Processo T-14/89
Montedipe SpA
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Concorrência — Conceitos de acordo e de prática concertada — Responsabilidade colectiva»
Conclusões do juiz B. Vesterdorf, designado como advogado-geral, apresentadas em 10 de Julho de 1991 1159
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 10 de Março de 1992 1160
Sumário do acórdão
Concorrência — Processo admnistrativo — Audições — Obrigação de enviar o relatório do consultor-auditor ao Comité Consultivo e à Comissão — Inexistência
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Acordos entre empresas — Conceito — Convergência de vontades quanto ao comportamento a adoptar no mercado
(Tratado CEE, artigo 85.o, n.o 1)
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Acordos, decisões e práticas concertadas cujos efeitos prosseguem além da sua cessação formal — Aplicação do artigo 85.o do Tratado
(Tratado CEE, artigo 85.o)
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação de cada empresa determinar de modo autônomo o seu comportamento no mercado — Reuniões entre concorrentes tendo por objectivo a troca de informações determinantes para a elaboração da estratégia comercial dos participantes
(Tratado CEE, artigo 85.o, n.o 1)
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Infracção complexa apresentando elementos de acordos e elementos de prática concertada — Qualificação única como «um acordo e uma prática concertada» — Admissibilidade — Consequências quanto aos elementos de prova a carrear
(Tratado CEE, artigo 85.o, n.o 1)
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Afectação do comércio entre os Estados-membros — Apreciação global e não ao nível de cada um dos participantes
(Tratado CEE, artigo 85.o, n.o 1)
Actos das instituições — Fundamentação — Obrigação — Alcance — Decisão de aplicação das regras de concorrência
(Tratado CEE, artigo 190.o)
Concorrência — Multas — Montante — Determinação — Critérios — Gravidade das infracções — Elementos de apreciação — Elevação do nível geral das multas — Admissibilidade — Condições
(Regulamento n.o 17do Conselho, artigo 15.o, n.o 2)
Actos das instituições — Presunção de validade — Contestação — Condições
Uma empresa que impugna uma decisão que aplica as regras da concorrência não pode invocar o facto de o relatório do consultor-auditor não ter sido enviado aos membros do Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes ou aos membros da Comissão. Com efeito, nenhuma disposição prevê o envio desse relatório a estas duas instâncias. De resto, este relatório tem apenas o valor de um parecer para a Comissão, que não tem, de modo nenhum, a obrigação de o acatar. Finalmente, o respeito dos direitos da defesa está suficientemente assegurado do ponto de vista legal, quando as diferentes instâncias que concorrem para a elaboração da decisão final tenham sido correctamente informadas da argumentação formulada pelas empresas, em resposta às acusações que lhes foram feitas pela Comissão, assim como dos elementos de prova apresentados pela Comissão para apoiar essas acusações
Para existir acordo, na acepção do artigo 85.o, n.o 1, do Tratado, basta que as empresas em causa tenham expresso a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada. Assim sucede sempre que se verifique uma convergência de vontades entre diversas empresas para alcançar objectivos em matéria de preços e de volumes de vendas.
O artigo 85.o do Tratado é aplicável aos acordos entre empresas que deixaram de estar em vigor, mas cujos efeitos se mantêm para além da sua cessação formal.
Os critérios de coordenação e de cooperação que permitem definir o conceito de prática concertada devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado comum. Embora esta exigência de autonomia não exclua o direito de os operadores económicos se adaptarem inteligentemente ao comportamento verificado ou previsto dos seus concorrentes, opõe-se rigorosamente a qualquer estabelecimento de contacto, directo ou indirecto, entre tais operadores, que tenha como objecto ou efeito, quer influenciar o comportamento no mercado de um concorrente actual ou potencial, quer revelar a um tal concorrente o comportamento que tenham decidido ou que prevejam vir a adoptar eles próprios no mercado.
Constitui uma prática concertada a participação em reuniões que tenham como objecto a fixação de objectivos de preços e volumes de vendas, reuniões em que sejam trocadas informações entre os concorrentes sobre os preços que pretendem praticar, sobre o seu limiar de rentabilidade, sobre as limitações dos volumes de vendas que consideram necessárias ou sobre os seus valores de vendas, uma vez que as informações assim comunicadas são necessariamente tomadas em conta pelas empresas participantes para determinar o seu comportamento no mercado.
Não prevendo o artigo 85.o, n.o 1, do Tratado qualificação específica para uma infracção complexa embora única, na medida em que é constituída por um comportamento continuado, caracterizado por uma única finalidade e comportando simultaneamente elementos que devem ser qualificados como «acordos» e elementos que devem ser qualificados como «práticas concertadas», aquela infracção pode ser qualificada como «um acordo e uma prática concertada», sem que se exija simultânea e cumulativamente a prova de que cada um destes elementos de facto apresenta os elementos constitutivos de um acordo e de uma prática concertada.
Deve considerar-se que uma empresa participou num acordo ou numa prática concertada susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros, violando assim o artigo 85.o, n.o 1, do Tratado, sempre que pudesse ser esse o resultado do comportamento global das empresas participantes, independentemente dos efeitos da sua participação individual.
Embora, por força do artigo 190.o do Tratado, a Comissão seja obrigada a fundamentar as suas decisões, através da menção dos elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da medida e das considerações que a levaram a adoptar a sua decisão, não é obrigada, no caso de uma decisão de aplicação das regras de concorrência, a discutir todos os pontos de facto e de direito suscitados por cada um dos interessados durante o processo administrativo.
Para apreciar a gravidade de uma infracção, com o objectivo de determinar o montante da multa, a Comissão deve tomar em linha de conta, não apenas as circunstâncias particulares do caso em apreço, mas também o contexto em que a infracção é cometida e velar pela natureza dissuasora da sua acção, sobretudo em relação aos tipos de infracções particularmente prejudiciais à concretização dos objectivos da Comunidade.
O facto de, no passado, a Comissão ter aplicado multas de um certo nível a determinados tipos de infracções não pode privá-la da possibilidade de as aumentar dentro dos limites indicados pelo Regulamento n.o 17, se isso for necessário para assegurar a aplicação de uma política comunitária da concorrência. Pode, nomeadamente, elevar o nível das multas, para reforçar o seu efeito dissuasor, quando sejam ainda relativamente frequentes as infracções de um determinado tipo, por causa do lucro que algumas empresas delas podem retirar, se bem que a sua ilegalidade tenha sido estabelecida desde o início da política comunitária em matéria de concorrência.
Dado que um acto notificado e publicado se presume válido, incumbe a quem invocar a invalidade factual ou a inexistência de um acto expor ao juiz as razões que põem em causa a aparente validade.