ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

17 de Outubro de 1991 ( *1 )

Sumário

 

Matéria de facto e tramitação processual

 

Pedidos das partes

 

Acusações consideradas procedentes pela AIPN

 

Historial da gestão das contas bancárias no Midland Bank de Londres

 

Quanto ao mérito

 

A — Fundamentos relativos à legalidade externa

 

Quanto ao fundamento baseado na violação do prazo previsto no artigo 7.o, terceiro parágrafo, do anexo

 

Quanto ao fundamento baseado no termo do prazo de prescrição

 

Quanto ao fundamento baseado na concessão da quitação relativa ao exercício de 1981

 

Quanto ao fundamento baseado na violação do princípio do prazo razoável

 

Quanto ao fundamento baseado na ignorância da regra «non bis in idem»

 

Quanto ao fundamento baseado em vícios de forma do processo disciplinar

 

— Quanto à falta de assinatura e de data no relatório dirigido pela AIPN ao Conselho de Disciplina

 

— Quanto à aprovação da acta da reunião de 26 de Novembro de 1987, depois de formulado o parecer fundamentado

 

Quanto ao fundamento baseado em violações dos direitos da defesa

 

— Quanto à não comunicação de determinados documentos

 

— Quanto à näo comunicação atempada da acta de 26 de Novembro de 1987

 

— Quanto à não aprovação pelo recorrente do questionário técnico dirigido à Divisão «Tesouraria e Contabilidade» do Parlamento

 

— Quanto à nota dirigida pelo recorrente, em 5 de Junho de 1981, ao director das Finanças e Informática

 

— Quanto ao estorno de 25 de Agosto de 1982 do montante de 4136125 BFR

 

Quanto ao fundamento baseado na violação da independência do Conselho de Disciplina e da liberdade da defesa

 

B — Fudamentos relativos à legalidade interna

 

Quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 86.o do Estatuto e dos artigos 70.o e 72.o do Regulamento Financeiro, bem como na ignorância do princípio de direito de acordo com o qual qualquer acto administrativo deve ter fundamentos legalmente admissíveis, não contraditórios e não viciados de erros de direito e/ou de facto

 

— Quanto à abertura de uma conta remunerada no Midland Bank

 

— Quanto à acusação relativa ao incumprimento da obrigação de gerir de forma regular os créditos de pagamento

 

— Quanto à acusação relativa ao incumprimento da obrigação de apenas efectuar despesas contra a apresentação de documentos justificativos regulares e de velar pela sua conservação

 

A título subsidiário, quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 86.o, n.o 1, do Estatuto, e dos artigos 70.o, n.o 1, e 71.o, do Regulamento Financeiro, e na ignorância dos princípios de igualdade, de equidade e de justiça distributiva, bem como em desvio de poder

 

Quanto ao fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade

 

Quanto aos pedidos destinados a obter a designação de uma comissão de peritos

 

Quanto às despesas

No processo T-26/89,

Henri de Compte, funcionário do Parlamento Europeu, residente no Luxemburgo, representado por E. Lebrun, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado L. Schütz, 83, boulevard Grande-Duchesse Charlotte,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por Jorge Campinos, jurisconsulto, e P. Kyst, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por D. Waelbroeck, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto a anulação da decisão de 18 de Janeiro de 1988, pela qual o presidente do Parlamento aplicou a Henri de Compte a sanção de retrogradação do grau A 3, escalão 8, para o grau A 7, escalão 6,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

composto por: C. Yeraris, presidente, A. Saggio e B. Vesterdorf, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora

visto os autos e após a realização da audiência de 19 de Março de 1991,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto e tramitação processual

1

A partir de 1 de Julho de 1981, o Tribunal de Contas procedeu, nos termos do artigo 206.o-A, n.o 4, do Tratado CEE, ao exame da caixa dos delegados (deputados) do Parlamento Europeu (a seguir «Parlamento»). As suas primeiras conclusões, comunicadas ao Parlamento em Outubro de 1981 e em Abril de 1982, foram particularmente críticas.

2

Em 30 de Abril de 1982, H. de Compte, então funcionário do grau A 3 exercendo funções de tesoureiro do Parlamento, foi objecto de uma medida de mutação.

3

Em 6 de Julho de 1982, o Tribunal de Contas adoptou um relatório especial relativo à caixa dos delegados do Parlamento (JO C 202, p. 1), em que verificou a existência de graves violações do Regulamento Financeiro de 21 de Dezembro de 1977, aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 356, p. 1; EE 01 F2 p. 90, a seguir «Regulamento Financeiro»), e convidou o Parlamento a tomar as disposições necessárias para apurar as operações de tesouraria irregulares, cobrar as somas devidas e estabelecer as eventuais responsabilidades do tesoureiro, do gestor de fundos para adiantamentos e do auditor financeiro.

4

As irregularidades verificadas pelo Tribunal de Contas foram confirmadas por um relatório elaborado, a pedido do Parlamento, por um gabinete independente de peritos contabilistas.

5

Por carta de 30 de Setembro de 1982, dirigida ao presidente do Conselho de Disciplina, o presidente do Parlamento, na sua qualidade de autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»), informou-o de que decidira instaurar um processo disciplinar contra H. de Compte, nos termos do segundo parágrafo do artigo 87.o do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto») e do artigo 71.o do Regulamento Financeiro.

6

Tendo o recorrente argumentado não haver sido previamente ouvido, nos termos do segundo parágrafo do artigo 87.o do Estatuto, o presidente do Parlamento comunicou-lhe, por carta de 14 de Janeiro de 1983, a sua decisão de anular esse processo. Informou-o também, nessa mesma carta, da existência de determinados factos, relativos à gestão da caixa dos delegados, susceptíveis de dar lugar à instauração de um processo disciplinar contra o recorrente.

7

Em 28 de Janeiro de 1983, o director-geral da Administração, do Pessoal e das Finanças do Parlamento procedeu à audição prévia do interessado, nos termos do segundo parágrafo do artigo 87.o do Estatuto.

8

Em 13 de Abril de 1983, o presidente do Parlamento submeteu ao Conselho de Disciplina, nos termos do artigo 87.o do Estatuto e do artigo 1.o do anexo IX desse mesmo Estatuto (a seguir «anexo»), um relatório contendo as acusações formuladas contra o recorrente. O Conselho de Disciplina reuniu-se por diversas vezes durante o período compreendido entre 2 de Junho de 1983 e 10 de Fevereiro de 1984.

9

Nesta última data, o Conselho de Disciplina propôs, em parecer fundamentado, por três votos a favor e dois contra, a aplicação a H. de Compte da sanção de repreensão, pronunciando-se os dois membros do Conselho contrários a tal sanção pela pura e simples absolvição do funcionário incriminado.

10

Entretanto, por decisão de 18 de Maio de 1983, o Parlamento deu quitação ao seu presidente relativamente ao exercício de 1981, diferindo a quitação ao tesoureiro para permitir que a Comissão de Controlo Orçamental procedesse a determinados exames (JO C 161, p. 98).

11

Em 16 de Março de 1984, o presidente do Parlamento decidiu aplicar ao recorrente a sanção de demissão, sem redução nem supressão dos direitos a pensão; essa decisão considerou procedentes diversas acusações contra o recorrente, relacionadas com várias irregularidades por ele cometidas no âmbito da sua gestão enquanto tesoureiro.

12

Em 21 de Março de 1984, o recorrente apresentou à AIPN uma reclamação, nos termos do n.o 2 do artigo 90.o do Estatuto, contra a decisão de demissão de 16 de Março de 1984. Esta reclamação foi completada por uma reclamação adicional, de 11 de Abril de 1984, fundada, no essencial, no facto de, entretanto, o Parlamento lhe ter dado quitação relativamente ao exercício de 1981, ou seja, o exercício durante o qual teriam ocorrido os factos de que era acusado.

13

Com efeito, por decisão de 10 de Abril de 1984, o Parlamento deu quitação ao tesoureiro da instituição relativamente ao exercício de 1981. Todavia, após referir, nos vistos E, F e G, o relatório especial do Tribunal de Contas relativo à caixa dos delegados, a decisão do Parlamento de 18 de Maio de 1983 que deu quitação ao seu presidente e diferiu a quitação ao tesoureiro, bem como a carta do presidente do Parlamento, de 6 de Junho de 1983, expondo as razões que o haviam conduzido a solicitar o adiamento da decisão de quitação relativa a 1981, a citada decisão de 10 de Abril de 1984 precisava, no primeiro considerando, que «no contexto da quitação relativa a 1982 serão tomados em consideração todos os elementos, incluindo a carta de 6 de Junho de 1983» (JO C 127, p. 43).

14

Em 24 de Maio de 1984, e em resposta à reclamação e à reclamação adicional que lhe foram apresentadas, o presidente do Parlamento decidiu transformar a sanção de demissão na de retrogradação para o grau A 7, escalão 6. Esta decisão foi fundamentada por referência à fundamentação apresentada em apoio da sanção inicial de demissão.

15

Em 4 de Junho de 1984, H. de Compte apresentou simultaneament:

uma reclamação ao presidente do Parlamento, contra essa nova decisão de 24 de Maio de 1984;

interpôs um recurso no Tribunal de Justiça, destinado à anulação da citada decisão de 24 de Maio de 1984, relativa à retrogradação de grau;

um pedido de medidas provisórias com o objectivo de obter a suspensão da execução dessa decisão até o Tribunal de Justiça proferir o acórdão quanto ao mérito.

16

Por despacho de 3 de Julho de 1984 (141/84 R, Recueil, p. 2575), o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Justiça ordenou a suspensão da execução da decisão de 24 de Maio de 1984 até ser proferido o acórdão quanto ao mérito.

17

Por decisão de 4 de Julho de 1984, o presidente do Parlamento indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente em 4 de Junho de 1984.

18

Por acórdão de 20 de Junho de 1985 (141/84, Recueil, p. 1951), o Tribunal verificou que o processo perante o Conselho de Disciplina padecia de vício essencial (audição de testemunhas na ausência do acusado ou do seu defensor) e anulou em consequência a decisão da AIPN de 24 de Maio de 1984.

19

Por carta de 24 de Julho de 1985, o presidente do Parlamento transmitiu ao Tribunal de Contas um pedido, formulado pela Comissão de Controlo Orçamental do Parlamento, com o objectivo de obter novo parecer sobre a forma mais apropriada de liquidar o défice verificado na caixa dos delegados relativamente ao exercício de 1982.

20

Em 7 de Novembro de 1985, o Tribunal de Contas emitiu o seu parecer, concluindo no sentido da responsabilidade do tesoureiro e do gestor de fundos para adiantamentos tendo em conta o artigo 70.o do Regulamento Financeiro.

21

Por decisão de 11 de Julho de 1986, o Parlamento deu ao seu presidente quitação para o exercício orçamental de 1982, autorizando-o a dar quitação aos seus tesoureiros relativamente a esse mesmo exercício «excluindo dessa quitação a importância de 91263 ecus e os assuntos com ela relacionados, mencionados na carta do presidente do Tribunal de Contas, datada de 7 de Novembro de 1985, e no parecer que a acompanha do mesmo Tribunal de Contas». Solicitou, além disso, a adopção pelo seu presidente de medidas adequadas para o esclarecimento das questões ainda em aberto (JO C 227, p. 154).

22

Por carta de 9 de Dezembro de 1986, o presidente do Parlamento comunicou ao recorrente que decidira reabrir o processo disciplinar contra ele, e convidou-o a apresentar as suas observações relativamente ao relatório contendo os factos imputados, que o presidente então em exercício submetera, em 13 de Abril de 1983, ao Conselho de Disciplina, com base no parecer do Tribunal de Contas de 7 de Novembro de 1985 e na decisão do Parlamento de 11 de Julho de 1986.

23

H. de Compte foi ouvido em 12 de Janeiro e em 23 de Fevereiro de 1987 e apresentou as suas observações por escrito em 30 de Janeiro e em 11 de Fevereiro de 1987, nos termos do segundo parágrafo do artigo 87.o do Estatuto.

24

Por carta de 24 de Junho de 1987, dirigida ao presidente do Conselho de Disciplina designado pela instituição, o presidente do Parlamento reabriu o processo disciplinar anteriormente instaurado contra H. de Compte com base no relatório submetido em 13 de Abril de 1983 ao anterior Conselho de Disciplina.

25

O Conselho de Disciplina reuniu-se por diversas vezes entre 9 de Julho e 27 de Novembro de 1987. Nesta data, emitiu um parecer fundamentado em que, por unanimidade, recomendava ao presidente do Parlamento, atendendo à gravidade das acusações consideradas procedentes e às circunstâncias atenuantes, a aplicação a H. de Compte da sanção de retrogradação.

26

Nos termos do terceiro parágrafo do artigo 7.o do anexo, o recorrente foi ouvido em 16 de Dezembro de 1987 e apresentou, por carta de 7 de Dezembro de 1987, as suas observações finais.

27

Por decisão de 18 de Janeiro de 1988, notificada ao recorrente por carta desse mesmo dia e destinada a produzir efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1988, o presidente do Parlamento aplicou ao recorrente a sanção disciplinar de retrogradação do grau A 3, escalão 8, para o grau A 7, escalão 6.

28

Foi neste contexto que, em 10 de Fevereiro de 1988, H. de Compte impugnou a decisão do presidente do Parlamento:

apresentando uma reclamação à AIPN, nos termos do n.o 2 do artigo 90.o do Estatuto;

interpondo simultaneamente o presente recurso de anulação;

e apresentando um pedido de medidas provisórias, com o objectivo de obter a suspensão da respectiva execução até ser proferido o acórdão quanto ao mérito.

29

Por despacho de 16 de Março de 1988 (44/88 R, Colect., p. 1669), o presidenter da Quarta Secção dö Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de medidas provisórias, por o recorrente não ter conseguido demonstrar a urgência exigida pelo n.o 2 do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

30

Por decisão de 27 de Maio de 1988, o presidente do Parlamento indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente em 10 de Fevereiro.

31

A fase escrita do processo, que se desenrolou integralmente perante o Tribunal de Justiça, seguiu a tramitação normal.

32

Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça atribuiu o processo para o Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 14.o da decisão do Conselho, de 24 de-Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

33

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, ao mesmo tempo, convidar o Parlamento a fornecer algumas precisões consideradas necessárias para efeitos do processo.

34

Em 15 de Fevereiro de 1991, o Parlamento entregou os elementos solicitados bem como a resposta às questões escritas do Tribunal.

35

A audiência teve lugar em 19 de Março de 1991. Os representantes das partes apresentaram as suas alegações e as respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

Pedidos das partes

36

O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne :

declarar o recurso admissível e procedente;

anular a decisão de 18 de Janeiro de 1988, pela qual o presidente do Parlamento lhe aplicou a sanção de retrogradação do grau A 3, escalão 8, para o grau A 7, escalão 6; e

condenar o Parlamento nas despesas.

Na réplica, o recorrente formulou, a título subsidiário, os seguintes pedidos adicionais:

nomear uma comissão de três peritos com a missão de emitir um parecer fundamentado sobre as acusações consideradas procedentes e responder a todas as questões relevantes que lhe sejam colocadas pelas partes;

neste caso, reservar para final a decisão quanto às despesas.

O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne :

rejeitar o recurso interposto pelo recorrente;

condenar o recorrente nas despesas, nos termos do artigo 70.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

Acusações consideradas procedentes pela AIPN

37

Resulta da decisão disciplinar adoptada pela AIPN e do parecer fundamentado do Conselho de Disciplina que o conjunto de acusações consideradas procedentes contra o recorrente se podem agrupar em três categorias :

a)

abertura, em 21 de Julho de 1980, de uma conta remunerada à ordem no Midland Bank de Londres, e colocação nessa conta de um montante de 400000 UKL à taxa de 16 % ao ano, sem autorização prévia, sem lançamento dessas operações na contabilidade e sem registo dos juros nos livros do Parlamento em 1980 e 1981. Estes factos constituem violação dos artigos 20.o e 70.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, no que se refere à abertura da conta, bem como dos artigos 63.o do Regulamento Financeiro e 50.o e 51.o do Regulamento (Euratom, CECA, CEE) da Comissão, de 30 de Junho de 1975, que introduz modalidades de execução de algumas disposições do Regulamento Financeiro de 25 de Abril de 1973 (JO L 170, p. 1; EE 01 F2 p. 12, a seguir «modalidades de execução»), no que se refere à ausência de contabilização (n.os 127 a 156 do parecer fundamentado e pàgina 3 da decisão da AIPN);

b)

cobrança, sem justificação precisa e válida, de dois cheques, sobre o Midland Bank, em 4 de Setembro de 1981 e 11 de Novembro de 1981, de um montante de, respectivamente, 17189,15 UKL e 35176,98 UKL, que foram pagos, em dinheiro, pelo banco Sogenal (Société générale alsacienne de banque) do Luxemburgo, pelos seguintes valores: 2700000 BFR, 30000 DM e 100000 FF. Omissão do registo dessas operações nos livros do Parlamento no decurso do exercício de 1981. Registo com seis meses de atraso (28 de Fevereiro de 1982) na ficha contabilística da caixa dos delegados, num valor global de 4136125 BFR, quando o levantamento fora efectuado em diversas divisas. Estes factos constituem incumprimento da obrigação de gestão regular dos créditos de pagamento, prevista nos artigos 20.o, segundo parágrafo, 63.o, 64.o, segundo parágrafo, e 70.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento Financeiro (n.os 157 a 186 do parecer fundamentado e página 4 e 5 da decisão da AIPN);

c)

incumprimento da obrigação que incumbe ao tesoureiro de apenas efectuar despesas contra apresentação de documentos justificativos válidos e de velar pela conservação dos valores do Parlamento. A ausência de documentos justificativos diz respeito a uma diferença entre os valores activos efectivamente existentes na caixa dos delegados e a contabilidade geral da ordem dos 4100000 BFR, descoberta após registo dos 4136125 BFR, relativo à cobrança dos dois cheques sobre o Midland Bank. Estes factos constituem negligência grave por parte do tesoureiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade nos termos do artigo 70.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro (n.os 187 a 215 do parecer fundamentado e página 5 e 6 da decisão da AIPN).

38

A AIPN, após afirmar ter examinado cuidadosamente todas as peças do processo, o parecer do Conselho de Disciplina e a tomada de posição do recorrente, considerou que, mesmo na mais favorável interpretação dos factos, o recorrente cometera graves infracções às obrigações que incumbem ao tesoureiro do Parlamento e, de forma mais genérica, aos funcionários das Comunidades Europeias. Atendendo às circunstâncias atenuantes admitidas pelo Conselho de Disciplina — entre as quais a má organização dos serviços financeiros do Parlamento na altura em que ocorreram os factos incriminados — a AIPN concluiu no sentido da aplicação da sanção de retrogradação.

Historial da gestão das contas bancárias no Midland Bank de Londres

39

As acusações consideradas procedentes contra o recorrente dizem respeito à gestão de uma conta bancária alimentada por fundos provenientes do fundo para adiantamentos, utilizado para o pagamento de diversos subsídios e para o reembolso das despesas de viagem dos membros do Parlamento. Os factos relativos à gestão dessa conta bancária, tal como estabelecidos pelo parecer do Tribunal de Contas de 7 de Novembro de 1985 e pelo parecer fundamentado do Conselho de Disciplina (n.os 127 a 155), são adiante expostos. A veracidade desses factos não foi contestada pelo recorrente.

40

Em 16 de Maio de 1980, o Midland Bank de Londres escreveu ao Parlamento para o informar de que importantes saldos, então conservados na sua conta corrente n.o 618094, podiam ser utilmente colocados a prazo, de forma a produzirem juros.

41

Por carta de 21 de Julho de 1980, assinada por Offermann, gestor de fundos para adiantamentos, funcionário da Divisão «Tesouraria e Contabilidade», e por Cesaratto, funcionária dessa mesma divisão, foi aberta naquele banco uma conta remunerada à ordem (n.o 1777912), tendo o montante de 400000 UKL sido transferido para essa conta à taxa de 16 % ao ano.

42

De acordo com as declarações que prestou ao Conselho de Disciplina, o recorrente teve conhecimento, desde o início, desta troca de cartas e da decisão de abertura de uma conta remunerada. O montante de 400000 UKL esteve imobilizado durante treze meses, sem que conste dos livros do Parlamento qualquer registo dessas operações.

43

Em Agosto de 1981, aquele capital foi de novo transferido, a pedido do tesoureiro, H. de Compte, e do gestor de fundos para adiantamentos, Offermann, para a conta corrente n.o 618094. Pelo contràrio, os juros, que se elevavam na altura a 50347,59 UKL, foram mantidos na conta remunerada à ordem n.o 1777912. Esses juros também não foram registados nos livros do Parlamento, nem em 1980 nem em 1981.

44

Foi creditado na conta n.o 1777912 um novo montante de 9152,85 UKL a título de juros relativos ao segundo semestre de 1981, o que elevou o total dos juros e, em consequência, o saldo dessa conta para 59500,44 UKL. Na altura, não foi feita qualquer menção desse facto nos livros do Parlamento.

45

Em 4 de Setembro e em 11 de Novembro de 1981, o banco Sogenal do Luxemburgo pagou em dinheiro a H. de Compte, de acordo com instruções por este dadas, os seguintes montantes: 2700000 BFR, 30000 DM e 100000 FF. Como contrapartida dessas somas, H. de Compte entregou dois cheques sobre o Midland Bank de Londres de, respectivamente, 17189,15 UKL e 35176,98 UKL.

46

O Midland Bank recusou-se a debitar esses cheques na conta remunerada (n.o 1777912), por esta conta não poder dar lugar à emissão de cheques e, assim, a um levantamento directo. O Midland Bank reinscreveu o número da conta corrente inicial (618094) e os dois cheques foram debitados nesta conta. Todavia, nenhum desses cheques foi registado durante o exercício de 1981 na correspondente contabilidade constante dos livros do Parlamento.

47

No domingo 28 de Fevereiro de 1982, os dois cheques foram registados na ficha contabilística da caixa dos delegados, a título da conta no Midland Bank, num montante global de 4136125 BFR.

48

Aparentemente, nessa mesma data de 28 de Fevereiro de 1982, foram preenchidos quatro impressos «operações de tesouraria» relativamente a esses dois cheques, antedatados de 16 de Setembro e 26 de Novembro de 1981.

49

Entretanto, em 24 de Fevereiro de 1982, na sequência de uma chamada telefónica feita pelo Midland Bank de Londres, a soma de 19000 UKL foi transferida da conta remunerada para a conta corrente, reduzindo assim o saldo da conta remunerada para 40500,44 UKL.

50

Em 18 de Março de 1982, o Tribunal de Contas procedeu a um controlo, no decurso do qual não apareceu o registo contabilístico dos 4136125 BFR, o que permitiu ao seu representante afirmar na audição perante o Conselho de Disciplina, em 23 de Outubro de 1987, que o registo de 28 de Fevereiro de 1982 tivera efectivamente lugar depois de efectuado esse controlo.

51

Em 30 de Março de 1982, H. de Compte reconheceu, por carta dirigida ao presidente do Parlamento, a não contabilização, como despesa, da soma de 4121573 BFR.

52

Em Abril de 1982, em resposta a um pedido formulado pelo Midland Bank com vista à verificação dos saldos por ele detidos em nome do Parlamento, o Banco informou o Tribunal de Contas da existência da conta n.o 1777912.

53

Na sequência da mutação do recorrente, em 30 de Abril de 1982, e por instrução do novo tesoureiro, procedeu-se ao encerramento da conta remunerada, tendo o saldo sido transferido, em 20 de Maio de 1982, para a conta corrente.

54

Na sequência dos controlos internos efectuados pelos serviços financeiros do Parlamento, foi registado na contabilidade geral do Parlamento, em 31 de Agosto de 1982, um estorno no montante de 4136125 BFR.

Quanto ao mérito

55

Em apoio do seu recurso de anulação, o recorrente invoca, em primeiro lugar, oito fundamentos de legalidade externa, relativos à regularidade do processo disciplinar, que se podem resumir da seguinte forma:

a decisão impugnada foi tomada fora do prazo previsto no artigo 7.o, terceiro parágrafo, do anexo;

o processo disciplinar foi instaurado após o termo do prazo de prescrição previsto no artigo 72.o do Regulamento Financeiro;

o processo disciplinar devia ter sido considerado inadmissível em virtude de lhe ter sido concedida quitação relativamente ao exercício de 1981;

a reabertura do processo disciplinar teve lugar com violação do princípio do prazo razoável;

o processo disciplinar que lhe foi instaurado devia ter sido considerado inadmissível em virtude de violação da regra non bis in idem, enunciada no artigo 86.o do Estatuto;

o processo disciplinar padece de vícios formais que afectam o relatório inicial e a acta de 26 de Novembro de 1987;

houve diversas violações dos direitos da defesa, em virtude, designadamente, da não comunicação de determinados documentos;

a independência do Conselho de Disciplina e a liberdade da defesa foram afectadas por determinadas declarações de um vice-presidente do Parlamento, então em exercício.

56

Em segundo lugar, o recorrente invocou, em apoio dos seus pedidos, três fundamentos de legalidade interna, relativos à razoabilidade da decisão impugnada, que assim se podem resumir:

violação do artigo 86.o do Estatuto, e dos artigos 70.o e 72.o do Regulamento Financeiro, e violação do princípio de direito nos termos do qual qualquer acto administrativo deve ser acompanhado de fundamentos legalmente admissíveis, não contraditórios e não viciados de erros de direito e/ou de facto;

a título subsidiário, violação do artigo 86.o, n.o 1, do Estatuto e dos artigos 70.o, n.o 1, e 71.o do Regulamento Financeiro, e violação dos princípios de igualdade, equidade e justiça distributiva, bem como existência de desvio de poder;

violação do princípio da proporcionalidade, no que se refere à importância das violações consideradas procedentes relativamente à gravidade da sanção aplicada.

A — Fundamentos relativos à legalidade externa

Quanto ao fundamento baseado na violação do prazo previsto no artigo 7.o, terceiro parágrafo, do anexo

57

O recorrente desistiu deste fundamento na réplica.

Quanto ao fundamento baseado no termo do prazo de prescrição

58

O recorrente argumenta que o processo disciplinar que conduziu à decisão impugnada foi instaurado após o termo do prazo de prescrição previsto no artigo 72.o do Regulamento Financeiro, nos termos do qual «a cada instituição será concedido um prazo de dois anos a contar da data da apresentação da conta de gestão para decidir da quitação a dar aos tesoureiros em relação às operações respeitantes a essa conta».

59

De acordo com o recorrente, decorrido o referido prazo de dois anos e na falta de uma quitação anteriormente concedida ou recusada expressamente, presume-se legalmente a ocorrência de uma quitação tácita, visto que o tesoureiro não pode ser vítima da inércia da autoridade administrativa. O n.o 2 do artigo 37.o do Regulamento Financeiro, que prevê a conservação dos documentos justificativos relativos à contabilidade durante um período de cinco anos a contar da data da decisão de quitação relativa à execução do orçamento, referida no artigo 85.o, não é incompatível com esta tese, visto este artigo apenas consagrar uma obrigação posterior à referida decisão de quitação.

60

A quitação tácita não pode ter outro sentido que não seja o reconhecimento da regularidade e exactidão das contas, o que implica a quitação definitiva de determinada responsabilidade do tesoureiro, a saber, a relativa à regularidade formal das contas. Decorre deste alcance mínimo da quitação que um eventual processo disciplinar, que apenas contenha acusações formais, deve também ser instaurado, sob pena de prescrição, no prazo de dois anos. Esse prazo começa a correr, nos termos dos artigos 73.o e 77o do Regulamento Financeiro, o mais tardar em 31 de Maio do ano seguinte ao do exercício orçamental em causa.

61

O recorrente pretende que, no caso vertente, o processo disciplinar foi instaurado em 24 de Junho de 1987, ou seja, após decorrido o citado prazo de dois anos, tanto no que se refere à sua gestão relativa ao exercício de 1981 — prazo que termina o mais tardar em 31 de Maio de 1984 — como, subsidiariamente, no que se refere à sua gestão relativa ao exercício de 1982 — prazo que termina o mais tardar em 31 de Maio de 1985 —, visto ter deixado de exercer funções de tesoureiro a partir de 30 de Abril de 1982. O recorrente observa, ainda, que o processo instaurado em 24 de Junho de 1987 não pode de forma alguma ser considerado como a reabertura de um anterior processo disciplinar, dado que o primeiro processo, instaurado em 30 de Setembro de 1982, não teve seguimento e que o segundo processo, instaurado em 13 de Abril de 1983, conduziu à decisão de 24 de Maio de 1984, por seu lado anulada pelo refendo acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1985.

62

Abordando, ainda, o eventual nexo entre os artigos 72.o e 85.o do Regulamento Financeiro, o recorrente observa que o legislador não previu qualquer possibilidade de prorrogação do prazo estabelecido para a decisão de quitação, como o fez relativamente à decisão de quitação prevista no artigo 85.o Em consequência, deve considerar-se o prazo do artigo 72.o, relativo à quitação, como um prazo de preclusão. Em sua opinião, não pode também perder-se de vista o facto de o prazo estabelecido no artigo 85.o findar mais de um ano antes do prazo previsto no artigo 72.o

63

O recorrido responde que, em nenhum caso, as disposições do Estatuto autorizam que se estabeleça um nexo entre a quitação e o processo disciplinar, o que resulta claramente do despacho de medidas provisórias de 3 de Julho de 1984, já referido, proferido no mesmo processo. A pretensa prescrição devia ter sido expressamente prevista pelo legislador (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, n.os 18-20, 41/69, Recueil, p. 661), o que não sucede com o artigo 72.o do Regulamento Financeiro.

64

Além disso, o Regulamento Financeiro, ao prever no n.o 2 do artigo 37.o a conservação dos documentos justificativos durante um período de cinco anos, reconhece implicitamente a possibilidade de instauração do processo disciplinar durante um período prolongado, que ultrapassa os dois anos estabelecidos para a quitação. O efeito jurídico da quitação consiste em a autoridade encarregada do controlo orçamental declarar, ao concedê-la, não ter qualquer objecção a formular quanto à prestação das contas. Contudo, a quitação não impede a instauração de um processo disciplinar se averiguações em curso, relacionadas com um processo disciplinar, revelarem elementos novos e, designadamente, a existência de fraudes.

65

O Parlamento sustenta também que a decisão de quitação não pode deixar de ser expressa. O prazo de dois anos, previsto para esse efeito no artigo 72.o do Regulamento Financeiro, não pode ser interpretado como um prazo de preclusão, decorrido o qual o tesoureiro beneficiaria de uma quitação tácita. A decisão de quitação apenas pode ser tomada depois da decisão de quitação relativa à execução do orçamento. Não sendo o prazo de votação da quitação relativa à execução do orçamento, previsto no artigo 85.o do Regulamento Financeiro, um prazo de preclusão, o mesmo deve suceder quanto ao prazo previsto no artigo 72.o do mesmo regulamento.

66

A este respeito, a instituição recorrida observa que, seja como for, os processos disciplinares de 30 de Setembro de 1982 e 13 de Abril de 1983 foram instaurados antes de 31 de Maio de 1984 e, em consequência, os prazos foram cumpridos. É certo que, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1985, que anulou a decisão da AIPN de 24 de Maio de 1984, o processo disciplinar teve de recomeçar. Não é menos verdade que, de acordo com aquela instituição, a instauração de anteriores processos disciplinares tem por efeito interromper uma eventual prescrição (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1967, Kampffmeyer/Comissão, 5/66, 7/66, 13/66 a 24/66, Recueil, p. 317; de 5 de Abril de 1973, Giordano/Comissão, 11/72, Recueil, p. 417). Além disso, a AIPN tinha o direito de tomar uma decisão idêntica à que fora anulada por vício de forma, respeitando, desta vez, as formalidades essenciais que violara (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1982, Amylum/Conselho, 108/81, Recueil, p. 3107).

67

Além disso, para o Parlamento, o recorrente, contrariamente ao que afirma, jamais obteve quitação tácita. A este respeito, o recorrido procede às seguintes precisões. A decisão de 14 de Janeiro de 1983, pela qual o Parlamento deu quitação ao recorrente, dizia respeito ao exercício de 1980, não tomando em consideração as acusações contra ele formuladas. Se, por decisão de 10 de Abril de 1984, o Parlamento deu quitação ao recorrente para o exercício de 1981, adiou expressamente, todavia, a consideração da relevância material dos problemas relativos aos processos disciplinares instaurados contra o recorrente no âmbito da quitação relativa a 1982. No que se refere a esta quitação, o Parlamento, na sua decisão de 11 de Julho de 1986, autorizou o seu presidente a dar quitação aos seus tesoureiros responsáveis pelo exercício de 1982, excluindo dessa quitação a diferença entre a caixa e a contabilidade geral, num montante de 4136125 BFR.

68

Quanto a este fundamento, o Tribunal salienta, em primeiro lugar, que o Estatuto, ao regulamentar nos artigos 86.o a 89.o e no anexo IX o regime disciplinar aplicável aos funcionários comunitários, não prevê qualquer prazo de prescrição para instauração de processos disciplinares aos funcionários acusados de não terem cumprido as suas obrigações estatutárias. Para que um prazo de prescrição preencha a sua função de garantir a segurança jurídica terá de ser antecipadamente fixado pelo legislador comunitário (ver acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, já citado). Ora, não constando do capítulo do Estatuto relativo ao regime disciplinar dos funcionários qualquer prazo de prescrição expresso, não se pode admitir que o decurso do prazo estabelecido no artigo 72.o do Regulamento Financeiro, para efeitos de quitação aos tesoureiros, seja susceptível de ter por consequência a prescrição de qualquer processo disciplinar contra estes.

69

A este respeito, é necessário, em segundo lugar, recordar o princípio da independência da sanção disciplinar relativamente aos demais processos administrativos. Com efeito, a sanção disciplinar tem por objectivo a salvaguarda da ordem interna da função pública. Pelo contrário, a concessão da quitação, prevista no artigo 72.o do Regulamento Financeiro, visa o controlo da exactidão e regularidade das contas, e, de forma mais geral, a respectiva prestação e verificação, para que seja posto termo à incerteza que pesa sobre a responsabilidade que incumbe ao tesoureiro em causa, relativamente a determinado exercício. Foi dentro desta óptica que o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Justiça procedeu à distinção entre aqueles procedimentos no acórdão proferido em 3 de Julho de 1984 no processo de medidas provisórias. Em consequência, a pretensa quitação tacitamente decorrente do decurso do prazo de dois anos não pode impedir a instauração de procedimento disciplinar contra o recorrente.

70

Ademais, cabe referir que, mesmo que se admita a tese do recorrente quanto a este aspecto, o presente fundamento deve contudo ser rejeitado porque improcedente. Com efeito, o Parlamento pode legitimamente sustentar que o processo disciplinar em causa foi instaurado antes de 31 de Maio de 1984, data em que o recorrente considera ter sido dada quitação tácita relativa ao exercício de 1981. Deve considerar-se que o processo disciplinar contra o recorrente foi instaurado o mais tardar em 13 de Abril de 1983, data em que o presidente do Parlamento remeteu ao Conselho de Disciplina o relatório contendo os fundamentos de acusação contra o recorrente. Esse processo disciplinar conduziu à decisão da AIPN de 24 de Maio de 1984, que aplicou ao recorrente a sanção de retrogradação. Após anulação desta decisão disciplinar por acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1985, com fundamento em vício processual, o presidente do Parlamento submeteu de novo o caso ao Conselho de Disciplina, em 24 de Junho de 1987, com base no mesmo relatório. Assim sendo, não se pode considerar que a reabertura do processo disciplinar representa uma nova submissão do assunto às instâncias competentes, mas sim o retomar do processo a partir da fase em que ocorreu o vício de forma verificado pelo Tribunal de Justiça. Para o efeito, convém recordar que a administração pode, em princípio, retomar um acto administrativo, anteriormente anulado por vício de forma, cumprindo agora as formalidades que não tinham sido respeitadas.

71

Decorre do conjunto destas considerações que o fundamento baseado no termo do prazo de prescrição pretensamente estabelecido no artigo 72.o do Regulamento Financeiro deve ser rejeitado porque improcedente.

Quanto ao fundamento baseado na concessão da quitação relativa ao exercício de 1981

72

O recorrente recorda que o Parlamento lhe concedeu, por decisão de 10 de Abril de 1984, quitação relativa ao exercício de 1981, com base no relatório de 21 de Março de 1984 da Comissão de Controlo Orçamental. Argumenta que, por si só, aquela decisão torna o actual processo disciplinar inadmissível e, em consequência, nulo, visto que as únicas acusações retidas contra si dizem exclusivamente respeito à regularidade formal das contas.

73

O recorrente afirma, além disso, na sua petição, ser irrelevante o facto de a quitação relativa ao exercício de 1982 lhe ter sido dada com uma reserva relativa ao que constitui precisamente o essencial do presente processo, a saber, a questão dos 4 milhões de BFR. Quanto a este ponto, sustenta, a título principal, ter esta última questão sido decidida pela «quitação dada no termo da quitação de 1981»; a título subsidiário, que obteve quitação relativamente ao exercício de 1982; e a título ainda mais subsidiário, que, aquando da sua mutação, em 30 de Abril de 1982, e da sua substituição pelo novo tesoureiro, não houve prestação das contas de gestão, pelo que a AIPN ficou impossibilitada de, relativamente ao exercício de 1982, apurar o que era da sua responsabilidade ou da do tesoureiro que lhe sucedeu.

74

Na réplica, o recorrente invoca dois factos que qualifica de essenciais, a saber, por um lado, a decisão de 18 de Maio de 1983 pela qual o Parlamento deu quitação ao seu presidente para o exercício orçamental de 1981 e, por outro, a citada decisão do Parlamento de 10 de Abril de 1984. Com estes fundamentos, argumenta, em primeiro lugar, que a quitação dada pelo Parlamento ao seu presidente em 18 de Maio de 1983 comporta, tacitamente, a concessão da quitação ao tesoureiro; em segundo lugar, que a quitação não pode ser parcial e, em terceiro lugar, que o alcance da decisão de concessão de quitação não pode ser limitado por um seu considerando. A título subsidiário, o recorrente acrescenta, para a hipótese de se considerar relevante a questão da quitação relativa a 1982, dever entender-se que a obteve. A este respeito, retoma a argumentação de que a quitação dada pelo Parlamento ao seu presidente — na ocorrência, a decisão do Parlamento de 11 de Julho de 1986 relativa ao exercício de 1982 — comporta a concessão da quitação ao tesoureiro.

75

O recorrido refuta a argumentação do recorrente retomando as observações anteriormente formuladas a propósito do fundamento relativo ao termo do prazo de prescrição, a saber, que foi sempre recusada ao recorrente quitação relativa aos actos que são objecto do processo disciplinar. Observa, além disso, que o facto de ter sido dada quitação, a ter-se verificado, de forma alguma impediria a instauração do processo disciplinar.

76

Na tréplica, o recorrido suscitou, além disso, reservas quanto à admissibilidade dos fundamentos invocados pelo recorrente na réplica, a saber, a correlação entre a quitação dada pelo Parlamento ao seu presidente, e a quitação a conceder ao tesoureiro da instituição, a indivisibilidade da quitação e as consequências de um considerando sobre o alcance da decisão de quitação. A instituição considera tratar-se de três fundamentos novos.

77

O Parlamento sustenta, ainda, não procederem esses fundamentos. Sublinha o facto de existirem dois processos distintos para a quitação do presidente e a quitação do tesoureiro, sendo que, em sua opinião, daí se deve concluir não se poder inferir que um abrange o outro. A quitação ao presidente é «necessária» mas não «suficiente» para a concessão da quitação ao tesoureiro, e foi neste sentido que se desenvolveu a prática das instituições. Por estas mesmas razões, o artigo 13.o das regras internas relativas à execução do orçamento do Parlamento apenas refere que a quitação ao presidente implica «a autorização» de dar quitação ao tesoureiro, mas não que implica automaticamente essa quitação. Por consequência, o Parlamento, ao dar quitação ao seu presidente, recusando ao mesmo tempo dar quitação ao recorrente, não entendeu seguramente estar a cobrir a responsabilidade deste. A este respeito, e em resposta às questões colocadas pelo Tribunal, o Parlamento esclareceu a sua regulamentação interna e a prática administrativa relativa à quitação ao presidente para o exercício orçamental da instituição (artigo 85.o do Regulamento Financeiro) e a quitação aos tesoureiros (artigo 72.o do mesmo regulamento).

78

O Tribunal verifica que, através deste terceiro fundamento, o recorrente sustenta, no essencial, ter obtido quitação expressa relativamente ao exercício de 1981 e, a título subsidiário, relativamente ao exercício de 1982, o que tornaria inadmissível o processo disciplinar contra si instaurado.

79

Como ficou demonstrado na resposta dada ao fundamento anterior, o processo disciplinar previsto no Estatuto é independente do processo de quitação ao tesoureiro estabelecido pelo Regulamento Financeiro. Em consequência, o facto de o recorrente ter obtido quitação relativamente ao exercício de 1981, a verificar-se, não constitui obstáculo à instauração de um processo disciplinar contra ele, tanto mais que tal instauração, que remonta a 13 de Abril de 1983, é, em qualquer caso, anterior às decisões do Parlamento de 18 de Maio de 1983 e de 10 de Abril de 1984, decisões estas que, na tese do recorrente, devem ser entendidas como tendo-lhe concedido, tácita ou expressamente, quitação relativamente ao exercício de 1981.

80

Cabe observar, também, que, mesmo que se admita a tese do recorrente de que a concessão da quitação impede a instauração de um processo disciplinar, tal fundamento não pode ser acolhido. Com efeito, na medida em que o recorrente invoca pela primeira vez na réplica a decisão de 18 de Maio de 1983 em que o Parlamento deu quitação ao seu presidente para sustentar que essa quitação implica automaticamente a concessão de quitação ao tesoureiro da instituição, deve salientar-se — independentemente das dúvidas que se podem suscitar quanto à sua admissibilidade — que esta parte do fundamento não procede. Na citada decisão de 18 de Maio de 1983, o Parlamento expressamente diferiu «a quitação ao tesoureiro [...] para permitir que a Comissão de Controlo Orçamental proceda a determinados exames». Na medida em que o recorrente invoca, no contexto do mesmo fundamento, a decisão do Parlamento de 10 de Abril de 1984, esta parte do fundamento também não procede. Na realidade, para efeitos de apreciação do alcance desta decisão tem de se atender aos seus considerandos; em especial, resulta dos pontos Gel dos considerandos da referida decisão que o Parlamento não se pronunciou, no quadro da quitação ao presidente para o exercício de 1982, sobre os elementos relativos à responsabilidade do recorrente, relativamente à qual o presidente do Parlamento solicitara, por carta de 6 de Junho de 1983, o adiamento da decisão de quitação para o exercício de 1981.

81

Cabe, além disso, observar que o exercício de 1981 não pode ser considerado relevante para efeitos de exame das questões controvertidas. Com efeito, tal como resulta dos documentos constantes do processo, o facto de durante todo o exercício de 1981 não ter sido efectuado qualquer lançamento contabilístico, quer de pagamento, quer de cobrança da soma de 4136125 BFR, não possibilitou, aquando do controlo de gestão efectuado no final desse exercício, a verificação da existência de um excedente ou de um défice. Em consequência, é o exercício de 1982 que assume relevância para efeitos do exame da responsabilidade do recorrente enquanto tesoureiro do Parlamento. Quanto a este exercício, é certo que, pela decisão de 11 de Julho de 1986, o Parlamento autorizou o seu presidente a dar quitação aos seus tesoureiros, mas excluiu expressamente dessa autorização «a importância de 91263 ecus e os assuntos com ela relacionados», em consequência, precisamente, da diferença entretanto verificada entre o saldo da caixa dos delegados e a contabilidade geral.

82

Conclui-se que, em qualquer caso, este fundamento não pode deixar de ser também afastado.

Quanto ao fondamento baseado na violação do princípio do prazo razoável

83

O recorrente, que invoca este fundamento a título subsidiário em relação, nomeadamente, ao baseado no termo do prazo de prescrição, argumenta que, nos termos de um princípio geralmente aceite, se justifica considerar que um processo disciplinar deve ser instaurado num prazo razoável, após conhecimento dos factos invocados, e prosseguido também num prazo razoável, por razões tanto de segurança jurídica como de boa administração.

84

O recorrente observa, deste ponto de vista, que ao processo disciplinar, tal como regulamentado no Estatuto, se aplicam normalmente prazos relativamente curtos. No caso vertente, o processo terá sido instaurado e/ou prosseguido com atrasos não razoáveis. Em apoio desta afirmação, recorda que o processo disciplinar foi instaurado ou, pelo menos, reinstaurado em 24 de Junho de 1987, quando o dies a quo se situa em 31 de Dezembro de 1981 (fecho do exercício orçamental de 1981) ou, subsidiariamente, em 30 de Abril de 1982 (data da sua mutação) ou, ainda mais subsidiariamente, em 20 de Junho de 1985 (data do acórdão do Tribunal de Justiça que anulou a sanção disciplinar de 24 de Maio de 1984).

85

Na réplica, o recorrente procede à reconstituição dos factos ocorridos depois de ter sido objecto de acusação em 1982, por forma a provar que os cinco anos decorridos entre os factos imputados e a instauração do processo disciplinar ultrapassam os limites de qualquer prazo razoável. Neste contexto, invoca, em primeiro lugar, a violação do n.o 1 do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem, que considera aplicável por analogia ao caso vertente. Examina, em segundo lugar, os argumentos apresentados pela instituição recorrida, para concluir que esta não contesta o princípio da exigência de um prazo razoável para a instauração e prosseguimento de um processo disciplinar. Salienta, a este respeito, que a instituição apenas contestou a existência de um prazo de prescrição relativo à instauração de um processo disciplinar, e não a de um prazo razoável, que seria de diferente natureza. Acrescenta que o parecer do Conselho de Disciplina refere circunstâncias atenuantes atinentes ao lapso de tempo excessivo decorrido entre a formulação das acusações pela AIPN e a concretização do processo disciplinar. A AIPN, dando o seu acordo a esse parecer, reconheceu assim a existência de um lapso de tempo excessivo, não imputável ao recorrente. No que se refere, em terceiro lugar, à argumentação em matéria de facto da instituição recorrida, o recorrente entende que o único pomo de discussão relevante respeita ao período de ano e meio decorrido entre 20 de Junho de 1985, data em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça, e 9 de Dezembro de 1986, data da carta pela qual a AIPN lhe comunicou pretender reabrir o processo disciplinar, convidando-o a apresentar as suas observações sobre o relatório de que constavam as acusações contra ele formuladas, inicialmente transmitido ao Conselho de Disciplina em 13 de Abril de 1983.

86

Por seu lado, o recorrido repete não estar previsto no Estatuto qualquer prazo de prescrição quanto à instauração de um processo disciplinar. Seja como for, entende não poder ser acusado de não ter feito prova de adequada diligência no prosseguimento do processo disciplinar instaurado contra o recorrente, se se atender, em especial, à natureza extremamente complexa dos factos a provar e à gravidade das acusações formuladas contra o recorrente. A longa crónica dos factos, que a instituição expõe detalhadamente, demonstra a veracidade deste argumento. Pretende também que a duração da instrução se explica pelos numerosos incidentes suscitados pelo recorrente, e pela sua defesa, ao longo de todo o processo disciplinar, bem como pelo número de processos judiciais a que deu lugar, a saber, cinco despachos em processos de medidas provisórias e um acórdão. Por último, o recorrido observa que o próprio recorrente reduz significativamente o alcance da sua acusação ao declarar que a única questão relevante no caso vertente tem por objecto o período de dois anos que se seguiu à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, em 20 de Junho de 1985, e ao admitir que, durante esse período, lhe é pessoalmente imputável um atraso de meio ano. A questão consiste, pois, em saber se se justifica ou não o restante prazo de ano e meio.

87

No que se refere especificamente a esse período de ano e meio, o recorrido argumenta que, atendendo às observações do presidente da Terceira Secção contidas no despacho proferido no processo de medidas provisórias em 3 de Julho de 1984, a AIPN não considerou oportuno reabrir imediatamente o processo disciplinar, preferindo aguardar a adopção pelo Parlamento da decisão sobre a quitação relativa ao exercício de 1982. A instituição recorrida recorda, a este respeito, que, na data em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça, 20 de Junho de 1985, a Comissão de Controlo Orçamental iniciara já, em 18 de Junho de 1985, o processo relativo a essa quitação. O presidente do Parlamento, na sequência do pedido formulado nesse sentido pela Comissão de Controlo Orçamental, solicitou também, por carta de 24 de Julho de 1985, novo parecer do Tribunal de Contas sobre a forma mais adequada de apuramento do défice verificado na caixa dos delegados relativamente ao exercício de 1982. A AIPN aguardou o parecer do Tribunal de Contas, emitido em 7 de Novembro de 1985, e, em seguida, a decisão do Parlamento, de 11 de Julho de 1986 sobre a quitação relativa ao exercício de 1982, antes de reabrir o processo disciplinar. Ainda que o recorrido negue que a eventual quitação possa impedir a instauração de procedimentos disciplinares, entende contudo que a análise minuciosa, pela Comissão de Controlo Orçamental do Parlamento, da gestão das contas do recorrente era susceptível de trazer nova luz ao processo. Daí o recorrido conclui que esta razão, que tinha por única finalidade o interesse do recorrente, constitui fundamento válido para justificar o prazo de ano e meio decorrido entre o acórdão de anulação e a reabertura do processo disciplinar.

88

Cabe observar, quanto a este fundamento, que, embora o Estatuto não preveja um prazo de prescrição para a instauração de um processo disciplinar, fixa contudo, no anexo IX, mais precisamente no artigo 7.o, o prazo de um mês, elevado para três meses em caso de averiguação contraditória, para o Conselho de Disciplina emitir um parecer fundamentado, e idêntico prazo de um mês para a AIPN adoptar a sua decisão. Esses prazos, apesar de não peremptórios, enunciam contudo uma regra de boa administração que tem por finalidade evitar, no interesse tanto da administração como dos funcionários, atrasos injustificados na adopção da decisão que põe fim ao processo disciplinar (ver acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1970, Van Eick/Comissão, 13/69, Recueil, p. 3; de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, 228/83, Recueil, p. 275; de 19 de Abril de 1988, M./Conselho, 209/86, Colect., p. 1891). Decorre da preocupação de boa administração manifestada pelo legislador comunitário que as autoridades disciplinares têm obrigação de conduzir com diligência o processo disciplinar e de agir de tal forma que cada acto processual seja praticado num prazo razoável relativamente ao que o precede. O não cumprimento desse prazo — que apenas pode ser apreciado em função das circunstâncias específicas do processo — é susceptível não apenas de gerar a responsabilidade da instituição, como também de causar a nulidade do acto praticado fora de prazo.

89

No caso vertente, resulta da análise dos sucessivos actos adoptados desde 13 de Abril de 1983 contra o recorrente, cuja cronologia foi acima traçada na parte «Matéria de facto e tramitação processual», que o processo disciplinar seguiu, em princípio, o seu curso normal. É, contudo, forçoso reconhecer que, deduzido o período de tempo ocupado pelo recorrente em garantir a sua defesa perante o Tribunal de Justiça, por duas vezes se pode suscitar a questão de saber se foi respeitado um prazo razoável. A primeira diz respeito ao período de oito meses em que o processo esteve nas mãos do primeiro Conselho de Disciplina (de 2 de Junho de 1983 a 10 de Fevereiro de 1984); a segunda refere-se ao prazo de dezoito meses decorrido entre a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça e o envio da carta do presidente do Parlamento, convidando o recorrente a apresentar observações nos termos do n.o 2 do artigo 87.o do Estatuto (de 20 de Junho de 1985 a 9 de Dezembro de 1986).

90

Tal como o Parlamento sustentou na contestação (páginas 26 a 30) e como resulta também do parecer fundamentado do primeiro Conselho de Disciplina, de 10 de Fevereiro de 1984 (n.os 6 a 20), a duração dos trabalhos deste último deveu-se, por um lado, às ausências do recorrente por razões médicas, que, somadas, perfazem quatro meses, e, por outro, ao facto de ter sido necessário ordenar uma averiguação contraditória. Nestas circunstâncias, deve admitir-se que o prazo de oito meses que o primeiro Conselho de Disciplina demorou até emitir o seu parecer fundamentado não excedeu os limites de um prazo razoável.

91

Quanto ao período de 18 meses decorrido entre o acórdão de anulação do Tribunal de Justiça e a reinstauração do processo disciplinar, o recorrido argumenta que a AIPN teve de aguardar a conclusão do processo parlamentar, já iniciado, relativo à quitação para o exercício de 1982. Antes de apreciar este fundamento, cabe recordar determinadas circunstâncias específicas que rodearam o aparecimento do presente litígio.

92

Como já foi referido, o Tribunal de Contas elaborou, em Julho de 1982, um relatório especial sobre o funcionamento da caixa dos delegados em que verificou a existência de graves violações do Regulamento Financeiro. Estas irregularidades foram confirmadas no relatório elaborado por um gabinete independente de peritos contabilistas, que verificou a existência de um «buraco» de cerca de 4 milhões de BFR, «praticado» ao longo dos últimos anos. Cabe acrescentar que a instauração de um processo disciplinar ao recorrente suscitou fortes reacções e vivos debates no Parlamento, de que a imprensa internacional se fez eco, dando a entender ter sido descoberto um escândalo de grande amplitude. Por seu lado, o recorrente pretendia ter sido vítima do ambiente administrativo, material e humano em que trabalhava, acusando os seus superiores hierárquicos como únicos responsáveis pelas anomalias descobertas. Neste contexto, as instâncias competentes do Parlamento pronunciaram-se com alguma ambiguidade numa primeira fase sobre a responsabilidade do recorrente. Com base no relatório da Comissão de Controlo Orçamental, a assembleia, na decisão em que concedeu a quitação ao tesoureiro da instituição relativamente ao exercício de 1981, adiou o exame da questão do défice para o âmbito da quitação relativa a 1982. Por seu lado, o Conselho de Disciplina considerou ter sido a justo título que a AIPN acusara o recorrente de um conjunto de negligências graves no exercício das suas funções, mas que circunstâncias atenuantes, atinentes sobretudo à má organização global da direcção em que estava inserido, não permitiam que lhe fosse atribuída culpa exclusiva. A maioria do Conselho de Disciplina propôs que lhe fosse aplicada a sanção de repreensão, sendo a minoria a favor da pura e simples absolvição. Finalmente, a AIPN decidiu aplicar-lhe a sanção de demissão. No despacho em processo de medidas provisórias de 3 de Julho de 1984, que ordenou a suspensão da execução da primeira sanção disciplinar, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Justiça, embora reconhecendo serem distintos os processos de quitação e disciplinar, salientou que a apreciação da responsabilidade do recorrente feita pela Comissão de Controlo Orçamental se afastava bastante da da AIPN. No recurso de anulação que paralelamente interpôs da referida decisão disciplinar, o recorrente invocou também como fundamento o facto de o Conselho de Disciplina se ter recusado a suspender os trabalhos para aguardar as conclusões da Comissão de Controlo Orçamental. O presidente do Parlamento, na sua qualidade de AIPN, viu-se assim não apenas perante um dossier de uma complexidade técnica excepcional, como também perante um assunto altamente controverso e delicado, sobre o qual a assembleia se não pronunciara ainda no âmbito do processo de quitação. Além disso, tem de se atender à posição especial da AIPN neste processo — sem paralelo nas outras instituições da Comunidade — a saber, o facto de o presidente do Parlamento, desempenhando em simultâneo as tarefas de AIPN e de presidente da assembleia, ter de se pronunciar sobre uma questão cujo conteúdo tem também, ainda que em diferente contexto, de ser examinada pela assembleia.

93

A luz dos elementos de facto e de direito que acabámos de expor, cabe reconhecer que a complexidade do processo, a sua delicadeza, susceptível de afectar o prestígio do Parlamento, a posição específica da AIPN nesta instituição, as considerações referidas no despacho do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1984 quanto às conclusões a que chegara a Comissão Parlamentar de Controlo Orçamental, bem como a ambiguidade relativa ao alcance e à repartição das responsabilidades dos funcionários e agentes incriminados, constituem circunstâncias específicas que justificam, no caso vertente, a decisão da AIPN de aguardar a conclusão do processo parlamentar tendo por objecto a quitação relativa ao exercício de 1982 antes de reabrir o processo disciplinar contra o recorrente. Contrariamente ao que alega o recorrente, tal apreciação não é incompatível com o princípio da independência do processo disciplinar relativamente ao processo de quitação. Com efeito, embora, nos termos do princípio da independência desses dois processos, a concessão de quitação não impeça, no plano formal, a instauração de um processo disciplinar contra o funcionário em causa, tal princípio não significa, porém, que, no plano substantivo, se não possa atender, no quadro do processo disciplinar, às verificações e apreciações constantes da decisão relativa à quitação. Em consequência, deve admitir-se que o período de 18 meses, decorrido até à reabertura do processo disciplinar, não ultrapassou os limites de um prazo razoável.

94

No que se refere à aplicação analógica do n.o 1 do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem, invocada pelo recorrente na réplica, cabe precisar que, na medida em que tal disposição foi invocada como um novo argumento destinado a apoiar o presente fundamento, baseado na violação do princípio do prazo razoável, não caberá, atendendo às considerações anteriores, dar-lhe uma resposta específica. Pelo contrário, na hipótese de o recorrente pretender formular um novo fundamento baseado na violação dessa disposição, independente do que se baseia na violação do princípio do prazo razoável, tal fundamento deve ser rejeitado por diversas razões. Em primeiro lugar, é inadmissível por ter sido apresentado no decurso da instância, mais precisamente, pela primeira vez na fase da réplica. Em segundo lugar, não procede. Basta observar, a este respeito, que o artigo 6.o da Convenção não é aplicável no domínio especificamente disciplinar da função pública. A Comissão Europeia prevista na Convenção indeferiu, por inadmissíveis, diversos pedidos de aplicação do artigo 6.o no quadro de processos disciplinares com fundamento em que estes processos não estão abrangidos pela «matéria penal» a que se refere o citado artigo (decisões de 8 de Março de 1976, requerimento n.o 7374/76, X/Dinamarca, D. R. 5, p. 157; de 8 de Outubro de 1980, requerimento n.o 8496/79, X/Reino Unido, D. R. 21, p. 168).

95

Conclui-se das considerações precedentes dever ser rejeitado o fundamento baseado em violação do princípio do prazo razoável.

Quanto ao fundamento baseado na ignorância da regra «non bis in idem»

96

O recorrente argumenta que a decisão de mutação oficiosa de que foi objecto em 30 de Abril de 1982 reveste a natureza de sanção disciplinar e que o acto impugnado foi adoptado em violação do n.o 3 do artigo 86.o do Estatuto, que prevê a aplicação em matéria disciplinar da regra «non bis in idem». Além disso, esse mesmo artigo foi objecto de outra violação por parte da administração ao recusar anteriormente ad personam a sua promoção ao grau A 2.

97

Na opinião do recorrente, o facto de a mutação não constar da lista de sanções disciplinares e de, em princípio, não o ser, não é um elemento decisivo na medida em que, quando se reveste de natureza disciplinar pode dissimular uma sanção. Além disso, a AIPN confessou essa sua natureza numa circular distribuída aos membros da Assembleia aquando da sessão plenária do Parlamento em Julho de 1982. A aceitação pelo recorrente da sua mutação é, também, irrelevante visto que a aceitação de uma sanção disciplinar não é susceptível de modificar a respectiva natureza.

98

Além disso, e no que se refere à promoção ad personam ao grau A 2, que lhe foi recusada, o recorrente argumenta que a decisão sobre essa matéria não dependia do poder de apreciação da AIPN, decorrendo antes de uma competência vinculada, atendendo às regras gerais que aquela deve respeitar, a saber, condições objectivas relativas à idade e à antiguidade no grau e de serviço, que, no que lhe diz respeito, se encontravam preenchidas desde 1986. Além disso, a promoção ad personam não exige a disponibilidade de um lugar.

99

O recorrido refuta a argumentação do recorrente, sustentando que a mutação de um funcionário no interesse do serviço não pode ser lesiva e que, em qualquer caso, a mesma releva do poder discricionário da administração. Além disso, a decisão em causa correspondeu a um pedido do recorrente, tratando-se de uma medida cautelar por ele não contestada na altura. O Parlamento observa também que a mutação não consta da lista exaustiva de sanções disciplinares estabelecida no artigo 86.o do Estatuto. De qualquer modo, aquela instituição assinala que, nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1969, Wilhelm (14/68, Recueil, p. 1), a regra non bis in idem não exclui a admissibilidade de dois processos sancionatórios paralelos, prosseguindo finalidades distintas.

100

No que se refere à não promoção ad personam do recorrente, a instituição pretende que, a fortiori, esse direito releva exclusivamente de apreciação da AIPN, pressupondo a existência de um lugar disponível. Além de o recorrente não ter formulado qualquer pedido formal de promoção, o recorrido, invocando o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1964, Raponi/Comissão (27/63, Recueil, p. 247), insiste em sublinhar a enorme liberdade de apreciação de que a AIPN dispõe nessa matéria.

101

O Tribunal verifica, antes de mais, que nem a mutação, nem a privação de promoção, constam das sanções disciplinares enumeradas no n.o 2 do artigo 86.o do Estatuto, ao passo que o n.o 3 desse mesmo artigo consagra a regra de que «uma mesma infracção só pode dar origem a uma sanção disciplinar».

102

Resulta, aliás, do artigo 7o do Estatuto que à mutação constitui uma transferência normal na carreira dos funcionários, que pode ocorrer quer oficiosamente, no interesse exclusivo do serviço, quer a pedido do funcionário em causa. De acordo com jurisprudência assente, a mutação baseada no interesse do serviço releva, em princípio, do poder discricionário de que a administração dispõe para organizar os seus serviços (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1966, Gutman/Co-missão CEEA, 18/65 e 35/65, Recueil, p. 149).

103

No caso vertente, a mutação do recorrente, em 30 de Abril de 1982, da Divisão «Tesouraria e Contabilidade», que dirigia, para outro serviço, foi decidida para facilitar o desenvolvimento das averiguações em curso, que tinham por objectivo examinar as irregularidades verificadas pelo Tribunal de Contas na contabilidade da caixa dos delegados. Essa medida foi, pois, tomada por razões atinentes ao interesse do serviço, não revestindo, contrariamente ao que pretende o recorrente, a natureza de uma sanção disciplinar dissimulada. Cabe acrescentar que a análise da circular enviada pelo presidente do Parlamento aos membros da Assembleia em Julho de 1982, não revela qualquer elemento susceptível de modificar a apreciação feita sobre a natureza dessa medida, a que, ademais, o recorrente dera o seu acordo.

104

No que se refere à promoção ad personam, de que o recorrente se considera injustamente privado, basta observar que este jamais esclareceu se formulara um pedido à AIPN no sentido de tomar uma decisão nesse sentido, nem se tal pedido foi objecto de indeferimento expresso ou tácito. Assim sendo, e'ste fundamento, não baseado em qualquer precisão factual, não pode ser acolhido.

105

Em consequência, o fundamento baseado na violação da regra non bis in idem deve sėr rejeitado por improcedente.

Quanto ao fondamento baseado em vícios deforma do processo disciplinar

— Quanto à falta de assinatura e de data no relatório dirigido pela AIPN ao Conselho de Disciplina

106

O recorrente sustenta que o facto de o relatório que dá início ao processo disciplinar não ter sido datado nem assinado constitui um vício de forma, por força do primeiro parágrafo dó artigo 1.o do anexo, devendo esse relatório ser, em consequência, considerado nulo, o que acarreta a nulidade de todo o processo e da decisão tomada no seu termo. Além disso, o vício existente não pode considerar-se sanado pelo facto de a carta de transmissão desse relatório ter sido datada e assinada pela AIPN.

107

O recorrido responde que a assinatura da carta de transmissão significa claramente que a AIPN assumiu o conteúdo do relatório, do qual constavam, aliás, a data de 12 de Abril de 1983 e o nome do presidente.

108

Cabe recordar que, nos termos do artigo 1.o do anexo, «a entidade competente para proceder a nomeações submeterá ao Conselho de Disciplina um relatório que deve indicar claramente os factos imputados e, se necessário, as circunstâncias em que os mesmos foram praticados. O relatório é transmitido ao presidente do Conselho de Disciplina que o levará ao conhecimento dos membros do conselho e do funcionário acusado».

109

Decorre da análise dos documentos constantes do processo que o presidente do Parlamento, na qualidade de AIPN, submeteu o assunto ao Conselho de Disciplina por carta de 13 de Abril de 1983, acompanhada do relatório sobre os factos imputados ao recorrente, datado de 12 de Abril de 1983. Depois de o Tribunal de Justiça ter anulado a sanção disciplinar aplicada em 16 de Março de 1984, o presidente do Parlamento submeteu de novo o assunto ao Conselho de Disciplina por carta de 24 de Junho de 1987, devidamente assinada. Nessa carta, dirigida ao presidente do Conselho de Disciplina, a AIPN procedeu a um breve historial do processo, informando que convidara o recorrente, nos termos do segundo parágrafo do artigo 87.o do Estatuto, a apresentar as suas observações sobre o «relatório que o presidente Dankert submeteu, em 13 de Abril de 1983, ao Conselho de Disciplina», sobre o parecer do Tribunal de Contas de 7 de Novembro de 1985 e sobre a decisão do Parlamento relativa à quitação para o exercício de 1982, documentos estes que constituíam o processo disciplinar. Nessa mesma carta, a AIPN declarava também que, após ouvir o recorrente, decidira reabrir o processo disciplinar contra ele e «submeter de novo ao Conselho de Disciplina o relatório elaborado em 12 de Abril de 1983 sobre os factos imputados a H. de Compte». Por último, a AIPN solicitou ao presidente do Conselho de Disciplina a convocação deste e a transmissão aos respectivos membros e ao funcionário acusado do processo disciplinar junto à carta. Do ponto A da lista de anexos consta a referência «relatório de 12 de Abril de 1983 sobre os factos imputados a H. de Compte».

110

Nestas circunstâncias, cabe considerar que a carta de 24 de Junho de 1987, assinada pela AIPN, constitui, juntamente com o relatório a ela anexo, um documento único que não deixa qualquer margem de dúvida quanto ao respectivo conteúdo, à sua data e à autoridade de que emana. Esse documento foi regularmente submetido ao Conselho de Disciplina, nos termos do artigo 1.o do anexo. Em consequência, a argumentação contrária do recorrente deve ser rejeitada por improcedente.

— Quanto à aprovação da acta da reunião de 26 de Novembro de 1987, depois de formulado o parecer fundamentado

111

O recorrente sustenta, ainda, que o parecer fundamentado formulado pelo Conselho de Disciplina em 27 de Novembro de 1977 padece de vício de forma, na medida em que a acta da reunião de 26 de Novembro de 1987 tem a data de 30 de Novembro de 1987, sendo pois posterior à formulação do parecer fundamentado, ou seja, numa altura em que o processo já não era da sua competência. Este vício implica a nulidade de todo o processo disciplinar, bem como da decisão tomada pela AIPN com base no parecer.

112

O recorrido observa que nenhuma regra obriga o Conselho de Disciplina a formular os pareceres fundamentados com base nas actas das reuniões, mas sim com base nos documentos que lhe são submetidos, atendendo às declarações do interessado e das testemunhas, bem como aos resultados da averiguação. A acta em causa era de natureza puramente interna, não tendo, pois, de ser comunicada ao recorrente para assinatura. A este respeito, a instituição invoca a distinção claramente estabelecida pela jurisprudência entre, por um lado, tais actas e, por outro, os relatórios de audição de testemunhas, que por estas têm de ser aprovados pela aposição da respectiva assinatura, e que se revestem, assim, de verdadeiro interesse para as partes (acórdão de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, já referido, 228/83).

113

O Tribunal verifica que decorre da análise dos documentos do processo, que o Conselho de Disciplina se reuniu, na presença do recorrente e do seu defensor, na manhã de 26 de Novembro. Nessa reunião, o conselho aprovou a acta da reunião anterior, tomou conhecimento de uma declaração do seu presidente, relativa à apresentação de determinados documentos pela AIPN, e ouviu a análise feita pelo recorrente do original de um documento. Em seguida, os membros do conselho trocaram opiniões com o defensor do recorrente sobre a contestação deste, tendo sido decidido que o conselho se reuniria à porta fechada na tarde desse mesmo dia, bem como durante todo o dia de sexta-feira, 27 de Novembro de 1987. A acta dessa reunião foi aprovada na segunda-feira 30 de Novembro tendo sido, nesse mesmo dia, notificada ao recorrente.

114

Nestas circunstâncias, deve considerar-se não proceder a acusação de que o parecer fundamentado padece de vício de forma por a acta ter sido aprovada depois de encerrado o processo perante o Conselho de Disciplina. Com efeito, a legalidade do parecer fundamentado não pode ser posta em causa pelo simples facto de a acta da reunião de 26 de Novembro de 1987 ter sido aprovada em data posterior. Embora o n.o 1 do artigo 9.o do anexo disponha que «o secretário elaborará uma acta das reuniões do Conselho de Disciplina», não exige de forma alguma que as actas sejam assinadas, sob pena de nulidade, logo após o final da reunião desse órgão colegial.

115

Resulta do que precede que este fundamento deve ser rejeitado na sua totalidade.

Quanto ao fondamento baseado em violações dos direitos da defesa

— Quanto à não comunicação de determinados documentos

116

Na opinião do recorrente, a administração não lhe remeteu em tempo útil todo um conjunto de documentos que solicitara e que considerava necessários à garantia da sua defesa, facto de que o seu defensor se queixara já na carta que dirigira, em 20 de Novembro de 1987, ao presidente do Conselho de Disciplina.

117

O recorrente precisa, contudo, na réplica, tratar-se de uma acusação específica e subsidiária relativamente às graves violações dos direitos da defesa decorrentes, de forma genérica, de factos como a mutação de que foi objecto em 30 de Abril de 1982 e a recusa em lhe ser concedido livre acesso à contabilidade. Nestas circunstâncias, e na opinião do recorrente, compete à instituição provar os factos imputados, visto ele estar materialmente incapacitado de identificar os documentos necessários à sua defesa. Acrescenta que esse problema não teria surgido se, para assegurar a sua defesa, tivesse tido livre acesso à contabilidade.

118

O recorrido contrapõe que, de forma sistemática, o Conselho de Disciplina respondeu favoravelmente a todos os pedidos de documentos formulados pelo recorrente, invocando para o efeito uma carta do secretário-geral do Parlamento, de 17 de Agosto de 1987, em que este manifestou o seu acordo de princípio de que o recorrente tivesse acesso a todas as peças do processo, bem como uma carta de 10 de Setembro de 1987, pela qual o presidente do Conselho de Disciplina sugeriu ao defensor do recorrente que os vários documentos, cuja consulta se viesse a revelar útil, fossem apresentados a pedido da defesa à medida da evolução da análise do processo pelo Conselho de Disciplina. Os termos desta carta não foram objecto de contestação pelo defensor do recorrente, durante a sua leitura, na reunião de 9 de Outubro de 1987 e, em seguida, foram sempre objecto de referência tanto os pedidos formulados como as respostas dadas, com total acordo da defesa. Assim, foi solicitado ao defensor do recorrente que precisasse determinados pedidos de documentos cuja identificação parecia difícil por parte da AIPN. Aquele reservou-se, então, a faculdade de manter ou não os pedidos relativamente aos documentos que ainda lhe não haviam sido comunicados. Apesar disso, a carta do defensor do recorrente, de 20 de Novembro de 1987, não acrescentou quaisquer precisões suplementares. Nesse sentido, foi-lhe enviada uma notificação de incumprimento. Este ponto de vista não foi contestado pela defesa, que, aliás, confirmou, na reunião de 26 de Novembro de 1987, não pretender dispor de mais documentos.

119

O recorrido suscita, além disso, na tréplica, uma excepção de inadmissibilidade, nos termos do n.o 2 do artigo 42.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, por considerar que as «acusações genéricas» formuladas pelo recorrente na réplica, relativas, respectivamente, à mutação de que foi objecto em 30 de Abril de 1982 e à pretensa recusa de livre acesso à contabilidade, constituem dois fundamentos novos. Seja como for, o Parlamento considera esses fundamentos improcedentes. No que se refere à mutação do recorrente, recorda que ele mesmo a solicitara. Quanto à alegação do recorrente de que lhe fora recusado livre acesso à contabilidade, o Parlamento salienta que a carta a que o recorrente se refere a este propósito, a saber, a carta da AINP de 7 de Dezembro de 1984, apenas tinha por objecto pedir ao recorrente que justificasse porque razão pretendia obter determinados documentos relativos a um período em que não estava em funções. Aliás, de acordo com o Parlamento, o recorrente jamais formulou tal pedido em termos tão gerais. O defensor do recorrente limitou-se a solicitar, por carta de 16 de Julho de 1987, que lhe fossem comunicados todos os documentos úteis à defesa, caso os viesse a pedir. O Parlamento acrescenta que, não estando a AINP obrigada, na ausência de pedido nesse sentido, a comunicar ao interessado a totalidade do processo disciplinar que lhe diz respeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, R./Comissão, n.o 18, 255/83 e 256/83, Recueil, p. 2473), não tem a fortiori qualquer obrigação de comunicar documentos que não fazem parte do processo. Por último, e como decorre do acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1968, Van Eick, já referido, 35/67, qualquer pedido de comunicação de documentos deve referir com precisão os documentos necessários e justificar a sua pertinência relativamente ao objecto do litígio.

120

O Tribunal recorda que nos termos do artigo 2.o do anexo, «logo que receba o relatório, o funcionário acusado tem o direito de conhecer integralmente o seu processo individual e de tirar cópias de todos os elementos do processo».

121

Além disso, o primeiro parágrafo do artigo 7o do anexo prevê que «em face dos elementos presentes e tendo em conta, se for caso disso, as declarações escritas ou orais do interessado e das testemunhas, assim como os resultados da averiguação a que se tenha procedido, o Conselho de Disciplina emitirá, por maioria, um parecer fundamentado...»

122

A luz destas disposições, o funcionário acusado e os seus defensores podem tomar conhecimento de todos os elementos de facto sobre que se baseia a decisão disciplinar, em tempo útil para poderem apresentar as suas observações (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, já referido, n.o 23). Contudo, na falta de pedido do interessado, não pode ser deduzida do Estatuto qualquer obrigação de a AIPN comunicar a totalidade do processo ao funcionário que é objecto de processo disciplinar (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, R./Comissão, já referido, n. os 17 e 18).

123

No caso vertente, o recorrido argumenta, e a veracidade da sua alegação é confirmada pelos documentos constantes do processo, que tanto a AIPN como o presidente do Conselho de Disciplina autorizaram o recorrente e seu defensor a terem acesso à integralidade do processo e a pedir a apresentação dos documentos à medida da evolução do exame do processo pelo Conselho de Disciplina (ver parecer fundamentado, n.os 16 e 17, carta do presidente do Parlamento, de 26 de Junho de 1987, dirigida ao recorrente, e carta do secretário-geral do Parlamento, de 17 de Agosto de 1987, dirigida ao defensor do recorrente).

124

Não parece que o recorrente ponha em causa a aplicação deste princípio. Considera, contudo, que a AIPN não lhe comunicou determinados documentos justificativos, que não identifica nem na petição inicial nem na réplica, e que, aparentemente, dizem respeito à gestão da contabilidade. Quanto a este ponto, consta da acta da reunião do Conselho de Disciplina, de 26 de Novembro de 1987, que a AIPN não foi capaz de identificar determinados documentos e que o defensor do recorrente se reservou a faculdade de reexaminar, até 23 de Novembro de 1987, a conveniência em solicitar a comunicação dos documentos não identificados. Ficou também declarado nessa mesma acta que o defensor do recorrente expressamente referiu «não pretender dispor de quaisquer outros documentos», apesar de, ao mesmo tempo, ter acrescentado não aceitar a argumentação da AIPN no sentido de não lhe ter sido possível identificar determinados documentos. Nestas circunstâncias, o Tribunal entende que o recorrente não fez prova da procedência da sua alegação, segundo a qual a administração se recusou, sem qualquer justificação, a comunicar-lhe determinados documentos.

125

Na réplica, o recorrente acrescentou que o problema da identificação dos documentos solicitados não se teria colocado se lhe não tivesse sido recusado o livre acesso à contabilidade a partir da data da sua mutação, ou seja, 30 de Abril de 1982. Na medida em que este argumento deva ser interpretado como novo fundamento, terá de ser declarado inadmissível, como justamente argumentou o recorrido, por força do n.o 2 do artigo 42.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Na medida em que deva ser considerado como ampliação de um fundamento anteriormente formulado, directa ou implicitamente, na petição inicial, basta declarar, sem que seja necessário examinar a questão de saber se a administração está obrigada a conceder o livre acesso aos seus arquivos aos funcionários que são objecto de processo disciplinar, que resulta dos documentos constantes do processo que, no caso vertente, a administração facultou efectivamente, numa primeira fase, o acesso do recorrente aos arquivos (ver n.o 66 do primeiro parecer fundamentado do Conselho de Disciplina de 10 de Fevereiro de 1984).

126

Conclui-se dever ser rejeitada por improcedente a primeira acusação invocada em apoio do presente fundamento.

— Quanto à não comunicação atempada da acta de 26 de Novembro de 1987

127

O recorrente argumenta que a acta da última reunião do Conselho de Disciplina, de 26 de Novembro de 1987, apenas lhe foi transmitida em 30 de Novembro de 1987, só a tendo recebido em 2 de Dezembro de 1987, juntamente com o parecer fundamentado do Conselho de Disciplina, datado de 27 de Novembro de 1987. Assim, a defesa não teve a possibilidade de formular eventuais observações sobre essa acta, apesar de este documento não poder ser considerado meramente interno, visto conter elementos essenciais para ela. Além disso, a referência que a acta faz ao facto de o defensor do recorrente não pretender dispor de quaisquer outros documentos seria, só por si e pela sua própria natureza, susceptível de ser objecto de observações ou esclarecimentos.

128

O recorrido, admitindo embora que a reunião teve efectivamente lugar em 26 de Novembro de 1987, esclarece que a mesma foi seguida por duas outras reuniões à porta fechada, a segunda das quais durou todo o dia de sexta-feira, 27 de Novembro de 1987. Nessas circunstâncias, as actas não podiam ter sido enviadas antes de segunda-feira, 30 de Novembro de 1987, não tendo o recorrente formulado qualquer observação a este respeito aquando da recepção da acta em causa. Seja como for, essa acta reveste-se de natureza puramente formal, não apresentando qualquer interesse para a decisão final do Conselho de Disciplina, e a sua comunicação tardia não pode, pois, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, afectar a natureza contraditória do processo (acórdão de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, 228/83, já referido). Além disso, a instituição salienta não ser menos verdade que, embora o recorrente invoque actualmente o argumento da pretensa transmissão tardia da acta, não nega, porém, o facto de o seu defensor ter efectivamente admitido de forma explícita, na referida reunião, não pretender a comunicação de mais documentos.

129

Tal como foi decidido pelo Tribunal de Justiça (acórdão de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, já referido, n.os 25 a 28), as actas propriamente ditas de reuniões que apenas procedem a um resumo das deliberações do Conselho de Disciplina, têm natureza puramente interna e, em consequência, a sua comunicação tardia não afecta a natureza contraditória do processo perante o referido conselho, nem os direitos de defesa do funcionário acusado.

130

Tratando-se, no caso vertente, de uma acta de reunião propriamente dita, sem relatórios de audição de testemunhas, cabe considerar que a sua comunicação tardia ao recorrente não afectou os direitos da defesa.

131

Em consequência, deve ser rejeitada a acusação fundamentada nessa comunicação tardia.

— Quanto à não aproyação pelo recorrente do questionário técnico dirigido à Divisão «Tesouraria e Contabilidade» do Parlamento

132

O recorrente sustenta que o secretário do Conselho de Disciplina omitiu submeter ao seu defensor, para acordo e antes do envio, o texto final das questões a colocar à administração, como fora acordado na reunião de 10 de Novembro de 1987.

133

O recorrido responde que o texto final dessas questões foi submetido ao defensor do recorrente na tarde de 10 de Novembro de 1987, como é provado pela carta que lhe foi remetida em 11 de Novembro de 1987 pelo presidente do Conselho de Disciplina. Essas questões foram, aliás, dirigidas à administração a pedido da defesa, aquando da reunião de 10 de Novembro de 1987. O título das diversas questões transcreve, quase palavra por palavra, diversas interrogações constantes do memorando intercalar da defesa, de 29 de Outubro de 1987. Além disso, o presente argumento nunca foi suscitado no decurso dos trabalhos posteriores do Conselho de Disciplina.

134

O Tribunal verifica que a presente acusação se baseia numa afirmação inexacta do recorrente. Com efeito, decorre claramente da análise dos documentos do processo, mais especificamente da carta do presidente do Conselho de Disciplina de 11 de Novembro de 1987, produzida pelo recorrido e cujos termos não foram contestados pelo recorrente, bem como do n.o 11 do parecer fundamentado do Conselho de Disciplina de 27 de Novembro de 1987, cujo conteúdo também não foi objecto de contestação pelo recorrente, que o defensor deste deu o seu acordo, antes da respectiva transmissão, à formulação das questões técnicas que o Conselho de Disciplina decidiu, sob proposta da defesa, à Divisão «Tesouraria e Contabilidade».

135

Conclui-se que a presente acusação deve também ser rejeitada.

— Quanto à nota dirigida pelo recorrente, em 5 de Junho de 1981, ao director das Finanças e Informática

136

O recorrente argumenta que, no seu parecer fundamentado, o Conselho de Disciplina considerou documento capital, para «determinar responsabilidades» no que se refere à acusação de «abertura de conta no Midland Bank, em 21 de Julho de 1980», uma nota que dirigiu em 5 de Junho de 1981 ao director das Finanças e da Informática. Ora, esse documento não foi anexo à «nota de acusação», não tendo também sido referido nos debates perante o Conselho de Disciplina, nem comunicado ao recorrente.

137

O recorrido admite que a nota de 5 de Junho de 1981 não foi anexa à «nota de acusação», mas sustenta que essa omissão se deve à natureza necessariamente sucinta do referido documento. Por outro lado, de acordo com a instituição, tal documento foi referido por diversas vezes durante os trabalhos do Conselho de Disciplina, na presença do recorrente que não contestou ser o seu autor. Tal documento faz parte, além disso, dos anexos apensos ao parecer do Conselho de Disciplina formulado no processo disciplinar instaurado contra Offermann, que o recorrente solicitou expressamente fosse junto 138 seu processo. Em consequência, o recorrente teve sempre possibilidade de acesso a esse documento.

138

Sem que seja necessário examinar se e em que medida a nota em causa foi comunicada ao recorrente, cabe rejeitar o presente fundamento por improcedente. Com efeito, o recorrente não pode invocar violação dos direitos da defesa com fundamento no facto de não constar do processo disciplinar uma nota de que reconhece ser o autor e de que não contesta nem o conteúdo nem a interpretação que dela foi dada.

— Quanto ao estorno de 25 de Agosto de 1982 do montante de 4136125 BFR

139

O recorrente argumenta que o único documento que, até à véspera da conclusão do último processo disciplinar, lhe foi comunicado quanto ao estorno de 4136125 BFR, efectuado em 25 de Agosto de 1982, era um documento não assinado pelo tesoureiro. Só poucos dias antes do termo do referido processo disciplinar é que apareceu, em anexo às respostas às questões colocadas pelo Conselho de Disciplina a Young e De Poortere, um documento assinado, desta vez, por Brown, sucessor de H. de Compte. O recorrente observa, a este respeito, existirem inúmeras diferenças entre ambos os documentos, independentemente do facto de o primeiro não ser assinado pelo tesoureiro, e o segundo o ser. Verifica-se assim, por um lado, a existência de diversos erros, bem como incompatibilidade entre os dois documentos e, por outro, uma diferença entre ambos os formulários no que se refere aos caracteres de impressão, o que conduz à conclusão de esses documentos, apesar de terem a mesma data (25 de Agosto de 1982), não serem contemporâneos.

140

O recorrente argumenta também que o atraso na comunicação da acta da reunião do Conselho de Disciplina, de 26 de Novembro de 1987, o impediu de apresentar observações sobre a referência nela feita ao exame, efectuado em 19 de Novembro de 1987, do documento original do lançamento do estorno de 25 de Agosto de 1982. Referindo-se à hipótese formulada pela instituição de que a cópia em seu poder era um projecto não assinado de ficha contabilística, o recorrente argumenta que tal hipótese, embora possa efectivamente explicar algumas das diferenças verificadas, não explica a diferença de caracteres de impressão de dois documentos com a mesma data. Justifica o interesse que para si tem esta questão afirmando que o lançamento de estorno constitui um «documento capital» na medida em que, a partir do momento em que tal lançamento foi efectuado, «se admitiu a existência de uma perda».

141

O recorrido entende que a comunicação do documento contabilístico alguns dias antes do encerramento do processo disciplinar não é susceptível de gerar a nulidade do processo, mesmo supondo que tal pretenso atraso tenha podido violar os direitos da defesa. Em sua opinião, o recorrente apresentou uma outra versão desse documento ao Conselho de Disciplina, vendo-se este obrigado, então, a produzir o documento original. A cópia na posse do recorrente era provavelmente a de um projecto não assinado, de que na altura obtivera cópia de forma não oficial. Este ponto foi objecto de análise detalhada durante a audição de Young e De Poortere.

142

Além disso, procedeu-se à verificação dos originais dos documentos em causa na presença do recorrente na quinta-feira, 19 de Novembro de 1987, facto que foi referido na reunião do Conselho de Disciplina de 26 de Novembro de 1987. Além disso, a instituição coloca a questão de saber por que razão o recorrente atribui tanta importância ao estorno de 25 de Agosto de 1982, na medida em que o próprio solicitou, em 30 de Março de 1982, uma regularização relativa a uma perda de montante sensivelmente equivalente. Aquele documento, que mais não faz do que verificar e registar na contabilidade a existência de uma perda, é, além disso, irrelevante quando se trata de apurar a justificação dessa perda. Para a instituição, não se descortina também por que razão a diferença dos caracteres de impressão entre esse documento e o documento na posse do recorrente revela não ser este um mero projecto, nem que interesse esta última versão pode ter para a solução do presente litígio.

143

Considerando as explicações fornecidas pelas partes, o Tribunal entende que o recorrente não fez prova de como a comunicação, pouco antes do encerramento do processo disciplinar, do documento original do lançamento de estorno de 25 de Agosto de 1982 pode ter violado os direitos da defesa de forma suficientemente caracterizada para viciar a regularidade do referido processo. Além disso, cabe declarar que o referido documento foi posto à disposição do recorrente em 19 de Novembro de 1987, tendo este tido, desde então, a possibilidade de apresentar eventuais observações no articulado de defesa definitivo que remeteu ao Conselho de Disciplina em 24 de Novembro de 1987. Nestas circunstâncias, o Tribunal vê-se na incapacidade de identificar qualquer violação dos direitos de defesa do recorrente, devida a uma comunicação tardia do original do documento em causa.

144

Deve, pois, ser rejeitada a acusação relativa à comunicação tardia do documento de lançamento de estorno, de 25 de Agosto de 1982.

145

Conclui-se do conjunto de considerações precedentes que o fundamento baseado nas pretensas violações dos direitos da defesa deve ser rejeitado em todos os seus aspectos.

Quanto ao fundamento baseado na viohção da independência do Conselho de Disciplina e da liberdade da defesa

146

O recorrente, que quanto a este fundamento se remete para a equidade do Tribunal, argumenta que no n.o 3 da acta da reunião do Conselho de Disciplina de 22 e 23 de Outubro de 1987 se refere uma declaração de Dankert, então vice-presidente do Parlamento, que, no decurso de uma reunião do Secretariado em Estrasburgo, pôs gravemente em causa não apenas a independência daquele conselho e, mais especificamente, a de um dos seus membros, mas também a liberdade da defesa in casu, a saber, a de o recorrente escolher como defensor o director-geral da Administração, Feidt. O recorrente entende que a análise comparativa das recomendações adoptadas pelos dois Conselhos de Disciplina a que foram submetidos os factos imputados, no espaço de vários anos, permite provar, por via indirecta, que a declaração de Dankert exerceu efectivamente influência sobre os membros do último Conselho de Disciplina. O recorrente é, assim, conduzido a emitir dúvidas quanto à liberdade de expressão de tais opiniões por parte de um parlamentar directamente implicado no assunto, na sua qualidade de presidente do parlamento à data dos factos controvertidos.

147

O recorrido entende não existir inconveniente em que um parlamentar, no exercício das suas funções, se exprima livremente, mesmo que, como sucedeu no caso presente, tenha posto em dúvida a independência de um dos membros do Conselho de Disciplina e acusado o recorrente de ter escolhido como defensor o director-geral da Administração do Parlamento. A instituição invoca, a este respeito, os artigos 9.o e 10.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias de 8 de Abril de 1965 (JO L 152, p. 13), citando também o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Wybot (149/85, Colect., p. 2391).

148

O Tribunal verifica que consta da acta de 22 de Outubro de 1987 que o presidente do Conselho de Disciplina se referiu a uma declaração feita por Dankert em Estrasburgo, em 13 de Outubro de 1987, relativamente ao processo disciplinar instaurado ao recorrente, bem como as respostas dadas a esse respeito pelos secretá-rio-geral e presidente do Parlamento. De acordo com o que consta dessa mesma acta, o membro do Conselho de Disciplina indirectamente posto em causa por essa declaração, Prete, confirmou a sua total independência. Após troca de opiniões entre os membros do Conselho de Disciplina, foi decidido não atender a essa declaração durante os trabalhos do Conselho de Disciplina.

149

Nestas condições, o Tribunal entende que os factos alegados pelo recorrente não são suficientemente concludentes para que possa ser declarada a existência de qualquer violação da independência do Conselho de Disciplina ou dos direitos da defesa. Assim, a regularidade do processo disciplinar não pode ter sido viciada pela declaração feita, a seu respeito, por um parlamentar no exercício das suas funções.

150

Conclui-se que este fundamento não pode deixar de ser também afastado.

B — Fundamentos relativos à legalidade interna

Quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 86.o do Estatuto e dos artigos 70.o e 72.o do Regulamento Financeiro, bem como na ignorância do princípio de direito de acordo com o qual qualquer acto administrativo deve ter fundamentos legalmente admissíveis, não contraditórios e não viciados de erros de direito e/ou defacto

151

O recorrente argumenta que a decisão disciplinar padece de contradições e de erros de direito e de facto, no que se refere aos actos de que é acusado, a saber, a abertura de uma conta remunerada no Midland Bank, o não cumprimento da obrigação de gerir de forma regular os créditos de pagamento e o incumprimento da obrigação de apenas efectuar despesas com base na apresentação de documentos justificativos regulares e de velar pela sua conservação.

— Quanto à abertura de uma conta remunerada no Midland Bank

152

O recorrente precisa, a título prévio, que esta acusação se refere ao considerando da decisão, de acordo com o qual «a decisão tomada por H. de Compte de modificar as condições bancárias estabelecidas de comum acordo entre o Parlamento e o Midland Bank, quando não fora convidado a fazê-lo e ultrapassando os limites da sua competência, constitui [...] incumprimento das obrigações que incumbem ao tesoureiro...».

153

A este respeito, o recorrente pretende que a AIPN confundiu os deveres do gestor de fundos para adiantamentos (in casu, Off ermann) e os do tesoureiro (in casu, o recorrente), visto tratar-se de uma conta dos fundos para adiantamentos, relativamente à qual o tesoureiro não era, enquanto tal, responsável. No presente processo, a responsabilidade incumbe, a título principal, a Offermann. Admitindo embora a existência de um estatuto especial do tesoureiro, o recorrente salienta que esse estatuto é também aplicável ao gestor de fundos para adiantamentos, como comprovado pelo artigo 70.o do Regulamento Financeiro. Entende também que a responsabilidade do tesoureiro relativamente aos fundos para adiantamentos não absorve a responsabilidade específica do gestor dos fundos para adiantamentos, visto que a este cabe gerir a caixa dos delegados. Acrescenta que a obrigação que lhe incumbia, enquanto tesoureiro, de dar instruções ao gestor dos fundos para adiantamentos relativamente à organização da contabilidade exclui in se a gestão por si próprio da caixa dos delegados e, assim, a sua responsabilidade.

154

Além disso, o recorrente sustenta que a modificação operada nas condições bancárias existentes entre o Parlamento e o Midland Bank, na sequência da abertura da conta remunerada controvertida, se deve a uma decisão, não do recorrente, mas do gestor dos fundos para adiantamentos e da sua colaboradora, Cesaratto. Em apoio desta afirmação, cita os pareceres fundamentados formulados pelo Conselho de Disciplina nos processos disciplinares instaurados, respectivamente, contra si e contra Offermann.

155

O recorrente insiste em sublinhar que essa modificação controvertida das condições bancárias não foi retida como acusação contra Offermann no processo disciplinar que lhe foi instaurado. Quanto às razões que levaram à absolvição deste último, cita o parecer fundamentado do Conselho de Disciplina, no qual se refere que Offermann acreditara ter o pleno aval do seu superior hierárquico; que a operação jamais foi escondida; que deve ser dado a Offermann o benefício da dúvida, atendendo às práticas bancárias; que, em qualquer caso, não houve falta intencional nem negligência grave. Assim sendo, o recorrente pergunta porque é que tais razões são válidas relativamente ao autor do acto incriminado e não relativamente a quem o assumiu. Conclui, em consequência, ser erradamente que a AIPN invoca, a seu respeito, violação das disposições legais referidas na decisão impugnada.

156

Na réplica, o recorrente refuta a afirmação do Parlamento de que escondera aos seus superiores a existência da conta controvertida. Pretende que essa afirmação contradiz as verificações constantes do parecer fundamentado emitido pelo Conselho de Disciplina no processo Offermann, ou seja, que o processo bancário estava à disposição de todos os superiores hierárquicos. Existe também uma contradição entre as verificações constantes do parecer fundamentado emitido, no seu caso, pelo segundo Conselho de Disciplina e as constantes do parecer emitido pelo Conselho de Disciplina no caso de Offermann, no que se refere a uma ordem dada em Fevereiro de 1982 por Paludan-Müller, então director das finanças e ordenador das receitas, quanto à cobrança dos juros produzidos pela conta controvertida? Afirma que Paludan-Müller estava perfeitamente ao corrente da existência da referida conta desde que tivera consigo uma reunião pouco após ter entrado em funções em Dezembro de 1980. Por último, o artigo 17.o das modalidades de execução não obriga a que a existência de uma conta remunerada à ordem seja notificada às autoridades do Parlamento, obrigação essa que apenas incide sobre as cobranças.

157

Quanto ao argumento do Parlamento de que o recorrente era, de entre as pessoas ao corrente da abertura da conta, o funcionário de grau mais elevado na hierarquia, examina as relações existentes entre «tesoureiro — ordenador — auditor financeiro», invocando um artigo, publicado em Novembro de 1982, pelo então presidente do Tribunal de Contas, segundo o qual o tesoureiro comunitário não goza, na realidade, de uma verdadeira situação de independência. A confirmação da ambiguidade que plana sobre esta questão pode ser encontrada na proposta de decisão apresentada pelo relator Saby à Comissão do Controlo Orçamental, no âmbito do processo de quitação relativo ao exercício de 1981 (a seguir «relatório Saby»), na medida em que a referida proposta verificava «a corresponsabilidade indissociável do ordenador e do tesoureiro», concluindo que «o tesoureiro apenas pode ser considerado responsável após o terem sido o ordenador e o auditor financeiro». Na mesma ordem de ideias, o recorrente recorda que o Parlamento, na decisão de 10 de Abril de 1984 que deu quitação relativamente ao exercício de 1981, sublinhou expressamente ser «necessário precisar no Regulamento Financeiro e nas normas internas a independência do ordenador, do auditor financeiro e do tesoureiro».

158

O recorrente observa, ademais, que o recorrido ignorou as disposições relevantes — a saber, os artigos 53.o e 54.o — das modalidades de execução que definem as obrigações do auditor financeiro, e assim as suas responsabilidades, paralelas às dos tesoureiros, relativamente aos gestores de fundos para adiantamentos. O mesmo silêncio recaiu também sobre a observação constante do relatório especial do Tribunal de Contas de 6 de Julho de 1982, de que «o auditor financeiro se devia ter oposto a esse processo (o seguido pela caixa dos delegados)», bem como a resposta dada pelo Parlamento a essa observação, notando que «a autoridade competente lamenta que este assunto não tenha sido submetido à sua atenção pelo auditor financeiro». Em conclusão, o recorrente coloca-se a questão de saber por que razão os factos de que é acusado podem ter rompido as relações «ordenador — auditor financeiro — tesoureiro» e não as relações «tesoureiro — gestor de fundos para adiantamentos».

159

O recorrido reconhece sem problemas que o gestor de fundos para adiantamentos tem a responsabilidade inicial das transacções, mas insiste em sublinhar dever o recorrente ser considerado o principal responsável pela instrução dada ao Midland Bank de colocar «à ordem»400000 UKL à taxa de 16 %. De acordo com o Parlamento, ainda que determinadas medidas relativas a essa instrução tenham sido parcialmente tomadas pelos colaboradores do recorrente, este estava plenamente informado das operações em curso, desde o início, o que é suficiente para dar origem à sua responsabilidade. Além disso, o recorrente, que era, de entre as pessoas ao corrente da abertura da conta, o funcionário de mais alto grau na hierarquia, nunca foi capaz de explicar a razão por que a conta foi aberta, nem por que a referida quantia foi imobilizada no Reino Unido durante um período tão longo. De idêntica forma, absteve-se de explicar a razão por que essa conta nunca constou da contabilidade do Parlamento e por que os juros por ela produzidos em momento algum foram lançados na contabilidade. Além disso, a existência dessa conta apenas foi descoberta por acaso pelas autoridades do Parlamento e, pelo menos por duas vezes, a sua existência foi-lhes escondida.

160

O recorrido considera que o recorrente era responsável pelas transacções relativas às contas dos fundos para adiantamentos na medida em que, na qualidade de chefe da Divisão «Tesouraria e Contabilidade», tinha a faculdade de assinar nas referidas contas, e na medida em que estava encarregado de controlar a actividade do gestor de fundos para adiantamentos, Offermann, que ocupava um lugar de tesoureiro subordinado.

161

O Parlamento entende, ainda, que a responsabilidade do recorrente se encontra estabelecida não apenas à luz dos factos, mas também do direito, invocando, a esse respeito, diversos artigos do Regulamento Financeiro. Concretamente, argumenta que, nos termos do artigo 63.o, a contabilidade deve registar «a totalidade das receitas e das despesas do exercício». O recorrente tinha, pois, a obrigação de fazer constar a nova conta e os juros da contabilidade geral, independentemente da contabilidade dos fundos para adiantamentos. Além disso, o tesoureiro tem juridicamente uma responsabilidade específica no que se refere às contas dos fundos para adiantamentos, na medida em que, nos termos das modalidades de execução, deve dar instruções ao gestor de fundos para adiantamentos relativamente à boa organização da contabilidade (artigo 51.o) e verificar a contabilidade do gestor de fundos para adiantamentos (artigo 53.o), e na medida em que o gestor de fundos para adiantamentos é responsável perante o tesoureiro pela execução de todos os pagamentos (artigo 50.o). A intervenção do tesoureiro é também exigida, nos termos da alínea f) do artigo 49.o, no momento em que é tomada a decisão de criar um fundo para adiantamentos, para fixar o prazo em que as operações do fundo deverão ser regularizadas. A instituição recorrida conclui assim ter sido justamente que a decisão impugnada considerou existir responsabilidade do recorrente, nos termos do n.o 1 do artigo 70.o do Regulamento Financeiro.

162

Quanto ao facto de não ter sido aplicada qualquer sanção disciplinar a Offermann, o Parlamento insiste em sublinhar, quanto a este aspecto, a posição subordinada deste último. Recorda, a este respeito, que, se se considerou não existir responsabilidade de Offermann, tal se deve a que, tal como comprovou o Conselho de Disciplina encarregado do seu processo, Offermann acreditava «ter o pleno aval do seu superior (o recorrente)».

163

Quanto à responsabilidade do ordenador e do auditor financeiro, o recorrido responde que a argumentação do recorrente a este respeito surge despida de qualquer relevância, visto que não alega terem eles, em qualquer momento, estado implicados na abertura de conta no Midland Bank. Para delimitar o âmbito respectivo das responsabilidades em causa, o recorrido recorda, em primeiro lugar, o estatuto jurídico do tesoureiro, tal como resulta do artigo 209.o do Tratado CEE, que menciona expressamente essa função, dos artigos 17.o, 49.o e 70.o do Regulamento Financeiro, bem como do título IX das modalidades de execução. Conclui desse enquadramento jurídico, por um lado, que o estatuto do tesoureiro é objecto de uma organização específica e, por outro, que a respectiva situação e responsabilidade são autónomas e independentes de qualquer pertença a uma hierarquia. Em segundo lugar, e para delimitar as responsabilidades respectivas do ordenador e do auditor financeiro, o Parlamento cita o artigo 209.o do Tratado CEE e os artigos 17.o, 19.o, 20.o, 68.o, 69.o e 70.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro. A instituição entende, à luz destas normas, não ser possível, no caso vertente, considerar juridicamente responsáveis esses funcionários, visto as faltas de que o recorrente é acusado se referirem a transferências de fundos, ou seja, a lançamentos contabilísticos que não exigem a prévia aprovação de um ordenador ou de um auditor financeiro.

164

Quanto às reflexões do antigo presidente do Tribunal de Contas sobre a «desvalorização do tesoureiro» na prática quotidiana, expressas no artigo de Novembro de 1982, o Parlamento observa que as mesmas em nada modificam a situação jurídica. Além disso, acrescenta que os números da proposta de decisão formulada pelo relator Saby citados pelo recorrente foram rejeitados, por esmagadora maioria, pela Comissão de Controlo Orçamental.

165

Por último, a instituição recorrida efectuava uma precisão quanto às obrigações do auditor financeiro e, mais especificamente, ao facto de, nos termos do artigo 53.o das modalidades de execução, o tesoureiro dever verificar os fundos do gestor de fundos para adiantamentos «independentemente do controlo efectuado pelo auditor financeiro». Na opinião da instituição, este artigo refere-se apenas à competência genérica de controlo por parte do auditor financeiro, tal como definida no artigo 11.o das modalidades de execução, não sendo legítimo daí deduzir que pode, a esse título, ser considerado responsável por todas as fraudes cometidas na instituição.

166

O Tribunal verifica que o recorrente não contesta a materialidade dos factos relativos à abertura, no Midland Bank, da conta remunerada à ordem n.o 1777912, tal como foram expostos na parte «Historial da gestão das contas bancárias no Midland Bank de Londres» do presente acórdão. Tal como aí esclarecido, a conta bancária em causa foi aberta por carta assinada pelo gestor dos fundo para adiantamentos, Offermann, e por uma funcionária da Divisão «Tesouraria e Contabilidade», Cesaratto. Pelo contràrio, o recorrente contesta a apreciação jurídica desses factos feita pela AIPN, pretendendo que, nos termos das disposições aplicáveis do Regulamento Financeiro e das modalidades de execução, a responsabilidade pela gestão das contas dos fundos para adiantamentos competia a Offermann. Assim, para o recorrente, a decisão disciplinar está viciada de erro de direito, na medida em que não considera ser Offermann, na sua qualidade de gestor de fundos para adiantamentos, o único responsável pela abertura e gestão da conta controvertida.

167

Há que salientar que as competências e responsabilidades do tesoureiro e do gestor dos fundos para adiantamentos, relativas à gestão de fundos para adiantamentos, são definidas, designadamente, pelos artigos 17.o, terceiro parágrafo, 20.o, 49.o, 63.o e 70.o do Regulamento Financeiro, bem como pelos artigos 46.o a 54.o das modalidades de execução em vigor no momento em que ocorreram os factos con? trovertidos. De acordo com essas disposições, a criação, e consequentemente, a modificação de um fundo para adiantamentos é objecto de uma decisão das autoridades orçamentais. O gestor de fundos para adiantamentos organiza a contabilidade dos fundos para adiantamentos e das despesas efectuadas, de acordo com as instruções do tesoureiro, perante o qual é responsável pela execução dos pagamentos. O papel do tesoureiro, que consiste em garantir as cobranças e os pagamentos da instituição, não se limita, no que se refere à gestão dos fundos para adiantamentos, a dar instruções. O tesoureiro deve proceder, regra geral no próprio local e de forma inopinada, à verificação da existência dos fundos confiados ao gestor de fundos para adiantamentos e à verificação da organização da contabilidade.

168

Decorre desta repartição de responsabilidades entre o tesoureiro e o gestor de fundos para adiantamentos, que este é o primeiro responsável pela gestão de fundos para adiantamentos, apenas podendo ser ilibado de responsabilidades caso tenha recebido instruções contrárias do tesoureiro. Pelo contrário, o tesoureiro é co-responsável se, informado de eventuais irregularidades, não tomar as medidas adequadas ou se se abstiver de proceder a controlos, tanto ordinários como extraordinários, da contabilidade dos fundos para adiantamentos.

169

No caso vertente, decorre dos documentos do processo que o recorrente foi desde o início informado por Offermann da abertura da conta controvertida. Esse facto não é contestado pelo recorrente. Em consequência, se é certo que a responsabilidade por essa decisão incumbe, numa primeira fase, ao gestor de fundos para adiantamentos, cabe considerar o recorrente co-responsável de todas as irregularidades relativas à abertura dessa conta, a saber, a inexistencia de autorização das autoridades orçamentais no sentido da modificação das condições bancárias existentes entre o Parlamento e o Midland Bank, a omissão de informar as autoridades competentes do Parlamento dessa abertura, e o não lançamento das operações e juros a elas relativos nos livros do Parlamento.

170

O facto de não ter sido aplicada qualquer sanção ao gestor de fundos para adiantamentos no final do processo disciplinar de que foi objecto não pode ter qualquer influência sobre a legalidade da sanção disciplinar aplicada ao recorrente, dado que cada processo disciplinar é autónomo. Quanto a este aspecto, cabe sublinhar a existência de convergência entre os pareceres emitidos pelo Conselho de Disciplina em ambos os processos, no que se refere à verificação dos factos. A divergência apenas respeita à apreciação feita sobre os factos verificados. No âmbito do processo instaurado a Offermann, as instâncias disciplinares entenderam que a responsabilidade da sua conduta devia ser atribuída ao superior hierárquico, ou seja, ao recorrente, ao passo que no âmbito do processo contra este instaurado, o Conselho de Disciplina entendeu existir simultaneamente responsabilidade do recorrente e de Offermann (n.o 222 do parecer fundamentado). Seja como for, e mesmo que se admita que a decisão tomada pela AIPN relativamente ao gestor de fundos para adiantamentos está afectada de ilegalidade, o recorrente não pode invocar em seu proveito uma ilegalidade cometida a favor de outrem (ver acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1985, Williams/Tribunal de Contas, 134/84, Recueil, p. 2229).

171

No que se refere à questão da pretensa dissimulação pelo recorrente aos seus superiores hierárquicos da existência da nova conta, bem como à questão da eventual responsabilidade do auditor financeiro, a controvérsia entre as partes na réplica e tréplica não pode ser considerada relevante. Com efeito, estas questões, sejam quais forem as respostas a dar-lhes, não podem, em caso algum, conduzir à exclusão da responsabilidade do recorrente, que reside essencialmente no facto de não ter procedido, em tempo útil, na sua qualidade de tesoureiro da instituição, ao lançamento das operações em causa.

172

Além disso, cabe declarar não decorrer, de forma alguma, dos documentos do processo estarem quer o ordenador quer o auditor financeiro ao corrente da abertura da conta bancária controvertida. Pelo contrário, como foi salientado pelo Conselho de Disciplina no parecer fundamentado de 27 de Novembro de 1987 (n.os 146 a 154), dois documentos constantes do processo permitem que se presuma que esses dois superiores hierárquicos do recorrente ignoravam a existência da conta remunerada no Midland Bank. Trata-se de uma nota de 5 de Junho de 1981, dirigida pelo recorrente a Paludan-Müller, então director das finanças e ordenador das receitas e de uma nota de 22 de Janeiro de 1982, remetida ao recorrente por Etien, então auditor financeiro. Na primeira nota, o recorrente chama a atenção do seu director para o facto de o Parlamento apenas ter contas correntes, submetendo em anexo, ao mesmo tempo, uma lista das contas bancárias do Parlamento. No que se refere ao Midland Bank, é mencionada a conta corrente n.o 618094, com um saldo médio de 100000 UKL, não sendo feita qualquer referência à conta remunerada n.o 1777912, na qual estava depositada na altura a quantia de 400000 UKL. Na segunda nota, o auditor financeiro manifesta o seu espanto pelo facto de a conta do fundo dos delegados gerar encargos sem produzir juros. Paludan-Müller fez uma observação escrita nessa nota, pedindo ao recorrente que discutisse com o Midland Bank a possibilidade de o Parlamento evitar o pagamento de encargos e de eventualmente obter juros.

173

Resulta do que precede que a primeira parte do presente fundamento deve ser rejeitada por improcedente.

— Quanto à acusação relativa ao incumprimento da obrigação de gerir de forma regular os créditos de pagamento

174

Antes de apresentar a sua argumentação quanto à acusação relativa à cobrança dos dois cheques sobre o Midland Bank, o recorrente cita a passagem da decisão controvertida que se lhe refere, nos termos da qual «... ao cobrar esses dois cheques, sem justificação precisa e válida [...] ao omitir garantir o lançamento nas “fichas contabilísticas-extracto de caixa” do pagamento efectuado na caixa no Luxemburgo [...] ao omitir a imediata contabilização da cobrança desses cheques, H. de Compte faltou ao cumprimento das obrigações de gerir, de forma regular, os créditos de pagamento...».

175

O recorrente interpreta esta acusação como significando apenas uma censura por não ter procedido imediatamente aos lançamentos exigidos, relativamente à cobrança dos dois referidos cheques. No pedido, refuta esta acusação, que qualifica de «não contabilização imediata», invocando o citado relatório Saby, que refere a insuficiência de efectivos e meios materiais no período entre 1978 e 1982, no trabalho suplementar devido à rejeição do orçamento para 1980 e, as repercussões, no sentido do agravamento da carga de trabalho do serviço de tesouraria, geradas pela eleição do Parlamento por sufrágio universal, em Junho de 1979, na medida em que conduziu à duplicação do número de deputados, bem como a um significativo aumento do número de funcionários. O recorrente argumenta também que o Conselho de Disciplina reconheceu, no parecer fundamentado, como circunstâncias atenuantes «a má organização geral dos serviços financeiros do Parlamento na altura em que ocorreram os factos e a insuficiência de meios materiais e de pessoal», para daí concluir ser contraditório fazer uma tal verificação e acusar o recorrente pelo atraso na contabilização dos dois cheques.

176

N a réplica, o recorrente refere ser acusado de ter faltado ao cumprimento da sua obrigação de gestão numa altura em que, tratando-se da caixa dos delegados, tal obrigação lhe não incumbia, como decorre do artigo 51.o das modalidades de execução. Pelo contrário, devia ter sido o gestor de fundos para adiantamentos a efectuar a contabilização em causa, visto tratar-se de cheques sobre uma conta dos fundo para adiantamentos dos delegados, cujo contravalor foi lançado na «caixa BFR»do fundo no Luxemburgo. Seria este último o único responsável pelo incumprimento. E é irrelevante o facto de o recorrente ter efectivamente dado instruções quanto à emissão e cobrança dos referidos cheques.

177

O recorrido argumenta que a inexistencia de lançamentos de forma alguma se deve à insuficiência de meios em pessoal e materiais, antes a uma falta grave do recorrente. Recorda, antes de mais, em apoio da sua afirmação, o curso incontestável dos acontecimentos. Em 4 de Setembro e em 11 de Novembro de 1981, o Banco Sogenal no Luxemburgo pagou em dinheiro ao recorrente, por instrução deste, em três moedas (BFR, DM, FF), o montante de 4136125 BFR em contrapartida de dois cheques sobre o Midland Bank. O recorrente tentou em primeiro lugar levantar esses cheques sobre a conta remunerada que abrira no Midland Bank, mas este recusou a cobrança por a referida conta não dar lugar à emissão de cheques. Os dois cheques foram, assim, debitados na conta corrente inicial. O Parlamento contesta a declaração do recorrente de que o contravalor em dinheiro desses cheques foi imediatamente colocado no cofre do Luxemburgo, no próprio dia da sua cobrança. O Parlamento refere que, se assim tivesse sucedido, devia ter solicitado o respectivo recibo, de acordo com as disposições do artigo 25.o do Regulamento Financeiro. Além disso, deviam ter sido imediatamente efectuados determinados lançamentos, sem que nenhuma dessas operações tenha sido praticada.

178

Na opinião do recorrido, o recorrente levantou pessoalmente os dois cheques no Banco Sogenal e colocou pessoalmente o dinheiro na caixa, sem que os respectivos lançamentos tenham sido efectuados, seja nos extractos de caixa, nas fichas de caixa, ou nas fichas de banco. Só mais de seis meses após o primeiro levantamento é que foram efectuados dois lançamentos na contabilidade, ou seja, em 28 de Fevereiro de 1982 (um domingo), num montante em francos belgas correspondente ao total de ambos os cheques, sem que jamais tenha havido registo desses fundos no livro de caixa que acompanha, no cofre, os valores activos efectivamente existentes. De acordo com o recorrido, a importância do atraso näo se altera, quer o lançamento tenha sido feito em 28 de Fevereiro de 1982, ou numa data posterior a 18 de Março de 1982, como afirma o Tribunal de Contas. Além disso, o Parlamento observa que a entrega em dinheiro de 4136125 BFR nas caixas do Luxemburgo, sem qualquer contabilização, devia ter revelado um desequilíbrio aquando do cruzamento entre o livro de caixa e a contagem dos valores activos efectivamente existentes, o mais tardar no final do ano. Ora, esse desequilíbrio apenas se revelou após contabilização dos dois cheques, sendo inverso ao que se teria verificado se o contravalor de ambos os cheques tivesse sido imediatamente depositado na caixa, sem contabilização. Finalmente, o recorrido argumenta que, nos termos dos processos contabilísticos aplicáveis, a contabilidade geral devia reproduzir a dos fundos para adiantamentos. Da mesma forma, os juros auferidos sobre a conta no Midland Bank deviam ter sido lançados na contabilidade geral, apesar de se tratar dos fundos para adiantamentos; ora, nada disso foi feito, o que constitui violação do artigo 63.o do Regulamento Financeiro. O recorrente cometeu, assim, uma falta de extrema gravidade.

179

No que se refere ao argumento invocado pelo recorrente para se desculpar, relativo à má organização geral dos serviços financeiros do Parlamento e às referências que a essa má organização são feitas no relatório Saby, o recorrido observa, antes de mais, que esse relatório nunca foi adoptado pelo Parlamento. Além disso, entende que a má organização geral dos serviços mais não pode constituir para o recorrente do que uma circunstância atenuante, e não uma causa de justificação.

180

O Tribunal entende que o desenvolvimento da argumentação do recorrente se centra em torno de dois pontos essenciais: em primeiro lugar, o atraso de seis meses verificado na contabilização da cobrança dos dois cheques deveu-se à má organização dos serviços financeiros do Parlamento; em segundo lugar, a responsabilidade de proceder a essa contabilização incumbia ao gestor de fundos para adiantamentos em virtude de se tratar de cheques sobre a conta bancária de fundos para adiantamentos.

181

Relativamente ao primeiro ponto, cabe observar, a título liminar, ser erradamente que o recorrente reduz as dimensões da acusação que lhe é feita à «não contabilização imediata» dos dois cheques. Com efeito, a decisão disciplinar acusa-o também de ter recebido esses dois cheques, sem justificação precisa e válida, e de ter omitido registar o levantamento nas «fichas contabilísticas-extractos de caixa» da caixa do Parlamento no Luxemburgo, nas três moedas em que o levantamento foi feito.

182

Quanto à procedência da argumentação invocada pelo recorrente, cabe observar que o facto de a decisão disciplinar ter tomado em consideração, a título de circunstâncias atenuantes, a má organização dos serviços financeiros do Parlamento na altura dos factos em causa, bem como a insuficiência dos meios em pessoal e materiais então reinante, não pode ser considerada contraditória com a afirmação da obrigação que incumbia ao recorrente de gerir de forma regular os créditos de pagamento. As circunstâncias invocadas pelo recorrente, e tomadas em consideração pelas instâncias disciplinares, não podem também constituir causa justificativa relativamente à presente acusação feita ao recorrente, na medida em que o atraso verificado no lançamento dos dois cheques em causa foi acompanhado por uma série de outros incumprimentos aquando da sua cobrança. Além disso, o Tribunal entende que a elevada posição ocupada pelo recorrente no seio dos serviços financeiros não lhe permite invocar as dificuldades materiais eventualmente reinantes em determinada altura nesses serviços para se exonerar de toda e qualquer responsabilidade.

183

No que se refere ao segundo ponto, a saber, a pretensa responsabilidade exclusiva do gestor de fundos para adiantamentos, invocada pelo recorrente na réplica, basta remeter para as considerações anteriormente desenvolvidas a propósito da acusação precedente. Cabe acrescentar ainda que o recorrente esteve muito mais implicado nos incumprimentos relativos à cobrança dos dois cheques do que nos relativos à abertura da conta.

184

Resulta do que precede que a segunda parte do presente fundamento deve também ser rejeitada.

— Quanto à acusação relativa ao incumprimento da obrigação de apenas efectuar despesas contra apresentação de documentos justificativos regulares e de velar pela sua conservação

185

O recorrente, citando a argumentação que expôs no decurso do processo disciplinar, no memorando intercalar de 29 de Outubro de 1987 e seu anexo técnico, pretende ter demonstrado que a acusação em causa resulta de uma amálgama efectuada pela AIPN entre o contravalor em francos belgas dos dois cheques, de que existem efectivamente documentos justificativos, e uma diferença, verificada em Agosto de 1982, entre a caixa dos fundos para adiantamentos e a contabilidade auxiliar. De acordo com o recorrente, esta diferença explica-se por uma série de razões técnicas coerentes, não necessariamente dependentes da inexistência de documentos justificativos. Além disso, no referido memorando intercalar, provou, juridicamente, que a obrigação de apenas efectuar despesas contra apresentação de documentos justificativos regulares e de conservar esses documentos é, no âmbito dos fundos para adiantamentos, da responsabilidade do respectivo gestor e não do tesoureiro. Acrescenta, a este respeito, que é acusado de ter faltado ao cumprimento de determinadas obrigações de que o gestor de fundos para adiantamentos deve prestar contas não ao tesoureiro, mas sim ao ordenador.

186

A título subsidiário, o recorrente sustenta que o presente processo repousa, na origem, sobre um postulado errado e que os desenvolvimentos subsequentes consistem em tentar pôr os factos de acordo com esse postulado. Em sua opinião, o parecer emitido no presente processo em 7 de Novembro de 1985 pelo Tribunal de Contas esclarece o sentido e fornece a prova desse postulado na medida em que nele se pode 1er: «A cobrança desses montantes (dos dois cheques) pelo caixa sem os correspondentes lançamentos nos livros devia ter dado lugar a um excedente de caixa do mesmo valor. Ora, a verificação material da caixa a que o Tribunal de Contas procedeu em Março de 1982 não revelou qualquer diferença significativa, o que permite concluir existir um défice de cerca de 4,1 milhões de BFR antes da cobrança dos cheques...». De acordo com o recorrente, esse postulado é errado em virtude de a conclusão (pretenso défice de 4 milhões de BFR) não caber nas premissas (cobrança não contabilizada de dois cheques de um total de 4 milhões de BFR e caixa «certa» em 31 de Dezembro de 1981). Este raciocínio pressupõe, em sua opinião, que o atraso na realização dos lançamentos contabilísticos apenas diz respeito à contabilização dos dois cheques em causa. Ora, o recorrente não descortina por que razão de princípio o atraso da contabilização não pode ser global. Acrescenta, quanto aos factos, que, independentemente do contexto geral, existia e teria de existir necessariamente um intervalo entre os pagamentos e sua contabilização. Daqui decorre que o atraso no lançamento de despesas pode bastar para deitar por terra o raciocínio que está na base do presente processo. Em apoio deste argumento, o recorrente invoca uma nota de 8 de Fevereiro de 1985 de Overstall, então auditor financeiro subordinado ao director das finanças, segundo a qual a diferença entre os valores activos efectivamente existentes na caixa dos fundos para adiantamentos dos delegados e a contabilidade auxiliar desse mesmo fundo seria causada, entre outros factos, por uma acumulação de receitas ou despesas regularizadas a posteriori.

187

O recorrente entende, ademais, incumbir à AIPN o ónus de provar, no plano técnico, a acusação de lhe ser exclusivamente imputável a perda de documentos. Ora, tal demonstração não foi feita. O recorrente pretende que, se lhe tivesse sido dado livre acesso à contabilidade, teria podido provar que, em qualquer caso, à data da sua mutação, em 30 de Abril de 1982, existia a totalidade das ordens de despesas, receitas e de regularização, numeradas em série contínua. Em sua opinião, a diferença contabilística de que é acusado deve-se, quanto à sua origem e natureza, ao sistema contabilístico em vigor na altura, constituindo um facto permanente e estrutural.

188

Examinando em seguida a questão relativa à nota que remeteu, em 30 de Março de 1982, ao presidente do Parlamento, o recorrente admite que ela referia uma soma de 4121573 BFR não contabilizada em despesas. Insiste contudo em sublinhar que essa soma não corresponde ao montante da soma dos dois cheques controvertidos e que a discussão não incide sobre o mesmo objecto. A este respeito, o recorrente explica que, quando o Tribunal de Contas referiu a existência de um défice de caixa de 4 milhões de BFR, se tratava, de acordo com o postulado que tinha retido, de uma diferença que teria existido antes da cobrança dos cheques, entre os valores activos efectivamente existentes em «caixas BFR» e os extractos dessas caixas. Pelo contrário, a referida nota do recorrente referia-se a uma diferença entre as «caixas BFR» e a contabilidade auxiliar dos fundos, ou seja, a uma diferença estrutural inerente ao sistema. Na opinião do recorrente, a diferença por ele assinalada devia ter sido analisada, mas, precisamente, nunca o foi.

189

No que se refere ao balanço relativo à situação das contas em 30 de Abril de 1982, estabelecido pelos serviços da administração, o recorrente argumenta ser o mesmo unilateral, ter sido efectuado sem a sua participação e posteriormente à sua mutação. Não lhe é pois oponível, não podendo substituir a indispensável prestação de contas que devia ter tido lugar no dia mesmo da sua mutação, ou seja, em 30 de Abril de 1982.

190

A título subsidiario, o recorrente pretende que no mínimo existem dúvidas quanto à acusação em análise, e que a decisão impugnada ignorou o princípio in dubio pro reo.

191

O recorrido refuta, em primeiro lugar, por inexacto, o argumento do recorrente de que a diferença de 4,1 milhões de BFR na contabilidade foi verificada varios meses após a sua mutação. Em apoio da sua tese, a instituição invoca sucessivamente a nota remetida pelo recorrente, em 30 de Março de 1982, ao presidente do Parlamento, em que referia a inexistência de documentos justificativos relativos a uma soma de cerca de 4,1 milhões de BFR; o balanço da situação das contas efectuado pelos serviços da administração após mutação do recorrente, que permitiu verificar a existência de um défice correspondente ao contravalor dos dois cheques cobrados; o parecer do Tribunal de Contas de 7 de Novembro de 1985, verificando dever existir desde Novembro de 1981 um défice da ordem dos 4,1 milhões de BFR; a decisão do Parlamento de 11 de Julho de 1986, referindo ter sido lançada nos documentos contabilísticos do Parlamento, uma diferença que se elevava a 4135125 BFR e fora estabelecida antes de 30 de Abril de 1982.

192

O recorrido refuta, em segundo lugar, por inexacto, o argumento do recorrente de não ter sido feita prova de a diferença de 4,1 milhões de BFR ser consequência de uma perda de documentos que lhe são imputáveis. A instituição observa que Young, sucessor do recorrente como tesoureiro, e De Poortere, chefe do serviço de subsídios parlamentares, responderam, tanto por escrito como oralmente, às questões colocadas pelo Conselho de Disciplina sobre os problemas a este respeito evocados pelo recorrente, e que, relativamente a cada contestação por este feita quanto à explicação de números ou documentos, a Divisão de Contabilidade foi capaz de demonstrar que os documentos em falta apenas diziam respeito à soma correspondente aos montantes dos dois cheques cobrados sobre o Midland Bank. O Parlamento argumenta, além disso, que a perfeita identidade entre o montante dos cheques e o do défice se reveste de relativa importância, na medida em que existe um défice incontestável. Recorda que a acusação feita ao recorrente consiste, com efeito, em não ter conservado os documentos justificativos e não em ter sanado o défice através dos dois cheques.

193

No que se refere à repartição de responsabilidades entre o tesoureiro e o gestor de fundos para adiantamentos quanto à obrigação de conservação dos documentos justificativos, o recorrido acusa o recorrente de ter desconhecido, na sua análise, a responsabilidade específica do tesoureiro. Observa, a esse respeito, que os pagaII - 842 mentos foram efectuados pessoalmente ao tesoureiro, em dinheiro, pelo Banco Sogenal no Luxemburgo, em 4 de Setembro e em 11 de Novembro de 1981. Foi por essa razão que, em sua opinião, o Conselho de Disciplina, no processo Offermann, não concluiu no sentido da responsabilidade do gestor de fundos para adiantamentos. Aquele conselho considerou decisivo o facto de aquele responsável «jamais ter visto os cheques totalmente preenchidos, ou seja, contendo uma segunda assinatura e o montante do levantamento» e de «H. de Compte (ter) declarado que ele próprio procederia à contabilização das operações em causa e à colocação dos fundos nas diversas caixas» (n.o 63 do parecer fundamentado do Conselho de Disciplina no processo Offermann). De acordo com o recorrido, existe responsabilidade do recorrente nos termos dos artigos 17.o, 20.o e 70.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro.

194

O recorrido expõe ainda, na tréplica, que, face à ausência de qualquer explicação do défice em causa por parte do recorrente, a que lhe parece mais plausível é a seguinte. Recordando que, aquando do controlo da caixa dos delegados efectuado pelo Tribunal de Contas, em 18 de Março de 1982, o comissário responsável verificara um excedente de 14552 BFR, relativamente ao qual anotara: «diferença a explicar», o recorrido observa que, se se deduzir essa soma do montante de 4136125 BFR, oficialmente lançado na ficha contabilística da «caixa BFR» em 28 de Fevereiro de 1982, mas, segundo o Tribunal de Contas, efectivamente lançado em data posterior a 18 de Março de 1982, obtém-se o montante de 4121573 BFR, que corresponde precisamente ao montante não contabilizado nas despesas reconhecido pelo recorrente na sua nota de 30 de Março de 1982.

195

O Tribunal verifica que a argumentação das partes sobre a presente acusação se centra, no essencial, em duas questões, a saber, em primeiro lugar, se ficou juridicamente provado que o défice da ordem de 4,1 milhões de BFR verificado na caixa dos delegados e relativamente ao qual faltam documentos justificativos, se deve ao lançamento relativo à cobrança pelo montante global expresso em francos belgas dos dois cheques sobre o Midland Bank; em segundo lugar, se a obrigação e correlativamente a responsabilidade, no âmbito de fundos para adiantamentos, de apenas efectuar despesas contra a apresentação de documentos justificativos e de conservar esses documentos incumbe ao gestor de fundos ou ao tesoureiro.

196

No que se refere à primeira questão, cabe salientar que a AIPN fundamentou a conclusão a que chegou na decisão disciplinar com base nas seguintes verificações. O saldo da conta «caixa BFR» no final do exercício de 1981 correspondia ao montante do saldo mencionado na ficha da conta «caixa BFR» no momento do controlo efectuado em 18 de Março de 1982 pelo Tribunal de Contas. Os livros do Parlamento mostram ter sido efectuado em 28 de Fevereiro de 1982 um lançamento de 4136125 BFR, que representa a soma global em BFR dos dois cheques sobre o Midland Bank. O Tribunal de Contas contesta que esse lançamento possa ter sido efectuado em 28 de Fevereiro de 1982, em virtude de não existir aquando do controlo da caixa dos delegados efectuada em Março de 1982. Esse lançamento revelou um desequilíbrio entre as contas «fichas contabilísticas — Midland Bank» e a «caixa BFR», por um lado, e o livro de caixa que acompanha os valores activos efectivamente existentes no cofre, por outro. Esse desequilíbrio constitui um défice de caixa do mesmo valor, a saber, 4136125 de BFR, cuja existência foi confirmada pelo Tribunal de Contas, pelos controlos internos do Parlamento e pela decisão do Parlamento de 11 de Julho de 1986 que deu quitação relativamente ao exercício de 1982. Na carta que dirigiu em 30 de Março de 1982 ao presidente do Parlamento, o recorrente reconheceu a não contabilização como despesas da soma de 4121573 BFR. O recorrente, que, na sua qualidade de tesoureiro teria de justificar qualquer operação de caixa, não apresentou qualquer documento justificativo relativamente ao pagamento de um montante equivalente ao do défice de caixa, nem explicou a origem desse défice.

197

Cabe salientar também que, no seu parecer fundamentado, seguido pela AIPN, o Conselho de Disciplina referiu que, aquando das suas deliberações, se viu confrontado com duas teses contraditórias. A primeira explicava a origem da diferença entre a caixa e a contabilidade geral através da cobrança dos dois cheques sobre o Midland Bank; a segunda rejeitava esse nexo, considerando que o défice representa a acumulação de toda uma série de erros de contabilidade. O Conselho de Disciplina refere ter enviado uma lista de questões a Young, tesoureiro do Parlamento, e a De Poortere, chefe do serviço dos subsídios parlamentares, a fim de esclarecer os diversos problemas evocados pelo recorrente, no memorando intercalar de defesa, quanto à origem do défice. Young e De Poortere responderam por escrito a essas questões, tendo depois sido ouvidos em presença da defesa. O Conselho de Disciplina afirma que, relativamente a cada contestação quanto à apresentação ou explicação de números ou documentos, o serviço de contabilidade conseguiu demonstrar que «apenas (estavam) em falta os documentos relativos ao montante correspondente ao valor dos dois cheques sobre o Midland Bank». O Conselho de Disciplina afirma também que o recorrente jamais foi capaz de explicar de forma convincente que razões poderiam levar a concluir que o défice verificado não estava relacionado com os dois cheques. O Conselho de Disciplina reconhece ser difícil tirar uma conclusão com base na eventual coincidência entre a diferença verificada e o montante dos dois cheques, citando, a esse propósito, a afirmação feita pelo representante do Tribunal de Contas, durante a sua audição, de que mesmo a perfeita concordância entre esses dois montantes não permitiria concluir com certeza absoluta ser o défice decorrente da cobrança dos dois cheques. Por ùltimo, o Conselho de Disciplina afirma ter tomado conhecimento das verificações do Tribunal de Contas, dos controlos internos efectuados a posteriori e da decisão do Parlamento de 11 de Julho de 1986 que deu quitação relativamente ao exercício de 1982, referindo também não ter o tesoureiro da instituição sido capaz de fornecer os documentos justificativos relativos a um défice verificado da ordem dos 4,1 milhões de BFR.

198

Convém recordar ainda que o Tribunal de Contas começou desde Julho de 1981 a examinar a caixa dos delegados do Parlamento. O resultado desse exame foi objecto de uma nota de 29 de Outubro de 1981 e de um relatório especial de 6 de Julho de 1982. As conclusões da nota referem a extrema desordem reinante nos fundos dos delegados e a quase total inexistência de controlo por parte do tesoureiro e do auditor financeiro. No relatório especial, o Tribunal de Contas pôde referir, entre outras irregularidades verificadas na gestão da caixa dos delegados, que dois cheques de 35176,98 e 17189,15 de UKL haviam sido trocados por dinheiro, operação de que não foram encontrados vestígios nas contas dos fundos.

199

Cabe acrescentar, quanto a este aspecto, que, por carta de 24 de Julho de 1985, o presidente do Parlamento, em nome da Comissão do Controlo Orçamental, solicitou um novo parecer do Tribunal de Contas sobre o défice da caixa dos delegados. No parecer de 7 de Novembro de 1985, o Tribunal de Contas inventariou todos os factos relevantes que verificara aquando do controlo que havia efectuado, bem como as conclusões que deles podiam ser retiradas. Os pontos essenciais das suas conclusões são os seguintes. Desde Novembro de 1981, pelo menos, existia um défice da ordem de 4,1 milhões de BFR na contabilidade da caixa dos delegados, correspondente ao montante dos cheques em UKL levantados em Setembro e Novembro de 1981. Esse défice não foi imediatamente revelado, nem quando do balanço de 31 de Dezembro de 1981, nem quando o Tribunal de Contas procedeu a um controlo em 18 de Março de 1982, em virtude de a cobrança dos dois cheques sobre o Midland Bank não ter sido lançada nos registos contabilísticos do Parlamento. Só depois do registo dos lançamentos relativos às operações em causa é que se revelou o referido défice. O Tribunal de Contas entende que o tesoureiro e o gestor de fundos para adiantamentos devem ser considerados responsáveis pela situação da caixa dos delegados, visto não terem velado razoavelmente pela conservação dos valores do Parlamento, como exige o artigo 20.o do Regulamento Financeiro, nem terem mantido uma contabilidade satisfatória, de acordo com as disposições das modalidades de execução.

200

O Tribunal deduz das conclusões constantes dos documentos do processo acima analisados que, na decisão impugnada, a AIPN considerou existir um nexo entre o aparecimento de um défice de 4,1 milhões de BFR na caixa dos delegados e a cobrança dos dois cheques controvertidos sobre o Midland Bank, considerando que o lançamento relativo a esta operação não foi feito no domingo 28 de Fevereiro de 1982, mas em data posterior a 18 de Março de 1982, data em que o Tribunal de Contas procedeu a um controlo. A AIPN considerou provado que o registo tardio do lançamento relativo à cobrança dos dois cheques revelou um défice de 4136215 BFR, correspondente ao montante desses cheques. O Tribunal entende que a interpretação assim dada pela AIPN aos factos que lhe foram submetidos se apoia nos pareceres sucessivos do Tribunal de Contas e do Conselho de Disciplina, que procederam a exames e averiguações minuciosos para esclarecer as circunstâncias na origem do défice.

201

Nestas condições, tomando embora em consideração a declaração do representante do Tribunal de Contas perante o Conselho de Disciplina de que mesmo a coincidência perfeita entre a diferença contabilística verificada e o montante dos dois cheques não autoriza a concluir com certeza absoluta que o défice em causa resulta da cobrança dos referidos cheques, cabe considerar que a decisão impugnada, legitimamente, considerou provado que a inexistência de documentos justificativos está relacionada, no caso vertente, com a cobrança dos dois cheques sobre o Midland Bank. Concluiu-se que o recorrente não conseguiu provar que o acto impugnado sofre de vício de fundamentação ou padece de erro manifesto de facto ou de direito, ou de desvio de poder, noções que constituem os limites do controlo da legalidade de um acto administrativo pelo órgão jurisdicional de anulação.

202

Cabe recordar, a título subsidiário que, como refere a decisão disciplinar, o recorrente, na sua nota de 30 de Março de 1982 dirigida ao presidente do Parlamento, reconheceu a não contabilização como despesas de uma soma (4121573 BFR) correspondente aproximadamente ao montante dos dois cheques, solicitando a regularização dessa situação pela adopção de uma ordem de despesas. Mesmo que se admitisse a tese do recorrente de que aquele défice não tem qualquer relação com a cobrança dos dois cheques, a conclusão a tirar não deve ser diferente, dado que o recorrente não foi capaz de identificar, durante todo o processo disciplinar, os documentos justificativos relativos ao montante em causa. O Tribunal não pode contentar-se com a alegação genérica do recorrente de que a diferença assinalada se deve a uma diferença estrutural, inerente ao sistema de contabilidade então em vigor no Parlamento.

203

No que se refere à segunda questão, ou seja, se a obrigação, e consequentemente a responsabilidade, de conservar os documentos justificativos relativos à cobrança I dos dois cheques incumbia, no caso vertente, ao recorrente ou ao gestor de fundos para adiantamentos, cabe citar os artigos 20.o e 70.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Financeiro, e os artigos 50.o a 53.o das modalidades de execução. Decorre dessas disposições que a responsabilidade pela apresentação e conservação dos documentos justificativos dos fundos para adiantamentos incumbe, em primeiro lugar, ao respectivo gestor. O tesoureiro, que tem a obrigação de controlar a contabilidade dos fundos para adiantamentos e dar instruções ao respectivo gestor, torna-se co-responsável a partir do momento em que não dê instruções adequadas relativamente à conservação dos documentos justificativos.

204

No caso presente, como já foi referido, o recorrente esteve pessoalmente implicado no levantamento dos dois cheques, visto ter ele próprio aposto a segunda assinatura e ter ele próprio, de acordo com as suas declarações, depositado o dinheiro, recebido em três moedas, no cofre do Parlamento no Luxemburgo. Assim sendo, foi acertadamente que a decisão disciplinar entendeu que o recorrente cometeu uma negligência grave por não ter velado razoavelmente pela conservação dos valores do Parlamento.

205

Atendendo às considerações precedentes, cabe rejeitar na sua totalidade o presente fundamento por improcedente.

A título subsidiário, quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 86.o, n.o 1, do Estatuto, e dos artigos 70.o, n.o le 71.o do Regulamento Financeiro, e na ignorância dos princípios de igualdade, equidade e justiça distributiva, bem como em desvio de poder

206

Pelo presente fundamento, o recorrente alega, a título subsidiário, não poder considerar-se, por um lado, ter existido negligência, na acepção do n.o 1 do artigo 86.o do Estatuto, e a fortiori negligência grave, na acepção do n.o 1 do artigo 70.o do Regulamento Financeiro, e ser ele, por outro, a única pessoa a ser objecto, no presente processo, de sanção disciplinar. Trata-se de uma violação dos princípios de igualdade, de equidade e de justiça distributiva e de desvio de poder.

207

A tese a este respeito sustentada pelo recorrente consiste em que, mesmo que se admita procederem, total ou parcialmente, as acusações contra si suscitadas, tais acusações não podem conduzir a que lhe seja aplicada legalmente uma sanção, atendendo, por um lado, ao contexto do presente processo, que exclui a existência de negligência, e a fortiori negligência grave, e, por outro, ao facto de não sendo o único responsável, não poder ser objecto de sanção uma vez que os demais eventuais responsáveis o não foram, ou nem sequer foram, com excepção de Offermann, objecto de processo disciplinar. Em apoio deste argumento, invoca as declarações feitas respectivamente por Aigner, presidente da Comissão de Controlo Orçamental, e Mart, membro do Parlamento, nas sessões do Parlamento de 11 de Julho de 1986 e de 10 de Abril de 1984. De acordo com essas declarações, a hierarquia das responsabilidades não foi respeitada e todas as acusações se concentraram numa única pessoa, quando as discussões demonstraram ser muito simplesmente o sistema que não funcionava. Finalmente, o recorrente refere, mais uma vez, a má organização dos serviços financeiros do Parlamento, o facto de a responsabilidade do gestor de fundos para adiantamentos e do ordenador excluírem, em sua opinião, a do tesoureiro, a inexistência de responsabilidade em consequência da quitação e a inexistência de prestação de contas aquando da transferência de poder.

208

Além disso, o recorrente pretende ter sido considerado «bode expiatório» no presente processo, que envolve responsabilidades a diversos níveis. Em sua opinião, para lhes pôr um fim, necessário se tornou oferecer absolutamente uma «vítima expiatória», perseguida por acusações formais — o que permitiu evitar uma instrução em matéria de fundo que teria podido conduzir a surpresas desagradáveis —, mas a que foi aplicada uma sanção como se essas acusações formais fossem acusações materiais devidamente provadas. Assim, a administração, ao agir desta forma, cometeu um desvio de poder.

209

O recorrido responde nada ter a acrescentar sobre este fundamento, dado que a argumentação do recorrente é idêntica à desenvolvida em apoio do fundamento anterior, relativo à legalidade interna da decisão impugnada, remetendo pois para a resposta que aí deu. Contudo, não deixa de rejeitar categoricamente a afirmação do recorrente de que, neste caso, teria havido a «busca desenfreada de um bode expiatório», afirmação a que, aliás, se abstém de responder por não se basear em qualquer elemento de prova. No que se refere às opiniões expressas por Aigner e Mart, a instituição recorrida responde que não constituem qualquer prova do invocado desvio de poder. Em qualquer caso, de acordo com o Parlamento, mesmo existindo uma parcela de responsabilidade por parte do gestor de fundos para adiantamentos, tal facto em nada diminuiria a responsabilidade do recorrente.

210

O Tribunal verifica que o presente fundamento se articula em três partes: em primeiro lugar, violação do n.o 1 do artigo 86.o do Estatuto e dos artigos 70o, n.o 1, e 71.o do Regulamento Financeiro, por as acusações contra o recorrente não configurarem negligência grave; em segundo lugar, violação dos princípios de igualdade, de equidade e de justiça distributiva, por o recorrente ser a única pessoa objecto de sanções disciplinares, diferentemente do gestor de fundos para adiantamentos, do ordenador e do auditor financeiro que não foram objecto de sanções; em terceiro lugar, desvio de poder por o recorrente ter sido punido por acusações formais como se se tratasse de acusações materiais devidamente provadas.

211

No que se refere à primeira parte, o Tribunal entende que as acusações feitas ao recorrente são constitutivas de negligência grave, na acepção do n.o 1 do artigo 70.o do Regulamento Financeiro. Com efeito, as irregularidades relativas à abertura da conta controvertida no Midland Bank de Londres, tal como referidas no n.o 169 do presente acórdão, a omissão de contabilização ou a contabilização tardia de determinadas operações relativas à cobrança dos dois cheques em 4 de Setembro e em 21 de Novembro de 1981, e o não cumprimento da obrigação de apenas efectuar despesas contra apresentação de documentos justificativos regulares, bem como velar pela sua conservação, todas elas acusações que o Tribunal considerou procedentes, constituem negligência tanto mais grave por parte do recorrente quanto este ocupava, na sua qualidade de tesoureiro, o lugar de nível mais elevado na gestão da contabilidade da instituição.

212

Quanto à segunda parte, cabe, antes de mais, citar as considerações precedentes (n.os 167 a 172, 183 e 203 a 204) do presente acórdão, em que o Tribunal se pronunciou sobre a delimitação da responsabilidade do recorrente relativamente à dos demais funcionários dos serviços financeiros. A divergência existente entre as decisões tomadas no termo dos processos disciplinares instaurados contra o gestor de fundos para adiantamentos e o tesoureiro não pode ter qualquer incidência sobre o presente processo, atendendo ao princípio da independência de cada processo disciplinar, com cuja aplicação se têm de conciliar os princípios de igualdade, de equidade e de justiça distributiva invocados pelo recorrente.

213

Finalmente, no que se refere à terceira parte do fundamento, cabe recordar que, nos termos de uma jurisprudência constante, uma decisão administrativa apenas padece de desvio de poder se se revelar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para se atingirem fins diversos dos invocados (acórdãos do Tribunal de Primeira Instancia de 12 de Julho de 1990, Scheuer/Co-missão, T-108/89, Colèct., p. II-411; de 23 de Outubro de 1990, Pitrone/Comissão, T-46/89, Colect., p. II-577).

214

Cabe verificar que, no caso vertente, o recorrente não forneceu elementos de prova pertinentes de que se possa concluir que a AIPN, ao instaurar contra si um processo disciplinar, prosseguiu uma finalidade diversa da salvaguarda da ordem interna da função pública europeia. O facto de a sanção de retrogradação ter sido aplicada ao recorrente com base em irregularidades formais não basta para provar que a administração o perseguiu, como pretende, no intuito exclusivo de nele encontrar uma vítima expiatória.

215

Resulta do que precede que o presente fundamento deve ser rejeitado, em todas as suas três partes.

Quanto ao fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade

216

A título mais subsidiário ainda, o recorrente argumenta existir desproporção flagrante entre, por um lado, a importância das acusações contra si e, por outro, a gravidade da sanção que lhe foi aplicada.

217

A sua primeira observação refere-se>-à gravidade da sanção. Entende, a esse respeito, que a pena que lhe foi aplicada — a saber, a retrogradação — é in se uma das mais graves sanções possíveis. Seria, no caso vertente, mais grave ainda do que a sanção de despedimento com manutenção do direito a pensão de antiguidade, pela sua amplitude e pela idade do recorrente, que atingira praticamente o número máximo de anuidades tomadas em conta para efeitos de cálculo da pensão de reforma. Nestas condições, e na opinião do recorrente, as circunstâncias atenuantes aceites pelo Conselho de Disciplina desempenharam, em última análise, um papel agravante. Além disso, apesar de as acusações retidas contra si serem formais e não materiais, a sanção aplicada foi a que normalmente teria tido lugar se fosse objecto de acusação material e esta fosse dada como provada.

218

A segunda observação do recorrente tem por objecto a comparação dos pareceres fundamentados proferidos respectivamente pelos primeiro e segundo Conselho de Disciplina, em 10 de Fevereiro de 1984 e 27 de Novembro de 1987. Salienta a incoerência existente entre esses dois pareceres, por o primeiro Conselho de Disciplina, que retivera contra si outras acusações para além das que vieram a ser acolhidas pelo segundo conselho, ter recomendado a sanção de repreensão, enquanto o segundo propôs a retrogradação. Conclui que tudo se passou como se o último Conselho de Disciplina tivesse querido propor a sanção pretendida pela AIPN, mas, sobretudo, como se as circunstâncias atenuantes retidas tivessem sido apenas pró-forma, sem reflexos efectivos na proposta de sanção e na sanção aplicada.

219

O recorrido responde ser inexacto que a AIPN tenha procurado evitar uma instrução «quanto ao mérito», apenas retendo, em última análise, acusações formais. Afirma que, embora a AIPN não tenha querido acusar o recorrente da existência de fraudes, que teriam logicamente conduzido a um procedimento penal, as acusações de forma retidas não deixam por isso de ser extremamente numerosas e intrinsecamente graves. A instituição argumenta também que a retrogradação não é a sanção mais grave prevista no Estatuto e que o recorrente podia ter sido objecto de sanções bem mais graves, a que a AIPN teria recorrido caso tivesse considerado a existência de fraudes. Por último, a retrogradação apenas produziu efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1988 e não em data anterior, apesar de ser juridicamente possível uma retrogradação retroactiva, atendendo a que o Tribunal de Justiça anulou a primeira decisão disciplinar com fundamento apenas em vício de forma.

220

O Tribunal recorda, antes de mais, que, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, provada que seja a realidade dos factos de que o funcionário é acusado, a escolha da sanção adequada compete à autoridade disciplinar. O Tribunal não pode substituir a sua apreciação à da AIPN, excepto em caso de excesso manifesto ou desvio de poder (acórdãos de 30 de Maio de 1973, De Greef/Comissão, 46/72, Recueil, p. 543, 556; de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, 228/83, já citado; de 11 de Julho de 1985, R./Comissão, 255/83 e 256/83, já citado; de 5 de Fevereiro de 1987, F./Comissão, 403/85, Recueil, p. 645, 671).

221

No que se refere, mais especificamente, à questão de saber se a sanção aplicada no caso vertente não é proporcional às acusações retidas a cargo do recorrente, cabe sublinhar que as disposições do Estatuto relativas a sanções disciplinares, a saber, os artigos 86.o a 89.o, não estabelecem relações fixas entre as sanções aí referidas e os diversos tipos de infracções praticadas pelos funcionários. A determinação da sanção a aplicar em cada caso individual deve basear-se na avaliação global da totalidade dos factos concretos e das circunstâncias agravantes ou atenuantes específicas do caso (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1987, F./Co-missão, 403/85 já citado).

222

A este respeito, cabe verificar, por um lado, que as acusações retidas contra o recorrente na decisão disciplinar dizem respeito a infracções graves às obrigações que lhe incumbiam nos termos do Regulamento Financeiro e, por outro, que o recorrente, na qualidade de tesoureiro da instituição, era, nos termos das disposições do referido Regulamento Financeiro, o principal responsável pela boa gestão do serviço de contabilidade. Cabe acrescentar que a AIPN adoptou, no que se refere tanto à verificação da materialidade dos factos e sua classificação jurídica quanto à avaliação das circunstâncias atenuantes e escolha da sanção adequada, as recomendações feitas pelo Conselho de Disciplina. Assim sendo, o Tribunal não se considera em condições de qualificar de sanção manifestamente desproporcionada a retrogradação do recorrente ao grau A 7.

223

Cabe, pois, rejeitar este último fundamento de anulação, baseado no princípio da proporcionalidade.

Quanto aos pedidos destinados a obter a designação de uma comissão de peritos

224

Na réplica, o recorrente pede a título subsidiário que o Tribunal «nomeie uma comissão de três peritos, tendo por missão dar parecer fundamentado sobre as acusações retidas a cargo do recorrente e responder a todas as questões pertinentes que lhe sejam colocadas pelas partes».

225

Na tréplica, o recorrido observa tratarem-se de novos pedidos. Argumenta que, nos termos do artigo 38.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, os pedidos do recorrente devem constar do pedido inicial, sublinhando que o n.o 1 do artigo 42.o do referido Regulamento de Processo prevê que, caso as provas sejam oferecidas na réplica, o recorrente tem de justificar o atraso no respectivo oferecimento. A instituição recorrida entende, além disso, que a nomeação de uma comissão de peritos teria por único efeito retardar o curso do processo e que as acusações retidas contra o recorrente foram, até ao momento, objecto de uma instrução suficientemente longa e aprofundada para não terem de ser objecto de medidas de instrução suplementares. Recorda, assim, que este processo foi por diversas vezes examinado pelo Tribunal de Contas, pela Comissão de Controlo Orçamental do Parlamento, por um gabinete independente de peritos contabilísticos e, ainda, por diversos Conselhos de Disciplina. Por estas razões, o recorrido conclui pela rejeição dos pedidos subsidiários do recorrente.

226

O Tribunal verifica que os pedidos subsidiários do recorrente visam, no essencial, que o Tribunal ordene uma peritagem tendo por objecto, como o recorrente precisou na audiência, dar parecer sobre a procedência da terceira acusação, a saber, a ausência de documentos justificativos relativos a uma soma da ordem de 4,1 milhões de BFR.

227

Cabe recordar a este respeito que, nos termos do n.o 1 do artigo 45.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável no momento da audiência mutatis mutandis ao processo perante o Tribunal de Primeira Instância, este «determina as medidas que julgar convenientes mediante despacho em que se especifiquem os factos a provar». Resulta claramente desta exposição que cabe ao Tribunal apreciar a utilidade de tal medida.

228

No presente processo, decorre do conjunto das respectivas peças, tal como foram analisadas durante o exame feito pelo Tribunal sobre a procedência da acusação baseada na não apresentação de documentos justificativos (ver supra n.os 195 a 202 do acórdão), do facto de o recorrente não ter formulado qualquer observação sobre o balanço relativo ao estado das contas em 30 de Abril de 1982 — apresentado pelo Parlamento a pedido do Tribunal — e do dilatado prazo decorrido desde a ocorrência dos factos controvertidos, que a medida de instrução solicitada pelo recorrente não se revela de qualquer utilidade para o Tribunal, que se considera suficientemente esclarecido pelo conjunto do processo. Em consequência, estes pedidos subsidiários devem ser também rejeitados.

229

Resulta das considerações precedentes que o recurso deve ser rejeitado na sua totalidade.

Quanto às despesas

230

Por força do n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. No entanto, de acordo com o artigo 70.o do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide :

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as despesas.

 

Yeraris

Saggio

Vesterdorf

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Outubro de 1991.

O secretário

H. Jung

O presidente

B. Vesterdorf


( *1 ) Língua do processo: francês.