ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

26 de Fevereiro de 1992 ( *1 )

No processo T-16/89,

Hans Herkenrath e o. (omissis), funcionários e agentes da Comissão das Comunidades Europeias, representados por B. Potthast e por H. J. Rüber, advogados no foro de Colònia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Ernest Arendt, 4, avenue Marie-Thérèse,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Henri Etienne, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto o pagamento de juros moratórios e compensatórios, para reparação do prejuízo pretensamente sofrido pelos recorrentes, devido a um atraso na adaptação dos coeficientes de correcção aplicáveis às suas remunerações, na sequência da verificação quinquenal de 1986,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

composto por: A. Saggio, presidente, C. Yeraris, C. P. Briet, D. Barrington e B. Vesterdorf, juízes,

secretáno: B. Pastor, administradora

vistos os autos e após a audiência de 29 de Maio de 1991,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do processo

1

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de Dezembro de 1986, H. Herkenrath e outros funcionários e agentes da Comissão das Comunidades Europeias, colocados no Centro Comum de Investigação de Ispra (Varese, Itália), após terem concluído o processo administrativo, interpuseram um recurso em que pedem, por um lado, a anulação de algumas das suas folhas de remuneração elaboradas em 1986 e, por outro, o pagamento de juros moratórios e compensatórios para reparação do dano pecuniário que entendem ter sofrido devido ao atraso que, segundo eles, se verificou na adaptação dos coeficientes de correcção aplicáveis às suas remunerações, na sequência da verificação quinquenal de 1986.

Dada a complexidade da regulamentação comunitária relativa à adaptação periódica das remunerações, é conveniente recordar o conteúdo das disposições aplicáveis, antes de descrever os diferentes procedimentos que antecederam a adaptação quinquenal em causa.

Enquadramento jurídico

2

Os artigos 64.° e 65.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto») prevêem a adaptação periódica das remunerações dos funcionários. Estas disposições são aplicáveis aos agentes temporários e auxiliares por força dos artigos 20.° e 64.° do regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias.

Os artigos supramencionados do Estatuto, naquilo em que são pertinentes para a solução do presente litígio, têm à seguinte redacção:

«Artigo 64. °

A remuneração do funcionário expressa em francos belgas, após dedução dos descontos obrigatórios previstos no presente Estatuto e nos regulamentos adoptados para a sua execução, é aplicado um coeficiente de correcção superior, inferior ou igual a 100 %, segundo as condições de vida dos diferentes lugares de afectação.

...

Artigo 65. °

1.   O Conselho procede anualmente a um exame do nível de remunerações dos funcionários e dos outros agentes das Comunidades. Este exame ocorrerá em Setembro, com base num relatório comum, apresentado pela Comissão e baseado no va or, em 1 de Julho e em cada país das Comunidades, de um índice comum estabelecido pelo Serviço de Estatística das Comunidades Europeias, em ligação com os serviços nacionais de estatística dos Estados-membros.

No decurso deste exame, o Conselho examina sobre a necessidade, no âmbito da política económica e social das Comunidades, de proceder a uma adaptação das remunerações. Serão especialmente tomados em consideração o eventual aumento dos vencimentos públicos e as necessidades de recrutamento.

2.   No caso de variação sensível do custo de vida, o Conselho decide, de comum acordo, num prazo máximo de dois meses, medidas de adaptação dos coeficientes de correcção e, se for caso disso, do seu efeito retroactivo.

...».

3

Para efeitos da aplicação prática destas normas, o Conselho adoptou um método de adaptação. As regras deste método, para o período compreendido entre 1 de Julho de 1981 e 30 de Junho de 1991, foram aprovadas pela Decisão 81/1061/Euratom, CECA, CEE, de 15 de Dezembro de 1981, que altera o método de adaptação das remunerações dos funcionários e outros agentes das Comunidades (JO L 386, p. 6, EE 01 F3 p. 119, a seguir «Decisão de 1981»). Segundo esta decisão, os coeficientes de correcção para os países de afectação, com excepção da Bèlgica e do Luxemburgo, são adaptados periodicamente, em função da evolução do custo de vida nos diversos Estados-membros [anexo à decisão, parte II, ponto 4, alinea c), último travessão]. Resulta desta decisão que se devem distinguir as adaptações anuais das adaptações quinquenais. O Conselho, em conformidade com estas normas, procede às adaptações anuais com base em propostas da Comissão fundadas em dados provenientes dos institutos nacionais de estatística. Estes dados reflectem os hábitos de consumo da população em geral e os preços aplicáveis nas capitais de cada Estado-membro. No entanto, como este método por vezes cria distorsões relativamente às reais condições de vida dos funcionários europeus nos seus locais de afectação, a decisão, tendo em vista evitá-las, prevê que a Comissão, de cinco em cinco anos, proceda a inquéritos sobre os hábitos de consumo dos funcionários europeus e sobre os preços que estes pagam, com o objectivo de determinar, como exige o artigo 64.° do Estatuto, as «condições de vida dos diferentes locais de afectação» (anexo à decisão, parte II, ponto 1, n.° 1.1, segundo parágrafo). Sob proposta da Comissão baseada nos resultados destes inquéritos, o Conselho procede então à eventual adaptação quinquenal dos coeficientes de correcção.

Procedimentos administrativos, regulamentares e judiciais anteriores ao presente recurso

4

No âmbito da revisão quinquenal dos coeficientes de correcção prevista para o ano de 1981, em 26 de Novembro de 1986, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 3619/86, que rectificava os coeficientes de correcção que são aplicáveis na Dinamarca, na Alemanha, na Grécia, em França, na Irlanda, na Itália, nos Países Baixos e no Reino Unido às remunerações e pensões dos funcionários e outros agentes das Comunidades Europeias (JO L 336, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3619/86»), não acolhendo dois aspectos da proposta que lhe fora submetida pela Comissão, em conformidade com o procedimento acima descrito. Esta, em 15 de Janeiro de 1987, interpôs, no Tribunal de Justiça, um recurso contra o Conselho, cujo objecto era a anulação do regulamento referido.

5

Por acórdão de 28 de Junho de 1988, Comissão/Conselho (7/87, Colect., p. 3401), o Tribunal de Justiça anulou o Regulamento n.° 3619/86, julgado contrário às disposições do artigo 64.° do Estatuto,

a)

na medida em que fixara coeficientes de correcção calculados, quanto ao elemento «renda de casa», segundo o custo deste elemento para a população em geral em cada Estado-membro globalmente considerado, em vez de o fazer a partir do seu custo apenas pára os funcionários europeus, e

b)

na medida em que fixara como data de produção de efeitos dos novos coeficientes de correcção o dia 1 de Julho de 1986, em vez de 1 de Janeiro de 1981, data à qual à verificação se reportava.

6

O Conselho adoptou as medidas que a execução deste acórdão impunha, aprovando, sob proposta da Comissão de 5 de Julho de 1988, o Regulamento (CECA, CEE, Euratom) n.° 3294/88, de 24 de Outubro de 1988, que rectifica com efeitos desde 1 de Janeiro de 1981 os coeficientes de correcção aplicáveis, designadamente na Itália, às remunerações dos funcionários e outros agentes das Comunidades Europeias (JO L 293, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3294/88»). Através do seu Regulamento (CECA, CEE, Euratom) n.° 3295/88 do mesmo dia, o Conselho modificou igualmente, com efeitos desde 1 de Janeiro de 1986, os coeficientes de correcção aplicáveis no quadro do periodo quinquenal seguinte (JO L 293, p. 5, a seguir «Regulamento n.° 3295/88»). É a modificação dos coeficientes de correcção resultante do Regulamento n.° 3295/88 que constitui o objecto do presente processo.

7

Na sequência da adopção destes dois regulamentos pelo Conselho, a Comissão, em Novembro de 1988, procedeu à liquidação e ao pagamento dos retroactivos de remuneração devidos por força deles. No âmbito de acordo alcançado numa série de processos paralelos ao caso em análise, a Comissão aceitou pagar aos funcionários juros moratórios relativos ao período compreendido entre Dezembro de 1986 e a data de pagamento efectivo dos retroactivos, mas apenas quanto aos retroactivos devidos por força do Regulamento n.° 3294/88 e resultantes da verificação quinquenal efectuada em 1981.

O processo perante o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância

8

Os recorrentes propuseram, na própria petição, que a instância fosse suspensa até o Conselho se ter pronunciado sobre a proposta da Comissão relativa à adaptação dos coeficientes de correcção no quadro da verificação quinquenal de 1981. Por carta de 21 de Janeiro de 1987, a Comissão deu o seu acordo a esta proposta. Na mesma carta, excepcionou a inadmissibilidade do recurso e pediu a condenação dos recorrentes nas despesas. Em 17 de Janeiro de 1987, o Tribunal de Justiça, no qual o processo estava então pendente, decidiu suspender a instância até que fosse proferido o acórdão Comissão/Conselho, já referido (7/87). Após este acórdão ter sido proferido, as partes solicitaram que a instância permanecesse suspensa até que o Conselho adoptasse as medidas que a execução deste impunha. Em 30 de Novembro de 1988, o Tribunal de Justiça decidiu prorrogar a suspensão da instância até 16 de Janeiro de 1989.

9

No termo deste prazo, as partes informaram o Tribunal de Justiça do estado das negociações efectuadas com vista à resolução dos restantes problemas, designadamente do destino a dar aos pedidos dos recorrentes, de que lhes fossem pagos juros moratórios e compensatórios. Verificou-se que as partes não tinham conseguido chegar a um acordo.

10

Neste contexto, em anexo às observações que apresentaram em 13 de Janeiro de 1989 sobre o recomeço da instância, os recorrentes apresentaram a acta de uma reunião realizada em 29 de Novembro de 1988 entre o seu representante, por um lado, e o agente da Comissão no presente processo, por outro. Por carta entregue em 8 de Março de 1989, a Comissão solicitou ao Tribunal de Justiça que pusesse termo à suspensão da instância e lhe fixasse um prazo para a apresentação da sua contestação. Na referida carta, sustentou, no entanto, que o recurso era prematuro. Finalmente, requereu que a acta anexa às observações apresentadas pelos recorrentes em 13 de Janeiro de 1989 fosse retirada do processo, com o fundamento de que ela lhes tinha chegado de maneira irregular.

11

Por decisão de 14 de Abril de 1989, o Tribunal de Justiça pôs termo à suspensão da instancia e fixou à Comissão um prazo, que terminava em 22 de Maio de 1989, para a apresentação da contestação. Uma vez que a contestação não foi apresentada dentro do prazo estabelecido, o Tribunal, em 30 de Maio de 1989, decidiu solicitar aos recorrentes que lhe comunicassem se solicitavam que fosse dado provimento aos seus pedidos, em conformidade com o primeiro parágrafo do artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Para esse efeito foi-lhes enviada uma comunicação em 2 de Junho de 1989. Por despacho de 15 de Junho de 1989, o Tribunal de Justiça ordenou que a acta apresentada em anexo às observações apresentadas pelos recorrentes em 13 de Janeiro de 1989 fosse retirada do processo.

12

Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, em aplicação da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988 que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

13

Por carta de 23 de Maio de 1990, o secretário do Tribunal de Primeira Instância informou os recorrentes de que este Tribunal, após ter verificado que, por um lado, a recorrida, em 8 de Março de 1989, apresentara um documento que continha uma tomada de posição sobre o processo e que, por outro, os recorrentes não tinham respondido à carta que lhes fora dirigida pelo Tribunal de Justiça em 2 de Junho de 1989, decidira fixar-lhes um prazo para a apresentação da réplica.

14

Pela réplica de 12 de Junho de 1990, os recorrentes solicitaram

a)

a reintrodução no processo do anexo que dele fora retirado em execução do despacho do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1989;

b)

a apensação do presente processo aos processos T-17/89, Brazzelli, T-21/89, Bertolo, e T-25/89, Alex;

e)

que fosse proferida decisão à revelia, no caso de a «secção não dar provimento aos seus (outros) pedidos».

15

Por carta de 22 de Junho de 1990, o secretário do Tribunal de Primeira Instância comunicou aos recorrentes que fora fixado um prazo à recorrida para a apresentação da sua tréplica. A Comissão apresentou a tréplica em 24 de Julho de 1990, no prazo estabelecido.

16

Por despacho de 13 de Novembro de 1990, o Tribunal de Primeira Instância indeferiu os dois primeiros pedidos apresentados pelos recorrentes em 12 de Junho de 1990 e reservou para final a decisão quanto ao pedido de que fosse proferida decisão à revelia.

17

Sob proposta de Terceira Secção, à qual o processo fora devolvido, o Tribunal de Primeira Instância, em 6 de Dezembro de 1990, decidiu enviar o processo a uma secção composta por cinco juízes e atribuiu-o à Segunda Secção.

18

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu iniciar a fase oral sem instrução.

19

Foram ouvidos os representantes das partes em alegações na audiência de 29 de Maio de 1991. O presidente encerrou a fase oral no termo da audiência.

Pedidos das partes

20

Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

1)

declarar que os resultados da verificação quinquenal dos coeficientes de correcção do ano de 1985 devem ser tidos en consideração a partir de 1 de Janeiro de 1986;

2)

declarar ilegais e anular as suas folhas de remuneração a partir de 1 de Janeiro de 1986, na medida em que não têm em conta os resultados da verificação quinquenal dos coeficientes de correcção de 1985;

3)

condenar a recorrida a pagar as quantias correspondentes à diferença resultante dos cálculos efectuados segundo o pedido referido no ponto 2, a partir de 1 de Janeiro de 1986;

4)

condenar a recorrida a reparar o prejuízo que os recorrentes sofreram em resultado da aplicação tardia dos resultados da verificação quinquenal dos coeficientes de correcção de 1985;

5)

condenar a recorrida a adaptar os retroactivos de remuneração de modo a ter em conta a modificação do custo de vida no local de colocação e a pagar juros moratórios sobre este montante à taxa de 6 %;

6)

condenar a recorrida nas despesas.

Na audiência, os recorrentes desistiram dos primeiro, segundo e terceiro pedidos acima referidos, bem como do pedido, que constava da sua réplica de 12 de Junho de 1990, de que o Tribunal proferisse uma decisão à revelia.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1)

julgar o recurso inadmissível e, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

2)

condenar os recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade

21

A Comissão sustenta que o recurso é inadmissível, com o fundamento de que, no momento da entrega da petição, em 23 de Dezembro de 1986, a fixação das remunerações dos recorrentes sem a adaptação, em 1 de Janeiro de 1986, dos coeficientes de correcção que lhes eram aplicáveis não podia ser um acto lesivo dos seus interesses. A este propósito, alega que a noção de «provisionellen Klage» («recurso cautelar»), invocada pelos recorrentes, é incompatível com os artigos 90.° e 91.° do Estatuto, que pressupõem um acto lesivo praticado pela autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»). Segundo a recorrida, o primeiro dos pedidos não se lhe dirigia na qualidade de AIPN e de órgão executivo, mas sim à instituição na qualidade de órgão legislativo. Ainda segundo a recorrida, os recorrentes não podiam ter qualquer interesse em que o juiz comunitário se pronunciasse sobre um acto jurídico ainda não publicado. O primeiro pedido formulado é, por conseguinte, «ou uma usurpação de competências ainda não exercidas pelas instituições, ou um pedido de adopção definitiva de um princípio abstracto sem qualquer relação com um acto lesivo dos interesses do funcionário». Finalmente, a Comissão sustenta que, uma vez que o pedido principal é inadmissível, os pedidos subsidiários também devem ser rejeitados por inadmissíveis.

22

Os recorrentes contrapõem que, na medida em que visava a anulação das suas folhas de remuneração tal como foram elaboradas a partir de Janeiro de 1986, o recurso tinha por fundamento o facto de um acto administrativo adoptado em aplicação de um regulamento do Conselho se tornar ilegal quando o regulamento com base no qual foi aprovado é afectado por um vício. Se é verdade, prosseguem os recorrentes, que, no caso em apreço, o referido regulamento não foi afectado por tal vício durante anos, tornou-se todavia ilegal a partir do momento em que as suas disposições deixaram de ser conformes aos direitos estatutários dos funcionários, isto é, desde que o Conselho, em 1 de Janeiro de 1986, não procedeu à adaptação dos coeficientes de correcção que, segundo a decisão de 1981, deveria ter ocorrido nesta data.

23

Perante esta argumentação, o Tribunal de Primeira Instância recorda liminarmente que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a folha de remuneração, enquanto tal, constitui um acto susceptível de prejudicar o funcionário e, assim, de ser objecto de uma reclamação e eventualmente de um recurso, por força dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, mesmo que a instituição recorrida apenas tenha aplicado os regulamentos em vigor (ver, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1984, Andersen/Parlamento, n.° 4, 262/80, Recueil, p. 195).

24

No que diz respeito à questão de saber se o recurso era prematuro, há que sublinhar que o recurso não se funda, como pretende a recorrrida, numa omissão (ilegal) de aprovação de um regulamento, mas na violação dos artigos 64.° e 65.° do Estatuto e da decisão de 1981, na medida em que esta prevê uma adaptação quinquenal dos coeficientes de correcção. Nestas condições, era admissível que os recorrentes requeressem a anulação das suas folhas de remuneração a partir de Janeiro de 1986, argumentando que o regulamento com base no qual tinham sido feitas estava, desde essa data, afectado por um vício, na medida em que deixara de ser conforme às exigências da decisão de 1981, a qual requeria uma adaptação dos coeficientes de correcção em 1 de Janeiro de 1986.

Consequentemente, o segundo e terceiro pedidos apresentados na petição eram admissíveis e, portanto, o quarto e quinto pedidos, que lhes estão associados e que constituem o objecto do presente litígio, devem ser declarados admissíveis.

25

O recurso é, portanto, admissível.

Quanto ao mérito

Quanto aos juros moratórios

26

Em apoio do pedido de juros moratórios, os recorrentes invocaram um único fundamento, retirado do atraso injustificado com que a Comissão lhes pagou os retroactivos de remuneração que lhes eram devidos.

27

Na sua fundamentação, os recorrentes argumentam que, segundo a ordem jurídica de todos os Estados-membros, o devedor não tem o direito de lucrar com um atraso na liquidação de quantias devidas. O credor não deve ver-se privado dos frutos produzidos pelas quantias em causa, através dos quais, desde a data em que a eles tinha direito, teria podido satisfazer as suas necessidades.

28

A Comissão sustenta que as condições requeridas para a atribuição de juros de mora não estão reunidas para o período sobre que incide o presente litígio, isto é, de 1 de Janeiro de 1986 até ao mês de Novembro de 1988, data na qual foram liquidados os retroactivos de remuneração devidos em conformidade com o Regulamento n.° 3295/88. A este propósito, observa que as quantias devidas por força deste regulamento foram pagas menos de três anos depois da data determinada como data de referência, isto é, 1 de Janeiro de 1986. Neste contexto, a Comissão sustenta que os inquéritos necessários à verificação quinquenal de 1986 foram efectuados, nos prazos, em 1985 e que transmitiu a sua proposta ao Conselho em 7 de Outubro de 1987. Segundo ela, o período utilizado para o tratamento dos dados e para a preparação da proposta do regulamento não foi excessivo. Acrescenta que o facto «de as autoridades terem preferido apresentar uma proposta inatacável teve igualmente os seus frutos, porque a proposta foi aceite tal e qual em 24/25 de Outubro de 1988...».

29

Em apoio desta argumentação, a Comissão referé-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o pagamento de juros moratórios pressupõe que o montante do crédito seja determinado ou determinável, excepto se o prazo necessário à sua fixação for imputável a um comportamento faltoso da instituição.

30

O Tribunal de Primeira Instância observa, em primeiro lugar, que, antes de 24 de Outubro de 1988, data da adopção pelo Conselho do Regulamento n.° 3295/88, nenhuma instituição comunitária sabia se os coeficientes de correcção em vigor seriam objecto de uma rectificação e, em caso afirmativo, quais seriam os novos coeficientes aplicáveis. Consequentemente, antes desta data os recorrentes não tinham nenhum direito adquirido ao pagamento de retroactivos de vencimento e, correlativamente, as recorridas não tinham qualquer obrigação ou possibilidade de os pagar. Nestas condições, até esta data não podia haver atraso na liquidação de uma dívida.

31

Esta linha de pensamento é corroborada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1986, Ammann/Conselho (174/83, Colect., p. 2647). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça, em sessão plenária, considerou que só se pode encarar a possibilidade de uma obrigação de pagamento de juros de mora no caso de o crédito principal ser certo quanto ao seu montante ou, pelo menos, determinável com base em elementos objectivos estabelecidos. O Tribunal de Justiça entendeu que as competências atribuídas ao Conselho pelo artigo 65.° do Estatuto para corrigir as remunerações e pensões dos funcionários e outros agentes e para fixar os coeficientes de correcção aplicáveis às referidas remunerações e pensões envolvem um poder de apreciação e, portanto, que não existe nenhuma certeza quanto ao montante dessas correcções e fixações antes de o Conselho ter exercido a sua competência e adoptado o regulamento previsto. O Tribunal de Justiça especificou também que, embora num acórdão anterior (no caso, acórdão de 6 de Outubro de 1982, Comissão/Conselho, 59/81, Recueil, p. 3329), que anulara um primeiro regulamento ilegal do Conselho, tenha declarado que este devia ter em conta certos elementos no exercício do seu poder de apreciação, não determinou, porém, as quantias que efectivamente deviam ser pagas ao pessoal, nos termos do artigo 65.° do Estatuto, nem estabeleceu elementos objectivos que permitissem determinar com suficiente precisão estas quantias.

32

O Tribunal observa, em segundo lugar, que, após a adopção pelo Conselho, em 24 de Outubro de 1988, do Regulamento n.° 3295/88, a Comissão, em Novembro de 1988, procedeu à liquidação e ao pagamento dos retroactivos de remuneração devidos nos termos deste regulamento. A Comissão, a partir do momento em que houve a certeza de que os referidos retroactivos deviam ser pagos e o seu montante foi determinado, acatou com diligência a obrigação de pagamento. Sob este aspecto, não lhe poderia, portanto, ser imputado qualquer atraso.

33

Consequentemente, os pedidos dos recorrentes de que lhes sejam pagos juros de mora devem ser desatendidos.

Quanto ao prejuízo resultante da perda de poder de compra

34

Relativamente ao pedido a ela relativo, os recorrentes invocam um único fundamento, consistente na violação dos artigos 64.° e 65.° do Estatuto. Em defesa deste fundamento, sustentam que o Estatuto garantiu a equivalência das remunerações pagas ao pessoal das instituições em termos de valor real e que a Comissão, ao pagar apenas a quantia numérica correspondente ao cálculo dos retroactivos de remuneração, sem mais, violou os artigos 64.° e 65.° do Estatuto, porque os referidos retroactivos apenas foram pagos em valor nominal, o qual não permite assegurar a equivalência das remunerações em termos de poder de compra. Os recorrentes alegam que sofreram, em consequência, um prejuízo que residia no facto de, a partir de 1 de Janeiro de 1986, não terem podido dispor, a 15 de cada mês, de uma parte da remuneração que lhes era devida. A fim de especificar este prejuízo, indicam que, com a parte da remuneração que só lhes foi paga ulteriormente sob forma de retroactivos, teriam comprado obrigações do Estado italiano, cuja taxa de juro atingia 12,5 % em 1 de Abril de 1986.

35

A Comissão responde que os coeficientes de correcção, com a adaptação resultante da decisão de 1981, têm em consideração a depreciação monetária e regulam todos os problemas inerentes ao facto de a adaptação ser necessariamente retroactiva. Os novos coeficientes de correcção abrangem assim os prejuízos que poderiam eventualmente resultar desta situação. As exigências do Estatuto foram pois respeitadas no caso em apreço.

36

No que diz respeito ao pedido dos recorrentes de pagamento de juros compensatórios para reparação do prejuízo pretensamente sofrido em resultado da perda de poder de compra dos retroactivos de remuneração que lhes foram pagos nos termos do Regulamento n.° 3295/88, o Tribunal de Primeira Instância deve, em primeiro lugar, acentuar que «um litígio entre um funcionário e uma instituição de que ele depende, quando tem origem no vínculo que une o interessado à instituição, move-se no âmbito do artigo 179.° do Tratado CEE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto» (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1975, Meyer-Burckhardt/Comissão, 9/75, Recueil, pp. 1171, 1181). Segundo jurisprudência constante, para que os recorrentes possam ter direito ao pagamento de juros compensatórios, terão que demonstrar uma falta cometida pela instituição, a existência de um prejuízo certo e avaliável e um nexo de causalidade entre a falta e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1990, Moritz/Comissão, T-20/89, Colect., p. II-769).

37

O Tribunal recorda que, embora a decisão do Conselho de 1981 não fixe um prazo no qual a adaptação quinquenal que prevê deva ter lugar, o n.° 2 do artigo 65.° do Estatuto, ao estabelecer um prazo máximo de dois meses para a adopção de medidas de adaptação dos coeficientes de correcção, deve ser interpretado como sendo a expressão de um princípio geral, segundo o qual as decisões neste domínio devem ser adoptadas sem um atraso injustificado. Qualquer atraso indesculpável no estabelecimento da regulamentação que serve de base legal à adaptação das remunerações dos funcionários e outros agentes deve pois ser considerado como faltoso.

38

Tratando-se da questão de saber quando há atraso e se esse atraso é injustificado, há que ter em consideração que as instituições devem dispor de um prazo razoável, em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo, para aprontarem as suas propostas ou as suas decisões. Em consequência, não é possível fixar, de maneira geral, um prazo para a adopção de uma regulamentação como a em causa.

39

No caso em apreço, é conveniente sublinhar que a proposta de regulamento da Comissão foi submetida ao Conselho em 7 de Outubro de 1987, isto é, menos de dois anos após o início da revisão quinquenal em questão. Perante a complexidade do processo, e tendo em conta o procedimento de concertação com o pessoal inerente ao sistema de adaptação, este atraso não pode ser qualificado de excessivamente longo.

40

No que diz respeito à adopção pelo Conselho da proposta apresentada pela Comissão, recorde-se que, na época, estava pendente no Tribunal de Justiça uma acção que opunha a Comissão ao Conselho, relativa às regras de cálculo dos coeficientes de correcção. Da resolução deste litígio dependiam também as regras de cálculo dos novos coeficientes de correcção no quadro da aplicação quinquenal de 1986.

41

Nestas circunstâncias, e considerando que a proposta de regulamento da Comissão foi apresentada em Outubro de 1987, que o acórdão do Tribunal de Justiça no processo que opunha a Comissão ao Conselho foi proferido em 26 de Junho de 1988 e que, segundo o procedimento adoptado pelo Conselho para o exame e adopção das propostas de actos regulamentares, o exame de uma proposta de regulamento da Comissão implica uma análise a diversos níveis no Conselho, não se poderia acusar este último de não ter adoptado a proposta da Comissão antes da data em que o fez, isto é, em Outubro de 1988. O período que decorreu entre a data de referência da adaptação quinquenal (1 de Janeiro de 1986) e a data em que foi aprovado o regulamento pertinente (24 de Outubro de 1988), considerado no seu conjunto, não pode ser julgado excessivo em face das circunstâncias do caso. Há pois que concluir que não foi provada uma falta da Comissão ou do Conselho.

42

Em consequência, o pedido de indemnização dos recorrentes deve ser indeferido.

43

Resulta do que antecede que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

44

Segundo o Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as respectivas despesas.

 

Saggio

Yeraris

Briet

Barrington

Vesterdorf

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Fevereiro de 1992.

O secretário

H. Jung

O presidente

A. Saggio


( *1 ) Língua do processo: alemão.