ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

26 de Setembro de 1990 ( *1 )

No processo T-48/89,

Fernando Beltrante e outros, funcionários do Conselho das Comunidades Europeias, representados pelo advogado Jean-Noël Louis, de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da fiduciaire Myson SARL, 6-8, rue Origer,

recorrentes,

apoiados por

Fédération de la fonction publique européenne, com sede em Bruxelas, representada pelo advogado Georges Vandersanden, de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no estúdio de Alex Schmitt, 62, avenue Guillaume,

interveniente,

contra

Conselho das Comunidades Europeias, representado por Arthur Alan Dashwood, director do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Jörg Käser, director do Serviço Jurídico do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad-Adenauer,

recorrido,

que tem por objecto a anulação de uma decisão do Conselho, comunicada por nota de 6 de Maio de 1988, que recusa aos recorrentes o pagamento fixo das despesas de viagem em relação a pessoas equiparadas a filhos a cargo que não residam no local de colocação do funcionário,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (Terceira Secção),

constituído pelos Srs. A. Saggio, presidente, C. Yeraris e B. Vesterdorf, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora

vistos os elementos escritos do processo e após a realização da audiência de discussão em 3 de Julho de 1990,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do recurso

1

Os catorze recorrentes, funcionários do Conselho, beneficiam dos abonos previstos pelo estatuto dos funcionários das Comunidades Europeias (a partir de agora «estatuto») para as pessoas equiparadas a filhos a cargo, nos termos do n.° 4 do artigo 2.° do anexo VII do referido estatuto (a partir de agora «anexo»). De acordo com os documentos juntos aos autos, até 1987 o Conselho procedeu, em aplicação do artigo 8.° do anexo, ao reembolso, em relação àquelas pessoas, das despesas de viagem do local de colocação dos funcionários recorrentes para o lugar de origem, mesmo quando aquelas pessoas não residiam no local de colocação.

2

Por nota de 6 de Maio de 1988, a administração do Secretariado-Geral do Conselho informou os funcionários em questão de que a autoridade investida do poder de nomeação (a partir de agora «AIPN») tinha decidido começar a aplicar uma conclusão da comissão dos chefes de administração, no sentido de deixar de efectuar o pagamento fixo das despesas de viagem às pessoas equiparadas a filhos a cargo, excepto se estas residirem no local de colocação do funcionário ou num raio de 50 km deste local.

3

A nota especificava ainda que a decisão era aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1988, e que em relação ao cônjuge e aos filhos a administração continuaria a proceder ao pagamento das despesas de viagem anuais.

4

Cada um dos recorrentes apresentou reclamação, fundada no n.° 2 do artigo 90.° do estatuto, contra a decisão comunicada através daquela nota que lhes recusava o reembolso das despesas de viagem das pessoas reconhecidas como estando a seu cargo, previsto no n.° 1 do artigo 8.° do anexo.

5

Nestas reclamações, registadas entre 24 de Maio e 13 de Julho de 1988, os recorrentes afirmavam que o funcionário tem direito, desde que beneficie de abono de lar, ao reembolso daquelas despesas em relação ao cônjuge e a todas as pessoas a seu cargo na acepção do artigo 2.° do anexo, independentemente de residirem ou não no seu local de colocação.

6

Aquelas reclamações foram indeferidas por decisão dirigida a cada uma delas do secretário-geral do Conselho, com data de 27 de Julho de 1988. Nestas decisões, redigidas sob a forma de nota-tipo, a AIPN afirmava que a redacção do artigo 8.° do anexo, por um lado, e a ligação efectuada por aquele preceito entre o direito ao abono de lar e o pagamento das despesas de viagem de pessoas equiparadas a filhos a cargo, por outro, justificam uma interpretação estrita das disposições em causa.

Tramitação do processo e pedidos das partes

7

Foi nestas condições que, em requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Outubro de 1988, os recorrentes pediram a anulação da decisão que recusa o reembolso das despesas de viagem em relação a pessoas equiparadas a filhos a cargo que não residam no local de colocação.

8

Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

9

Por despacho de 8 de Dezembro de 1989, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) admitiu a intervenção no litígio principal da Fédération de la fonction publique européenne (FFPE), em apoio dos pedidos dos recorrentes.

10

Com base no relatório preliminar do juiz relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Foram ouvidas as alegações dos representantes das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 3 de Julho de 1990.

11

Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o recurso admissível e procedente,

anular:

a)

a decisão do recorrido que recusa aos recorrentes o reembolso das despesas de viagem anuais em relação às pessoas que, por decisão anterior da AIPN, foram equiparadas a filhos a cargo;

b)

a decisão do recorrido, comunicada por nota de 6 de Maio de 1988, que modifica a interpretação do artigo 8.° do anexo do estatuto, ao excluir o reembolso das despesas de viagem relativas a pessoas equiparadas a filhos a cargo, excepto se aquelas residirem no local de colocação do funcionário ou num raio de 50 km do local de colocação;

c)

na medida em que seja necessário, a decisão expressa de indeferimento da reclamação administrativa apresentada individualmente por cada um dos recorrentes, decisão notificada a cada recorrente por nota-tipo datada de 27 de Julho de 1988;

condenar o recorrido nas despesas do processo, seja em aplicação do n.° 2 seja em aplicação do segundo parágrafo do n.° 3 do artigo 69.° do Regulamento Processual, bem como nas despesas indispensáveis realizadas para permitir a participação no processo, nomeadamente de alojamento, de deslocação e de estada, e os honorarios do advogado, em aplicação da alínea b) do artigo 73.° do mesmo regulamento.

12

O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso por falta de fundamento,

condenar os recorrentes nas despesas na medida em que estas não estejam a cargo do recorrido, nos termos dos artigos 70.° e 95.°, n.° 3, do Regulamento Processual.

Quanto ao mérito da causa

13

Os recorrentes invocam em apoio do recurso dois fundamentos, retirados, um da violação do artigo 8.° do anexo, o outro da violação do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação entre funcionários.

14

O interveniente, que se associa ao conjunto da argumentação dos recorrentes no que respeita à violação do artigo 8.°, afirma ainda que o acto impugnado constitui na realidade uma decisão, na acepção do primeiro parágrafo do artigo 110.° do estatuto, e que esta decisão foi adoptada pela administração como medida de execução de uma decisão anterior da comissão dos chefes de administração. Esta decisão é ilegal por provir de um órgão incompetente, por não respeitar as garantias processuais essenciais previstas no primeiro parágrafo do artigo 110.° do estatuto, por ser destituída de qualquer fundamentação, por não lhe ter sido dada publicidade suficiente e por constituir, de maneira geral, um desvio de processo.

15

O recorrido afirmou, no decurso da audiencia de discussão, que o acto impugnado não constitui uma modificação do estatuto nem a aprovação de uma disposição geral para a sua execução, antes definindo a posição da AIPN quanto à aplicação do n.° 1 do artigo 8.° do anexo a partir do ano de 1988. O secretário-geral do Conselho comunicou oralmente à administração esta tomada de posição. Aquela comunicou-a, por nota de 6 de Maio de 1988, apenas aos funcionários em questão, que têm uma ou várias pessoas equiparadas a filhos a cargo não residentes no local de colocação. Ao adaptar a prática do Conselho à conclusão a que tinha chegado a comissão dos chefes de administração, o secretário-geral agiu por sua iniciativa, e não em execução da decisão daquela comissão.

16

Convém observar em primeiro lugar a este respeito que o raciocínio da organização sindical interveniente se baseia na tese errônea de que a decisão impugnada teria sido adoptada com base no primeiro parágrafo do artigo 110.° do estatuto, o qual respeita à adopção de disposições gerais de execução do estatuto por cada instituição. Na realidade, trata-se de uma série de decisões individuais tomadas pela AIPN, que recusam o reembolso das despesas de viagem em relação ao ano de 1988, já comunicadas aos funcionários em questão pela nota de 6 de Maio de 1988 da administração do Secretariado-Geral do Conselho. A AIPN confirmou estas decisões individuais ao indeferir as reclamações apresentadas individualmente pelos recorrentes.

17

Em segundo lugar, impõe-se verificar que a conclusão n.° 185/88, que foi tomada em consideração nas decisões impugnadas, foi formulada pelos representantes das administrações das instituições, reunidos no que eles próprios designam por «comissão», no âmbito da «consulta regular entre as administrações das instituições» prevista no terceiro parágrafo do artigo 110.° do estatuto. Esta conclusão, aprovada com o objectivo de seguir uma prática administrativa uniforme quanto à interpretação do n.° 1 do artigo 8.° do anexo, não teve como efeito a vinculação da autoridade competente no que respeita à adopção dos actos individuais impugnados. Com efeito, a AIPN agiu no exercício da competência que o n.° 1 do artigo 8.° do anexo lhe atribui, e as pretensões contrárias da interveniente não podem encontrar justificação no simples facto de figurar na nota de 6 de Maio de 1988 a frase «a AIPN decidiu começar a aplicar no Conselho uma conclusão da comissão dos chefes de administração...»

Quanto ao primeiro fundamento

18

Os recorrentes sustentam, que o reembolso fixo em benefício de um funcionário das despesas de viagem do cônjuge, dos filhos e de pessoas a cargo depende apenas, nos termos do artigo 8.° do anexo, da condição de o funcionário em causa ter direito a abono de lar. No entender dos recorrentes, nenhuma disposição estatutária permite afirmar que uma pessoa equiparada a um filho a cargo não goza exactamente dos mesmos direitos que o cônjuge e os filhos. O funcionário cujos locais de colocação e de origem se situem na Europa tem direito — uma vez ou duas por ano civil, consoante a distância — ao pagamento fixo das despesas de viagem entre aqueles dois locais para ele próprio e, sendo o caso, para o cônjuge e todas as pessoas a seu cargo referidas no artigo 2.° do anexo. Daqui deduzem os recorrentes que as pessoas a cargo não têm que residir no local de colocação do funcionário para que este último beneficie do reembolso fixo das despesas de viagem.

19

Para chegar a esta conclusão, os recorrentes procedem à análise conjugada das regras dos artigos 1.°, 2°, 7°, n.° 1, e 8.°, n.os 1 e 4, do anexo, interpretando umas à luz das outras e recusam a interpretação literal do artigo 8.° avançada pela AIPN. Sublinham que, se se seguisse esta interpretação, seria necessário segui-la até às últimas consequências, mesmo que estas se revelassem absurdas ou incompatíveis com a finalidade daquele artigo. No que respeita, muito em particular, aos artigos 7.°, n.° 1, e 8.°, n.° 1, do anexo, os recorrentes verificam que a primeira daquelas normas exige que o cônjuge e as pessoas a cargo vivam efectivamente sob o mesmo tecto que o funcionário, enquanto a segunda apresenta como única condição o direito ao abono de lar, sem qualquer referência a uma condição de coabitação. Por outro lado, segundo os recorrentes, é interessante notar que o segundo parágrafo do n.° 4 do artigo 8.°, relativo às despesas de viagem dos funcionários cujo local de origem e/ou colocação se situa fora da Europa, prevê expressamente que, no caso de não residirem com o funcionário no local de colocação, só o cônjuge e os filhos a cargo têm direito ao reembolso daquelas despesas, afastando por esta forma as pessoas equiparadas a filhos a cargo. Os recorrentes observam que, se os autores do estatuto tivessem querido negar também a esta categoria de beneficiários o reembolso das despesas de viagem «na Europa», não teriam deixado de o referir expressamente.

20

A instituição recorrida, numa primeira parte da sua argumentação, sublinha que o direito do funcionário ao abono de lar, tal como decorre das disposições do anexo, está sujeito a três condições: a) ser casado, b) ter um ou vários filhos a cargo e c) assumir efectivamente encargos familiares em relação a outras pessoas que não o cônjuge e os filhos a cargo. O Conselho, invocando os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1984, Erdiņi/Conselho (65/83, Recueil, p. 211), e de 23 de Março de 1988, Mouriki/Comissão (248/87, Colect., p. 1721), afirma que não pode ser atribuido ao funcionario direito ao abono de lar para membros da familia a cargo que não o cônjuge e os filhos, excepto se essas pessoas viverem com o funcionario sob o mesmo tecto. Assim, segundo o Conselho, o estatuto diferencia o direito atribuído ao funcionário em relação ao cônjuge e aos filhos, quanto aos quais existe uma presunção inilidível de coabitação, daquele que respeita a outras pessoas a cargo. Por outro lado, o artigo 2.° do anexo prevê duas categorias de pessoas a cargo: por um lado, os filhos e, por outro, as pessoas equiparadas a filhos a cargo. O funcionário deve justificar a existência de obrigações alimentares legais em relação a essas pessoas. Esta justificação, em contrapartida, não é exigida em relação aos filhos a cargo.

21

No que respeita ao n.° 1 do artigo 8.° do anexo, o Conselho entende que esta norma deve ser interpretada no sentido de que o pagamento fixo das despesas de viagem deve ser efectuado:

quanto ao cônjuge e aos filhos a cargo, com base na presunção de coabitação da célula familiar no local de colocação do funcionário;

quanto às pessoas equiparadas a filhos a cargo, desde que aquelas residam no local de colocação do funcionário ou nas suas proximidades.

De acordo com a instituição recorrida, esta interpretação justifica-se pelas seguintes razões: em primeiro lugar, o texto da norma em causa refere-se a viagem do local de colocação do funcionário para o local de origem, e não em sentido inverso. Em segundo lugar, o reembolso das despesas de viagem tem por objectivo dar ao funcionário meios financeiros para se deslocar uma ou duas vezes por ano ao seu lugar de origem, para que possa por esta forma manter os laços familiares, sociais e culturais. Para afastar o risco de o funcionário não efectuar esta viagem se não for acompanhado pelos membros da família, o reembolso estende-se também às despesas desta. Em terceiro lugar, a evolução da jurisprudência mencionada do Tribunal de Justiça relativa ao direito ao abono de lar, que vai no sentido de uma interpretação estrita, impõe uma interpretação análoga no que respeita ao reembolso das despesas de viagem, tendo em conta a estreita ligação entre estes dois direitos.

22

Antes de examinar o acerto da argumentação apresentada pelas partes, convém recordar o teor das disposições em causa no presente litígio. Nos termos do n.° 1 do artigo 67.° do estatuto, as prestações familiares compreendem: a) o abono de lar, b) o abono por filho a cargo e c) o abono escolar. Por outro lado, o artigo 71.° do mesmo estatuto prevê que, em conformidade com o disposto no anexo VII, o funcionário tem direito ao reembolso das despesas que tiver suportado durante o exercício ou por causa do exercício das suas funções. Em conformidade com estas disposições, o anexo determina, numa primeira secção (artigos 1.° a 3.°), as condições de atribuição das prestações familiares e as regras relativas ao respectivo pagamento, e fixa, na secção 3, subsecção C (artigos 7° e 8.°), as condições de reembolso das despesas de viagem.

23

No que respeita ao abono de lar, o n.° 2 do artigo 1.° do anexo prevê que a ele tem direito: «a) o funcionário casado; b) o funcionário viúvo, divorciado, separado legalmente ou solteiro, que tenha um ou vários filhos a cargo na acepção dos n.os 2 e 3 do artigo 2.° ; c) por decisão especial e fundamentada da entidade competente para proceder a nomeações, tomada com base em documentos comprovativos, o funcionário que, não preenchendo as condições previstas nas alíneas a) e b), assuma, contudo, efectivamente encargos de família». Em relação ao abono por filhos a cargo, o n.° 2 do artigo 2° do mesmo anexo prevê que «é considerado filho a cargo o filho legítimo, natural ou adoptivo do funcionário ou do seu cônjuge, desde que seja efectivamente sustentado pelo funcionário». De seguida, o n.° 4 do mesmo artigo dispõe que «pode, excepcionalmente, ser equiparado a filho a cargo, por decisão particular e fundamentada da entidade competente para proceder a nomeações, tomada com base em documentos comprovativos, qualquer pessoa relativamente à qual o funcionário tenha obrigação legal de alimentos e cujo sustento lhe imponha pesados encargos».

24

Quanto às despesas de viagem, o n.° 1 do artigo 7° do anexo prevê que o funcionário tem direito ao reembolso das despesas de viagem, para si próprio, cônjuge e pessoas a seu cargo que vivam efectivamente em sua casa, por ocasião do início de funções, da cessação definitiva de funções e de qualquer outra mudança. Enfim, o artigo 8.° precisa no n.° 1 que «o funcionário tem direito, para si e, se tiver direito ao abono de lar, para o seu cônjuge e pessoas a seu cargo, na acepção do artigo 2.°, ao pagamento em montante fixo das despesas de viagem do lugar de afectação para o local de origem definido no artigo 7.°, nas condições seguintes:

uma vez por ano civil, se a distância em caminho-de-ferro entre o lugar de afectação e o lugar de origem for superior a 50 km e inferior a 725 km,

duas vezes por ano civil, se a distância em caminho-de-ferro entre o lugar de afectação e o lugar de origem é de pelo menos 725 km...»

As regras relativas ao pagamento, fixo ou, excepcionalmente, contra apresentação de documento justificativo, são especificadas nos n.os 2 e 3; o caso especial de viagens fora da Europa é regulamentado pelo n.° 4 do mesmo artigo.

25

Resulta da referida regra do n.° 1 do artigo 8.° do anexo que o funcionário beneficia do reembolso das despesas de viagem, anual ou bianual, em relação a ele próprio e, se tiver direito a abono de lar, em relação ao cônjuge e a todas as pessoas a cargo referidas no artigo 2.° do anexo.

26

De acordo com o teor literal da disposição em causa, o reembolso respeita às despesas de viagem «do lugar de colocação para o local de origem». O reembolso das despesas de viagem em sentido inverso, do local de origem (ou de outro local) para o lugar de colocação só está previsto no caso especial de o local de origem e/ou de colocação se situarem fora da Europa. Em consequência, uma interpretação literal da disposição aplicável milita a favor da solução adoptada pela administração, de que as pessoas equiparadas a filhos a cargo devem residir no local de colocação do funcionário para que este tenha direito ao reembolso das respectivas despesas de viagem anual ou bianual para o local de origem.

27

Esta interpretação, conforme com a letra do artigo 8.° do anexo, é corroborada pela finalidade que o estatuto tinha em vista ao atribuir o benefício do reembolso das despesas de viagem. Com efeito, esta disposição estatutária tem por objectivo permitir ao funcionário e às pessoas a cargo deslocarem-se, pelo menos uma vez por ano, ao respectivo local de origem, a fim de aí conservar laços familiares, sociais e culturais. É necessário a este respeito sublinhar que a possibilidade de o funcionário manter relações pessoais com o local dos seus principais interesses constitui um princípio geral do direito da função pública europeia (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 1985, De Angelis/Comissão, 144/84, Recueil, p. 1301).

28

Se o estatuto prevê o reembolso das despesas de viagem mesmo em relação às pessoas que só fazem parte da família lato sensu do funcionário, tal deve-se à preocupação de permitir esta viagem a todos os membros da família que tenham sido obrigados a abandonar o local de origem por causa da entrada em funções do funcionário comunitário. Deste ponto de vista, a prestação em causa não pode ser considerada uma prestação familiar, cuja finalidade seria a de aliviar o funcionário das despesas realizadas em relação a pessoa equiparada a filho a cargo. Na verdade, trata-se de um pagamento destinado a cobrir as despesas realizadas pelo funcionário por ocasião do exercício das suas funções. A natureza da prestação em causa é confirmada pelo facto de a norma a ela relativa ter sido inserida na secção 3 do anexo, que fixa as condições de aplicação do princípio de base enunciado no artigo 71.° do estatuto.

29

A argumentação dos recorrentes em sentido contrário, de acordo com a qual as pessoas a cargo gozam exactamente dos mesmos direitos que os filhos a cargo, parte da concepção errónea de que a prestação em causa é uma prestação familiar.

30

Além disso, a comparação efectuada pelos recorrentes entre as disposições do n.° 1 do artigo 7.° e do n.° 4 do artigo 8.°, por um lado, e do n.° 1 do artigo 8.°, por outro, não permite retirar elementos válidos. Com efeito, dado que cada uma daquelas disposições rege de forma diferente casos específicos, seria sempre possível extrair conclusões que funcionassem a favor de uma ou de outra interpretação.

31

Resulta das considerações precedentes que o funcionário com direito a abono de lar beneficia do reembolso das despesas de viagem relativas a pessoas assimiladas a filhos a cargo, desde que estas residam durante a maior parte do ano no local de colocação do funcionário ou num perímetro definido consoante os casos, em função da situação urbana e dos meios de transporte. Em consequência, terá que ser rejeitado o primeiro fundamento dos recorrentes, que assenta numa interpretação errónea do n.° 1 do artigo 8.° do anexo, de acordo com a qual este permitiria o reembolso das despesas de viagem em questão, mesmo no caso de as pessoas a cargo residirem no local de origem.

Quanto ao segundo fundamento

32

Os recorrentes sustentam que a decisão tomada pela administração tem como consequência tratar diferenciadamente os filhos a cargo e as pessoas equiparadas àqueles, quando todas estas pessoas deviam, por definição, beneficiar dos mesmos direitos e regalias. A decisão impugnada ignoraria assim o princípio da igualdade de tratamento e não discriminação entre funcionários.

33

O recorrido observa que a nova interpretação adoptada pela AIPN não implica discriminação entre funcionários, pois os direitos relativos aos filhos que lhes são atribuídos pelo estatuto são significativamente diferentes dos que respeitam a pessoas equiparadas a filhos a cargo. Esta diferença de tratamento justifica-se pela presunção de coabitação que decorre da própria natureza da célula familiar.

34

O princípio geral da igualdade, sendo um dos princípios fundamentais do direito comunitário, só se aplica, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a pessoas que se encontrem em situações idênticas ou comparáveis (ver, por exemplo, o acórdão de 16 de Outubro de 1980, Hochstrass/Tribunal de Justiça, 147/79, Recueil, p. 3005, especialmente p. 3019). Consequentemente, no caso em apreciação, o fundamento decorrente da violação daquele princípio deve ser rejeitado por falta de base, principalmente pela razão de que os filhos do funcionário, que fazem parte da célula familiar stricto sensu e em relação aos quais existe uma presunção de coabitação, não se encontram nas mesmas condições que as pessoas equiparadas a filhos a cargo, as quais pertencem apenas à família lato sensu.

35

Resulta do conjunto das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

36

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal de Primeira Instância nos termos do terceiro parágrafo do artigo 11.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. No entanto, de acordo com o artigo 70.° do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

declara :

 

1)

E negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

Saggio

Yeraris

Vesterdorf

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 26 de Setembro de 1990.

O secretário

H. Jung

O presidente

C. Yeraris


( *1 ) Língua do processo: francis.