proposta do médico da instituição, o Parlamento tinha o direito de recusar esse atestado. A recorrente não fez, pois, prova de que a sua ausência nessa data se justificava medicamente e que, assim, tinha direito a uma licença por doença. Conservava, contudo, a possibilidade de remediar a falta de fundamentação do primeiro atestado apresentando um outro mais explícito. Foi o que fez através do segundo atestado do Dr. Verreydt, de 1 de Março de 1988. Contudo, de acordo com as afirmações do Parlamento não contestadas pela recorrente, este segundo atestado mais não fez do que citar o diagnóstico que acabara precisamente de ser afastado pela comissão de invalidez. Além disso, uma visita de controlo efectuada em 7 de Março de 1988 permitiu que o médico da instituição constatasse a aptidão da recorrente para trabalhar nessa data, em total contradição com os termos dos dois certificados passados pelo Dr. Verreydt, que previam uma ausência de dois e três meses. Assim sendo, não se pode considerar que o atestado de 1 de Março de 1988 viesse remediar retroactivamente a falta de fundamentação de que padecia o anterior atestado de 23 de Fevereiro de 1988. Conclui-se que a recorrente não conseguiu provar ter direito a uma baixa por doença, em qualquer momento do período crítico.

48

Quanto à decisão de despedimento, deve referir-se que as disposições dos artigos 47.o e 48.o do RAA não se opõem à rescisão unilateral, sem fundamentação, do contrato de trabalho por prazo indeterminado de um agente temporário (acórdão de 18 de Outubro de 1977, Schertzer, 25/68, já citado). Tal pode suceder mesmo no decurso de uma licença por doença, com a única condição de, no caso de o contrato conter uma cláusula de pré-aviso, o prazo deste não poder começar a correr durante o período de licença, caso não ultrapasse três meses. Em nenhuma disposição se prevê, como consequência da existência de um processo de colocação em regime de invalidez, a suspensão do direito de a AIPN pôr fim ao contrato de um agente enquanto lhe não forem notificadas as conclusões da comissão de invalidez. O simples facto de a decisão de despedimento ter sido adoptada antes de a recorrente ter conhecimento das conclusões da comissão de invalidez não autoriza o Tribunal de Primeira Instância a concluir pela existência de desvio de poder. Conclui-se, assim, deverem ser rejeitados todos os fundamentos baseados na pretensa ilegalidade das decisões tomadas relativamente à recorrente em Fevereiro e Março de 1988.

49

Do conjunto das considerações precedentes conclui-se no sentido de negar provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

50

Por força do disposto no n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal de Primeira Instância nos termos do terceiro parágrafo do artigo 11.o da citada decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. No entanto, de acordo com o artigo 70.o do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

Edward

Schintgen

García-Valdecasas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de Novembro de 1990.

O secretário

H.Jung

O presidente

R. Schintgen


( *1 ) Língua do processo: italiano.

( 1 ) A pedido da recorrente, o Tribuna! de Justiça ordenou que o nome da recorrente fosse substituído cm todas as publicações pela respectiva inicia!.