CONCLUSÕES DO JUIZ BO VESTERDORF

DESIGNADO COMO ADVOGADO-GERAL

apresentadas em 10 de Julho de 1991 ( *1 )

Sumário

 

Introdução

 

Os problemas estruturais do mercado do polipropileno de 1977 a 1983

 

I — Parte geral

 

A — As questões de processo administrativo

 

1. Tramitação do processo administrativo

 

2. Os principais pontos de vista das recorrentes

 

3. Natureza dos processos de concorrência

 

4. As formas de trabalho internas da Comissão

 

a) A organização interna dos trabalhos da Comissão

 

b) O consultor-auditor

 

5. Acesso aos autos

 

a) O relatório do consultor-auditor

 

b) Documentos de trabalho internos respeitantes à conferência de imprensa

 

c) Outras questões em matéria de acesso aos autos e de comunicação de documentos de prova às empresas;

 

6. Alteração da apreciação jurídica no decurso do processo

 

7. Relatório da audição perante a Comissão

 

B — Fundamentação da decisão

 

1. A exigência de fundamentação em geral

 

2. Obrigação da Comissão de comentar na sua decisão as provas e argumentos apresentados antes da decisão

 

3. Individualizações da decisão

 

4. Interpretação do artigo 85.o do ponto de vista formal

 

C — Conceito de «empresa» como «autor do acto»

 

D — Interpretação do artigo 85.o

 

1. Introdução

 

2. O conceito de acordo

 

3. O conceito de prática concertada

 

a) Apresentação do problema

 

b) A importância da questão no caso em apreço

 

c) Fundamentos e argumentos das partes

 

d) O contexto histórico

 

e) A jurisprudencia do Tribunal de Justiça no que se refere ao conceito de prática concertada

 

f) Observações dos advogados-gerais do Tribunal de Justiça sobre a questão

 

g) A doutrina

 

h) O ponto de partida da interpretação

 

i) A «prática concertada» pressupõe um comportamento no mercado?

 

j) A estrutura das duas formas de infracção

 

4. É possível propor uma teoria da tentativa no quadro do artigo 85.o?

 

5. O comportamento das empresas constituía objectivamente um fundamento inadequado

 

6. Existe um acordo e uma prática concertada?

 

7. Responsabilidade colectiva nos termos do artigo 85.o, n.o 1?

 

E — Observações genéricas sobre a apreciação das provas assim como sobre as categorias de provas e as provas

 

1. Generalidades

 

2. A livre apreciação das provas

 

3. A prova testemunhal

 

4. A prova documental

 

5. As análises económicas

 

6. Objectivos de preços e de quantidade como objecto de acordo ou de concertação

 

F — O acordo está provado?

 

1. Introdução

 

2. Os acordos alegados em matéria de preços mínimos

 

3. Prolongamento do acordo em matéria de preços mínimos

 

4. Reuniões entre produtores

 

5. Apreciação da situação em 1977

 

6. Apreciação da situação em 1978

 

7. Apreciação da situação em 1979

 

8. As iniciativas em matéria de preços

 

a) A iniciativa de preços de Julho a Dezembro de 1979

 

b) De Janeiro a Maio de 1981

 

c) De Agosto a Dezembro de 1981

 

d) Os períodos de Junho a Julho de 1982 e de Setembro a Novembro de 1982

 

e) O fim do acordo sobre os preços

 

9. Os sistemas de quotas

 

a) Sistema para 1980

 

b) Período de 1981-1982

 

1981

 

1982

 

c) Os sistemas de quotas em 1983

 

10. «Account management» e «account leadership»

 

11. Outras medidas de acompanhamento

 

G — Prescrição

 

II — Processos considerados individualmente

 

A — Rhône-Poulenc (processo T-l/89)

 

B — Petrofina (processo T-2/89)

 

C — Atochem (processo T-3/89)

 

D — BASF (processo T-4/89)

 

E — Anic (Enichem; processo T-6/89)

 

F — Hercules (processo T-7/89)

 

G — DSM (processo T-8/89)

 

H — Hüls (processo T-9/89)

 

I — Hoechst (processo T-10/89)

 

J — Shell (processo T-l 1/89)

 

K — Solvay (processo T-12/89)

 

L — ICI (processo T-13/89)

 

M — Montedipe (processo T-14/89)

 

N — Chemie Linz (processo T-15/89)

 

III — As questões ligadas à sanção

 

A — A política da Comissão em matéria de multas

 

B — A Comissão tomou em conta todos os factores pertinentes?

 

C — As circunstâncias atenuantes

 

D — Redução das multas como consequência da anulação de algumas partes da decisão

 

E — Deve a Comissão estabelecer uma «lista-catálogo» das multas?

 

F — Extensão ou intensidade da participação das diferentes empresas

 

1. Extensão tal como vem exposta na decisão da Comissão

 

2. Os quatro grandes produtores

 

3. Os produtores menos importantes

 

IV — Conclusões

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Introdução

Por proposta da Primeira Secção, o Tribunal de Primeira Instancia decidiu em sessão plenária, em 16 de Novembro de 1989, designar um advogado-geral para os processo T-l/89 a T-4/89 e T-6/89 a T-15/89 (polipropileno). Seguidamente, o presidente do Tribunal designou-me para desempenhar esta tarefa. O exame dos autos e a impressão que surge da audiência mostram que estes processos correspondem plenamente aos critérios para designação de um advogado-geral que agora estão fixados no Regulamento de Processo do Tribunal, ou seja, que a dificuldade jurídica ou a complexidade da matéria de facto exijam tal designação.

Os processos incidem sobre a decisão da Comissão de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo para aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV-31.149 — Polipropileno; JO L 230, p. 1). Através desta decisão, a Comissão aplicou às quinze empresas da indústria química multas importantes por terem participado num acordo e numa prática concertada, durante períodos de duração variável entre meados do ano de 1977 e, em qualquer caso, até Novembro de 1983, estabelecendo desta forma um acordo sobre os preços e introduzido um sistema de quotas e' outras medidas em apoio do seu acordo sobre os preços. Além disso, a Comissão intimou as empresas a pôr fim às infracções citadas.

Quatorze das quinze empresas interpuseram recurso, pedindo todas elas, com algumas ligeiras variações nas diversas formulações, a anulação da decisão ou, subsidiariamente, a supressão ou a diminuição das multas impostas. Por despacho do Tribunal de 25 de Setembro de 1990, os quatorze processos foram apensos para efeitos da audiência.

Para além de uma série de críticas de natureza formal no que respeita à maneira como a Comissão tratou esses processos no plano administrativo, os recursos contêm uma série de questões importantes relativas à interpretação do artigo 85.o do Tratado CEE. Estas últimas são abundantemente tratadas no conjunto dos documentos do processo e a solução que lhes será dada revestirá grande importância para aplicação futura do artigo 85.o O Tribunal deve recordar-se que, no decurso da audiência, a Comissão foi mesmo ao ponto de declarar que, se não obtivesse a confirmação dos seus principais pontos de vista no que respeita à interpretação e à aplicação do artigo 85.o, seria necessário alterar este último. A questão da interpretação do conceito de «prática concertada» do artigo 85.o constitui um primeiro ponto importante no caso em apreço, a menos que, naturalmente, se possa globalmente concluir que todos os elementos invocados pela Comissão constituem «acordos» na acepção do artigo 85.o A este propósito, o que está em causa é saber se a Comissão tem razão ao considerar que existe uma prática concertada na acepção do artigo 85.o a partir do momento em que tem lugar a «concertação», ou se, além disso, deve existir uma «prática» na acepção invocada pelas recorrentes, a saber, que é necessário fazer a prova de que se procurou materializar o resultado da «concertação» no mercado, agindo directamente em relação aos clientes das empresas para a pôr em prática. Um outro problema principal é o de saber em que medida os «acordos-quadros» muito discutidos entre as partes podem constituir um acordo na acepção do artigo 85.o, uma vez que, por um lado, nada permite pensar que as disposições seguidamente adoptadas assentavam principalmente num acordo de cooperação futura entre as recorrentes, mas que, por outro lado, se verificou a concretização de um número importante de medidas, que se podia pretender, em relação a cada uma delas, que assentava em acordos ou constituíam uma prática concertada e que, globalmente, constituíam uma combinação estruturada e eram fortemente sistematizadas. A questão da participação individual das diversas recorrentes constitui um terceiro problema principal. Esta questão compõe-se de dois elementos, por um lado, os problemas de prova e, por outro lado, a questão da responsabilidade pela cooperação ou colaboração ou, segundo os termos empregues no processo, a questão da responsabilidade colectiva ou da infracção colectiva.

Encontra-se na maior parte dos processos toda uma série de acusações de natureza formal e os problemas principais aqui esboçados são comuns, com algumas excepções, a todos os processos. O mesmo sucede relativamente à questão das sanções. É esta a razão pela qual optei pela seguinte apresentação: começo por uma parte geral respeitante às questões de vícios de forma da decisão da Comissão, à questão da interpretação e da aplicação do artigo 85.o, assim como aos princípios gerais que podem ser considerados no que se refere à questão da prova das infracções nos processos tais como surgem. Seguidamente, examinarei cada processo individualmente na segunda parte, com vista a determinar a situação de cada recorrente no que se refere às provas existentes. Finalmente, a terceira parte tratará das sanções.

Os problemas estruturais do mercado do polipropileno de 1977 a 1983 Como resulta de numerosas declarações consignadas nos autos e da audiência, assim como da decisão da Comissão, os presentes processos estão impregnados dos problemas estruturais consideráveis que afectaram o mercado do polipropileno, de meados dos anos 70 ao início dos anos 80. O problema residia numa importante sobrecapacidade, de que derivou uma fraca rentabilidade para os produtores e, frequentemente, perdas substanciais na produção do polipropileno. Como refere a Comissão na sua decisão (n.o 12), os onerosos investimentos de produção implicaram custos fixos tão elevados que a rentabilidade aceitável depende em larga medida da obtenção de uma elevada taxa de utilização das capacidades. Após terem caído no domínio público várias patentes em 1977, baseando-se em previsões muito optimistas quanto à evolução da procura, sete novos produtores da Europa Ocidental lançaram-se na produção de polipropileno em 1977, o que implicou um aumento muito importante da capacidade de produção, sem que a procura se tenha adaptado, mesmo aproximativamente, no decurso dos anos seguintes. Em minha opinião, não é necessário, para efeitos da decisão do Tribunal, estudar mais detalhadamente o contexto que subitamente deu origem a um tal excedente de capacidade; com efeito, como adiante direi, estou de acordo com a Comissão em que a questão de saber se, ou em que medida, determinadas empresas receberam auxílios estatais no sector industrial em causa é destituída de qualquer pertinência.

Numa economia de mercado, em caso de sobrecapacidade num determinado sector, torna-se necessário a longo prazo reduzir esta capacidade, se nada evoluir de outra forma. Aliás, a Comissão referiu (n.o 13 da decisão) uma proposta de redução das capacidades apresentada no âmbito das discussões sobre este ponto em 1982. Todavia, a Comissão não quis admitir um acordo de crise proposto por uma empresa, se isso comportasse uma «restrição inadmissível da concorrência, tal como a fixação de preços ou de quotas».

Em caso de sobrecapacidade no mercado, as empresas existentes que vêem chegar novos concorrentes a esse mercado adoptarão normalmente um dos comportamentos seguintes: ou tentam afastar os novos através da concorrência, ou paralisam ou reduzem elas próprias a sua produção, ou tentam chegar a um «compromisso» com as novas empresas ( 1 ). Não é de admirar que empresas que conhecem uma situação como a que existia no mercado do polipropileno em 1977 pretendam evitar uma concorrência destruidora sobre os preços, que pode comprometer os investimentos muito importantes efectuados em matéria de instalações, estabelecendo compromissos entre si com vista a sobreviver provisoriamente à espera de melhores tempos. No caso em apreço, as capacidades de produção sofreram uma certa redução, mais ou menos voluntária, mas esta redução não foi decisiva e a crise nessa indústria durou pelo menos seis anos. Assim, a crise durou muito tempo, talvez muito mais do que as empresas em causa pensavam: tal deveu-se, em particular, às consequências directas e indirectas do segundo grande aumento do preço do petróleo em 1979 e do importante aumento que daí resultou nos preços da matéria-prima, o polipropileno, assim como da recessão económica geral, que implicou uma diminuição da procura.

Essas considerações colocam um dos problemas fundamentais do direito da concorrência, que é saber em que medida e em que âmbito as empresas, que normalmente concorrem entre si, podem legalmente colaborar para defender os seus interesses comuns, quer de maneira sistemática no seio de associações por sectores ou similares, quer concretamente, quando surgem problemas específicos. Por outro lado, é incontestável que, da mesma forma que os trabalhadores, as empresas são livres de se associarem e têm o direito de defender os seus interesses económicos perante as autoridades ou outros e, por outro lado, também é muito pouco contestável que é de interesse público fundamental que a concorrência não seja falseada por esse facto no mercado comum [ver artigo 3.o, alínea f), do Tratado CEE]. Assim, deve-se garantir um equilíbrio entre, por um lado, os interesses das empresas em causa e, por outro lado, a preocupação de assegurar que os consumidores e outros intervenientes no mercado não sejam sujeitos a preços ou condições de negociação inaceitáveis.

Assim, pode-se falar de uma navegação entre Charybdę e Scylla ao apreciar as possibilidades de cooperação das empresas entre si e o momento em que é ultrapassada a linha de demarcação entre negociações lícitas e acordos ou práticas ilícitas. Como disse o advogado-geral Sir Gordon Slynn ( 2 ), o facto de uma empresa participar numa reunião na qual outras empresas celebram acordos susceptíveis de falsear a concorrência não implica em si que a primeira empresa possa ser considerada como tendo participado num acordo ou numa prática concertada. O representante da empresa pode muito bem ter vindo à reunião na convicção de que não se encontrava qualquer ponto suspeito na ordem dos trabalhos e, como se disse, é necessário reconhecer às empresas uma certa liberdade de discutir problemas comuns. Em contrapartida, deve-se intervir firmemente perante tentativas para minar uma das funções mais importantes do mercado, a saber, a livre formação dos preços e, em minha opinião, não é de confiar muito na posição de uma empresa que, durante um período bastante longo, envia colaboradores a numerosas reuniões em que são discutidas medidas, talvez compreensíveis do ponto de vista das empresas em razão das dificuldades encontradas no sector, mas que são dificilmente conciliáveis com o artigo 85.o, n.o 1.

Como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Züchner ( 3 ), a exigência de autonomia no direito da concorrência comunitário opõe-se «rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos directo ou indirecto entre [...] operadores, que tenha como objectivo ou efeito obter condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa, tendo em conta a natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, a importância e o número das empresas e o volume do referido mercado». Em contrapartida, o direito da concorrência não exclui naturalmente os contactos entre empresas como tais.

I — Parte geral

A — As questões de processo administrativo

Todas as requerentes alegaram, com mais ou menos vigor e segundo combinações diferentes, que a decisão impugnada enferma de uma série de vícios de forma. Para apreciar estes elementos, parece útil analisar em primeiro lugar a forma como a Comissão conduziu o processo administrativo no caso em apreço.

1. Tramitação do processo administrativo

Resulta da decisão que, em 13 e 14 de Outubro de 1983, representantes da Comissão efectuaram diligências de instrução sem aviso prévio, nos termos do artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 17 ( 4 ), em dez produtores de polipropileno que abastecem o mercado comum (Atochem, BASF, AG, DSM NV, Hercules Chemicals NV, Hoechst AG, Hüls AG, ICI pic, Montedipe ( 5 ), Shell International Chemicals Co. Ltd e Solvay & Cie). Na sequência, foram aplicadas multas a estas empresas e as mesmas interpuseram recurso da decisão da Comissão. Foram também efectuadas diligências de instrução junto da BP Chimie em Paris. Todavia, a BP não está abrangida pela decisão impugnada, uma vez que a Comissão considerou que não dispunha de provas suficientes em relação a esta empresa (n.o 78, último parágrafo, da decisão). Após estas diligências de instrução, a Comissão pediu informações às empresas acima citadas, em aplicação do artigo 11.o do Regulamento n.o 17, assim como a outras empresas (Amoco, Chemie Linz AG, Petrokjemi AS, Petrofina SA e Anic SpA). Três destas cinco empresas interpuseram recurso contra a Comissão; uma das empresas, a Saga Petrokjemi AS & Co. pagou a multa imposta e, finalmente, a Comissão considerou não dispor de provas suficientes em relação à empresa Amoco.

Seguidamente, representantes da Comissão efectuaram diligências de instrução, nos termos do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17, junto da Anic assim como junto de agentes de venda da Chemie Linz no Reino Unido e na Alemanha. Em contrapartida, não foi efectuada qualquer diligência de instrução junto da Rhône-Poulenc, que, contudo, é abrangida pela decisão.

Em 30 de Abril de 1984, a Comissão decidiu iniciar oficiosamente um processo, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17, e em Maio de 1984 enviou às quinze empresas uma comunicação das acusações em conformidade com este regulamento. Tratava-se, designadamente, da totalidade das empresas que agora interpuseram recurso, à excepção da Anic e da Rhône-Poulenc. A comunicação das acusações comportava uma parte geral e uma parte específica dirigida a cada uma das empresas.

Resulta dos autos que todas as empresas em causa nesta fase pediram então uma audição nos termos do artigo 7o do Regulamento n.o 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.o do Regulamento n.o 17 do Conselho (a seguir «Regulamento n.o 99»).

Em Junho de 1984, a Comissão permitiu às recorrentes o acesso aos autos. A forma como este direito foi concedido constituiu objecto de algumas discussões no processo e foi criticada por algumas recorrentes.

Em 24 de Outubro de 1984 teve lugar uma reunião preparatória com vista à audição que devia iniciar-se em 12 de Novembro de 1984, entre, por um lado, um funcionário da Comissão, Roland Mussard, que tinha como incumbência conduzir a audição e, por outro lado, os consultores jurídicos das empresas. Resulta de uma nota apresentada pela Shell que o funcionário em questão fez duas declarações, uma das quais é invocada por uma série de empresas em apoio dos seus pontos de vista, baseando-se a Comissão na outra. Em primeiro lugar, R. Mussard terá dito que devia estar presente na audiência um representante de cada uma empresa, isto é, que não bastava que se apresentasse um consultor externo e que, em sua opinião, era «mais seguro» que o representante da firma fosse empregado no «serviço comercial» da empresa. A segunda declaração dizia respeito ao seu próprio papel. Após ter anunciado que apenas exprimia o seu ponto dé vista pessoal e que isso, aliás, não era «particularmente importante», referiu uma divergência entre si e o comissário responsável quanto ao seu papel na condução dos processos de concorrência ou, noutros termos, um desacordo quanto à interpretação das regras fixadas para a sua missão ( 6 ). Como vem referido numa carta de 30 de Outubro de 1984, enviada à Comissão pelo advogado da Shell, este facto terá levado a Shell a anunciar que não participaria na audição perante a Comissão.

Tendo em conta as respostas das empresas à comunicação das acusações, a Comissão enviou, em 31 de Outubro de 1984, uma série de documentos aos advogados dessas últimas. Aí se encontravam cópias de instruções de preços dadas pelas empresas aos seus serviços de vendas, assim como quadros que resumiam esses documentos. Os advogados das diversas empresas recusaram aceitar as condições de que a comunicação destes documentos se revestia e devolveram os mesmos antes da audição perante a Comissão. De facto, os advogados contestavam a condição estabelecida pela Comissão, segundo a qual os documentos não podiam ser levados ao conhecimento dos serviços comerciais das empresas em causa.

A primeira sessão de audições teve lugar de 12 a 20 de Novembro de 1984. No decurso destas, várias empresas recusaram entrar num debate sobre a documentação que lhes tinha sido enviada em 31 de Outubro de 1984, alegando que a Comissão tinha alterado a sua argumentação, que, em qualquer hipótese, as empresas deviam ter a possibilidade de responder por escrito e que, além disso, não tinham tido tempo suficiente para estudar os documentos em questão antes da audição perante a Comissão.

Através de uma carta em comum de 28 de Novembro de 1984 das empresas BASF, DSM, Hercules, Hoechst, ICI, Chemie Linz, Montedipe, Petrofina e Solvay (à qual a Hüls aderiu por carta de 4 de Dezembro de 1984), os advogados das empresas em causa apresentaram críticas severas em relação a dois aspectos. Em primeiro lugar, alegaram que a documentação que lhes tinha sido enviada em 31 de Outubro de 1984 suscitava novas questões, tanto quanto à matéria de direito como quanto à matéria de prova. As empresas alegaram seguidamente que tinham que dispor de tempo suficiente para analisar os documentos e apresentar as suas observações escritas e ter seguidamente a possibilidade de tratar estas questões no âmbito de uma nova audição. Além disso, as empresas contestaram a condição segundo a qual os seus serviços comerciais não podiam ter conhecimento dos documentos. Em segundo lugar, as empresas alegaram que, no termo da primeira sessão de audições, a situação se caracterizava por uma falta de clareza crescente e importante quanto à posição jurídica adoptada pela Comissão e contra a qual as empresas se deviam defender. Segundo estas empresas, esta incerteza tinha a sua origem em ambiguidades substanciais nas comunicações das acusações. Finalmente, as empresas eram da opinião que a incerteza tinha aumentado mais quando das audições. Afirmaram que diversos representantes da Comissão tinham tentado dar explicações orais sobre a comunicação das acusações, as quais eram difíceis de compreender e lhes pareciam incoerentes e contraditórias entre si.

Sobre o primeiro ponto, as empresas alegaram mais precisamente que o conteúdo das comunicações das acusações e a documentação que então lhes fora enviada não permitiam de forma alguma determinar sobre que parte das provas apresentadas se baseavam as diversas constatações da Comissão. Assim, afirmaram que era impossível, a partir do conjunto dos documentos, determinar com exactidão o que a Comissão alegava contra cada empresa individualmente. Como se verá, é uma questão que será de novo abordada numa fase posterior do processo.

Além disso, as empresas suscitaram a questão do sentido de uma expressão contida na carta que acompanhava os documentos de 31 de Outubro de 1984, onde estava escrito que se tratava de uma «amostragem representativa» das instruções de preços e outras. A este propósito, as empresas exprimiram os seus receios de que a Comissão pudesse pensar em utilizar outras provas que não tinham sido comunicadas. Ás empresas consideraram que esta situação estava em contradição com o acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão ( 7 ). No que se refere a este primeiro ponto, as empresas exigiram seguidamente que a Comissão identificasse todas as outras instruções de preços pretensamente comparáveis de que tinha intenção de se servir, assim como os documentos sobre os quais se baseava uma tal comparação e que confirmasse que renunciava a basear-se em tais comparações não identificadas com vista a uma decisão. Além disso, exigiram que a Comissão levantasse a proibição de mostrar os documentos enviados aos serviços comerciais das empresas. Finalmente, exigiram que lhes fosse dada a oportunidade de comentar os novos documentos, tanto por escrito como no decurso de uma nova audição.

No que se refere ao segundo ponto, as empresas colocaram a questão, que depois se tornou um dos problemas principais do caso em apreço, de saber em que medida era necessário a Comissão definir em cada caso o que considerava como um acordo na acepção do artigo 85.o, e o que era uma prática concertada. A partir dessa altura, as empresas alegaram que a noção de prática concertada comportava um elemento objectivo, uma prática, enquanto que não era esse o caso no que se refere à noção de acordo, e este ponto de vista foi igualmente retomado seguidamente como um dos argumentos principais.

Como também foi posteriormente afirmado, as empresas consideravam que a comunicação das acusações era muito pouco clara sobre este ponto e que a falta de clareza tinha aumentado ainda mais no decurso da audição; por esta razão pediram que a Comissão explicasse as suas intenções.

A Comissão respondeu a estes pedidos enviando às empresas, em 29 de Março de 1985, uma nova série de instruções de preços e de quadros, ao mesmo tempo que um resumo das provas disponíveis no que se referia a cada iniciativa de preços em relação à qual existiam documentos. Todavia, tratava-se no essencial dos mesmos documentos que os enviados em 31 de Outubro de 1984. Simultaneamente, a Comissão levantou a proibição de mostrar estes documentos aos serviços comerciais, concedendo às empresas a possibilidade de responderem por escrito e anunciando-lhes que estava disposta a organizar mais uma audição. Além disso, a Comissão enviou no mesmo dia às empresas uma carta em que respondia aos argumentos destas últimas segundo os quais não tinha sido dada nenhuma definição precisa do acordo cuja existência a Comissão alegava.

O ponto de vista da Comissão, a propósito da relação entre acordo e prática concertada, tal como foi levado ao conhecimento das empresas por carta de 29 de Março de 1985, pode resumir-se assim: durante um longo período, a maioria dos produtores de polipropileno concertou-se para fixar, em reuniões regulares e institucionalizadas, objectivos em matéria de preços, de quantidades e de quotas, e para adoptar diversas medidas para conferir efeito a estes projectos. Após as reuniões, os projectos convencionados foram postos em prática por meio de instruções dadas aos serviços comerciais. O grau de consenso atingido em matéria de preços e de quantidades, tal como resulta dos relatórios detalhados elaborados na altura das reuniões, leva a concluir que a colusão ilícita entre os participantes nas reuniões é facilmente assimilável a um ou vários acordos na acepção do artigo 85.o, n.o 1, tendo como objectivo ou efeito restringir a concorrência. Isto é assim, mesmo que a sua natureza impeça que os acordos sejam consignados por escrito ou impostos por meios legais. Nalguns casos, os compromissos saídos da colusão podem ter a natureza, simultaneamente, de um acordo e de uma prática concertada, sobretudo quando são complexos, extensos e sujeitos a uma revisão constante. Encontram-se exemplos disso no processo Fedetab, em que o Tribunal de Justiça considerou inútil distinguir entre as diversas formas de comportamento proibido. Mesmo que, no caso em apreço, alguns dos compromissos assumidos pelos produtores que participaram nas reuniões não apresente todas as características de um «acordo», esses produtores tomaram, não obstante, medidas na intenção comum de coordenar as suas políticas comerciais. A forma exacta da colusão incriminada apenas tem, assim, uma importância secundária, e os produtores participaram num acordo ilícito, uma vez que podem entrar diversos elementos no conceito de «acordo», e de «prática concertada». Da mesma forma, mesmo que se deva entender que conviria considerar os compromissos anticoncorrenciais dos produtores em questão, no seu conjunto, mais como uma prática concertada do que como um acordo ao qual, eventualmente, se acrescentaria uma prática concertada, a proibição inscrita no artigo 85.o aplica-se não apenas ao seu comportamento uniforme em matéria de preços e de vendas, mas também e, por maioria de razão, à fase de preparação e de reunião que o precedeu. Nesta óptica, arriscam-se a ser vãos os argumentos com vista a provar que a situação descrita pela Comissão constitui mais uma «prática concertada» do que um «acordo».

No que respeita à Anic e à Rhône-Poulenc, que não tinham estado implicadas na primeira fase, a Comissão considerou ter obtido informações suficientes sobre essas empresas para lhes enviar, em 29 de Outubro de 1984, uma comunicação das acusações correspondente à que tinha sido enviada às outras. A audição respeitante a essas empresas, assim como a da ICI, teve lugar durante a segunda sessão de audições em Julho de 1985. Todas as empresas, à excepção da Shell que, como se disse, também não tinha participado na primeira sessão de audições, participaram nesta última sessão que se efectuou entre 8 e 9 de Julho de 1985 e em 25 de Julho de 1985.

O projecto de acta das audições foi enviado ao comité consultivo em matéria de acordos e de posições dominantes em 19 de Novembro de 1985 e às empresas em 25 de Novembro de 1985. A acta definitiva contendo as alterações e complementos solicitados pelas empresas foi enviada a estas últimas em 8 de Julho de 1986.

Como resulta dos debates perante o Tribunal, o comité consultivo interveio numa altura em que não dispunha da versão definitiva da acta, enquanto que a Comissão, uma vez que acompanhou o processo, dispunha ao mesmo tempo do projecto e da resposta e dos pedidos de alteração das empresas.

Em ligação com a publicação da decisão impugnada, a Comissão deu uma conferência de imprensa e publicou um comunicado à imprensa. No relatório dessa conferência, redigido pelo serviço de imprensa, vem mencionado, nomeadamente, que um dos colaboradores do comissário Sutherland tinha declarado que a Comissão pensava que os preços do polipropileno tinham sido aumentados artificialmente de 15o/o a 30 % entre 1977 e 1982, e de 40% em 1982, como efeito do acordo.

Estas circunstâncias suscitaram uma importante série de críticas de natureza formal contra a decisão impugnada. As mais importantes destas críticas serão tratadas aqui na primeira parte, ao passo que as que apenas provêm de certas empresas serão tratadas na segunda parte nas passagens respeitantes a cada recorrente.

Entre as numerosas acusações que as empresas, as actuais recorrentes, qualificaram como formais, encontram-se algumas claramente abrangidas pelo domínio do processo administrativo, tal como a questão da consulta dos autos, enquanto que outras se encontram no limite entre o que se pode naturalmente caracterizar como uma questão formal e problemas jurídicos de fundo, por exemplo, a alegação da DSM no sentido de que a Comissão não teve suficientemente em conta a regra do benefício da dúvida. Noutros casos ainda, parece que algumas das recorrentes vêem uma vantagem em redifinir como questões formais problemas jurídicos que claramente são questões de fundo. Isto pode implicar um pouco de incerteza na qualificação pelas recorrentes dos problemas tratados, e é igualmente claro que nem a lógica nem o direito permitem traçar uma fronteira nítida entre as questões que se podem qualificar como formais e as que são questões de fundo. Além disso, também é inteiramente claro que uma questão deve ser decidida, independentemente da sua qualificação.

2. Os principais pontos de vista das recorrentes

Como o Tribunal de Justiça teve ocasião de declarar numa série de processos, o princípio do contraditório é um princípio absolutamente fundamental do direito administrativo comunitário, incluindo nele o direito da concorrência. Assim, as empresas implicadas devem ter acesso aos documentos e outras provas que a administração tem a intenção de invocar contra elas, da mesma forma que devem ter a possibilidade de comentar, tanto os documentos que servem de base à decisão, como a argumentação jurídica sobre a qual esta última se baseia.

Nos processos aqui em causa, as recorrentes apresentaram uma série de argumentos que têm em comum a alegação de que consideram que a tramitação do processo e a decisão não lhes deram possibilidades que garantissem plenamente o exercício do seu direito de. se defenderem. Além disso, nenhuma das recorrentes contestou a forma como a Comissão trata dos processo de concorrência.

As recorrentes defendem, principalmente, os seguintes pontos de vista:

A organização interna da Comissão não corresponde às exigências que juridicamente lhe podem ser colocadas, porque

a)

são as mesmas pessoas que, por um lado, procedem às investigações e, por outro, decidem o processo

e

b)

o consultor-auditor viu o seu domínio de competência restringido relativamente ao que está previsto na decisão geral da Comissão sobre a sua competência.

As empresas não dispuseram de um acesso suficiente aos autos.

As empresas não receberam a totalidade dos documentos pertinentes.

Os órgãos dotados do poder de decisão não dispuseram de todos os elementos nem dos elementos exactos para fundar a decisão.

No decurso do processo, a Comissão alterou a sua apreciação jurídica do assunto.

A decisão não está suficientemente fundamentada, nomeadamente, porque

a)

não responde de maneira satisfatória aos argumentos das empresas, e também não toma posição sobre as provas fornecidas por estas,

b)

a fundamentação é incoerente,

c)

a fundamentação não está suficientemente individualizada relativamente às diversas empresas.

O primeiro dos pontos de vista principais citados suscita uma questão que diz respeito a problemas fundamentais ligados à acção da Comissão nos processos de concorrência, o que me leva a estudar mais de perto a natureza destes processos em geral.

Dois outros aspectos detêm em certa medida um lugar à parte, pelo facto de já terem sido tratados no âmbito de um processo no Tribunal de Justiça baseado no artigo 91.o Trata-se das questões do acesso, por um lado, ao relatório do consultor-auditor e, por outro, aos documentos que serviram de base à conferência de imprensa efectuada em relação com a publicação da decisão. Além disso, um bom número de problemas de vícios de forma suscitados nos presentes processos já foi debatido perante o Tribunal de Justiça.

3. Natureza dos processos de concorrência

Em várias circunstâncias, as recorrentes suscitaram críticas de caracter mais geral relativamente à forma como a Comissão trata os processos de concorrência. A questão assenta sobre uma das dificuldades mais importantes colocadas pelo tratamento dos processo de concorrência e que aqui aparece, em certa medida, em relação com a análise das críticas formais e em medida ainda maior em relação com a das questões jurídicas de fundo^ Penso aqui na zona de tensão que se pode claramente verificar — e talvez mais ainda nos casos em apreço do que em certos processos de concorrência anteriores que correram no Tribunal de Justiça — entre, por um lado, o quadro formal dos processos, constituído por um processo administrativo seguido de uma fiscalização jurisdicional de legalidade e, por outro lado, o conteúdo dos processos que apresentam globalmente todas as características de um processo penal. Em diversos casos, as alegações das partes só são compreensíveis graças à terminologia e às noções do direito penal e do processo penal.

Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça estabeleceu que o tratamento do processo no âmbito da Comissão constituía um processo administrativo. A este propósito, remeto para o acórdão de 15 de Julho de 1970, Boeheringer Mannheim/Comissão, n.o 23 (45/69, Recueil, p. 769, 802), no qual se declarou que o processo perante a Comissão que tem como objecto a aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE é de natureza administrativa, mesmo quando possa conduzir à aplicação de multas. Daqui resultou, no processo em questão, que a decisão da Comissão não era ilegal, embora os membros desta não tenham participado eles próprios nas audições, mas tenham deixado esta tarefa aos funcionários, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 99.

A Comissão também não é um órgão jurisdicional na acepção em que esta noção é empregue no artigo 6.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Foi o que o Tribunal de Justiça declarou por diversas vezes ( 8 ) e isto não foi contestado pelos órgãos criados no âmbito desta Convenção (ver decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem de 9 de Fevereiro de 1990 ( 9 )), na qual esta tomou posição sobre um prolongamento dos processos Pioneer 8. Como todavia o sublinha expressamente o Tribunal de Justiça nos referidos acórdãos, a Comissão deve, durante todo o processo administrativo, respeitar as garantias processuais fixadas pelo direito comunitário. Daqui resulta que não podem ser impostas pura e simplesmente à Comissão exigências no que respeita ao sistema estabelecido para o tratamento das questões de concorrência, mas que a Comissão deve, em qualquer circunstância, respeitar as regras escritas — o que é natural —, mas também os princípios não escritos, consagrados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Nos processos Pioneer, o Tribunal de Justiça tomou posição sobre o artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em ligação com o argumento segundo o qual a decisão impugnada era ilegal, porque a Comissão exercia simultaneamente a função de acusação e de decisão, ao passo que, nos processos Fedetab, pronunciou-se sobre a questão em relação com a alegada infracção a uma série de regras processuais. Em nenhum destes processos as empresas viram ser confirmados os seus pontos de vista.

Tendo em conta o facto de as multas que podem ser aplicadas às empresas, em conformidade com o artigo 15.o do Regulamento n.o 17, não obstante o n.o 4 deste artigo, terem na realidade, em minha opinião, e tendo em conta, em certa medida, o acórdão Öztürk ( 10 ) do Tribunal dos Direitos do Homem, um carácter penal ( 11 ), é essencial que o Tribunal se esforce por garantir uma situação jurídica que não possa incorrer em qualquer crítica justificada face à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim deve-se procurar garantir, em qualquer circunstância, no quadro fixado pelas regras existentes e pela jurisprudência estabelecida, que a protecção jurídica na Comunidade corresponda às normas consideradas aceitáveis por toda a parte na Europa.

Neste contexto, também é importante sublinhar que, para decidir se o ou os particulares que estão implicados tiveram possibilidades suficientes de assegurar a sua defesa, é necessário considerar na sua totalidade as regras, escritas ou não, de uma certa ordem jurídica. Assim, por exemplo, na ausência, como hipótese de partida, de um acesso completo aos autos, no que se refere a todos os documentos que não têm o caracter de documentos de trabalho internos no sentido estrito do termo — que não existe no direito administrativo comunitário — as exigências colocadas no que se refere às outras garantias jurídicas devem ser reforçadas de forma notável: com efeito, é necessário que se assegure o respeito do princípio fundamental segundo o qual o particular deve ter conhecimento de todos os documentos que apresentam importância para a solução do caso, sem que existam outros documentos susceptíveis de ser relevantes para o caso concreto. Este é o problema que foi particularmente debatido no decurso do processo, em ligação com os receios das recorrentes quanto à existência de documentos não levados ao seu conhecimento e que poderiam demonstrar os efeitos do acordo, como foi alegado aquando da conferência de imprensa, uma vez que esses documentos podiam ter servido para a decisão do caso, nomeadamente no que se refere à fixação das multas. Assim, é necessário verificar nos mais pequenos pormenores que a decisão assenta numa base tão sólida que a existência de documentos relevantes, de que as empresas não terão tido conhecimento ( 12 ), só possa ser considerada como praticamente excluída.

4. As formas de trabalho internas da Comissão

a) A organização interna dos trabalhos da Comissão

Tanto no processo perante a Comissão como no processo perante o Tribunal, a Shell alegou que, na instrução do processo, a Comissão tinha menosprezado importantes garantias jurídicas. No âmbito do argumento de que a Comissão omitiu o cumprimento do seu «dever de agir equitativamente», a Shell precisa que a organização dos trabalhos da Comissão deve ser susceptível de permitir, por um lado, que seja garantido na mais larga medida que a Comissão se conforme com este dever e, por outro, que as empresas implicadas nos processos perante a Comissão, assim como o público, possam ter um grau razoável de confiança para com a Comissão na qualidade de autora de uma decisão imparcial. Neste contexto, a Shell afirma que se pode exigir que, no quadro dos processos tramitados em conformidade com os regulamentos n.os 17 e 99, a Comissão seja obrigada a adoptar uma posição objectiva e neutra no que se refere ao conjunto das provas e a ter em conta os argumentos das recorrentes que podem fazer nascer sérias dúvidas quanto à exactidão dos pontos de vista provisórios expressos na comunicação das acusações. A Shell acrescenta que estas exigências só podem ser satisfeitas através de uma divisão funcional entre a «fase da investigação» e a «fase da acusação» nos serviços da Comissão. Segundo a Shell, tal divisão não existia no momento das diligências de instrução e de apreciação dos presentes processos, em qualquer hipótese, não existia até à data do envio das comunicações das acusações. A Shell apresenta uma série de exemplos concretos, os quais, segundo esta recorrente, revelam que certos elementos do processo foram apreciados de maneira tão parcial e desequilibrada, que terá de se reconhecer que o desenvolvimento dos trabalhos no seio da DG IV foi, por si próprio, susceptível de influenciar a decisão em detrimento da recorrente.

Após ter descrito a reorganização da direc-ção-geral que teve lugar em 1984/1985, e que, segundo a recorrida, permite superar esta crítica, a Comissão alega que em parte alguma existem regras que lhe imponham formas de organização dos seus trabalhos internos neste domínio. A Comissão contesta, além disso, que se possa ligar a ocorrência de eventuais faltas ou erros a uma determinada maneira de organizar o trabalho. Segundo a Comissão, os exemplos apresentados pela recorrente devem, assim, ser totalmente remetidos para a discussão sobre as questões de fundo. Finalmente, a Comissão observa que mais de 20 membros do seu pessoal colaboraram no processo.

A propósito destas argumentações, sou de opinião que convém, antes de mais, dizer que em princípio não é possível, neste caso específico, deduzir de eventuais faltas ou de trabalhos que podem ser de fraca qualidade que a organização interna dos trabalhos da Comissão em geral apresenta pontos fracos. Mesmo instâncias administrativas tão bem organizadas no plano interno quanto se possa conceber e que se rodeiam de todas as garantias jurídicas imagináveis podem cometer erros. Pelo contrário, organizações cujas formas internas de trabalho talvez deixem a desejar, de forma geral, podem prestar um trabalho notável. Por isso, estou de acordo com a Comissão em que não se poderá basear em eventuais erros cometidos, quando do tratamento do conjunto constituído pelos presentes processos, a afirmação de que a organização interna da Comissão permite supor a priori que da mesma resultam defeitos tais como os que a recorrente pensa ter demonstrado.

Por outro lado — como resulta do que acima se disse — é forçoso admitir o ponto de vista da Shell de que, em geral, o facto de a mesma instância administrativa deter uma competência que lhe permite, para além da instrução e da acusação, aplicar multas tão pesadas como as do caso em apreço, pode ser um factor de problemas. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima citada ( 13 ) Convenção Europeia dos Direitos do Homem não fornece o mínimo elemento jurídico concreto que permita impor à Comissão a organização do seu trabalho de uma forma determinada. Assim, parece que ao invocar as exigências usuais de boa prática administrativa, de objectividade e de neutralidade, que ninguém poderá contestar, e que a Shell pensa, com razão, que devem constituir a linha directriz quando se trata de processos de concorrência, esta recorrente pretende criar um princípio que imponha uma determinada organização administrativa dos trabalhos; todavia, não se pode deduzir tal princípio, nem do Tratado, nem das regras estabelecidas em aplicação deste último no que respeita aos processos em matéria de concorrência, nem de qualquer outra base jurídica existente. Por isso, não merecem acolhimento os argumentos da Shell no que se refere às formas internas de trabalho da Comissão.

b) O consultor-auditor

No início dos anos 80, a Comissão considerou oportuno incumbir futuramente uma pessoa que disponha de certa independência nas suas funções para dirigir as audições previstas no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 99. Por esta razão a Comissão criou um lugar de consultor-auditor a partir de 1 de Setembro de 1982 e nomeou Roland Mussard que, aliás, dirigiu as audições nos presentes processos. A criação do lugar foi anunciada no Décimo Primeiro Relatório sobre a Política de Concorrência. No Décimo Terceiro Relatório sobre a Política de Concorrência, a Comissão publicou os termos do mandato conferido ao consultor-auditor e é sobre a interpretação das competências do consultor-auditor no âmbito deste mandato que terá existido o desacordo entre este e o comissário responsável a que acima se fez referência no n.o 1.

As disposições pertinentes são as seguintes:

«Artigo 5.o/I>

O consultor-auditor informa o director-geral da concorrência sobre a forma como decorreu a audição e transmite-lhe as conclusões que daí extrai. Formula as suas observações sobre o prosseguimento do processo. As suas observações podem referir-se, nomeadamente, à necessidade de um complemento de informação, ao abandono de alguns pontos das acusações ou à comunicação de acusações suplementares.

Artigo 6.o

No exercício das funções definidas no artigo 2.o, o consultor-auditor pode, se o considerar adequado, apresentar directamente as suas observações ao membro da Comissão encarregado das questões de concorrência quando for presente a este último o anteprojecto de decisão destinado ao comité consultivo em matéria de acordos e de posições dominantes.

Artigo 7.o

Se necessário, o membro da Comissão encarregado das questões de concorrência pode decidir, a pedido do consultor-auditor, juntar o parecer final por este emitido ao projecto de decisão que é apresentado à Comissão, de forma a garantir que esta, quando se pronunciar sobre o caso individual na qualidade de instância decisória, esteja plenamente informada de todos os elementos do processo.»

Não há qualquer dúvida que as competências atribuídas por estes artigos ao consultor-auditor no âmbito do seu mandato são susceptíveis de contribuir para que o comissário responsável pelo domínio da concorrência beneficie das melhores bases possíveis para a decisão, porque não só obtém uma orientação da parte da hierarquia administrativa habitual, como também pode igualmente receber um relatório escrito ou verbal que emana de uma pessoa que, com toda a independência em relação aos outros serviços responsáveis, assegurou a direcção da audição. Assim, a Comissão instituiu ela própria garantias jurídicas que — pode dizer-se — vão para além das garantias do processo administrativo, cujo respeito a jurisprudência do Tribunal de Justiça exigiu, ou que resultam, além disso, das bases regulamentares escritas.

Uma vez que a Comissão optou por instituir tais regras que têm a natureza de garantias jurídicas, pode-se pelo menos afirmar que deve forçosamente respeitá-las, e isto mesmo que não fosse juridicamente obrigada a estabelecer essas regras. Tal deve ser o caso, nomeadamente, quando as regras são publicadas para os meios interessados, com menção expressa que têm como finalidade reforçar as garantias de segurança jurídica para as empresas que se encontram na linha de mira da Comissão. No que se refere à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a forma como uma entidade administrativa está vinculada pelas suas próprias regras, remeto especialmente para o acórdão de 30 de Janeiro de 1974, no processo Lou-wage/Comissão, 148/73, n.o 12 (Recueil, p. 81, p. 89), onde se pode 1er que, mesmo que uma directiva interna «não possa ser qualificada como regra de direito a cuja observância a administração seja em qualquer caso obrigada, enuncia todavia uma regra de conduta indicativa da prática a seguir, de que a administração se não pode afastar sem expor as razões que a levaram a tal, sob pena de infringir o princípio da igualdade de tratamento». No processo Comissão/Conselho (81/72, Recueil 1973, p. 575), o Tribunal de Justiça afirmou o mesmo e, nesse caso, inclusivamente no que se refere ao Conselho enquanto órgão legiferante.

Sobre este aspecto, a disposição importante é o artigo 6.o, segundo o qual o consultor-auditor pode, quando do envio do anteprojecto da' decisão ao comité consultivo em matéria de acordos e de posições dominantes, dirigir-se directamente ao comissário responsável e comunicar-lhe as suas observações. Ora, no caso em apreço, não foi feita qualquer prova que indique que o consultor-auditor foi impedido de apresentar as suas observações ao comissário responsável, antes de o assunto ter sido presente ao comité consultivo. Da mesma forma, no que se refere ao artigo 5.o, nada revela que o consultor-auditor tenha sido impedido de apresentar um certo ponto de vista ao director-geral. Finalmente, não é possível deduzir do artigo 7.o do mandato qualquer obrigação do comissário responsável de fazer chegar à Comissão o ponto de vista do consultor-auditor. Mesmo que seja de lamentar, evidentemente, que o consultor-auditor e o comissário responsável não tenham estado inteiramente de acordo sobre os objectivos das regras, nada, em minha opinião, nos presentes processos pode servir de base à afirmação segundo a qual a Comissão teria omitido o respeito das regras por si adoptadas.

Em consequência, não devem merecer acolhimento os argumentos apresentados por uma série de recorrentes de que a Comissão teria reduzido, de forma inaceitável, as competências do consultor-auditor.

5. Acesso aos autos

a) O relatório do consultor-auditor

Como resulta dos autos, a ICI, no recurso que interpôs, requereu que lhe fosse comunicado esse relatório, tendo-o feito para o Tribunal de Justiça através do processo especial previsto no artigo 91.o do Regulamento de Processo. Da mesma forma, outras recorrentes requereram à Comissão que lhes comunicasse este relatório, mas sem sucesso, e então alegaram que a falta de comunicação do relatório constituía uma irregularidade processual. No âmbito do processo baseado no artigo 91.o, a ICI pretende que existem diferenças importantes entre a decisão impugnada e algumas das declarações emitidas pelo consultor-auditor no decurso da audição no que se refere aos processos. A este propósito, a Comissão alega que o mandato do consultor-auditor não comporta qualquer regra que exija que o relatório deste último seja comunicado às empresas. A Comissão considera que se trata de um documento interno cuja publicação poderá ser inoportuna para a Comissão, pois uma norma ou uma prática neste sentido corria um risco de dissuadir o consultor-auditor ou as pessoas implicadas no processo de se exprimirem livremente no âmbito do processo administrativo.

O Tribunal de Justiça indeferiu o pedido da ICI por despacho de 11 de Dezembro de 1986, sublinhando que o papel do consultor-auditor é puramente consultivo e que a Comissão não está de forma alguma obrigada a aderir à posição deste. Em consequência, na opinião do Tribunal de Justiça, a importância do relatório do consultor-auditor não justifica que o Tribunal de Justiça o deva tomar em conta para exercer o seu papel de fiscalização.

Na fase actual do processo, trata-se de saber em que medida a falta de comunicação do relatório do consultor-auditor pode ser considerada como um vício que afecta a decisão. Se as recorrentes solicitam o acesso ao relatório do consultor-auditor, é porque consideram que o mesmo contém pontos de vista que diferem dos expressos na decisão.

Ora, como disse a Comissão, não é o relatório do consultor-auditor que constitui aqui objecto da fiscalização jurisdicional. Não é à luz desse relatório que deve ser fiscalizada a decisão impugnada. Não é surpreendente nem estranho que, numa grande organização administrativa como a Direc-ção-Geral IV, um conjunto de processos tão importante como o que aqui está em causa dê origem a opiniões divergentes, tanto no que respeita aos factos como às questões de direito, algumas das quais, em qualquer hipótese, são notoriamente controversas. No termo da discussão sobre a solução a dar ao processo no seio da Comissão, quando esta funciona colegialmente, é tomada uma decisão, e é sobre o fundamento material e jurídico desta decisão que deve incidir a fiscalização do Tribunal. Em minha opinião, não seria de forma alguma razoável que a Comissão fosse obrigada a apresentar um documento que tem a natureza de documento de trabalho interno, se o único objectivo for o de provar que um dos membros do pessoal da Comissão tem, ou teve, uma concepção dos elementos materiais e jurídicos diferente da que veio a ser a concepção definitiva. Aliás, é significativo o facto de, em onze dos doze Estados-membros (à excepção do Reino Unido) em que a legislação permite, em princípio, o acesso aos autos também às empresas implicadas em processos de concorrência nacionais, os documentos qualificados como documentos de trabalho internos, tais como as actas, as notas ou os relatórios, serem geralmente excluídos. Regra geral, tais documentos reproduzem considerações provisórias, incluindo eventualmente uma apreciação anterior do processo, nesse momento abandonada, que não se considera necessário, nem mesmo oportuno — e com razão, na minha opinião, — levar ao conhecimento das partes ou da parte. A única eventual justificação razoável da comunicação de um tal documento é a que o Tribunal de Justiça referiu no despacho que acabo de citar, em que remete para um outro dos seus despachos, de 18 de Junho de 1986, British American Tobacco e Reynolds Industries ( 14 ), ou seja, que tal documento possa servir para verificar se existe um desvio de poder. Como o Tribunal de Justiça declara, uma análise do processo interno da Comissão com vista a verificar se a decisão desta foi influenciada por considerações diversas das indicadas na fundamentação da decisão constitui uma medida de instrução excepcional. O facto de a utilizar pressupõe que as circunstâncias que rodeiam a decisão dão lugar a sérias dúvidas quanto aos verdadeiros motivos e, nomeadamente, a suspeitas de que esses motivos sejam estranhos aos que podem legitimamente ser invocados em direito comunitário.

O presente processo não revela qualquer elemento que permita supor a existência de um desvio de poder. Assim, a Comissão podia legitimamente recusar-se a apresentar o relatório. Em minha opinião, portanto, os argumentos apresentados sobre esse aspecto não merecem acolhimento.

b) Documentos de trabalho internos respeitantes à conferência de imprensa No seu despacho de 11 de Dezembro de 1986, o Tribunal de Justiça também tomou posição sobre um pedido, apresentado pela ICI, para acesso a documentos de trabalho internos elaborados para efeitos da conferência de imprensa acima mencionada. Resulta do despacho que a ICI pensava — com base em diversas declarações na imprensa — que a Comissão tinha tomado em conta elementos que não eram considerados na comunicação das acusações e que as empresas, entre elas a ICI, não tinham, assim, tido a oportunidade de comentar. Além disso, a decisão agora impugnada também não revelava estas circunstâncias. A este propósito, a Comissão declarou que é de boa administração que os seus colaboradores possam livremente consignar por escrito as suas reflexões internas, sem que estas últimas cheguem automaticamente às mãos de terceiros. Como acima foi dito no que se refere à elaboração do relatório do consultor-auditor, o Tribunal de Justiça declarou, antes de mais, no referido acórdão, que o acesso aos documentos de trabalho internos da Comissão constitui uma medida de instrução excepcional, que só deve ser utilizada em caso de dúvidas sérias quanto aos fundamentos reais de uma decisão. O Tribunal de Justiça prosseguiu, acrescentando que as afirmações da ICI, baseadas em declarações na imprensa, segundo as quais a decisão assentava em fundamentos diversos dos nela contidos, não eram confirmadas pelos artigos a que a ICI se referia. O Tribunal de Justiça declarou, além disso, que as declarações de jornalistas e as entrevistas de colaboradores da Comissão não podem ser assimiladas à posição da instituição que é fixada na decisão controvertida. Em consequência, o Tribunal de Justiça considerou que, nesta fase do processo, não havia razão séria para pensar que a decisão assentava em fundamentos diversos daqueles que nela vinham enunciados.

Como foi sublinhado na audiência, o Tribunal de Justiça, neste despacho, apenas se pronunciou sobre a questão tal como ela se apresentava na altura. Assim, o Tribunal de Justiça deixou expressamente em aberto a possibilidade de surgirem ulteriormente novos elementos, susceptíveis de apresentar a questão a uma outra luz e, no decurso do processo jurisdicional, o representante da ICI, aliás, requereu expressamente ao Tribunal de Primeira Instância que reexaminasse esta questão.

Em minha opinião, não é surpreendente que as recorrentes tenham ficado fortemente preocupadas ao verem ser referido que o efeito do invocado acordo ia até 40o/o de aumento dos preços, ao passo que este efeito não vem quantificado na decisão. Segundo a concepção que defenderei adiante nas minhas conclusões, os efeitos de um acordo no mercado só têm importância para a fixação do montante das multas. Porém, mesmo nesta perspectiva restrita, pode-se compreender o receio das empresas de que a percentagem referida durante a conferência de imprensa, no que respeita aos efeitos, fosse utilizada para determinar o montante das multas.

Nem o processo escrito nem a audiência revelaram o mínimo elemento susceptível de explicar definitivamente o que se passou. A indicação mais precisa que se obteve é a declaração da Comissão em audiência, segundo a qual era possível que um funcionário incumbido da conferência de imprensa tenha eventualmente interpretado mal as curvas que figuram no anexo à decisão. A imagem de marca da Comissão nada tem a ganhar com o facto de o seu porta-voz numa conferência de imprensa proferir declarações como as referidas, se as mesmas não têm qualquer base na decisão.

Todavia, é um traço característico das conferências de imprensa que as declarações que aí são feitas possam facilmente ser mais categóricas do que seria de desejar, e o risco de declarações inconsideradas existe muitas vezes. Assim, em minha opinião, tais declarações não bastam em geral para justificar a suspeita de incorrecção. A este propósito, convém sublinhar que os números citados não figuram no comunicado de imprensa publicado. Além disso, deve-se referir que, como a Comissão alegou nas suas observações no âmbito do processo baseado no artigo 91.o, o anexo IX da decisão, que constitui um documento acessível ao público, revela verdadeiramente aumentos da ordem de grandeza referida. Talvez não seja inteiramente incompreensível que o funcionário da Comissão em causa tenha declarado, neste contexto, que os aumentos de preços citados representavam os efeitos do acordo. Da mesma forma, em minha opinião, nenhum elemento importante no caso em apreço resulta dos extractos de imprensa apresentados. O facto de membros da Comissão terem podido ter opiniões divergentes, no que respeita à política a aplicar em matéria de multas, tinha tão pouca importância para a solução do processo, como eventuais considerações quanto aos resultados da actividade de lobby exercida, segundo a imprensa, pelas empresas.

Por seu turno, as recorrentes não realçaram qualquer elemento — menos ainda elementos novos — que justifiquem a suspeita de a Comissão ter utilizado os números citados em ligação com a fixação das multas ou em qualquer outro lugar no âmbito da sua decisão. Assim, considero que também não existe razão para afirmar que os documentos, elaborados com vista à conferência de imprensa, deviam ter sido apresentados no processo. Assim, proponho que sejam rejeitados os argumentos das recorrentes no que respeita a esta questão.

c) Outras questões em matéria de acesso aos autos e de comunicação de documentos de prova às empresas

Como resulta do que acima foi dito, a preocupação da boa administração e da boa justiça exige que as pessoas ou as empresas que podem incorrer numa multa tenham todas as possibilidades de se defender. Isto implica que os interessados tenham conhecimento de todos os documentos pertinentes.

Todavia, o direito comunitário não contém uma norma geral que preveja tal acesso incondicional aos autos (ver particularmente o acórdão do Tribunal de Justiça VBVB e VBBB/Comissão ( 15 )).

O método elaborado pelo Tribunal de Justiça para assegurar o exercício dos direitos da defesa é diferente, a saber, que a administração deve zelar para que «a empresa interessada tenha tido possibilidades de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os documentos considerados pela Comissão em apoio da sua alegação da existência de uma infracção» ( 16 ). No processo VBVB e VBBB/Comissão, o Tribunal de Justiça parte mesmo do princípio de que o acesso aos autos será ordenado se existirem elementos concretos que permitam supor que foram utilizados documentos de que as empresas não têm conhecimento, o que corresponde ao despacho citado nas alíneas a) e b). Seguidamente, o Tribunal de Justiça precisou o seu ponto de vista ao declarar que não é um documento determinado enquanto tal que importa «mas as conclusões que a Comissão dele extraiu». O Tribunal de Justiça acrescenta que uma empresa pode legitimamente esperar que, uma vez que um documento não seja mencionado na comunicação das acusações, não seja utilizado na decisão. Daqui resulta que este documento não pode, em si, ser considerado como um meio de prova no quadro de um eventual processo jurisdicional ( 17 ).

No seu Décimo Primeiro Relatório sobre a Política de Concorrência, a Comissão anunciou que admitiria às empresas o acesso aos autos nos processos de concorrência. Sobre este aspecto lê-se mais precisamente (p. 31-32):

«Segundo uma jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça, a comunicação das acusações pode limitar-se a enunciar, mesmo sumariamente, mas de forma clara, os factos essenciais em que a Comissão se baseia, sempre na condição de que esta forneça, no decurso do processo administrativo, os elementos necessários à defesa. A este propósito, a Comissão não tem a obrigação de transmitir às empresas interessadas a totalidade dos documentos em que fundamenta a sua decisão, bastando que lhes comunique apenas os documentos relativos às partes essenciais.

Em conformidade com esta jurisprudência, a Comissão já dá às empresas a possibilidade de comentarem qualquer documento e qualquer elemento de facto que lhes impute na comunicação das acusações. Nos casos em que as empresas apresentem um pedido justificado pela necessidade de uma melhor compreensão dos autos, a Comissão dá-lhes igualmente a possibilidade de tomarem conhecimento dos próprios documentos. A Comissão tem também como prática comunicar na medida do possível às empresas postas em causa a parte pertinente das queixas formais.

A Comissão prevê mesmo ir para além das exigências formuladas pelo Tribunal de Justiça dando em princípio às empresas implicadas num processo a faculdade de tomarem conhecimento dos autos respeitantes ao processo em causa. Qualquer exame deste género encontra, contudo, os seus limites na obrigação que a Comissão tem de não divulgar os segredos comerciais de outras empresas e na necessidade de preservar o caracter confidencial dos documentos internos ou de trabalho da Comissão.»

As regras sobre este ponto foram formuladas da maneira seguinte no décimo segundo relatório (p. 40-41):

«A Comissão concretizou a intenção que manifestara no décimo primeiro relatório de ir para além das exigências formuladas pelo Tribunal de Justiça ao melhorar o exercício dos direitos da defesa ao nível do processo administrativo. A partir de agora, a Comissão concede às empresas implicadas num processo a faculdade de tomarem conhecimento dos autos que lhes dizem respeito.

As empresas são informadas do conteúdo dos autos da Comissão através da junção à comunicação das acusações ou à carta de indeferimento da queixa, de uma lista de todos os documentos que compõem os autos, com indicação dos documentos ou partes dos mesmos que lhes são acessíveis.

As empresas são convidadas a examinar, na Comissão, os documentos acessíveis. Se uma empresa apenas pretender examinar alguns, a Comissão pode enviar-lhe cópias.

A Comissão considera como confidenciais e, em consequência, inacessíveis, para uma empresa determinada os documentos seguintes :

os documentos ou partes dos mesmos que contêm segredos comerciais de outras empresas;

os documentos internos da Comissão, tais como notas, projectos ou outros documentos de trabalho;

quaisquer outras informações confidenciais, tais como as que permitem identificar os queixosos que desejam que a sua identidade não seja revelada, assim como as informações comunicadas à Comissão sob reserva do respeito do seu carácter confidencial.

Quando uma empresa, com motivo justificado, pede para consultar um documento não acessível, a Comissão pode pôr à sua disposição um resumo não confidencial do documento.

A fim de facilitar a determinação do carácter acessível ou não dos documentos, as empresas passam a ser convidadas, quando fornecem informações, a precisar se e em que medida estas devem ser consideradas como confidenciais.

As formas de acesso assim previstas devem poder aplicar-se sem dificuldade, excepto no que se refere aos processos já anteriormente elaborados, em relação aos quais estas novas disposições não puderam ser tidas em conta e que deverão ser tratados caso por caso.»

No décimo terceiro relatório, a Comissão refere com mais precisão uma série de elementos relativos ao acesso aos autos. Aí se lê, designadamente (p. 68):

«A Comissão não permite o acesso aos seus autos antes de ter instaurado um processo formal. Assim, as empresas não têm qualquer possibilidade de os consultar antes de terem recebido da Comissão um enunciado formal das acusações. Este contém em anexo uma lista dos documentos que compõem os autos da Comissão, com a indicação do nível de acessibilidade de cada um.»

No seu décimo oitavo relatório sobre a política de concorrência (1988), a Comissão escreve o seguinte sobre as experiências obtidas (p.^ 52-53]:

«Os acórdãos do Tribunal de Justiça no processo “AKZO/segredo profissional” e dois processos “BAT/Comissão” obrigam a Comissão a tomar precauções especiais no que se refere ao tratamento das informações confidenciais. Após ter analisado cuidadosamente este problema, a Comissão chegou à conclusão de que os princípios em que se inspiram as disposições existentes devem ser conservados. Todavia, é necessário observar a confidencialidade de todos os documentos cuja divulgação possa ter consequências graves para quem fornece estas informações. Trata-se essencialmente dos documentos que contêm segredos comerciais, mas eventualmente também de outros documentos confidenciais pertencentes a uma empresa que pode não desejar que os mesmos sejam comunicados a terceiros ou às partes no processo. Em princípio, estas últimas não deveriam ter acesso, nomeadamente, às informações confidenciais (sensíveis) fornecidas por terceiros no decurso das averiguações.

Quando são instaurados processos contra várias empresas concorrentes, a Comissão deve, por razões de interesse público, zelar para que o acesso aos autos não resulte numa troca de informações sensíveis no plano comercial entre as empresas que são objecto do processo. Esta regra é aplicável mesmo que as empresas concordem em fazer cessar reciprocamente o carácter confidencial destas informações.

...

Os documentos ou as informações podem tornar-se acessíveis às partes no processo quer através do acesso aos autos, quer através do envio de cópias, conforme as circunstâncias...»

Como se vê existem, assim, de momento, dois sistemas concretos, que têm ambos como objectivo permitir às empresas assegurarem a sua defesa. Essa situação contribuiu incontestavelmente para dar origem a alguns dos problemas invocados pelas recorrentes em ligação com os seus argumentos no sentido de que não lhes foram comunicados todos os documentos pertinentes.

Na sua maior parte, as recorrentes alegaram que não receberam alguns documentos sobre os quais se fundou a decisão da Comissão.

Trata-se principalmente de três categorias de documentos:

1)

Documentos que não foram enviados às empresas, mas às quais as mesmas tiveram acesso para deles tomar conhecimento, quando, em Junho de 1984, as recorrentes tiveram acesso aos arquivos da Comissão.

2)

Os documentos que foram juntos à comunicação geral das acusações, mas que não foram referidos de maneira expressa ou identificável nas acusações.

3)

Documentos que a Comissão reconhece não ter enviado às empresas por lapso.

Existe ainda uma quarta categoria, ou seja, os documentos que, segundo a Comissão, não «dizem respeito» à recorrente específica, e em relação aos quais a Comissão alega expressamente nas contestações que estes documentos não são oponíveis à recorrente a quem os mesmos não «dizem respeito».

Quanto à primeira categoria, várias recorrentes invocam em primeiro lugar algumas circunstâncias práticas, a saber, que as condições de localização e de obtenção de cópias no âmbito do acesso aos arquivos de que beneficiaram não lhes garantiam possibilidades convenientes de estudar o processo extremamente importante que lhes era apresentado. A Comissão contesta que tenha havido problemas a este respeito. As recorrentes consideram, todavia, que os problemas práticos que invocam deveriam ter bastado para levar a Comissão a seleccionar os documentos que pretendiam utilizar.

Todavia, se se pensar que as recorrentes são empresas que podem obter todo o auxílio concebível por parte de peritos, e que o fizeram, não poderão validamente afirmar sem mais pormenores que foram impedidas por problemas práticos de utilizar as possibilidades oferecidas de tomarem conhecimento dos documentos cujo acesso lhes foi facultado.

Todavia, as recorrentes alegam ainda que o acesso aos autos de que beneficiaram não era suficiente para que a Comissão pudesse seguidamente utilizar contra as recorrentes os documentos que estas puderam consultar. Em apoio desta afirmação remetem para a jurisprudência do Tribunal de Justiça anteriormente citada, nos termos da qual os documentos que são utilizados como elementos de prova para a decisão devem ser expressamente citados na comunicação das acusações ou, eventualmente, nas comunicações complementares enviadas às recorrentes. A este propósito, a Comissão considera que os documentos de que foi permitido às empresas tomarem conhecimento devem poder ser utilizados contra estas últimas.

O que antecede mostra claramente a divergência que se verificou e sobre a qual o Tribunal de Justiça ainda não teve ocasião de se pronunciar.

Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não se pode exigir pura e simplesmente que a Comissão envie espontaneamente cópias de documentos, se estes últimos não forem, além disso, identificados na comunicação das acusações de forma a permitir que as empresas peçam uma cópia ( 18 ). Por outro lado, nada na jurisprudência existente indica que o Tribunal de Justiça estaria disposto a alterar o seu ponto de vista sob a forma como um documento deve ser levado ao conhecimento de uma empresa para poder ser utilizado como prova contra ela. O processo AEG/Comissão fornece um bom exemplo sobre este aspecto, pois seria possível supor que a empresa conhecia os documentos que tinham sido encontrados nos seus escritórios.

O acesso aos autos, segundo o sistema instituído pela Comissão, foi facultado às recorrentes nos presentes processos, sendo certo que este sistema existia desde há pelo menos um ano após o seu anúncio numa publicação que, com toda a verosimilhança, chegou ao conhecimento dos meios interessados. Por outro lado, os beneficiários do acesso aos autos não podiam adivinhar que a Comissão utilizaria a possibilidade que lhes concedia para pretender que não era necessário referir expressamente um documento nem, em qualquer caso, enviá-lo. Neste contexto, uma apreciação global leva-me a pensar que a solução mais correcta nos presentes processos seria ignorar em cada processo os documentos que não foram enviados à empresa nem mencionados na comunicação das acusações ou nos documentos enviados posteriormente ( 19 ).

No que respeita ao segundo grupo de documentos, que as empresas receberam mas que, alegadamente, não vêm identificados na decisão, o problema coloca-se de maneira um tanto diferente. É facto assente que as empresas receberam cópias destes documentos e a comunicação era em si susceptível de as prevenir de que a Comissão pretendia utilizá-los no quadro de uma eventual decisão. Assim, as recorrentes tinham a possibilidade de se pronunciar sobre o valor probatório destes documentos e, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça no processo AEG/Comissão, é com esta finalidade que o documento deve ser «mencionado» na comunicação das acusações. Isto pressupõe, evidentemente, que as recorrentes tenham podido determinar, com um razoável grau de certeza com base na comunicação das acusações, o que a Comissão pretende provar. Como se verá no parágrafo seguinte, penso que, na comunicação das acusações conjugada com as suas cartas de 29 de Março de 1985, a Comissão esclareceu de tal forma o que pretendia provar que, a partir deste momento, a óptica em que as recorrentes deviam 1er cada documento e pronunciar-se a seu respeito não podia escapar a estas últimas. Assim, em minha opinião, nada justificaria que estes documentos fossem eliminados do processo.

Em conformidade com o que acima se disse, os documentos que não foram enviados por lapso, ou seja, a terceira das categorias referidas, devem ser eliminados do processo, a menos que na comunicação das acusações ou nas cartas de 29 de Março de 1985 tenham sido mencionados de forma tão clara que as empresas estivessem em condições de pedir uma cópia dos mesmos. Os documentos em questão devem ser analisados em relação com a questão de saber em que medida se pode pensar que podiam ser pertinentes para a defesa das empresas (ver, adiante, no que se refere ao quarto grupo de documentos).

A quarta categoria coloca menos problemas sob este aspecto, uma vez que a própria Comissão alega directamente que os documentos não são utilizados contra as recorrentes individualmente. Neste caso, a tarefa limita-se a verificar se o documento não foi de facto utilizado no processo contra a empresa em causa. O facto de a Comissão afirmar que alguns documentos não «dizem respeito» a uma empresa determinada coloca todavia problemas sob dois outros aspectos.

Tal sucede, em primeiro lugar, no que se refere à prova da própria existência do acordo e, nomeadamente, de um acordo ou de um esquema geral de acordo. Segundo o sistema de produção das provas que utilizou, a Comissão pretendeu, antes de mais, apresentar as provas do próprio acordo, depois as da participação de cada recorrente. O acordo devia ser provado através dos anexos à comunicação geral das acusações, isto é, através dos «101 documentos de provas», a participação das empresas através dos anexos enviados a cada recorrente. Assim, uma vez que a Comissão não enviou a totalidade dos anexos a todas as recorrentes e, portanto, cindiu em duas etapas a produção das provas — segundo uma lógica contestável baseada na ideia de que se pode demonstrar de maneira autónoma a existência de um acordo, o qual dificilmente pode ser constituído por outra coisa que não seja a participação de cada empresa — é desta situação que o Tribunal deve partir para apreciar as provas. Deve-se analisar se a própria existência do acordo pode ser considerada como provada com base nos «101 documentos», sem ter em conta os anexos enviados unicamente às recorrentes, individualmente, em ligação com a comunicação individual das acusações. No caso contrário, poderia precisamente pretender-se que os documentos foram utilizados contra a totalidade das recorrentes.

Em segundo lugar, o processo utilizado pela Comissão suscita dificuldades relativamente à questão do acesso aos documentos de defesa, sobre a qual as recorrentes insistiram no decurso do processo. De acordo com o que foi dito, os referidos documentos não podem ser utilizados contra as recorrentes, pois estas invocam a falta de acesso a estes documentos como uma irregularidade processual alegando que os documentos poderiam eventualmente favorecê-las.

A Comissão descreve, por exemplo, o contexto de uma falta de acesso aos autos nos termos seguintes (BASF, contestação, p. 61, pontos 3.2):

«Dos outros dez documentos referidos na petição p. 9 a 11, nove não foram facultados à recorrente, ou por que não tinham qualquer relevância para o processo contra a recorrente (só diziam respeito às empresas expressamente mencionadas nos diversos documentos), ou porque continham unicamente uma confirmação de outros documentos que eram conhecidos da recorrente (isto é válido para a nota mencionada no n.o 29 da decisão, referente a uma reunião interna na Shell, em 5 de Julho de 1979)...»

Esta citação mostra, não apenas que a Comissão se privou aí de uma possibilidade de reforçar outras provas, que não são talvez muito sólidas, mas também que a Comissão pensa com efeito que lhe compete, num conjunto de processos como este, determinar quais os documentos que podem ter interesse para tal empresa no quadro da defesa desta. Pode-se compreender que, em ligação com o processo, a Comissão tenha colocado a tónica, talvez fortemente, sobre os documentos susceptíveis de fundamentar a decisão, mas é menos compreensível que não tenha podido prever os problemas sérios a que se expunha ao recusar conceder, à partida e como princípio, o acesso a todos estes documentos, com excepção dos abrangidos pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 17.

Como foi sublinhado na audiência, a Comissão também considera que o processo deve ser julgado com base numa apreciação global do peso das provas. O ponto de vista das recorrentes, segundo o qual deveriam ter tido acesso também aos documentos que apenas são utilizados contra outras empresas parece, assim, justificado. Neste contexto, penso que se deve considerar que todas as empresas em causa devem, por princípio, ter acesso a todos os documentos de prova num conjunto de processos como o presente, em que é particularmente necessário poder chegar a um resultado, no que se refere a provas, com base numa apreciação. global de todas as circunstâncias do caso em apreço.

E difícil deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça um indício claro no que se refere à posição deste Tribunal sobre esta questão. Contudo, encontra-se uma indicação no processo AEG/Comissão (n.o 24, Recueil 1983, p. 3192), em que se diz que a AEG teve razão ao alegar que a Comissão não podia invocar um documento de que uma parte não tinha sido comunicada à empresa, «e que não compete à recorrida apreciar se um documento ou uma parte de um documento é ou não útil para a defesa da empresa interessada». O Tribunal de Justiça, seguidamente, excluiu a totalidade deste documento do processo e, assim, deve considerar-se assente que não compete à Comissão apreciar o que a empresa pode utilizar para a sua defesa. A primeira vista, tais declarações não correspondem muito bem à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual, aliás, como acima se viu, não existe um acesso geral aos autos e o quadro processual é constituído pelos documentos que a Comissão utilizou como fundamento da sua decisão. Por outro lado, essa jurisprudência não tomou posição, pelo menos expressamente, sobre o acesso aos autos em relação com os documentos de prova existentes num processo mas que, segundo a Comissão, não «dizem respeito» a um recorrente determinado.

Nestas circunstâncias, deve-se considerar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não está em qualquer hipótese em contradição com o ponto de vista segundo o qual as recorrentes também deveriam ter tido acesso aos documentos utilizados contra outras empresas.

Revela-se claramente, logo à partida, que não será adequado reagir excluindo tais documentos do processo, pois o objectivo confessado das recorrentes é justamente utilizar eventualmente estes documentos para demonstrar a sua não participação sob um ou vários aspectos ( 20 ). Além disso, também não será razoável excluir por este facto documentos que eventualmente são adequados enquanto provas contra outras empresas.

Deve-se referir, entre parêntesis, que as recorrentes devem evidentemente ter o direito de invocar documentos que de facto conseguiram obter, mesmo que a Comissão não pense que os mesmos digam respeito à empresa em causa [ver, por exemplo, a utilização pela Shell do documento da Solvay de 6 de Setembro de 1977, de que a Shell fez uma cópia quando teve acesso aos arquivos (contestação no processo Shell, p. 69)]. De forma alguma os documentos podem ser considerados como «obtidos fraudulentamente».

Se num processo aparecerem documentos que não foram enviados às recorrentes, quando deveriam tê-lo sido, e que podem ter importância para a sua defesa, só existem, em minha opinião, duas reacções possíveis. Ou a decisão deve ser anulada, partindo do princípio de que o papel do Tribunal consiste unicamente numa fiscalização da legalidade, se após se ter apreciado o conteúdo dos documentos se verificar que os mesmos podem ter tido uma importância real para outras recorrentes que não aquelas a quem, segundo a Comissão, tais documentos «dizem respeito». Ou então, o Tribunal deve assumir a incumbência de apreciar concretamente qual a importância que têm para o processo Y provas que só se encontram no processo X.

Todavia, deve exigir-se, em qualquer circunstância, que os documentos possam ter tido uma importância real e concreta. Nos presentes processos, nenhum dos documentos encontrados que não foram enviados a todas as empresas, tal como por exemplo o documento da Solvay que acaba de ser citado, era susceptível de alterar o quadro da situação sobre qualquer ponto importante. Face às provas relativamente claras e convincentes que existem quanto à maior parte das acusações da Comissão, não me parece, além disso, verosímil que os documentos referidos, não apresentados no processo (e que são pouco numerosos), fossem susceptíveis de implicar uma apreciação das provas tão diferente que se chegasse a um outro resultado.

6. Alteração da apreciação jurídica no decurso do processo

Em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17 (ver os artigos 1.o e 2.o do Regulamento n.o 99), a Comissão dará às empresas em relação às quais pretende adoptar uma decisão em aplicação dos artigos 85.o e 86.o do Tratado conhecimento, por escrito, das acusações que lhes são dirigidas. E isto que define o objecto do litígio e é nesta base que as empresas em causa têm a possibilidade de exprimir o seu ponto de vista antes de a decisão ser adoptada (ver artigo 4.o do Regulamento n.o 99).

Nos presentes processos, várias recorrentes alegaram uma alteração da apreciação jurídica do processo no decurso do processo administrativo. Este fundamento, que é invocado com insistência particular pelas recorrentes Hoechst, Hüls e Chemie Linz, será analisado adiante.

O fundamento segundo o qual a Comissão alterou a sua apreciação jurídica do caso no decurso do processo pode ser resumido da seguinte forma: segundo as recorrentes j durante todo o processo administrativo, a Comissão determinou uma longa série de infracções ao artigo 85.o, n.o 1, ao passo que só na decisão é que qualificou o conjunto das circunstâncias como acordo único ou, como no n.o 81, terceiro parágrafo, da decisão, como «esquema geral de acordo». As recorrentes que invocaram este argumento apoiam-se nos termos utilizados tanto na comunicação das acusações como nas cartas da Comissão de 29 de Março de 1985. A Comissão contrapõe sobre este ponto que, a partir da comunicação das acusações e da carta de 29 de Março de 1985, a sua exposição do caso corresponde ao ponto de vista expresso na decisão. A Comissão acrescenta que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não impõe uma identidade absoluta entre, por um lado, a comunicação das acusações e, por outro lado, a decisão.

A argumentação mais precisa das recorrentes no sentido de que a alegada alteração da qualificação jurídica restringiu as suas possibilidades de defesa pode ser assim resumida: um esquema geral de acordo precede necessariamente e por definição acordos isolados. Um esquema geral de acordo constitui um acto jurídico pelo qual as partes contratantes fixam antecipadamente regras que devem, na sequência, ser respeitadas e concretizadas nos casos particulares. Um esquema geral de acordo baseia-se, pelo menos em parte, em condições de direito e de facto diversas de uma conduta contínua. Enquanto que a prova dum esquema geral de acordo dispensa a Comissão da obrigação de produzir a prova irrefutável de acordos isolados ou de outras medidas que restrinjam a concorrência, a qualificação de infracção continuada em sentido jurídico consiste em reunir a posteriori acções isoladas para as reconduzir a uma conduta única. Ao invés do esquema geral de acordo, a infracção continuada pressupõe todavia a prova de toda uma série interrupta de acordos isolados. O «esquema geral de acordo», por um lado e a «infracção continuada» por outro são, assim, conceitos que diferem um do outro, tanto no que respeita às suas condições de facto como às suas consequências jurídicas. Segundo as recorrentes, o que elas descrevem como uma alteração de posição da Comissão é a expressão do facto de as observações das empresas terem permitido à Comissão aperceber-se de que as provas da infracção continuada eram insuficientes, o que a levou a alegar presentemente que existia um esquema geral de acordo para poder continuar a manter ter existido um acordo durante todo o período de 1977 a 1983.

As recorrentes consideram, assim, que a decisão comporta uma importante alteração de fundo, dado que presentemente têm de responder a uma acusação formulada como um «acordo único e contínuo na acepção do artigo 85.o, n.o 1» e à acusação de um «esquema geral de acordo que se traduziu por uma série de acordos mais detalhados elaborados em intervalos periódicos», o que vem expresso no artigo 1.o da decisão pelos termos «ao participarem... num acordo e prática concertada criados em meados de 1977». As recorrentes de língua alemã contrapõem a estes termos o n.o 1 da comunicação das acusações onde se diz em alemão que a decisão se refere a «eine Vielzahl» (um grande número) de acordos e/ou de práticas concertadas e o facto de, ao longo de toda a comunicação, se falar de acordos, de práticas concertadas, de infracções etc., tudo no plural.

A Comissão respondeu a este ponto, em primeiro lugar, invocando a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 21 ), segundo a qual a decisão não tem necessariamente de ser uma cópia da comunicação das acusações. Em conformidade com estes acórdãos, com efeito, a Comissão deve ter em conta os elementos que resultam do processo administrativo, quer seja para abandonar acusações que revelem falta de fundamento, quer para adaptar e completar os argumentos de facto e de direito em apoio das acusações que mantém. Como declara o Tribunal de Justiça, esta possibilidade não está em contradição com o artigo 4.o do Regulamento n.o 99.

A este propósito, a Comissão recorda que já tinha invocado em vários pontos das acusações comunicadas às recorrentes, em 25 de Maio de 1984, a existência de uma colusão contínua e institucionalizada (ver n.os 128 e 132). Na sua carta de 29 de Março de 1985 respeitante aos acordos e práticas concertadas, a Comissão tinha dito, além disso, que não excluía a possibilidade de um «acordo central» entre os quatro maiores produtores e que os acordos no que respeita aos outros participantes assentavam num plano suficientemente detalhado para poder ser assimilado a um «acordo» ou a «acordos» na acepção do artigo 85.o Segundo a Comissão, estas precisões eram suficientemente claras para permitir formular uma defesa adequada. Durante o processo administrativo, era possível um debate específico e aprofundado no que respeita à verdadeira natureza do acordo e a Comissão extraiu as consequências desta discussão na sua decisão, da mesma forma que as recorrentes utilizaram largamente as suas possibilidades de se defenderem.

Não admira muito que sejam três recorrentes de língua alemã que tenham especialmente alegado o argumento que aqui se discute, pois o primeiro ponto da comunicação geral das acusações estava formulado de modo ligeiramente diferente em alemão e nas outras línguas utilizadas no caso em apreço. Enquanto que em inglês se diz que a comunicação diz respeito a «a complex of agreements and/or concerted practices», em francês «un ensemble d'accords et/ou de pratiques concertées», em italiano «un complesso di accordi e/o di pratiche concordate» e em neerlandês «een geheel van overeenkomsten en/of onderling afgestemde feitelijke gedragingen», na versão alemã, como se disse fala-se de «eine Vielzahl von Vereinbarungen und/oder aufeinander abgestimmten Verhaltensweisen» (o sublinhado é meu). Embora, nas suas observações escritas, a Comissão não o tenha expressamente mencionado, pretendeu na audiência, ao referir-se expressamente ao termo «conjunto», que tinha desde o início alegado que a infracção ao artigo 85.o, n.o 1, consistia na totalidade dos acordos, etc, considerados globalmente e não nos acordos isolados.

Enquanto que nas outras línguas se pode razoavelmente dizer que o ponto 1 da comunicação das acusações visa uma soma ou um conjunto de acordos no sentido alegado pela Comissão, não parece que possa ser esse o caso em alemão, pois o termo «Vielzahl» só pode designar um número (importante) de acordos, etc, e não a soma destes últimos. A primeira fase da análise deste fundamento deve, portanto, consistir em procurar determinar se se pode fazer abstracção da palavra «Vielzahl», na medida em que as outras partes da comunicação das acusações, assim como a carta da Comissão de 29 de Março de 1985, terão dado às recorrentes indícios suficientemente demonstrativos para lhes permitir saber o que estava em causa. Assim, é necessário verificar se as recorrentes podiam saber, com base nos outros elementos disponíveis, que não se tratava de um «Vielzahl» mas de um «conjunto». Em caso de resposta afirmativa a esta questão, deve seguidamente questionar-se se comparando, por um lado, a comunicação das acusações e a carta da Comissão de 29 de Março de 1985 com, por outro lado, a decisão, se obtém uma imagem suficientemente homogénea que permita falar de uma simples reestruturação ou de um complemento da apreciação jurídica das acusações ou se, como o pretendem as recorrentes, as bases eram completamente novas.

Na comunicação das acusações que enviou, a Comissão descreveu de forma cronológica e muito detalhadamente o que segundo ela se passou e isto, que constitui a matéria de facto da comunicação geral das acusações, apenas deu lugar a críticas dispersas no contexto que aqui se analisa.

No n.o 127 da versão alemã lê-se nomeadamente «... ob sämtliche Regelungen und Maßnahmen...», enquanto que, nas outras versões, se encontra «a complex», «l'ensemble» ou^ expressões comparáveis. No n.o 128, a Comissão menciona de forma concordante nas versões linguísticas ( 22 )«... a colaboração permanente entre as partes no âmbito das reuniões...». No n.o 132, último período, os termos utilizados são os seguintes: «Com efeito, os produtores visavam controlar o mercado e uma cooperação permanente institucionalizada de alto nível substituiu-se ao funcionamento normal das forças concorrentes». O conteúdo pertinente da carta de 29 de Março de 1985 é resumido antes.

As passagens aqui citadas dos documentos decisivos convencem-me que, salvo no que se refere às versões alemãs, era certamente claro para as empresas que, para a Comissão, o que caía na alçada do artigo 85.o eram não os elementos isolados como tais e cada um em si, mas a cooperação permanente institucionalizada. Na decisão, pode-se 1er no mesmo sentido que se trata de um «acordo» etc, na mesma forma que «de todo um conjunto de planos...», de um «plano de conjunto», de «todo o conjunto de planos e de compromissos», de um «largo consenso sobre um plano» e de um «esquema geral de acordo».

Por seu turno, a decisão não é perfeitamente clara quanto à questão de saber em que medida visa um acordo anterior ou o que algumas recorrentes qualificam «de infracção continuada» ou seja, noutros termos, de saber se a Comissão considera que a cooperação era susceptível de poder ser qualificada globalmente como esquema geral de acordo ou se pensa que existia um acordo desde o início. Isto foi objecto de vivas críticas. Mas a decisão dá exactamente a mesma impressão geral — ainda que talvez de forma não extremamente clara — que é a cooperação permanente e institucionalizada como tal que cai sob a alçada do artigo 85.o, n.o 1.

A situação é talvez um pouco menos segura no que respeita às versões alemãs da comunicação das acusações mas, apesar das acusações um tanto imprecisas, a qualidade dos destinatários da comunicação das acusações permite pensar que estes últimos sabiam muito bem que a Comissão não invocava cada um dos elementos em si.

No acórdão do Tribunal de Justiça ACF Chemiefarma/Comissão ( 23 ), a declaração acima citada no que respeita à interpretação do artigo 4.o do Regulamento n.o 99 é dada com certa precisão, sem que o acórdão permita, aliás, ver de que diferenças entre a comunicação das acusações e a decisão se trata. No n.o 94 do acórdão diz-se que a disposição citada é respeitada se a decisão não imputar aos interessados infracções diferentes das visadas na comunicação das acusações e apenas considerar factos sobre os quais os interessados tiveram ocasião de se explicar.

O acórdão Van Landewyck/Comissão ( 24 ) visava uma situação em que a Comissão se limitara a mencionar, na segunda das duas comunicações das acusações, a primeira das condições de isenção nos termos do artigo 85.o, n.o 3, ao passo que, na decisão, se pronunciara sobre duas das outras condições previstas no artigo 85.o, n.o 3, o que o Tribunal de Justiça caracterizou como constituindo duas novas acusações (n.o 70). Tendo em conta que as recorrentes tinham de facto apresentado amplas explicações sobre a totalidade das condições quando da notificação, que uma das condições era expressamente mencionada na primeira comunicação das acusações e que a Comissão tinha resumido na sua decisão as declarações das recorrentes sobre esta condição, o argumento foi rejeitado na medida em que dizia respeito a esta condição, pois, como foi dito entre outras coisas, as duas comunicações deviam ser consideradas no seu conjunto. No que se refere à segunda condição, o Tribunal de Justiça rejeitou o argumento da recorrente, afirmando que o conteúdo desta condição constituía o próprio fundamento da segunda comunicação das acusações — à qual a recorrente tinha respondido — mesmo que tal se verificasse num enquadramento diverso do descrito na decisão.

Como acima se disse, ninguém aqui alega que a decisão e a comunicação das acusações se fundam em circunstâncias de facto diferentes. Em consequência, trata-se de saber em que medida a Comissão tem o direito de alterar as bases jurídicas reestruturando a sua argumentação. Não parece que o acórdão ACF Chemiefarma/Comissão, na realidade, tome posição sobre esta questão. A única coisa que se pode verosimilmente extrair do acórdão Van Landewyck/Comissão é que o facto de acrescentar um ou mais elementos de direito, da mesma natureza que os que servem de base à solução considerada pela Comissão, conduz a acrescentar uma ou mais acusações na acepção do artigo 4.o, sem que este acórdão tome posição sobre a questão da alteração da qualificação jurídica. Todavia, o interessante neste último acórdão é que o Tribunal de Justiça procura na realidade saber, através de uma apreciação concreta das circunstâncias do caso, em que medida as recorrentes tiveram e fizeram uso da possibilidade de se pronunciar sobre o que, na sequência, passou a ser uma parte dos fundamentos da decisão.

Assim, parece necessário procurar saber concretamente se as recorrentes em causa entenderam realmente a comunicação das acusações no sentido correspondente ao conteúdo da decisão. Na sua resposta à comunicação das acusações, a Hoechst declara que a Comissão alegou «o acordo e/ou uma prática concertada» relativamente à empresa, sem analisar a qualificação jurídica em relação com o conceito de «esquema geral de acordo» ou de «infracção continuada». Nem a Hüls nem a BASF acrescentam o que quer que seja que possa dar um indício num ou noutro sentido. Pelo contrário, a Chemie Linz refere-se ao n.o 1 da comunicação citando as palavras «eine Vielzahl von Vereinbarungen und/oder abgestimmten Verhaltensweisen», sem discutir com mais precisão o sentido desta expressão. Assim, não se pode extrair qualquer elemento claro desta análise da resposta das empresas.

A resposta às comunicações das acusações mostra, todavia, que, para além de algumas discussões jurídicas muito esporádicas que não dizem respeito à presente questão, as recorrentes limitam-se a discutir as circunstâncias de facto que a Comissão lhes imputa, sem que, de qualquer forma, essas respostas indiquem que as empresas pensavam na forma como elaborariam a sua defesa mais tarde. Não existem, assim, bases suficientes para supor que a formulação da comunicação das acusações arrastou as empresas, aquando da sua resposta, para uma via jurídica determinada que nada teria a ver com a seguida mais tarde pela Comissão na sua decisão.

Não obstante a ausência de concordância perfeita entre a comunicação das acusações e a decisão, sou de opinião, mesmo no que respeita às versões em língua alemã, que não se verifica qualquer infracção ao artigo 4.o do Regulamento n.o 99, e sim, pelo contrário, um esclarecimento lícito da apreciação jurídica do caso, à luz das respostas às comunicações das acusações.

7. Relatórìo da audição perante a Comissão

Várias recorrentes alegaram que o facto de o comité consultivo apenas ter à sua disposição o projecto de relatório elaborado pela Comissão quando se pronunciou em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento n.o 17, e não a proposta de alteração enviada pelas recorrentes, constitui uma irregularidade processual. Foram emitidas críticas semelhantes no que se refere aos membros da Comissão quando tomaram a decisão.

A Comissão explicou que as observações das recorrentes no que se refere ao relatório não estavam disponíveis quando o comité consultivo emitiu o seu parecer. Em contrapartida, os comentários das recorrentes estavam juntos ao projecto de relatório quando o processo foi submetido à Comissão para esta se pronunciar. Pela sua parte, as recorrentes não contestam as explicações da Comissão.

A Comissão não nega expressamente que exista aí uma irregularidade processual, mas alega, referindo-se particularmente ao acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Distillers Company/Comissão ( 25 ), que não se podia considerar que o que se tinha passado tivesse influenciado o conteúdo da decisão. A Comissão sublinha que o envio do projecto de relatório não está sujeito a qualquer prazo, da mesma forma que, na sua opinião, não existe qualquer regra sobre a questão de saber quem deve receber o projecto ou o relatório definitivo.

A Comissão alega mais precisamente que, no caso em apreço, tanto os comissários como o comité consultivo se pronunciaram com pleno conhecimento dos pontos de vista das recorrentes. No que se refere ao comité consultivo, esta opinião baseia-se no facto de os representantes da totalidade dos Estados-membros terem participado na audição perante a Comissão, mesmo que a Grécia e o Luxemburgo só tenham participado nas reuniões em 1984. Segundo a Comissão, é destituído de importância, sob este aspecto, que seja o mesmo funcionário que assista às audições e participe nas reuniões do comité consultivo. Finalmente, a Comissão invoca de maneira geral o facto de as recorrentes não terem pretendido que o projecto de relatório não continha a reprodução correcta das suas declarações mais importantes.

Como declarou o advogado-geral Warner ( 26 ), o conteúdo, nomeadamente, das disposições do artigo 10.o do Regulamento n.o 17 e do artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 99, leva a considerar que tanto o comité consultivo como os membros da Comissão devem dispor de um relatório definitivo e aprovado da audição perante a Comissão quando o comité dá o seu parecer ou os comissários tomam a decisão.

Este ponto de vista parece encontrar apoio nos acórdãos do Tribunal de Justiça Buchler & Co./Comissão ( 27 ) e ICI/Comissão ( 28 ).

E evidente que o Tribunal de Justiça não toma posição directa nem expressa no que respeita ao problema, mas refuta as críticas nos processos citados sustentando que não se verificam, entre o relatório definitivo e aprovado e o projecto, divergências suficientemente grandes sobre as questões importantes para permitir pensar que o comité consultivo ou os membros da Comissão tenham podido ser induzidos em erro sobre as declarações das recorrentes quando da audição perante a Comissão.

Em minha opinião, o que se conhece nos presentes processos permite, antes de mais, supor que os membros da Comissão dispuseram de bases necessárias para a sua decisão.

Em segundo lugar, no que respeita ao comité consultivo, deve procurar-se saber, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em que medida se podem verificar divergências que possam ser consideradas como susceptíveis de dar aos membros do comité uma impressão inexacta das declarações das diversas recorrentes. Algumas destas últimas apresentaram o seu argumento de forma global, sem precisar onde estavam essas divergências. Em minha opinião, isto não basta. Deve exigir-se que a recorrente em causa tenha alegado expressamente pontos importantes de divergências entre o relatório e o projecto. Na falta de tal exposição precisa e detalhada por parte das recorrentes sobre os pontos do projecto de relatório que, segundo elas, são realmente enganadores, o Tribunal não pode exercer a sua função de fiscalização. Em processos como os do caso em apreço, não pode ser incumbência do Tribunal analisar, página por página, os relatórios, respectivamente, provisório e definitivo, com vista a verificar quais as divergências que surgem, para seguidamente apreciar o que poderá eventualmente justificar as críticas das recorrentes. Como nenhuma destas últimas definiu com precisão as suas arguições, em minha opinião, as mesmas são de indeferir com o simples fundamento das razões processuais aqui expostas.

B — Fundamentação da decisão

1. A exigência de fundamentação em geral

As recorrentes, na sua maioria, alegaram que a decisão da Comissão não está suficientemente fundamentada. Quanto a este aspecto, será tomada posição sobre uma série de pontos de vista que, no essencial, são comuns a várias ou a todas as recorrentes. A questão da fundamentação no que respeita ao montante das multas será tratada adiante na terceira parte.

Em conformidade com o artigo 190.o do Tratado, os actos jurídicos, nomeadamente da Comissão, devem ser fundamentados. A exigência de fundamentação tem como finalidade dar aos destinatários dos actos a possibilidade de apreciar se a decisão está correcta do ponto de vista material, mas deve igualmente servir de base a uma fiscalização jurisdicional da decisão administrativa. Além disso, uma exigência de fundamentação pormenorizada dos actos administrativos pode ser susceptível de obrigar a administração a explicitar para si própria as razões de uma decisão ( 29 ).

No que se refere à obrigação de fundamentação, o Tribunal de Justiça tem declarado de forma geral que a mesma deve ser considerada como satisfeita quando a fundamentação indicar de forma clara e coerente as considerações de facto e de direito em que se baseia a decisão ( 30 ). Em conformidade com este último acórdão, isto é igualmente válido quando se está perante uma decisão que impõe multas. O alcance da obrigação de fundamentação depende, em larga medida, daquilo que se tem que fundamentar e deve ser apreciado à luz do contexto de direito e de facto. Assim, por exemplo, nos casos em que a administração dispõe de um amplo poder de apreciação, deve expor de maneira aprofundada, na fundamentação, as considerações em que se baseou no exercício deste poder de apreciação ( 31 ). O carácter relativo da obrigação de fundamentar é sublinhado com particular clareza, por exemplo, no acórdão Usinor/Comissão ( 32 ), em que se diz, nomeadamente, que a questão de saber em que medida a exigência de fundamentação é satisfeita deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que o destinatário pode ter em receber explicações.

Para além disso, pode ser difícil indicar mais precisamente as exigências aplicáveis de maneira geral ao conteúdo e ao alcance da fundamentação. Num processo respeitante a um outro domínio jurídico ( 33 ) trabalhadores, o Tribunal de Justiça declarou que, quando se trata de assegurar a protecção efectiva de um direito fundamental conferido pelo Tratado aos trabalhadores da Comunidade, estes devem poder defender este direito nas melhores condições possíveis e deve ser-lhes reconhecida a faculdade de decidir, com pleno conhecimento de causa, se lhes é útil recorrer aos órgãos jurisdicionais. Em minha opinião, as exigências relativas à fundamentação em processos como os presentes, nomeadamente em razão das consequências importantes que estes últimos são susceptíveis de implicar, dificilmente poderão ser menos estritas.

Como acima foi dito, a fundamentação constitui a base da fiscalização jurisdicional nos termos do artigo 173.o do Tratado (ver 168.o-A). Em conformidade com estas disposições, trata-se de uma fiscalização da legalidade que o Tribunal de Justiça exerceu de forma bastante intensiva em processos de concorrência anteriores ( 34 ). Os textos em que se baseia o funcionamento do Tribunal de Primeira Instância nada alteraram ao facto de só se tratar de uma fiscalização da legalidade. Todavia, resulta claramente do preâmbulo da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988 ( 35 ), que a própria criação do Tribunal como primeira e última instância para o controlo da matéria de facto nos processos que lhe são submetidos contém uma solicitação a proceder a um exame aprofundado da solidez das provas sobre as quais se baseou a Comissão para adoptar a decisão impugnada.

Isto comporta igualmente um efeito derivado no que se refere à fundamentação. Toda a verificação em matéria de provas deve figurar na fundamentação, sejam quais forem as dificuldades que sempre estarão ligadas à sua formulação quando esta verificação assentar numa apreciação de conjunto de uma quantidade extraordinária de factos probatórios. E o que resulta das regras aplicáveis e a Comissão deve com elas conformar-se.

No domínio aqui em apreciação, existe o perigo específico de a argumentação se desviar, de forma a que se tente fazer depender em certa medida da exigência de fundamentação uma questão que normalmente deve ser considerada como direito material. É esta a razão por que é importante insistir sobre o facto de a exigência de fundamentação ser puramente formal, mesmo que o seu conteúdo seja determinado pela natureza do processo. Assim, o facto de certos fundamentos assentarem eventualmente sobre uma concepção jurídica ou uma apreciação falsa das provas não constitui, portanto, uma falta de fundamentação, mas, pelo contrário, um erro na apreciação jurídica ou material em que se baseia a solução dada ao caso concreto.

Os pontos acima tratados são aqueles que foram particularmente contestados na discussão sobre o alcance da obrigação de fundamentar.

2. Obrigação da Comissão de comentar na sua decisão as provas e argumentos apresentados antes da decisão

Este problema colocou-se em diversos processos anteriores. Em resumo, o ponto de vista das recorrentes era, como também nos presentes processos, que a Comissão não cumpre o seu dever de fundamentar completamente a decisão quando não toma posição, na decisão, sobre todos os argumentos e provas apresentadas pelas empresas no processo administrativo ou, pelo menos, sobre os principais destes. Este ponto de vista é invocado sob diversas qualificações e em diversos contextos, mas a substância é a mesma.

Tal óptica implica uma tomada de posição sobre duas questões diferentes. Em primeiro lugar, deve-se procurar saber o que o direito aplicável não impõe que seja consignado nos fundamentos. Seguidamente, deve-se determinar que exigência positiva se pode eventualmente colocar a este respeito quanto aos fundamentos para satisfazer as exigências gerais estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

No acórdão de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig ( 36 ), o Tribunal de Justiça afirmou de forma muito geral que, em tal processo (isto é, um processo de concorrência perante a Comissão) que não é de natureza jurisdicional, a administração não é obrigada a fundamentar a sua rejeição dos argumentos apresentados pelos particulares. No acórdão ACF Chemiefarma/Comissão ( 37 ), o Tribunal de Justiça estruturou a sua afirmação, declarando (n.os 76 e seguintes, Recueil, p. 692), que, para cumprir o dever de fundamentação previsto no artigo 190.o, não é necessário que a Comissão discuta todos os pontos de facto e de direito invocados pelas partes no processo administrativo. Seguidamente, o Tribunal de Justiça declarou que a fundamentação é suficiente quando apresenta de maneira clara e coerente as considerações de facto e de direito da Comissão, de forma a que tanto o destinatario da decisão como o Tribunal de Justiça possam conhecer os elementos que fundamentam a decisão da Comissão. Finalmente, o Tribunal de Justiça afirmou que a Comissão não infringiu quaisquer regras relativas a formalidades essenciais ao menosprezar pontos de vista por si considerados, com ou sem razão, como estranhos ao processo.

No processo Van Landewyck/Comissão ( 38 ), n.os 64 a 66 (Recueil, p. 3244), é dito relativamente a um determinado fundamento que o mesmo responde parcialmente aos argumentos do recorrente sem, todavia, conter uma refutação detalhada destes últimos. Em contrapartida, a fundamentação comporta uma exposição autónoma que formula, em termos gerais, os fundamentos que conduziram a Comissão a um ponto de vista precisamente determinado. O Tribunal de Justiça declarou seguidamente que não se pode razoavelmente exigir que a Comissão comente todas as questões de facto e de direito suscitadas por cada empresa.

No acórdão de 2 de Março de 1983, GVL/Comissão ( 39 ), n.o 12 (Recueil, p. 500) pode ler-se que a Comissão não é obrigada a discutir todas as observações apresentadas pelas empresas em resposta à comunicação das acusações, quando os fundamentos contidos na decisão sejam em si próprios susceptíveis de justificar as conclusões a que a Comissão chegou no âmbito do processo administrativo.

Em primeiro lugar, pode-se deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça que é a Comissão que fixa de maneira soberana o objecto da discussão no processo. Se a Comissão considerar que a situação jurídica é X, e que o objecto das provas é Y, não é obrigada, na sua decisão, a discutir a situação jurídica A e o objecto de provas B. Assim, a Comissão domina o quadro processual e não é de forma alguma obrigada a analisar mais pormenorizadamente provas ou argumentos que pode considerar — com ou sem razão, como o diz o Tribunal de Justiça — como destituídos de pertinência no quadro assim definido. A Comissão também não necessita de comentar os argumentos que são pertinentes, podendo expor de maneira autônoma as razões pelas quais chegou a um resultado determinado com precisão, quando aquela exposição basta por si só para conduzir a esse resultado.

E evidente que a Comissão pode ter interesse em comentar em certa medida os argumentos e as provas apresentados no âmbito do processo administrativo para evitar que se pretenda, como também foi feito nos presentes processos logo de início, que a Comissão se tinha fixado num ponto de vista determinado do qual não quis, depois, afastar-se. O facto de tais afirmações serem, aliás, dificilmente compatíveis com os argumentos simultaneamente apresentados no caso em apreço, segundo as quais alterou o seu ponto de vista no decurso do processo, é outra história.

Como sublinha o advogado-geral Sir Gordon Slynn no acórdão de 21 de Fevereiro de 1984, Hasselblad ( 40 ), podem, todavia, existir casos em que se devem comparar e analisar duas concepções uma em relação à outra. Tal pode ser necessário para demonstrar que todos os documentos pertinentes e não considerados no processo e que os argumentos apresentados pelas partes não podiam conduzir a um resultado diferente. Assim, em minha opinião, não existirá uma falta de fundamentação se a Comissão ignorar documentos de prova apresentados pelas empresas e dirigidos contra um determinado tema probatório que o conteúdo da decisão demonstra que a Comissão também considera como pertinente. Em contrapartida, dificilmente se pode dizer o mesmo da argumentação jurídica. Normalmente, não existe qualquer razão válida para discutir num acto administrativo concreto a solução de um problema jurídico teórico. Deve bastar que a Comissão tome posição sobre o caso, tal como este se apresenta, e fundamente de facto e de direito a sua tomada de posição. O facto de, além disso, a Comissão apenas refutar de forma sumária as críticas dirigidas pelas empresas à apreciação das provas feita pela Comissão, tal como resulta da comunicação das acusações, é igualmente destituído de importância, uma vez que, aliás, o conteúdo da decisão pode alicerçar o resultado.

A maior parte dos comentários da Comissão no que respeita aos pontos de vista e às provas apresentadas pelas empresas no decurso do processo administrativo encontra-se na secção E da decisão «Avaliação pela Comissão dos argumentos de facto apresentados pelos produtores», isto é, os n.os 70 a 77. As alíneas a), b) e c), lidas em conjugação com o resto da decisão, revelam uma notável exposição das razões pelas quais a Comissão não pensa que os argumentos das empresas resistam à análise. Mesmo que o direito aplicável permita exigir que a Comissão refute os argumentos das empresas, isto foi feito, em minha opinião, de forma totalmente satisfatória. A alínea c) apresenta a análise do mercado alemão devida ao professor Albach. Independentemente do facto de, como se mostrou na audiência, os resultados obtidos pelo professor Albach não serem nem incontestados nem incontestáveis, esta parte da decisão da Comissão constitui uma excelente explicação das razões pelas quais a Comissão considera poder permanecer no seu ponto de vista, sejam quais forem os resultados do estudo do mercado. As recorrentes que utilizaram estes argumentos quase parecem dizer através deles que a Co; missão é obrigada a inclinar-se perante constatações irrefutáveis e, além disso, aderir aos pontos de vista das empresas. É possível que a opinião da Comissão neste domínio seja susceptível de ser abalada, mas o facto de a Comissão não se ter deixado convencer não constitui uma falta de fundamentação. Pode-se dizer praticamente a mesma coisa no que respeita à alínea d) sobre a auditoria efectuada por uma empresa especializada no que se refere aos preços de vendas líquidos das empresas. Assim, em minha opinião, a Comissão comentou de forma suficiente os documentos de prova pertinentes que lhe foram apresentados pelas recorrentes.

3. Individualizações na decisão

Algumas recorrentes queixam-se que a estrutura da decisão não permite a cada empresa determinar o que lhe é imputado. Em particular, a Rhône-Poulenc afirmou ser «vítima» da forma como a decisão está estruturada, pois esta empresa, que deixou o mercado em 1980, alega não lhe ser possível determinar sobre que elementos a Comissão funda a solução adoptada em relação a si. Assim, a Rhône-Poulenc considera que é tida como responsável por factos cometidos por outras empresas posteriormente. Em minha opinião, o aspecto formal desta questão pode ser concebido como constituindo uma parte do problema da medida em que a exigência de fundamentação deve ser considerada como satisfeita em relação a cada recorrente.

No acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie/Comissão ( 41 ), o Tribunal de Justiça declarou que nada proíbe a Comissão de decidir, mediante uma única decisão, sobre várias infracções, mesmo se alguns destinatários são alheios a algumas dessas infracções, na condição de a decisão permitir a qualquer destinatário separar com precisão as acusações feitas em relação a si. O Tribunal acrescenta — sem explicações mais amplas — que a decisão da Comissão satisfaz esta exigência no que se refere às duas empresas que suscitaram o problema. No processo Van Landewyck/Comissão ( 42 ), o Tribunal de Justiça confirma que podem ser apensos processos administrativos diferentes com vista a uma decisão única, sem que isso, aliás, traga qualquer elemento pertinente para o problema que aqui se trata.

Assim, resulta da jurisprudência — e, a justo título, em minha opinião — que basta que cada destinatário possa separar «com precisão» as «acusações» feitas em relação a si. A jurisprudência do Tribunal de Justiça não comporta, todavia — deveria ter dito: naturalmente —, qualquer indicação sobre o grau de especificidade que se exige da decisão para que se possa dela deduzir uma informação «com precisão».

Nos casos presentes, a Comissão descreve de forma aprofundada, no capítulo A da decisão, os elementos do mercado que considera pertinentes. Esta parte não suscita qualquer problema. No capítulo C, n.os 15 a 68, a Comissão descreve os elementos de prova de que dispõe: antes de mais, a natureza destas provas (n.o 15) e, seguidamente, com todo o cuidado, em minha opinião, os acordos iniciais sobre os preços mínimos, as reuniões periódicas, o objectivo das reuniões, os objectivos em matéria de preços, as iniciativas em matéria de preços e a sua concretização, as iniciativas individuais em matéria de preços, os sistemas de quotas invocados e o papel específico dos quatro grandes produtores. O capítulo F menciona expressamente a totalidade das empresas e nele se toma posição sobre o grau de participação, segundo a Comissão, de cada uma delas. Os n.os 79 a 94 contêm uma exposição detalhada da apreciação jurídica da Comissão, que vem dada de uma maneira que, se o Tribunal, aliás, confirmar esta apreciação, pode perfeitamente justificar a solução considerada como fundamentação jurídica. A Comissão toma posição quanto à sua competência internacional no n.o 95; nos n.os 96 a 102, exprime-se sobre as questões controvertidas que se podem suscitar no que se refere a cada empresa, enquanto que sujeito de direito penalmente responsável, e no n.o 103 sobre o problema da prescrição. Nos n.os 104 e 105, descreve, em relação a cada empresa, o período durante o qual, segundo a Comissão, a empresa participou na infracção.

Verifica-se, assim, em primeiro lugar, uma clara delimitação no tempo de um ponto de vista geral. Além disso, a Comissão toma posição pelo menos sobre as circunstâncias mais importantes que podem, em cada caso, fundar a responsabilidade e deu uma descrição detalhada do que, em sua opinião, constitui o conteúdo da infracção cometida, da mesma forma que expôs a sua opinião quanto à intensidade da participação de cada empresa. O ponto susceptível de criar dúvidas é o da descrição detalhada das provas a que a Comissão atribui importância para declarar verificada a participação de cada empresa. Neste contexto, não penso que as recorrentes tenham razão na sua posição quanto ao que se refere à fundamentação da decisão.

4. Interpretação do artigo 85.o do ponto de vista formal

O último problema que pode ser estudado neste exame geral do processo é o que foi suscitado por algumas recorrentes, segundo as quais o facto de a Comissão não ter distinguido na decisão entre, por um lado, um acordo na acepção do artigo 85.o e, por outro lado, uma prática concertada, constitui uma violação de garantias jurídicas essenciais que reduz as possibilidades de as requerentes se defenderem eficazmente contra a decisão da Comissão.

Este ponto de vista assenta numa interpretação do artigo 85.o que as recorrentes consideram como correcta, a saber, que para considerar verificada a infracção contida no conceito de prática concertada é necessário poder demonstrar actos efectivos no mercado. Em consequência, a sua teoria é de que a natureza da prova dos diferentes tipos de infracções é diferente e, assim, o objecto das provas é diferente. Se for esse o caso, a Comissão deve, segundo as recorrentes, ser obrigada a expor exactamente o que considera como um acordo e o que considera ser uma prática concertada. No caso de a Comissão omitir fazê-lo, na opinião das empresas, chegar-se-á a uma tal camuflagem da situação que as suas possibilidades de se defenderem eficazmente ficam reduzidas.

As recorrentes não contestam, todavia, que a Comissão pode legalmente elaborar a sua decisão tal como o fez se tiver razão ao pensar que uma prática concertada não pressupõe, forçosamente, pela sua natureza, uma manifestação no mercado. Por seu turno, a Comissão admitirá -verosimilmente que, se as recorrentes têm razão, a decisão deveria ter sido estruturada de forma a que se possa ver claramente o que a Comissão considerava comb prática concertada e o que foi encarado como um acordo.

Como acima se disse, está assente, todavia, que a exigência de fundamentação deve ser considerada em função da concepção jurídica efectivamente expressa pela Comissão.

Como se verá, a resposta a esta questão depende, portanto, da interpretação do conceito de prática concertada na acepção do artigo 85.o, n.o 1, e, em minha opinião, a fundamentação que expõe em si notavelmente bem o ponto de vista da Comissão (ver, nomeadamente, o n.o 87, terceiro e quarto parágrafos da decisão) satisfaz desta forma as exigências estabelecidas no artigo 190.o do Tratado. Se a concepção jurídica da Comissão não proceder, a fundamentação também será por esse facto deficiente, mas esta questão não apresenta um interesse autónomo.

C — Noção de «empresa» como «autor da conduta»

Nos n.os 96 a 102 da decisão, a Comissão apresenta as suas observações no que respeita à questão de saber que importância se deve dar a uma série de reorganizações no interior da indústria petroquímica europeia, com vista à atribuição da responsabilidade pelas infracções visadas pela decisão. Estas , considerações dizem respeito, designadamente, à Anic, à Rhône-Poulenc e à Saga Petrokjemi.

Pode ler-se, nomeadamente, no n.o 96, segundo parágrafo, da decisão, que:

«O sector de polipropileno da Anic foi absorvido pela Montepolimeri [...] embora a Anic subsista como empresa. Ā Comissão não considera que o facto de a Anic ter cedido... as suas actividades no sector, a liberte das suas responsabilidades devidas às infracções em que participou até ao fim de 1982. O mesmo acontece com a Rhône-Poulenc, que renunciou às suas actividades no sector do polipropileno no início de 1981.»

Nos n.os 97 a 100 da decisão, a Comissão descreve seguidamente, de forma aprofundada, as alterações estruturais que tiveram lugar na Saga Petrokjemi. Daqui resulta, entre outros elementos, que até 1982, a Saga Petroleum detinha 56 %, e depois 100 % das acções da Saga Petrokjemi, mas que a Comissão não considerou que fosse de aplicar às duas empresas o princípio da «identidade de empresa» relativamente à responsabilidade pelo pagamento da multa e, assim, imputar à Saga Petroleum as infracções cometidas pela Saga Petrokjemi. Em 1983, a Saga Petroleum foi vendida à Statoil e, em 1 de Janeiro de 1984, a Saga Petrokjemi deixou de existir como pessoa colectiva distinta, quando, como se disse, a empresa foi integrada na Statoil, isto é, fundiu-se com a Statoil. Lê-se, seguidamente, que a empresa constitui presentemente um «centro de lucro distinto dentro da Statoil». E dito a seguir que a Statoil gere agora em seu próprio nome o sector dos termoplásticos anteriormente representado pela Saga Petrokjemi, cujas filiais de vendas, na Dinamarca e no Reino Unido, agora filiais da Statoil, desempenham exactamente a «mesma função que anteriormente em matéria de venda e de comercialização dos termoplásticos».

A Comissão acrescenta que «é incontestável» que, se a Saga Petrokjemi tivesse subsistido sob a sua forma inicial, teria podido aplicar-lhe uma multa. Para a Comissão, o que importa na situação concreta é saber se «depois da fusão e apesar das modificações verificadas na estrutura e na forma jurídica, a empresa que cometeu a infracção ainda subsiste ou se deixou de existir», questão que só pode ser decidida com referência às normas de direito comunitário. A Comissão define em seguida o conceito de «empresa» como qualquer entidade que exerça actividades de natureza comercial e, sob o ponto de vista da forma jurídica, pode aplicar-se a uma sociedade-mãe ou a uma filial ou ao conjunto constituído pela sociedade-mãe e suas filiais.

A Comissão considera que a empresa que cometeu a infracção, portanto, a Saga Petrokjemi, «continuou a existir», embora se tenha fundido num grupo mais vasto. Segundo a Comissão, o factor determinante é, portanto, a continuidade económica e funcional entre a empresa inicial e a sucessora, e isto mesmo que a sucessora não tenha prosseguido a conduta ilícita. No que se refere a esta continuidade geral e econômica, a Comissão sublinha seguidamente que a sucessora, Statoil, não dissolveu o negócio da Saga Petrokjemi, nem liquidou os seus bens, mas que, pelo contrário, continuou as actividades económicas da Saga Petrokjemi e manteve as suas funções essenciais no âmbito da exploração da fábrica e da comercialização dos seus produtos. Além disso, refere-se à publicidade feita pela Statoil na imprensa especializada, sublinhando a continuidade da actividade, gestão e emprego, e ao facto de o alto funcionário da Saga Petrokjemi que a representava - nas reuniões dos «patrões» ter continuado no seu antigo posto e, depois, ter sido promovido a presidente das operações petroquímicas e plásticas da Statoil. A Comissão conclui daí que a empresa autora da infracção pode sempre ser identificada de um ponto de vista económico, o que implica que a responsabilidade pela infracção não foi anulada pela fusão. A responsabilidade pela infracção incumbe, portanto, à empresa que absorveu através da fusão a que tinha cometido a infracção.

A Comissão distingue na decisão o caso norueguês, por urn lado, e a situação da Anic e da Rhône-Poulenc, por outro lado, declarando que, nestes dois últimos casos, a empresa que cometeu a infracção subiste enquanto entidade distinta, embora tenha cedido o seu negócio de polipropileno a outros produtores (ver o n.o 101, primeiro parágrafo, da decisão).

A Rhône-Poulenc não criticou o facto de ter sido considerada responsável por eventuais infracções cometidas antes de ter vendido as suas actividades no sector do polipropileno. Pelo contrário, a Anic sustenta que a Comissão não tem razão ao aplicar-lhe uma multa por actos cometidos antes da transferência para a Montedipe das actividades da Anic no sector do polipropileno. A Anic considera que isso criou uma discriminação em detrimento da Anic relativamente às empresas norueguesas e, além disso, à prática anterior da Comissão, segundo a qual a responsabilidade no que se refere a multas devia «seguir» a actividade transferida. No início do processo, a Anic alegou igualmente que existia uma contradição entre o ponto de vista da Comissão no que se refere à relação entre a Anic e a Montedipe e no que se refere ao vínculo entre a Anic e a SIR, considerando a Anic que a Comissão lhe tinha imputado eventuais infracções cometidas pela SIR antes de a Anic ter retomado as actividades desta firma no sector do polipropileno.

No que se refere ao vínculo entre a SIR e a Anic, verificou-se no decurso do processo que existia um equívoco parcial, pois a Comissão explicou na audiência que não tinha pretendido que fosse a Anic a suportar as consequências de acções cometidas pela SIR. Parece que o equívoco provém do facto de a Comissão se ter apoiado em grande parte em documentos de prova em que a SIR e a Anic são referidas conjuntamente e, como a Anic retomou efectivamente as actividades da SIR no sector do polipropileno em 1982, por intermèdio da sua filial SIL SpA, depois absorvida pela Enoxy Chimica SpA, a Anic pensou que a Comissão lhe tinha imputado eventuais infracções cometidas pela SIR. Todavia, a Comissão nega que tal tenha sido o caso e não contesta nem as explicações da Anic, segundo as quais não existia qualquer relação entre a SIR e a Anic até à transferencia, nem aquelas segundo as quais nenhuma produção com importância para a Anic saiu das instalações da SIR.

Portanto, verifica-se que a Comissão não pretendeu que a responsabilidade em matéria de multas «seguisse» a transferência para a Anic das actividades da SIR no sector do polipropileno. Todavia, a Anic continua a pensar que a Comissão lhe aplicou a multa sem ter devidamente em conta a parte do mercado da SIR durante o período pertinente. Além disso, a Anic considera que a Comissão não teve razão ao omitir a consideração, a favor da Anic, do facto de, numa série de documentos de prova, a Anic e a SIR serem referidas conjuntamente, pois que, segundo os seus próprios termos, a denominação comum SIR/Anic pode também significar que a infracção foi total ou parcialmente cometida pela SIR e não pela Anic. A Comissão contesta estes dois pontos de vista da Anic. A questão constitui matéria de prova e será tratada adiante na parte relativa à Anic.

No que se refere à SIR, a Anic colocou seguidamente a questão de saber por que razão esta empresa não foi acusada pela Comissão, quando é certo que esta afirma, precisamente, que não pretendeu atribuir à Anic a responsabilidade pelas actividades anteriores da SIR. A Comissão explica que não tiveram lugar diligências contra a SIR pelo facto de esta estar em liquidação. A este propósito, a Anic explicou que a SIR continuava a existir, pois tinha sido integrada num consórcio que abrangia, nomeadamente, bancos e que a SIR constituía presentemente uma parte do grupo Montedison. As explicações que foram dadas não permitiram, todavia, eliminar todas as ambiguidades sobre o que aconteceu à SIR.

Após tudo o que ouvimos por parte da Comissão, parece todavia claro que esta considera que, se alguém devia ser acusado pelas infracções da SIR, não seria a Anic, pelo facto da retoma das actividades no sector do polipropileno da SIR por esta empresa, mas, pelo contrário, a parte restante da SIR. O facto de a Comissão, verosimilmente por razões de oportunidade, ter optado por não fazer funcionar a responsabilidade da empresa liquidada não permite, em minha opinião, afirmar que a Comissão tem falta de coerência na sua atitude em relação às diferentes situações, e isto mesmo no caso de a ausência de diligências resultar de uma apreciação errada quanto às perspectivas no que se refere ao resultado do processo. Assim, a posição da Comissão no que respeita à imputação de responsabilidades é razoavelmente clara nos presentes processos e insere-se na relação entre a Anic e a Montedipe, no quadro da qual o problema suscitado é real.

Em consequência, deve decidir-se a questão de saber comò agir perante uma responsabilidade que existe, mas que ainda não foi sancionada no momento em que ocorre uma transferência, seja qual for a sua forma, da entidade em nome da qual uma infracção é cometida. Noutros termos, trata-se de determinar como se deve actuar em relação a uma empresa como «autor da conduta» no caso de uma reestruturação que implica uma outra situação em matéria de propriedade. A questão crucial é, naturalmente, a de saber, do ponto de vista daquele que opera a transferência, se é possível transferir uma empresa com a responsabilidade penal latente que lhe é inerente segundo as regras da concorrência e, do ponto de vista do adquirente, se a um adquirente que não cometeu uma infracção pode ser aplicada uma multa resultante de actividades económicas das quais se tornou adquirente após o comportamento ilícito ter tido lugar. Sobre este ponto, deve, antes de mais, notar-se que, enquanto que o comportamento ilícito em si pode ser imputado à empresa numa base objectiva, o que tem como consequência que, independentemente da situação subjectiva daquele que agiu por conta da empresa, se pode intimar esta última a pôr fim à infracção, a aplicação de uma multa pressupõe sempre, segundo o artigo 15.o do Regulamento n.o 17, a intenção deliberada ou a negligência (ver n.o 2 deste artigo).

Em segundo lugar, esta questão distingue-se da questão de saber quem deve ser responsável pelas multas como destinatário da obrigação de pagar. Não tem razão de ser aplicar uma multa a uma parte de uma empresa se a multa não puder ser cobrada desta entidade. Assim, será sempre necessário procurar a pessoa colectiva ou singular, segundo as circunstâncias, a quem se pode exigir a multa (ver sobre este ponto o n.o 101, segundo parágrafo, da decisão que, em si mesmo, pode suscitar problemas).

No que se refere à atribuição da responsabilidade, a Anic alegou mais precisamente que, ao apreciar a situação, a Comissão utilizou uma definição do conceito «de empresa» diversa da utilizada em relação às empresas norueguesas. No «caso norueguês», a Comissão encarou a empresa como entidade económica funcional e não como uma pessoa jurídica. Todavia, a Anic já não existe como «empresa» no sector do polipropileno, mas sim como entidade jurídica, proprietária de uma série de outras entidades económicas funcionais que não se ocupam de polipropileno. Segundo a Anic, a distinção em que a Comissão se funda, em função da continuação, após a transferência, da existência do autor da mesma, tem consequências absurdas e fortuitas, na medida em que faz depender a responsabilidade do autor da transferência unicamente da questão de saber se o mesmo exerce outras actividades económicas e da forma como estas estão organizadas. Segundo as alegações da Anic, a comparação entre a situação da Anic e os vínculos entre a PCUK e a Atochem no processo dos peroxigénios, referido no n.o 101 da decisão, revela as contradições do ponto de vista da Comissão. Se fosse de seguir o ponto de vista da Comissão, a transferência, para outras sociedades do grupo ENI, das suas actividades nos outros sectores da sociedade teria bastado para que a Anic escapasse à sua responsabilidade. Assim, a distinção feita pela Comissão é destituída de qualquer fundamento. Segundo a Anic, com efeito, dificilmente se vê como a existência ou não do «invólucro jurídico» pode justificar que a Comissão responsabilize umas vezes a «empresa», e outras vezes o «invólucro jurídico». Quer a Comissão considere a empresa ou o seu involucro jurídico como elemento decisivo para a responsabilidade, deve seguir com coerência até ao fim da solução encontrada, quer ainda exista ou não a entidade que a Comissão considera decisiva. A Anic alega que a transferência do seu sector «polipropileno» representa uma verdadeira transferência de empresa, pois todo o activo corpóreo e incorpóreo no sector do polipropileno, incluindo as máquinas e o know-how, foram, com efeito, transferidos para a Montedipe. O sector do polipropileno constituía em si uma unidade econòmica no interior da Anic e esta unidade econòmica foi transferida. Como sociedade, a Anic pode ser considerada como um conjunto de empresas diferentes. O facto de urna de entre elas ter sido transferida enquanto que as outras permaneceram no seio da Anic não parece distinguir suficientemente a situação desta da das empresas norueguesas.

Sobre este ponto, a Comissão referiu que não existia qualquer contradição na forma como tinha tratado as empresas norueguesas e a Anic. Enquanto que a empresa norueguesa continuava a existir como parte da Statoil, com características económicas e funcionais inalteradas no essencial, a Anic permaneceu a mesma empresa após a transferência dos seus meios de produção no sector do polipropileno. No que se refere às empresas norueguesas, a Comissão não se baseou numa assimilação do conceito de empresa a um sector de produção ou de actividades. Segundo a Comissão, o conceito de empresa é, pelo contrário, uma noção complexa que comporta elementos pessoais e materiais que participam no exercício de uma actividade económica concretamente definida. A opinião dos concorrentes e dos clientes pode contribuir para a identificação da empresa. Mesmo após a transferencia das suas actividades no sector do polipropileno, a Anic permaneceu Anic aos olhos dos seus clientes e dos seus concorrentes. Estes últimos puderam verificar que a Anic já não estava em actividade no sector do polipropileno, mas puderam igualmente verificar que tinha prosseguido as suas actividades como empresa. Com efeito, a Anic não era composta de várias empresas, ou seja, de uma empresa por sector de produção. Como empresa, a Anic tem um único objectivo que não foi alterado pela transferência das suas actividades no sector do polipropileno, e a Anic deve, assim, ser considerada como subsistindo como empresa.

O problema de como chegar ao culpado ou, como a Comissão referiu posteriormente nos processos PVC e LdPE ( 43 ), à «identificação das empresas», tanto se pode apresentar nas relações entre a sociedade-mãe e as filiais, como em ligação com transferências, qualquer outra mudança de proprietários ou outra forma de reestruturação. Nas relações entre sociedade-mãe e filiais, uma empresa pode, no contexto aqui em discussão, ser a sociedade-mãe, a filial, ou a unidade económica constituída conjuntamente pela sociedade-mãe e pela filial. Encontra-se este tipo de problema por várias vezes na jurisprudência do Tribunal de Justiça e o mesmo é tratado de forma aprofundada na doutrina ( 44 ). A questão similar nos casos de transferência apenas suscitou poucas decisões.

No acórdão Suiker Unie/Comissão ( 45 ), colocou-se a questão da imputação da responsabilidade à «Coöperatieve Vereniging Suiker Unie VA», que tinha iniciado a sua actividade em 2 de Janeiro de 1971 e que contestava que lhe pudesse ser imputada a responsabilidade pelas infracções cometidas antes desta data. A situação era, mais precisamente, a seguinte: em 1966, quatro cooperativas tinham formado, a título transitório, uma associação da qual eram membros, mas em 1970 foi criada uma sociedade cooperativa na qual participaram directamente as quatro cooperativas de origem. A associação o que tinha cometido as infracções foi seguidamente extinta. A Suiker Unie alegou, então, que não podia ser responsabilizada por actos cometidos pela associação, pois não tinha recebido o activo desta, e que só podia ser considerada como sucessora das quatro cooperativas originárias, tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista económico. O Tribunal de Justiça, a este propósito, declarou (n.os 84 a 88, p. 1926), que, uma vez que a Suiker Unie tinha assumido todos os direitos e obrigações das quatro cooperativas da antiga associação, devia ser considerada sucessora econômica tanto da antiga associação como dos seus membros, pois estes mesmos entenderam atribuir-lhe tal função. Além disso, o Tribunal de Justiça salientou o facto incontestado de a designação «Suiker Unie» ter sempre abrangido as mesmas empresas, dirigidas em grande parte pelas mesmas pessoas e com sede na mesma morada, e de não ter sido alegado que o comportamento da Suiker Unie no mercado do açúcar tivesse tido uma natureza diferente do da antiga associação. O Tribunal de Justiça concluiu seguidamente que o comportamento da Suiker Unie e da sua antecessora foi, assim, caracterizado por uma «unidade de acção evidente que torna este comportamento imputável à Suiker Unie». Nas suas conclusões, o advo-gado-geral Mayras analisou esta questão de forma aprofundada (p. 2070 e 2071). Sublinhou, nomeadamente, que, segundo as regras relativas à concorrência, as multas são impostas às empresas enquanto entidades económicas e que a realidade económica deve prevalecer. Seguidamente, sublinha o risco de afastamento da regra e declara que a Comissão pode imputar os comportamentos anteriores à nova pessoa colectiva na condição de a mesma «abranger a mesma entidade económica».

Em ligação com o acórdão de 28 de Março de 1984, Rheinzink GmbH/Comissão ( 46 ), a advogada-geral, Sra. Simone Rozès, chama igualmente a atenção para as possibilidade de tornear a lei. Além disso, sublinha que o que é decisivo não é o prosseguimento das actividades, que muitas vezes constituirá o prosseguimento do comportamento ilícito, mas, pelo contrário, uma análise dos indícios sobre os quais se baseou o Tribunal de Justiça nos processos do açúcar para verificar a continuidade da acção, a saber, que a Suiker Unie tinha assumido a totalidade dos direitos e obrigações das cooperativas, que era incontestado que se tratava das mesmas empresas e que nem sequer fora alegado que o comportamento da Suiker Unie no mercado diferia do da antiga associação. Contestou que só pudesse ser decisiva a simples continuação do comportamento repreensível. Pelo contrário, o que era decisivo era a assunção dos direitos e obrigações da antiga empresa, assim como o facto de a sede e a direcção da empresa se terem mantido inalteradas. Desta forma, concluiu no processo em causa que, mesmo na ausência de identidade entre a Rheinzink GmbH e uma empresa anterior «Rheinisches Zinkwalzwerk GmbH & Co.», os vínculos que existiam tanto do ponto de vista económico como jurídico entre as duas sociedades eram tais que «permitem inscrever a sua acção numa continuidade» susceptível de justificar a imputabilidade das infracções de que é acusada a Rheinzink. O Tribunal de Justiça verifica (n.o 9, p. 1699) que a Rheinzink GmbH integrou totalmente a antiga sociedade e continuou as actividades económicas desta e declara, em seguida, que a alteração da forma jurídica e do nome da empresa não exonera a nova empresa da responsabilidade pelos comportamentos anticoncorrenciais da precedente, uma vez que, do ponto de vista económico, existe identidade entre as duas.

Quanto à prática da Comissão, poderá ser oportuno, antes de mais, analisar mais de perto a decisão sobre o peroxigénio à qual se refere a Comissão no 101, último parágrafo, da decisão sobre o polipropileno, e que também é discutida no presente processo. No n.o 49, quarto parágrafo, da decisão «peroxigénios» pode ler-se:

«Durante todo o período de referência, o único fornecedor francês para além de L'air liquide foi a PCUK, elemento do conglomerado Péchiney/Ugine Kuhlmann. Em 1983, no âmbito da reorganização da indústria química francesa, o sector de peroxigénio da PCUK foi transferido para a Atochem, membro do grupo Elf-Aquitaine. A Comissão considera que a Atochem, que é o proprietário actual da entidade económica implicada nas infracções e que integrou o activo e os objectivos económicos de PCUK neste sector, deve ser considerada como destinatária de qualquer decisão e como responsável pelo pagamento de qualquer multa aplicada pelas infracções cometidas pela PCUK.»

Na decisão sobre o polipropileno, a Comissão declarou agora que a PCUK, empresa responsável pela infracção, tinha sido fraccionada após a cessação da infracção e o seu negócio de peroxigénio absorvido pela Atochem. A Comissão acrescenta que sustentara então que, face ao desaparecimento da PCUK como entidade jurídica independente, a Atochem, que tinha absorvido o seu negócio de peróxidos e os seus objectivos económicos, era o destinatário adequado de qualquer decisão. É inteiramente exacto que a PCUK foi seguidamente liquidada e é, aliás, o que revelam as indicações contidas na decisão PVC (n.o 43), mas isto não resulta da decisão sobre o peroxigénio. Assim, daí não resulta, nomeadamente, que a Comissão tenha podido atribuir importância à questão de saber em que medida uma parte da empresa subsistia. De acordo com o texto, a Comissão parece antes ter atribuído importância à integração do activo e dos objectivos económicos, a saber, a absorção do negócio de peróxidos, sem que a questão da subsistência da empresa cedente possa apresentar interesse. O facto de a Comissão ter anteriormente partilhado a opinião que a Anic lhe atribui, a saber, que a responsabilidade segue a produção e os rendimentos, parece, além disso, resultar da decisão PVC (n.o 44), da qual resulta, nomeadamente, que a Norsk Hydro, que retomara as actividades no sector de PVC de uma empresa que subsistia, devia, segundo o ponto de vista originário da Comissão, ser responsável por infracções anteriores, mas a Comissão reconhece presentemente, isto é, na decisão PVC, que o autor da transferência deveria ter sido considerado responsável.

Nas decisões PVC e LdPE, a Comissão pronuncia-se de forma geral sobre este problema nos termos seguintes:

«No caso de um produtor ter sido objecto de uma reorganização ou ter cedido as suas actividades no sector do PVC (respectivamente LdPE), o importante é:

i)

identificar a empresa que cometeu a infracção e

ii)

determinar se esta empresa subsiste nos seus elementos essenciais ou se foi liquidada.

A questão da identidade de uma empresa deve ser decidida com base no direito comunitário e as alterações ocorridas na sua organização no quadro dos direitos das sociedades nacionais não são determinantes.

Assim, é indiferente que uma empresa tenha vendido as suas actividades no domínio do PVC (ou LdPE) a uma outra: o comprador não se torna, por esse facto, responsável pela participação do vendedor no acordo. Se a empresa que cometeu a infracção subsiste, permanece responsável independentemente da cessão.

Em contrapartida, se a empresa que cometeu a infracção é absorvida por um outro produtor, a sua responsabilidade pode segui-la e ser atribuída à entidade nova ou resultante da fusão.»

Nas duas decisões, a Comissão analisa, depois, diversos casos concretos. Sem analisar mais de perto estes exemplos, deve poder-se, legitimamente, constatar do que antecede, e do que a Comissão alegou nos presentes processos, que presentemente a Comissão parte da ideia de que a responsabilidade segue em caso de fusão, no caso de toda a empresa anterior ser integrada na nova, considerada como «empresa». Em contrapartida, a responsabilidade continua a pertencer à empresa no caso de uma parte desta subsistir, em qualquer hipótese, no caso de «subsistir nos seus elementos essenciais».

Parece que a Comissão hesitou nas suas decisões entre o método da individualização de que se serviu para o caso da Saga Pe-trokjemi/Statoil e uma variante mais simples, segundo a qual o elemento decisivo deve ser saber se a empresa anterior subsiste no essencial. Assim, a Comissão ofereceu um alvo fácil às críticas da Anic.

Como resulta claramente da citada jurisprudência do Tribunal de Justiça e, em certa medida, também da prática da Comissão, deve, em cada caso, determinar-se concretamente em que se tornou a «empresa» responsável. Na decisão sobre o polipropileno e sobre os documentos apresentados no processo Anic, a Comissão expôs de forma notável a maior parte dos factores que devem ser tomados em consideração. Na parte da decisão respeitante à Saga Petrokjemi, a Comissão, além disso, descreveu de forma exemplar por que razão a Statoil deve, segundo ela, suportar a responsabilidade.

Também se deve analisar com cuidado, em todas as circunstâncias, a forma como a combinação dos elementos materiais e pessoais que devem ser considerados como constituindo a «empresa» se integra na estrutura alterada. Neste contexto, convém recordar, mais uma vez, que a responsabilidade pelo pagamento da multa está ligada a uma infracção intencional ou por negligência e que, portanto, se deve reconhecer uma grande importância aos factores pessoais a que o Tribunal atribuiu valor na jurisprudência citada.

O ponto de vista, que eventualmente se poderá atribuir à Comissão, segundo o qual, em qualquer circunstância, se pode imputar a responsabilidade pela multa a uma parte eventualmente restante da empresa, não é assim correcto à primeira vista, embora de forma geral possa corresponder à verdade. Por outro lado, pode ser oportuno sublinhar que considerações gerais respeitantes às condições da responsabilidade em matéria de multas e à sua função podem levar a exigir razões imperiosas para decidir, na ausência de bases precisas, que seja exigida responsabilidade pela aquisição de uma unidade de produção por conta da qual foi cometida uma infracção pelo cedente. Parece que a Comissão notou igualmente esta questão. Sem que haja que tomar posição no que se refere à decisão na parte relativa às empresas norueguesas, a questão de saber se os órgãos de direcção e/ou o grupo de pessoas que estão na origem das infracções foram abrangidos na transferência constitui um elemento de grande importância para a atribuição da responsabilidade.

No que se refere ao caso da Anic, as explicações são sucintas. Perante a afirmação da Comissão segundo a qual a Anic continua a ser uma «empresa» em actividade no sentido que atrás se procurou dar a este conceito, os autos apenas contêm, de facto, a declaração da Anic segundo a qual todo o activo corpóreo e incorpóreo foi vendido, incluindo as máquinas e o know-how. Face às afirmações da Comissão, segundo as quais, por um lado, a Anic permaneceu Anic aos olhos dos clientes e dos concorrentes, mesmo após a transferência das suas actividades no sector do polipropileno e, por outro lado, ao n.o 101 da decisão, no sentido de que os casos da Anic e da Rhône-Poulenc são diferentes do da Saga, em que a direcção e o pessoal acompanharam a transferência para a Statoil, a Anic não precisou, nomeadamente, se os órgãos de direcção e/ou os grupos de pessoas responsáveis pelas actividades no sector do polipropileno tinham deixado a Anic pela Montedipe.

O facto de a Anic ter transferido ela própria a totalidade do activo corpóreo e incorpóreo, nomeadamente as suas instalações de produção e o seu know-how para a Montedipe, não basta, em minha opinião, no contexto da acima referida jurisprudência do Tribunal de Justiça e com base nas considerações que emiti no que se refere às condições e à função da responsabilidade pela multa, para que a Anic deixe de suportar esta responsabilidade, uma vez que se deve partir da hipótese que, na sua forma actual e com os seus órgãos de direcção e os seus dirigentes actuais, a Anic subsiste no essencial, tendo simplesmente deixado de ter a sua actividade de produção de polipropileno.

D — Interpretação do artigo 85.o

1. Introdução

O artigo 85.o, n.o 1, proíbe todos os acordos entre empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. A enumeração — não exaustiva — que figura nas alíneas a) a c) refere as condutas pelas quais a Comissão considera culpadas as recorrentes no caso em apreço. Nos termos do n.o 2, são nulos os acordos ou decisões proibidos pelo n.o 1.

Nos processos actualmente pendentes neste Tribunal, os pontos controvertidos na interpretação do artigo 85.o foram sobretudo a interpretação do conceito de «prática concertada» e a questão de saber em que medida uma pluralidade de acções ou, eventualmente, de omissões, que em parte são de natureza bastante heterogénea, podem legitimamente ser consideradas como um acordo único, ou uma prática concertada única na acepção do artigo 85.o, n.o 1.

Uma questão que pode, é certo, ser tratada separadamente do ponto de vista conceptual, mas que está estreitamente ligada ao problema acima referido, é a de saber se a proibição enunciada no artigo 85.o visa a participação como tal num acordo, tendo como efeito que os participantes possam por esse mesmo facto ser responsabilizados pela totalidade das infracções cometidas no acordo. Nos presentes processos, esta questão foi debatida sob a epígrafe «responsabilidade colectiva».

Antes de aprofundar a questão da interpretação do conceito de «prática concertada», poderá ser útil apresentar, antes de mais, algumas breves observações relativas ao conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.o

2. O conceito de acordo

A jurisprudência do Tribunal de Justiça permite definir de forma relativamente precisa o conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.o, n.o 1. Um acordo abrangido pelo artigo 85.o pode, evidentemente, ser celebrado de tal forma que seria juridicamente obrigatório para as partes se o artigo 85.o, n.o 2, não lhe retirasse precisamente toda a validade. Mas resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um acordo, na acepção do artigo 85.o, também pode ser um «gentlemen's agreement» ( 47 ), cujo caracter normativo e imperativo resulta não de factores jurídicos, mas de dados de psicologia social. O acordo pode ser constituído por relações contratuais duráveis ( 48 ), e também pode verosimilmente ser tácito, porquanto não é necessário que seja consignado por escrito.

Os acordos anticoncorrenciais são proibidos desde que tenham por «objectivo» restringir a concorrência. Isto foi estabelecido de forma muito clara pelo Tribunal de Justiça a partir do acórdão Consten e Grundig ( 49 ). A questão de saber em que circunstâncias um acordo pode ter por objectivo restringir a concorrência será analisada adiante na secção relativa ao argumento segundo o qual os acordos em causa no caso em apreço não tinham por finalidade «objectiva» restringir a concorrência.

Importa sublinhar, como fez o Tribunal de Justiça, mais recentemente, no acórdão Sandoz, que se trata de uma infracção puramente formal, de modo que não é necessário procurar demonstrar que o acordo foi seguido de efeitos concretos. Esta forma de infracção ao artigo 85.o, n.o 1, foi qualificada a justo título comò infracção de perigo abstracto ( 50 ).

Todavia, um acordo na acepção do artigo 85.o («acordos [...] por efeito...») também pode ter a natureza de uma infracção puramente material; em tais casos, não é. necessário provar a intenção de restringir a concorrência ( 51 ). Por outro lado, é evidente que os dois elementos podem estar reunidos num caso concreto.

Todavia, nos processos em causa, não foi o conceito de «acordo» que deu lugar a dificuldades do ponto de vista da interpretação. Como já foi referido, é o conceito de «prática concertada» que, pelo contrário, suscita problemas de interpretação consideráveis.

3. O conceito de prática concertada

a) Apresentação do problema

Até ao presente, só em muito poucos casos foi submetida ao Tribunal de Justiça a questão da interpretação do conceito de «prática concertada», visado pela proibição que figura no artigo 85.o Como adiante se verá, só em limitada medida — em especial porque os factos eram diferentes daqueles processos — é que é possível extrair desta jurisprudência elementos de interpretação para resolver os problemas específicos que se põem no conjunto dos presentes processos.

Como resulta do presente processo, é muito difícil chegar a uma definição mesmo não muito clara do conteúdo conceptual da infracção de prática concertada «que tenha por objecto», por um lado, e da prática concertada «que tenha por efeito», por outro lado.

Uma grande parte da discussão na doutrina e no caso em apreço deixa pensar que são numerosos aqueles que, na realidade, chegaram à conclusão de que a qualificação que melhor convém à conjugação prática concertada/objectivo é a de anomalia conceptual, o qúe de facto conduziu a afastar este tipo de infracção através de uma interpretação especiosa. É necessário reconhecer que um tipo de infracção que parece reunir simultaneamente elementos de uma infracção formal (objectiva) e de uma infracção material (prática que é concertada) pode ser um conceito difícil de manejar.

A Comissão sustenta que está provado que a prática concertada alegada se manifestou através da efectivação de políticas paralelas. Afirma igualmente que existe uma incidência no mercado. Mas, na opinião da Comissão, não é necessário, para determinar que o artigo 85.o foi violado, demonstrar outra coisa para além do facto de ter havido concertação. Assim, a prática concertada é constituída, na opinião da Comissão — tal como a expôs no caso em apreço — pela concertação como tal.

É de admitir que o Tribunal entenda que se provou que os elementos do caso em apreço, que podem a justo título ser qualificados como práticas concertadas, tiveram uma influência sensível no mercado ou, em qualquer circunstância, que a prova da efectivação de políticas paralelas foi feita. Mas o Tribunal poderá igualmente concluir que não é possível determinar de forma bastante segura a existência de efeitos notáveis no mercado ou, pelo menos, de comportamentos que possam ser explicados com toda a verosimilhança por uma determinada concertação.

Aliás, tem interesse, em si, saber como se pronunciar quando se sabe que existiu concertação, mas se está na impossibilidade de determinar com precisão o que se passou seguidamente.

No caso presente, é submetido ao Tribunal um conjunto de processos em que as circunstâncias de facto são tais que lhe competirá, pela primeira vez, pronunciar-se sobre a questão de saber se o conceito de prática concertada na acepção do artigo 85.o abrange igualmente as hipóteses em que a prova produzida visa não actuações precisas e concretas no mercado, mas apenas reuniões entre os operadores do mercado, no decurso das quais foram trocadas informações sobre os preços, as quantidades de produção, etc, que são normalmente consideradas como confidenciais, e cujo objectivo era verosimilmente, como resulta das discussões entre as partes, concertar-se sobre o comportamento a adoptar no mercado. Noutros termos, a questão é de saber se a prática concertada na acepção do artigo 85.o pressupõe uma manifestação no mercado como elemento constitutivo da infracção ou se o comportamento de facto constituído pela própria concertação que teve lugar durante as reuniões pode ser considerado como ilegal por força desta disposição, mesmo que não seja possível provar um comportamento concreto, em relação causal com a concertação, por parte das empresas que participam nesta última.

As alegações escritas das partes no caso em apreço podem, além disso, conduzir a uma interrogação sobre a questão de saber se se pode concluir que, no enquadramento do artigo 85.o, a tentativa cai sob a alçada da lei, noutros termos, se as «práticas concertadas [...] que têm por objectivo...», na acepção do artigo 85.o, constituem em si próprias uma infracção e não unicamente uma tentativa de concretizar a infracção de prática concertada «que tem por efeito».

b) A importância da questão no caso em apreço

É de notar que o problema se coloca de forma tão aguda nestes processos que a Comissão considera — como resulta do n.o 87, terceiro parágrafo, da decisão — que o essencial do que ocorreu deve ser considerado como um acordo na acepção do artigo 85.o, n.o 1. Na realidade, a Comissão apenas enumera dois factos que ilustram o que, em sua opinião, constitui mais uma prática concertada do que um acordo. Trata-se do entendimento que, segundo a Comissão, teve lugar no que se refere às informações relativas aos volumes de fornecimento individuais em 1981 e 1982, assim como do caso em que a adesão e a cooperação de uma empresa foram puramente tácitas sob certos aspectos, por exemplo, a cooperação da Shell, pretensamente mais passiva, em matéria de planos de quotas.

Não obstante, a Comissão considerou que se deveria ter em conta, e igualmente o declarou ou, em qualquer caso, deixou entender, que, para além disso, numerosos elementos ou aspectos do comportamento das empresas podiam, de preferência, ser considerados como possuindo certas características próprias de uma prática concertada.

A Comissão não fez a distinção, o que conduz à interrogação sobre a questão de saber se as duas formas de comportamento ilícitas, os acordos e as práticas concertadas, têm uma estrutura e características tão semelhantes que não seja necessário, para aplicar a disposição, dar uma ou outra das qualificações aos actos em causa.

No caso em apreço, no qual o que pode ser qualificado de prática concertada tem uma importância limitada, como adiante referirei quando me pronunciar sobre as provas e como sustenta a Comissão, teria sem dúvida sido possível à Comissão, sem grande acréscimo de trabalho, redigir a decisão de forma diferente, de maneira a distinguir entre os elementos que ela considera que se inserem num acordo e aqueles que considera como práticas concertadas, para o caso de o Tribunal rejeitar a tese principal da Comissão.

Mas a Comissão não o fez e, portanto, a questão é a de saber o que se passará se o Tribunal não partilhar da opinião da Comissão sobre este ponto. Deverá o próprio Tribunal proceder a uma subdivisão ou anular a decisão? Com base na jurisprudência existente no Tribunal de Justiça, no âmbito da qual o Tribunal de Justiça procedeu a uma apreciação autónoma dos processos bastante aprofundada, dificilmente se pode excluir que o Tribunal de Primeira Instância proceda à sua própria análise. Mas num tal exame levantam-se, pelo menos, duas dificuldades. Por um lado, se a tese da Comissão não for seguida, a decisão cairá, ao que me parece, por falta de fundamentação. Com efeito, nesta hipótese, a fundamentação constante dos n.os 86 a 88 não é, de forma alguma, suficiente para preencher as condições do artigo 190.o A segunda dificuldade reside no facto da Comissão referir, no n.o 87 da decisão, que, em sua opinião, todos os aspectos da actuação das requerentes podem conter elementos tanto de um acordo como uma prática concertada. A fiscalização exigida pelo Tribunal por força do artigo 173.o do Tratado não pode, em minha opinião, significar, todavia, que o Tribunal reformule, na realidade, todo o processo desde o início, o que ocorreria se o Tribunal tivesse perguntado a si próprio, relativamente a cada elemento das condutas, em que medida se trata de um acordo ou de uma prática concertada. Se a Comissão não for seguida neste ponto, a decisão deve, em consequência, ser anulada na sua totalidade.

c) Fundamentos e argumentos das partes

No seu ofício de 29 de Março de 1985, a Comissão precisou, de forma bastante completa, a sua tese no que se refere à relação entre os acordos e as práticas concertadas no quadro do artigo 85.o, n.o 1. Na decisão, a Comissão desenvolve esta tese, como acima foi referido nas presentes conclusões, na primeira parte, secção A, n.o 1. Nos n.os 86 a 88 da decisão, a Comissão explica, remetendo para o que o Tribunal de Justiça declarou nos acórdãos ICI e Suiker Unie/Comissão, a razão por que considera que é necessario não fazer a distinção mas, em contrapartida, com toda a evidencia, fixar o limite «inferior» correspondente ao momento a partir do qual uma cooperação pode ser considerada como uma infracção ao artigo 85.o

Na parte geral da contestação, a Comissão fornece a descrição mais detalhada, a qual foi aprofundada posteriormente nas audiências no Tribunal.

A Comissão afirma, desta forma, que os termos «acordo» e «prática concertada», na acepção do Tratado, englobam os diversos tipos de entendimentos através dos quais os produtores, em vez de determinarem com toda a independência a sua linha de conduta concorrencial futura, se impõem mutuamente uma limitação da sua liberdade de acção. Tais entendimentos pressupõem sempre contactos directos ou indirectos entre concorrentes, quer assumam a forma de um contrato formal, de um acordo informal do tipo «gentlemen's agreement» ou de uma simples cooperação prática. Se o artigo 85.o utiliza os dois conceitos de acordo e de pràtica concertada, tal sucede, na opinião da Comissão, pela preocupação de evitar qualquer «lacuna» no âmbito de aplicação da disposição. O artigo 85.o pode, desta forma, ser aplicado a quaisquer acordos, expressos ou tácitos, formais ou informais. É igualmente aplicável a uma simples coordenação de facto ou cooperação prática. Tal cooperação não se traduz forçosamente por comportamentos paralelos no mercado, uma vez que a proibição do artigo 85.o também visa o simples objectivo de falsear a concorrência.

A Comissão descreve seguidamente os diferentes graus de cooperação. Começa pelos acordos, que não têm que ser juridicamente obrigatórios — o que, aliás, nunca são, por força do artigo 85.o, n.o 2, se estiverem previstos no n.o 1. Quer se opte por considerar os entendimentos não obrigatórios como acordos na acepção do artigo 85.o, ou se prefira reservar o conceito de prática concertada à cooperação prática sem expressão formal, é toda a gama de entendimentos colusorios que, na opinião da Comissão, é abrangida pelo artigo 85.o O termo «prática concertada» refere-se, na realidade, a uma cooperação prática de ordem puramente factual, que não decorre necessariamente de um plano ou de uma concertação propriamente dita. Segundo a Comissão, os acórdãos do Tribunal de Justiça Suiker Unie/Comissão ( 52 ) e Züchner ( 53 ) mostram que a existência de um prática concertada se situa logo ao nível do contacto entre concorrentes, antes de os mesmos intervirem no mercado. Este contacto consistirá, eventualmente, numa troca de informações, sem que tenha que existir um acordo. Pode-se admitir que um acordo de troca de informações caia sob a alçada do artigo 85.o, se tiver por objectivo ou por efeito restringir a concorrência. Para que tais trocas de informações possam ser qualificadas como práticas concertadas e que tenham, pelo menos, como objectivo restringir a concorrência, é necessário que as informações trocadas incidam sobre as intenções das partes quanto ao seu comportamento futuro no mercado e que uma simples observação do mercado não baste para os concorrentes as discernirem. O objectivo subjacente a uma tal troca de informações é permitir a cada uma das empresas em causa determinar a sua linha de conduta futura no mercado contando com um comportamento paralelo por parte dos seus concorrentes. Uma tal troca de informações não se explica sem a existência de relações de «confiança legítima», no quadro das quais as partes nessa troca contam que os seus parceiros se comportarão como previamente indicaram.

Se as recorrentes, pela sua parte, sustentam que uma prática concertada deve ter-se revelado no mercado, tal sucede, na opinião da Comissão, porque aquelas confundem a questão da prova da existência de uma prática concertada com a própria prática concertada.

Em minha opinião, não é manifesto que as recorrentes confundam, de forma geral, os diversos conceitos ou que tenham compreendido mal a posição do problema. Muito simplesmente, as recorrentes não partilham a opinião da Comissão.

A apresentação mais concisa do ponto de vista das recorrentes foi feita nas alegações do advogado Hermann na audiência, em que este declarou, nomeadamente, que em matéria de práticas concertadas é necessário, pelo menos, para que se possa considerar que o artigo 85.o, n.o 1, foi violado, que se prove, em primeiro lugar, que pelo menos duas empresas se concertaram, seja qual for a forma desta concertação, em segundo lugar, que esta concertação foi seguida de uma prática correspondente no mercado, em terceiro lugar, que esta prática teve por efeito restringir a concorrência e, em quarto lugar, que era previsível um eventual efeito anticoncorrencial.

Mas, as recorrentes reconhecem também que uma prática concertada na acepção do artigo 85.o, n.o 1, pode ser constituída por uma prática concertada que tem unicamente «por objectivo», sem que tenha de ser feita a prova de um tal efeito, a saber — segundo a opinião das recorrentes — quando as empresas procuram restringir a concorrência adoptando um certo comportamento no mercado, mas não conseguem realizar o seu objectivo.

Ambas as partes analisam nas suas alegações escritas a jurisprudência do Tribunal de Justiça, mas chegam a resultados inteiramente diferentes. Portanto, será útil começar por estudar o contexto da adopção da disposição e o que flui da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, como já foi referido, não é muito abundante. As conclusões apresentadas pelos advogados-gerais naqueles processos contêm igualmente observações a que as partes se reportaram e que são estudadas de forma mais aprofundada. Finalmente, a doutrina fornece alguns elementos de interpretação.

d) O contexto histórico

É notório que os autores do Tratado se inspiraram, ao redigir o artigo 85.o, n.o 1, nas noções de «concerted actions», «concerts of action» e de «concerted practices» ( 54 ), noções que apareceram na jurisprudencia americana com fundamento no artigo l.o do Sherman Act e, nomeadamente, na noção de «conspiracy» que nele figura.

Resulta da jurisprudência americana que os efeitos anticoncorrenciais não são um elemento indispensável para constituir a «conspiracy», assim como não é necessário que a própria conspiração seja seguida de outros actos ( 55 ).

Como referiu Joliét ( 56 ), a noção de «concerted action» tem sido utilizada para determinar a importância jurídica do paralelismo consciente do comportamento, quando não existem provas directas de uma «conspiracy». Em consequência, a noção tem sido utilizada nos casos em que se considerou o problema do ponto de vista do mercado e em que, analisando o mercado e tomando como base outros indícios, foi necessário decidir se a prática verificada podia presumir-se ter sido «concertada de forma ilícita».

Em contrapartida, a prova directa de uma «conspiração» basta, como já foi referido, para determinar a existência de uma infracção ao Sherman Act.

No caso em apreço, os fundamentos das recorrentes relativos à génese do artigo 85.o partem da ideia de que os autores do Tratado, que se encontravam, nomeadamente, influenciados pela legislação anticartel redigida de forma um pouco vaga pelos aliados na Alemanha após a guerra, não pretendiam reproduzir a noção americana de «conspiracy» — que, na opinião das recorrentes, era igualmente um pouco fluida. Preferiu-se a esta, por razões de segurança jurídica, a noção de acordo, uma noção cujos contornos eram um pouco mais precisos, e a noção de prática concertada, inspirando-se este último conceito, em minha opinião, precisamente, na jurisprudência americana e constituindo o elemento da «conspiracy» relativo ao comportamento do mercado.

A interpretação dos tratados com base nos trabalhos preparatórios constitui, como se sabe, um domínio difícil em direito comunitário, em particular porque uma grande parte dos trabalhos preparatórios não foi publicada. No domínio do direito da concorrência, as dificuldades foram ilustradas, nomeadamente, pela análise dos trabalhos preparatórios do artigo 85.o conhecidos, mais ou menos oficiais, efectuada por Ellis ( 57 ). Também é, sem dúvida, revelador o facto de as recorrentes não terem fundamentado o seu ponto de vista sobre elementos escritos precisos da génese do artigo 85.o

Sem dúvida que não é improvável que as observações das recorrentes quanto ao contexto histórico tenham fundamento, mas o alcance que se lhes pode reconhecer não é muito grande. Ao analisar o texto da disposição, que tem como finalidade, com toda a evidência, prever de forma exaustiva qualquer actividade anticoncorrencial incompatível com o mercado comum, é difícil supor, sem indícios muito sérios, que os autores do Tratado tenham querido excluir do âmbito de aplicação da disposição toda uma importante categoria de iniciativas comerciais duvidosas. Não foi esta a hipótese que o Tribunal de Justiça considerou nos casos em que teve a ocasião de se pronunciar, como resulta das decisões adiante citadas. Também não vejo elementos de interpretação que possam forçar o Tribunal a limitar desta forma o âmbito de aplicação do artigo 85.o Por outro lado, as considerações de natureza histórica também não corroboram a tese da Comissão.

e) A jurisprudência do Tribunal de Justiça no que se refere ao conceito de prática concertada

Os primeiros acórdãos do Tribunal de Justiça sobre este assunto foram proferidos em 1972 ( 58 ). Deram lugar a uma importante discussão, em parte crítica, que será adiante evocada na alínea g).

Nestes processos, as circunstâncias de facto eram bastante diferentes dos factos que estão submetidos à apreciação do Tribunal no caso em apreço. Foram os aumentos de preços aplicados no mercado, eles próprios, que fizeram a Comissão suspeitar da existência da concertação de uma prática que tinha incontestavelmente sido seguida no mercado. O litígio incidia sobre a questão de saber em que medida a uniformidade dos aumentos de preços se podia explicar pela natureza oligopolistica da estrutura do mercado, e o acórdão apenas fala de uma única reunião (n.o 96), no decurso da qual as empresas tiveram a possibilidade de proceder à concertação que está no centro das discussões no caso presente.

No que se refere à definição do conceito, o Tribunal de Justiça começou por decidir a questão, até aí controversa, de saber se os termos «pràtica concertada», na acepção do artigo 85.o, n.o 1, tinham um âmbito de aplicação próprio ou se se tratava unicamente de uma espécie de regra legal que impunha condições de prova menos exigentes nos casos em que apenas se dispõe materialmente de factos observados no mercado e em que, de forma geral, será impossível fazer a prova de um acordo, a menos que se esvazie o conceito de acordo de qualquer sentido ( 59 ).

A este respeito, o Tribunal de Justiça declara nos n.os 64 e 65 do acórdão:

«Embora o artigo 85.o faça a distinção entre “prática concertada” e “acordos entre empresas” ou “decisões de associações de empresas”, é com a preocupação de apreender, nas proibições deste artigo, uma forma de coordenação entre empresas que, sem se ter desenvolvido até à celebração de uma convenção propriamente dita, substitui cientemente uma cooperação prática entre elas aos riscos da concorrência;

pela sua própria natureza, a prática concertada não reúne assim todos os elementos de um acordo, podendo, todavia, resultar, nomeadamente, de uma coordenação que se manifesta pelo comportamento dos participantes.»

Segundo o Tribunal de Justiça, o conceito de «prática concertada» tem, portanto, um âmbito de aplicação autónomo, que abrange o que se pode chamar a cooperação que não constitui um acordo. A expressão-chave, neste caso, é a coordenação e a questão que se coloca no caso presente é a de saber se é a coordenação como tal que é decisiva ou se é a «coordenação que se manifesta pelo comportamento dos participantes».

Além disso, é de salientar que o Tribunal de Justiça declarou nos n.os 118 e 119 do acórdão que:

«embora seja permitido a cada produtor modificar livremente os seus preços e ter em consideração, para este efeito, o comportamento, actual ou previsível dos seus concorrentes, é, em contrapartida, contrário às regras da concorrência do Tratado que o produtor coopere com os seus concorrentes, de qualquer forma que seja, para determinar uma linha de acção coordenada, relativa a um aumento de preços, e para assegurar o seu êxito, mediante a eliminação prévia de qualquer dúvida, quanto ao comportamento recíproco relativo aos elementos essenciais desta acção, nomeadamente taxas, objecto, data e local dos aumentos;

que, nessas condições, e tendo em conta as características do mercado dos produtos em causa, o comportamento da recorrente, conjuntamente com o de outras empresas acusadas, visa substituir os riscos da concorrência e o acaso das suas reacções espontâneas, por uma cooperação constitutiva de uma prática concertada proibida pelo n.o 1 do artigo 85.o do Tratado».

Estas últimas afirmações reportam-se à análise do mercado e ao ponto de vista do próprio Tribunal de Justiça quanto à natureza dos aumentos de preço anunciados publicamente. Todavia, também aí a questão é de saber se é apenas a cooperação para determinar uma linha de acção coordenada ou se é também o facto de garantir o seu êxito que foi determinante para o Tribunal de Justiça.

Se se tiver em conta por um lado, o facto de que o Tribunal de Justiça, obviamente, se pronunciou no quadro dos processos aí em causa — nos quais se tratava precisamente de saber se um dado comportamento no mercado, que se tinha verificado ser, na prática, uniforme, resultava de uma concertação — e, por outro, que nada no acórdão permite dizer que, ao redigir os citados considerandos, o Tribunal de Justiça tenha também previsto situações como as que se apresentam nos processos «Polipropileno», -é difícil encontrar no acórdão argumentos a favor da tese das recorrentes ou da que aqui é defendida pela Comissão.

O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça nos processos «Açúcar» ( 60 ) aproxima-se, talvez, mais do ponto de vista actualmente sustentado pela Comissão. Com efeito, o texto do n.os 172 a 176 é o seguinte:

«A SU e a CSM sustentam que, pressupondo a noção de “práticas concertadas” um plano e o objectivo de eliminar antecipadamente a incerteza relativa ao comportamento futuro dos concorrentes, não basta a consciência que os interessados possam reciprocamente ter sobre o carácter paralelo ou complementar das suas respectivas decisões, sob pena de se condenar qualquer tentativa de uma empresa de reagir tão inteligentemente quanto possível à actuação do concorrente;

os critérios de coordenação e de cooperação estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal, longe de exigir a elaboração de um verdadeiro “plano”, devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência e segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado comum, incluindo a escolha dos destinatarios das suas ofertas e das suas vendas;

se é exacto que esta exigencia de autonomia não exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente ao comportamento conhecido ou previsto dos seus concorrentes, opõe-se, todavia, rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos directo ou indirecto entre tais operadores, que tenha por objectivo ou efeito, quer influenciar o comportamento no mercado de um concorrente actual ou potencial, quer revelar a tal concorrente o comportamento que se decidiu ou se pretende seguir por si próprio no mercado;

resulta dos documentos citados que existem contactos entre as recorrentes e que estas tiveram precisamente como objectivo eliminar antecipadamente a incerteza relativa ao comportamento futuro dos seus concorrentes;

portanto, o argumento das recorrentes improcede.

Neste processo, por conseguinte, a discussão incidia sobre a questão de saber em que medida é necessário, para efeitos de aplicação do artigo 85.o, n.o 1, verificar a existência de um «plano», questão a que o Tribunal de Justiça respondeu pela negativa. Mas o Tribunal de Justiça apenas se pronunciou sobre a natureza da cooperação que é visada pela disposição e não sobre o momento a partir do qual se pode considerar que a infracção foi cometida.

No acórdão Züchner ( 61 ), um órgão jurisdicional alemão tinha perguntado ao Tribunal de Justiça se, nas operações de pagamento e de movimentos de capitais intracomunitários entre bancos, a cobrança de uma comissão bancária uniforme de 0,15 % do montante a depositar constituía uma prática concertada.

No acórdão, o Tribunal de Justiça apresentou antes de mais uma síntese das suas considerações nos processos ICI/Comissão e «Açúcar», afirmando nos n.os 12 a 14:

«Tal como o Tribunal de Justiça salientou, nomeadamente, no seu acórdão de 14 de Julho de 1972 (ICI/Comissão, 48/69, Recueil, p. 619), uma prática concertada na acepção do artigo 85.o, n.o 1, do Tratado constitui uma forma de coordenação entre empresas que, sem se ter desenvolvido até à realização de uma convenção propriamente dita, substitui cientemente uma cooperação prática entre elas aos riscos da concorrência.

O Tribunal também declarou, no seu acórdão de 16 de Dezembro de 1975 (Suiker Unie/Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 a 114/73, Recueil, p. 1663), que os critérios de coordenação e de cooperação constitutivos de uma pràtica concertada, longe de exigirem a elaboração de um verdadeiro “plano” devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado comum e as condições que pretende reservar à sua clientela.

Se é exacto que esta exigência de autonomia não exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente ao comportamento conhecido ou previsto dos seus concorrentes, opõe-se, todavia, rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos directo ou indirecto entre tais operadores, que tenha por objectivo ou efeito obter condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa, tendo em conta a natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, a importância e o número das empresas e o volume do referido mercado.»

O Tribunal de Justiça abordou a questão da concertação um pouco mais adiante no acórdão. Assim, declarou no n.o 21:

«Esta é uma questão de facto que o órgão jurisdicional que decide do mérito da causa é o único competente para apreciar. Para este efeito, importa analisar se existem contactos entre os bancos que têm um comportamento paralelo, ou, pelo menos, troca de informações a respeito, designadamente, da taxa das comissões efectivamente cobradas relativamente a operações de transferência comparáveis que tenham sido efectuadas ou que estão previstas para o futuro e se, perante as condições do mercado em causa, a taxa da comissão uniformemente aplicada não é diferente da que resultaria do livre funcionamento da concorrência. Além disso, importa tomar em consideração o número e a importância, no mercado das trocas monetárias entre Estados-membros, dos bancos que participam numa tal prática...»

O Tribunal de Justiça respondeu à questão posta da forma seguinte:

«Um paralelismo de comportamento na percepção de uma comissão bancária uniforme sobre as transferências de importâncias de um Estado-membro para outro, efectuadas pelos bancos sobre as contas dos seus clientes, constitui uma prática concertada, proibida pelo artigo 85.o, n.o 1, do Tratado, se for provado no órgão jurisdicional nacional que este paralelismo de comportamento reúne os elementos de coordenação e de cooperação característicos de tal prática, e que esta é susceptível de afectar de maneira sensível as condições da concorrência no mercado das prestações relativas a estas transferências.»

Como se verifica da leitura dos citados extractos, este acórdão não contém, relativamente ao acórdão Suiker Unie/Gomissão, indícios novos que permitam resolver o problema. Também neste processo existia manifestamente uma prática na acepção em que as recorrentes no caso presente entendem este conceito e os fundamentos do Tribunal de Justiça referem-se assim, na realidade, a esta prática.

Neste contexto, considero que não se pode, sem dúvida, extrair da jurisprudência do Tribunal de Justiça argumentos que contradigam directamente o ponto de vista da Comissão, mas os factos nos processos que foram submetidos ao Tribunal de Justiça até agora eram muito diferentes dos factos no caso em apreço. A descrição da prática concertada fornecida pelo Tribunal de Justiça deve necessariamente ser considerada neste contexto e, portanto, não se pode presumir que a mesma forneça um elemento de resposta à questão de saber se a infracção incriminada no artigo 85.o, n.o 1, sobre a qualificação de prática concertada é constituída pela mera concertação ou se é necessário que esta concertação seja seguida de um comportamento de facto por parte das empresas em causa, que apresente com aquela um nexo de causalidade.

f) Observações dos advogados-gerais do Tribunal de Justiça sobre a questão

No processo ACF Chemiefarma/Comissão ( 62 ), o advogado-geral Gand exprimiu-se no mesmo sentido que as recorrentes no caso presente. Na sua análise da questão de saber em que medida um «gentlemen's agreement» devia ser considerado como um acordo ou uma prática concertada na acepção do artigo 85.o, n.o 1, declarou o seguinte ( 63 ) :

«Em primeiro lugar, será necessário considerar que o “gentlemen's agreement” é um acordo, como considera a decisão impugnada, ou uma prática concertada? Embora ambas as figuras sejam visadas pelo artigo 85.o do Tratado, a distinção é pertinente, pelo menos no domínio da prova da infracção. Com efeito, por força do acórdão Grundig [...] quando se considera que um acordo tem por objecto restringir, impedir ou falsear a concorrência, não se deve, para fins de aplicação do artigo 85.o, tomar em consideração os seus efeitos concretos. Não será certamente assim em relação a uma prática concertada que, segundo a opinião dominante, pressupõe que a concertação se manifeste de forma concreta, de modo a constatar simultaneamente um comportamento de facto dos interessados e a existência de um vínculo entre esse comportamento e um plano previamente estabelecido.» ( 64 )

Nos processos «Matérias corantes» ( 65 ), o advogado-geral Mayras aderiu, no essencial, ao ponto de vista expresso pelo advogado-geral Gand no processo ACF Chemie-farma/Comissão. Mas há um ponto em que vai mais longe do que o advogado-geral Gand. Em primeiro lugar, recusou-se a reduzir a categoria jurídica das práticas concertadas a uma simples aplicação específica do conceito de acordos, sustentando que era necessário reconhecer um significado próprio à distinção operada pelo Tratado e considerar as práticas concertadas como uma categoria à parte para evitar que as disposições pudessem ser torneadas por empresas que actuariam de forma a não deixar qualquer traço escrito dos seus acordos. Como já foi referido, o Tribunal de Justiça subscreveu esta tese. O advogado-geral declarou seguidamente (p. 675):

«Tal interpretação, tendo efectivamente em conta a distinção efectuada pelo artigo 85.o, é de manifesto interesse quanto à prova da existência de uma prática concertada que, mesmo implicando uma determinada manifestação de vontade das empresas participantes, não pode ser procurada nas mesmas condições da prova de um acordo explícito.

Todavia, é igualmente necessário que exista um elemento objectivo, essencial à noção de prática concertada; trata-se de um comportamento defacto comum às empresas participantes. Esta é a primeira diferença de princípio, em relação à noção de acordo, no sentido de que, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o acordo, uma vez estabelecida a sua existência e tendo por objecto prejudicar a concorrência no interior do mercado comum, é abrangido pelo artigo 85.o, sem que seja necessário procurar o efeito real do referido acordo sobre a concorrência. A prática concertada, em contrapartida, não nos parece poder ser inteiramente dissociada, na sua própria concepção, do efeito real que exerce sobre as condições de concorrência, no interior do mercado comum.»

Na parte que, em seguida, consagrou (p. 682) ao prejuízo para a concorrência, afirmou, além disso:

«Todavia, uma parte da doutrina considera, atribuindo especial atenção aos elementos objectivos, para definir a noção de prática concertada, que para ser abrangida pelo artigo 85.o, tal prática deve ter tido, efectiva e concretamente, por efeito modificar a concorrência.

Nas suas conclusões no processo ACF Che-miefarma/Comissão, o advogado-geral Gand parece ter-se orientado na mesma direcção. Segundo ele...

Deixámos já transparecer que a nossa opinião não está muito afastada daquela que foi assim expressa.

Seria possível ir mais longe e tomar em consideração não o resultado, o efeito real da prática, mas igualmente o seu efeito virtuali Poderia parecer, sem dúvida, estranho admitir que uma prática concertada, que não causou materialmente qualquer efeito na concorrência, apesar da intenção dos participantes e devido a circunstâncias que lhes são alheias, não fosse abrangida pela aplicação do artigo 85.o; teríamos a tentação de considerar, em tal caso, que a tentativa ou o mero indício de execução bastariam para justificar a aplicação do n.o 1 do artigo 85.o»

Em minha opinião, o aspecto destes desenvolvimentos que interessa ao caso em apreço é que o advogado-geral Mayras esboça uma teoria da tentativa no âmbito da noção de prática concertada, tal como é utilizada no artigo 85.o, n.o 1. Um esboço que, contudo, não foi prosseguido nem pelo Tribunal de Justiça nem pelos seus advogados-gerais e que também não foi comentado em acórdãos posteriores.

A Comissão invoca as conclusões do advogado-geral Reischl nos processos Fedetab ( 66 ) em apoio da sua argumentação, contestada pelas recorrentes. A Comissão considera que a expressão «uma querela de qualificação de reduzida importância», utilizada pelo advogado-geral Reischl, mostra que este é da opinião da Comissão. Com efeito, o advogado-geral Reischl disse (p. 3310, primeira coluna) :

«Não obstante, tenho a impressão que precisamente este acórdão (ICI) mostra claramente que a questão que agora se aborda constitui uma querela de qualificação de reduzida importância. E isto porque o processo demonstrou que se pode em qualquer hipótese fundamentar uma prática concertada na acepção do artigo 85.o, n.o 1, precisamente, numa “coordenação que se manifesta pelo comportamento dos participantes”. Com efeito, é inteiramente incontestável que as directivas de distribuição foram não apenas elaboradas em comum, mas que foram e são igualmente aplicadas...»

Recolocando as observações do advogado-geral Reischl na sua lógica — e no seu contexto —, as mesmas indicam, sobretudo, em minha opinião, que ele considera que todos os elementos constitutivos da prática concertada, na acepção em que as recorrentes a entendem, estavam reunidos no processo Fedetab, se bem que apenas constituísse, eventualmente, uma «querela de qualificação de reduzida importância» o facto de integrar na noção de «prática concertada» o que a Comissão tinha qualificado de acordo na sua decisão. Evidentemente, é bem possível discutir a questão de saber se tal é permitido, mas se se pretender extrair outras conclusões dessas observações, elas corroboram, sem dúvida, antes o ponto de vista das recorrentes.

Finalmente, a Comissão refere-se às considerações do advogado-geral Sir Gordon Slynn nos processos Pioneer ( 67 ). Todavia, Sir Gordon Slynn não se pronuncia sobre o que pode constituir uma prática concertada, mas apenas aborda a questão da forma como pode ser feita a prova de uma concertação, a saber, nomeadamente, considerando a prática.

O último a exprimir-se sobre este assunto é o advogado-geral Van Gerven no acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Sandoz ( 68 ), no qual declarou, sem outra explicação, que deve ter sido feita a prova de que a circunstância em questão teve por e/eito restringir a concorrência, sem que o problema presentemente em apreciação seja abordado; aliás, não havia que fazê-lo nas circunstâncias do caso concreto.

Para resumir as acima referidas considerações dos advogados-gerais do Tribunal de Justiça, julgo que é possível concluir que as mesmas não corroboram o ponto de vista da Comissão, antes o infirmando, uma vez que os advogados-gerais Gand, Mayras e Reischl, nas suas observações consagradas à concertação, exigem os três que a mesma tenha sido seguida de um comportamento de facto. No caso do advogado-geral Mayras, todavia, atrás citado, este- ponto de vista conjuga-se com as suas observações sobre a possibilidade de reagir relativamente à tentativa. Mas o advogado-geral Mayras parece confundir o que ele chama o «comportamento objectivo» que é «necessário», a saber, o «comportamento de facto comum» às empresas participantes, com o «efeito real [...] sobre as condições de concorrência» e fala do «efeito real», que está previsto, mas eventualmente também do «efeito virtual», que é assimilado à tentativa. Assim, o advogado-geral Mayras parece pensar que só a prática concertada que tem «por efeito» é que está manifestamente prevista e que se deve considerar como uma tentativa a prática concertada «que tem por objectivo».

g) A doutrina

Nesta alínea, que não pretende ser exaustiva, serão referidos certos autores cujas observações sobre a questão, em minha opinião, parecem ilustrar bem a posição do problema.

O comentário provavelmente mais profundo aos acórdãos «Matérias corantes» é fornecido por Joliét ( 69 ), que sublinha, nomeadamente, no seu artigo, que se deve evitar confundir a noção de prática concenada e a sua prova. Joliét propôs a definição da pràtica concertada (p. 271 e 285) como uma comunicação recíproca de intenção entre concorrentes, anterior a qualquer acção no mercado, pela qual cada uma das empresas em causa leva as outras a preverem que aquela agirá num sentido determinado e reduz, assim, a incerteza que reina no mercado. Na opinião de Joliét, existe prática concertada desde que exista concertação, isto é, quer a mesma tenha ou não sido depois concretizada pelos participantes na concertação e quer tenha ou não produzido efeitos anticoncorrenciais, desde que tenha sido susceptível de os produzir.

J. A. Van Dame ( 70 ) subscreve a opinião de Joliét referindo que a prática concertada pode ser dissociada dos efeitos reais sobre as condições do mercado. Baseia-se no facto de o artigo 85.o, n.o 1, visar também as práticas concertadas que tenham como objectivo falsear a concorrência. Todavia, tem interesse salientar que Van Dame apenas parece fazer a distinção entre as hipóteses em que unicamente se provou a concertação, por um lado, e as hipóteses em que se provou uma concertação que teve uma incidência sobre as condições do mercado, por outro lado. A última categoria referida por Van Dame é a verdadeira concertação que «tem por efeito» e não apenas «por objectivo». Portanto, não distingue o grupo intermédio constituído pela concertação «que tem por objectivo» e que é seguida de uma concretização, sem que esta, todavia, seja eficaz e tenha, portanto, efeitos reais sobre a concorrência.

Em contrapartida, vem dito no manual de Schapira, Le Tallec e Blaise ( 71 ) que, confinando-se ao terreno da interpretação literal, deve ter-se em conta o termo «prática», que parece excluir que se possa tratar de um simples projecto. Para estes autores, é necessário provar não apenas a concertação, mas igualmente uma concretização prática dessa concertação.

Goldman ( 72 ) afirma no seu comentário aos processos «Matérias corantes», quando aborda a questão da definição da prática concertada, que esta noção pode ser concebida quer como uma troca de consentimentos, que os participantes, todavia, não pretenderam tornar juridicamente obrigatória (ou como obrigações das quais é possível libertar-se unilateralmente), quer como um regime no âmbito do qual a participação concertada resulta de trocas de informações e de consultas entre as empresas, mas é, em definitivo, livremente decidida por cada uma delas. Goldman prossegue afirmando que se pode não só incluir os gentlemen's agreements e os acordos denunciáveis unilateralmente no conceito de prática concertada, mas também admitir que práticas decididas individualmente, mas na sequência de trocas de informações e de consultas, são igualmente «concertadas». Consequentemente, resulta da descrição do conceito de prática concertada fornecido por Goldman que este considera que a pràtica concertada «que tem por objectivo» se verifica desde que se prove a concertação, por exemplo, sob a forma de consultas e de trocas de informações e desde que se traduza por práticas, mesmo que estas práticas tenham sido livremente decididas por cada uma das empresas participantes. Portanto, não é necessário que as práticas tenham sido decididas em comum, desde que as mesmas sejam decididas na sequência da concertação. Segundo Goldman, as «práticas concertadas» podem, por conseguinte, tanto ser inteiramente diferentes como paralelas. A concertação «que tem por objectivo» não é, portanto, suficiente em si mesma; deve traduzir-se por práticas.

Na sua interpretação dos acórdãos «Matérias corantes», Piriou ( 73 ) (opus citatum, p. 53) adopta a tese segundo a qual o Tribunal de Justiça insistiu sobre o efeito que a concertação produz sobre a concorrência. Daí deduz ser necessário que a concertação se traduza, concretamente, pela eliminação dos riscos da concorrência. Desta forma, põe em dúvida a sugestão do advogadó-geral Mayras, segundo a qual o efeito virtual de uma prática concertada, isto é, a tentativa considerada como tal, poderá estar previsto no artigo 85.o, n.o 1. Piriou conclui (p. 58) que resulta dos acórdãos que, na medida em que o Tribunal de Justiça não fixa qualquer exigência mínima quanto ao grau de cooperação que pode ser visado pelo artigo 85.o, a troca de informações sobre os preços pode, por exemplo, cair sob a alçada deste artigo, na condição, todavia, de a concertação se traduzir por uma alteração da concorrência na matéria. Assim, Piriou não parece tomar em consideração a categoria intermédia, no âmbito da qual a concertação foi concretizada, sem ter conseguido e, portanto, produzido os efeitos pretendidos. A descrição desta autora parece antes implicar que afasta, na sua interpretação, a categoria da concertação «que tem por objectivo» na medida em que exige que a concertação se traduza por uma alteração da concorrência, isto é, que a concertação deve ter tido efeitos.

Eric Colmant ( 74 ) sustenta uma tese próxima da das recorrentes no caso em apreço, ou seja, que uma prática concertada pode ter um objecto ilícito sem ter um tal efeito. Segundo Colmant, tal sucede quando os efeitos do comportamento das empresas são insuficientes para lesar a concorrência, mas são suficientemente reveladores para que se possa concluir pela existência de uma intenção de causar tal prejuízo. Colmant afirma que a existência de uma prática concertada pressupõe a reunião de dois elementos: por um lado, a concertação, elemento intencional e, por outro lado, um certo comportamento de facto, elemento material, e que exista um nexo entre estes dois elementos.

Van Gerven ( 75 ) atribui importância ao facto de ser feita a prova do prejuízo para a concorrência que resulta da concertação.

Schröder, em Groeben/Boech ( 76 ), situa-se, no essencial, na linha de Joliét e de J. A. Van Damme. Afirma, nomeadamente, que a proibição dos acordos funciona a partir do momento em que as empresas participantes se concertaram sobre o comportamento a adoptar, isto é, antes mesmo de o comportamento visado ter sido traduzido em factos.

Koch, em Grabitz ( 77 ), menciona igualmente, sem explicitar mais, que a concertação como tal pode constituir uma infracção ao artigo 85.o, n.o 1.

Bellamy e Child ( 78 ) consideram igualmente que os contactos entre as empresas, que tomam em geral a forma de reuniões, de discussões, de trocas de informações, ou de «sondagens», quando têm como objecto alterar os comportamentos no mercado, estão abrangidos pelo conceito de prática concertada.

Kovar ( 79 ) considera que resulta dos acórdãos «Matérias corantes» que o Tribunal de Justiça põe em evidência dois elementos de uma definição, um objectivo, o paralelismo do comportamento, outro subjectivo, o seu carácter intencional.

Druesne ( 80 ) considera que a prática concertada comporta dois aspectos, a saber, o próprio comportamento e a vontade de agir em conjunto. Segundo Druesne, uma simples troca de informações pode, todavia, ser constitutiva de uma prática concertada, na medida em que, levando as suas intenções ao conhecimento dos seus concorrentes, as empresas exercem uma influência sobre a sua autonomia de decisão.

Deringer ( 81 ) interroga-se sobre a questão de saber se o artigo 85.o, n.o 1, apenas diz respeito à conduta concertada ou se a disposição visa antes a concertação como tentativa.

Como revela este rápido exame de uma parte da doutrina, desde 1973 até aos nossos dias, existem profundas divergências quanto à interpretação do conceito de «prática concertada». Uma parte da doutrina concebe a noção de tal forma que a concertação basta por si própria e, em consequência, menospreza a expressão «prática» ou considera a concertação como constituindo ela mesma uma prática. Uma outra parte da doutrina e, nomeadamente, a doutrina mais recente, sustenta que deve existir não só concertação, mas também prática, respectivamente qualificadas, por alguns, de elemento subjectivo e elemento objectivo. Todavia, resulta claramente da doutrina que é a concertação que é unanimemente considerada como o elemento central. Todos concordam em considerar que uma prática no mercado que não possa ser ligada a uma concertação não cai manifestamente na alçada do artigo 85.o

Contudo, resulta igualmente do exame da doutrina que os autores que exigem que exista igualmente uma prática parecem pressupor, em certa medida, que deve ser feita a prova de um efeito sobre o mercado e não apenas o de um comportamento, mesmo que este não tenha tido consequências reais para a concorrência. Em consequência, sou de opinião que a análise da doutrina não corrobora de forma clara ou mais concludente nem a interpretação do conceito de prática concertada defendida pela Comissão nem a que foi proposta pelas recorrentes.

h) O ponto de partida da interpretação Se nos ativermos à letra do artigo 85.o, este contém exactamente os mesmos elementos no que se refere à prática concertada e no que se refere ao acordo, ou seja, proíbe simultaneamente a prática concertada que tem por objectivo impedir, restringir ou falsear a concorrência e a prática concertada que tem tais efeitos. Assim, resulta manifestamente tanto da interpretação literal como de uma interpretação gramatical que se pode pôr em evidência uma categoria específica, a das práticas concertadas que têm um objectivo (ilícito).

Se, como uma parte da doutrina e — parece — os advogados gerais, se exigir, em conformidade com a letra do artigo 85.o, para além da concertação, a prova de uma prática que apresente com ela um nexo de causalidade, põe-se o problema de saber qual deve ser o conteúdo da «prática» no caso de uma prática concertada «que tem por objectivo». O facto de uma prática eventualmente provada ter tido efeitos concretos sobre a concorrência importa pouco a este propósito. Por outro lado, no caso em apreço, a Comissão encontra algumas dificuldades para explicar como se apresenta o elemento incriminado pela disposição que é qualificado de prática, uma vez que uma concertação que tem por objectivo restringir a concorrência constitui em si mesma, na opinião da Comissão, uma prática concertada.

Como adiante procurarei demonstrar, o problema pode provavelmente reduzir-se à questão de saber a partir de que momento a infracção se verifica. Como se verá, sou de opinião que tudo o que se pode dizer é que o momento, no decurso dos factos, a partir do qual se pode dizer que a infracção qualificada de prática concertada com um objectivo ilícito se verifica é posterior ao momento correspondente no que se refere aos acordos que têm um objectivo ilícito.

i) A «prática concertada» pressupõe um comportamento no mercado?

Como se deduz das alíneas d) e e), sou de opinião que nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça nem as conclusões dos diferentes advogados-gerais citados fornecem elementos que corroborem o ponto de vista da Comissão e que a Comissão também não pode basear-se de forma clara e manifesta na doutrina.

A letra e o contexto histórico do artigo 85.o ( 82 ) também não militam a favor da tese segundo a qual a prática concertada pode ser considerada verificada, desde que sejam trocadas informações respeitantes à concorrência, e pelo facto de o serem, ou desde que se tenha demonstrado uma concertação por outros meios.

Analisando a jurisprudência actualmente existente, atrás citada na alínea e), verifica-se que os processos foram considerados do ponto de vista do mercado. Até aqui tratava-se de decidir a questão de saber se a observação de um comportamento de facto no mercado e os outros elementos — frequentemente frágeis — existentes permitiam determinar que o comportamento observado no mercado se explicava por uma concertação entre as empresas em questão. Também é claro que se o mercado tem um comportamento dificilmente explicável, quando tiveram lugar uma ou mais reuniões entre empresas normalmente concorrentes, quando telex numerosos ou semelhantes, contendo, por exemplo, instruções de preços, foram enviados, tais factos constituirão geralmente indícios sérios que permitem concluir que nem tudo se passou correctamente, mesmo na falta de provas directas e decisivas.

Quando se considera uma situação do ponto de vista do mercado, é evidente que são normalmente comportamentos surpreendentemente semelhantes no mercado que despertam as suspeitas da Comissão. Mas também se poderá considerar que uma prática concertada reside no facto de as empresas participantes se entenderem para que A faça X (por exemplo, praticar um determinado preço), enquanto que B, C, D e E farão Y (por exemplo, praticar um determinado preço menos 5 pfennig). Também existe prática concertada neste caso. Embora, por exigências do raciocínio, menosprezemos o facto de um acordo tão sofisticado poder dificilmente ser estabelecido sem qualquer coisa que corresponda melhor à qualificação de acordo, e se supusermos que A fará a, que B fará b, C fará c, etc, mantém-se inteiramente indiscutível que tal concertação pode ser particularmente difícil de provar, a menos que também se tenham podido obter outras provas que indiquem de forma bastante directa o que se passou. É manifesto que também não deixará de existir uma prática concertada que não se exteriorize muito simplesmente por comportamentos uniformes e paralelos.

Quando se está perante um mercado que se comporta de forma estranha e que encobre diversos indícios de uma concertação ilegal, os diferentes factores devem ser claramente concordantes. Se o mercado praticar, de forma aliás não explicável, um preço que corresponde ao preço «real» do mercado mais 15 %, não é muito útil, do ponto de vista probatório, ter um telex que menciona o preço «real» menos 15 % ou, por exemplo, o preço «real» mais 150 %. É necessário que se possa verificar a existência de um nexo entre as provas; o comportamento do mercado deve poder permitir que se presuma com um certo grau de certeza, graças a elementos de prova que vão no mesmo sentido, que houve uma concertação e qual a forma que a mesma tomou.

Mas que sucede se o problema for visto do outro lado? Que se passa no caso de se ter conhecimento de uma «concertação» mas os outros factores permanecerem um pouco mais equívocos? Basta, como sustenta a Comissão, que se prove a concertação, isto é, que a consulta ou a troca de informações sejam suficientes? Ou, noutros termos, a concertação constitui em si uma prática concertada?

Como já acima se referiu, não existem muitos elementos que corroborem uma tal interpretação do conceito de «prática concertada». Poderia ser politicamente desejável adaptar o direito neste sentido ( 83 ), mas esta interpretação é dificilmente conciliável com o sentido literal do texto da disposição e também não pode basear-se no contexto no qual a mesma disposição se inscreve. Em consequência, entendo que tal interpretação deve ser rejeitada.

Pode todavia perguntar-se quais são as consequências de uma concertação entre empresas. Porque razão a concertação é um elemento de tal forma central que o Tribunal de Justiça considera que resulta do artigo 85.o que «qualquer estabelecimento de contacto directo ou indirecto entre tais operadores, que tenha por objectivo ou por efeito, quer influenciar o comportamento no mercado de um concorrente actual ou potencial...» é categoricamente proibido, como o Tribunal de Justiça declarou pela última vez nos acima referidos processos «Açúcar» e Züchner»? Em minha opinião, é porque tais empresas actuarão seguidamente no mercado, necessariamente e, regra geral, inevitavelmente, tendo em conta aquilo de que tiveram conhecimento e a discussão que teve lugar no âmbito da concertação. As empresas obtiveram informações sobre as reflexões das outras; sabem que as outras empresas dispõem agora de certas informações quanto à sua própria situação e sabem mais ou menos aquilo que se poderá esperar ou, em qualquer caso, se deverá poder esperar da parte das outras na sequência dos contactos que tiveram lugar. Nomeadamente, negoceiam com os seus clientes e adaptam a sua produção dispondo de um outro acervo de informações e com conhecimento de outros elementos que não teriam se apenas tivessem que confiar na sua própria experiência, no seu conhecimento geral do mercado e na sua percepção concreta deste.

Em consequência, sou da opinião que se pode sustentar que a concertação se traduzirá em princípio, automaticamente, por comportamentos posteriores no mercado que serão determinados pela concertação, que as empresas adoptarão uma ou outra conduta no que respeita à sua política no mercado, isto é, independentemente da questão de saber se se comportam seguidamente de maneira mais ou menos uniforme no mercado. Em minha opinião, o mesmo sucederá no caso de uma concertação que assuma a forma de uma troca de informações que interessam à concorrência, tais como os preços actuais ou previstos, sem outra coordenação entre empresas, isto é, uma única condição implícita entre as empresas de que todas são supostas reagir racionalmente em relação à sua própria situação e à situação das outras participantes. Com efeito, em tal caso, as empresas colocam-se igualmente em condições de apreciar com maior certeza a situação do mercado e de agir em consequência. Em qualquer caso, dado que tudo o resto é igual, a troca de informações dá origem ao risco importante de as condições de mercado serem diferentes das que seriam se ela não existisse. E naturai que, de forma geral, não seja possível em tal caso demonstrar um nexo de causalidade concreta entre as condutas (prática) e a concertação (troca de informações com objecto ilícito).

Nos termos do artigo 85.o, n.o 1, são todas as práticas concertadas que são proibidas. Esta parte da disposição tem desta forma a natureza de uma disposição de «captação» ( 84 ), a qual, com formulação ampla, visa todas as formas de cooperação anticoncorrencial entre empresas que não sejam abrangidas pelo conceito de acordo. A afirmação do Tribunal de Justiça, acima referida na alínea e):

«... uma forma de coordenação que, sem ir até à realização de uma convenção propriamente dita, substitui suficientemente uma cooperação prática aos riscos da concorrência»,

deve ser entendida da mesma maneira.

Neste contexto, sou de opinião que se se considerar que uma concertação teve um objectivo ilícito e se, como acima referi, se puder partir da ideia de que as empresas agiram seguidamente com base nesta concertação, mesmo que a Comissão não tenha feito prova de actuações concretas (uma prática), pode-se afirmar que existe uma prática concertada com um objectivo ilícito, que cai sob a alçada do artigo 85.o Quando as empresas actuam tendo mais informações e expectativas, mais ou menos justificadas, quanto ao comportamento das outras do que aquelas que deveriam ter ou que teriam normalmente, existe sempre um risco manifesto de a concorrência ser menos intensa do que seria no caso contrário. Esse risco é ainda maior quando as condições do mercado são susceptíveis de provocar uma importante queda dos preços, se o funcionamento da concorrência fosse inteiramente livre. Na medida em que, como acima referi no ponto 2, um acordo que tenha um objectivo ilícito na acepção do artigo 85.o constitui uma infracção de perigo abstracto, não vejo nada que impeça que se interprete de forma semelhante a infracção, inteiramente paralela sobre este ponto, que foi qualificada como prática concertada com um objectivo ilícito. As infracções são rigorosamente da mesma natureza. No caso da prática concertada, é necessário que exista, e existirá, para além da concertação, um comportamento de facto subsequente, que apresente um nexo com a concertação. Nada disso é exigido no caso do acordo. Mas o que é essencial no que se refere às duas infracções é que os operadores já não determinam então de forma independente a política que vão adoptar e que daí resulta um risco importante de se criarem condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em questão.

Contrariamente ao que resultaria da tese da Comissão, considero que é necessário, consequentemente, exigir que o comportamento tenha sido determinado em função dos conhecimentos e da percepção que resulta da concertação. A diferença reside, antes de mais, no facto de, se não existir qualquer acção, não existir infracção. Se uma empresa, por exemplo, se vir coagida a retirar-se do mercado imediatamente após a concertação por razões estranhas sem qualquer relação com esta, por exemplo a destruição das suas instalações de produção, o artigo 85.o não pode ser aplicado. Em contrapartida, diferentemente sucederia se tivesse sido feita a prova de um acordo com um objectivo ilícito. Por outro lado, o ponto de vista que aqui expus implica que se mantenha a possibilidade, pelo menos teoricamente, de demonstrar que a prática seguida não é concertada, o que quer dizer que é possível, se necessário, fazer a prova de que a empresa se libertou dos vínculos e dos conhecimentos que resultam da concertação. Isto é previsível, por exemplo, no caso da cessão de uma empresa, no âmbito da qual a nova direcção poderá procurar desembaraçar-se dos compromissos ou no caso de ignorar muito simplesmente que teve lugar anteriormente uma concertação. No âmbito de um processo continuado, como aquele através do qual se formou o acordo referido nos processos «Polipropileno», é evidente que se pode revelar difícil, na prática, fazer crer que se mudou de opinião após uma concertação e antes de ter utilizado os conhecimentos adquiridos graças às reuniões.

É manifesto que, no que respeita às consequências práticas, não haverá normalmente grandes diferenças entre o ponto de vista da Comissão e a interpretação do conceito de prática concertada aqui defendido. Se se partir da ideia de que uma concertação tem, e deve ter, uma espécie de efeito automático, bastará geralmente fazer a prova da concertação e do facto de os comportamentos subsequentes no mercado terem sido determinados em função dos conhecimentos que resultam da mesma. Assim, a Comissão não necessita de provar concretamente comportamentos precisos que seriam consequência da concertação. No que se refere às empresas, resulta do que foi dito que, na realidade, é a elas que incumbe o ónus da prova ou, em qualquer caso, uma obrigação muito ampla de fornecer informações, para que se possa considerar como provado que as informações baseadas na concertação não foram utilizadas na determinação da política da empresa. Também há que salientar a este propósito que as recorrentes admitiram nas audiências que as informações obtidas nas reuniões eram úteis.

Considero que, embora, como já referi, a interpretação do conceito de prática concertada que proponho não se baseie directa ou expressamente na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a mesma harmoniza-se com esta última ou situa-se na mesma linha. A minha interpretação do conceito é na realidade conforme à opinião de uma grande parte da doutrina e está conforme, nomeadamente, com o sentido literal do texto da disposição. A este propósito, observo que não se trata de uma interpretação extensiva desta disposição que, em razão da natureza quase penal da mesma, seria dificilmente conciliável com considerações de segurança jurídica geralmente aceites, como o Tribunal também já referiu no acórdão Parke, Davis and Co. ( 85 ). Finalmente, faz-se notar que a interpretação proposta permite igualmente não privar a disposição do seu efeito útil, o que sucederia no quadro da interpretação que as recorrentes procuraram convencer o Tribunal ser a correcta.

j) A estrutura das duas formas de infracção

Foi sustentado nas alegações das recorrentes que a Comissão deveria ter distinguido entre o «acordo» e a «prática concertada», pois estas duas formas de infracção são de natureza diferente e, em especial, o que deve ser provado é diferente.

Já acima expliquei, na parte consagrada aos aspectos formais do problema da interpretação do artigo 85.o, qual a importância desta questão. Todavia, se for adoptada a conclusão a que cheguei, considero que o paralelismo entre a estrutura dos dois tipos de infracção é, na realidade, tão grande que não é necessário proceder à distinção numa situação como a do caso em apreço.

No que se refere aos acordos, o litígio incide principalmente sobre a prova de dois factos. Trata-se de saber, por um lado, se foram celebrados acordos (que têm por objectivo, etc.) e, por outro lado, se estes tiveram efeitos, como sustenta a Comissão. Os efeitos devem eles próprios ser provados, por um lado, no que se refere à questão de saber em que medida o artigo 85.o foi violado pelo facto dos acordos terem tido estes efeitos e, por outro lado, a título subsidiário, para demonstrar eventualmente que esses factos são menos graves uma vez que o acordo não teve ou apenas teve poucos efeitos anticoncorrenciais concretos. Todavia, a questão dos efeitos também tem importância como prova, ou melhor, como prova em contrário, no que se refere à própria existência dos acordos. Uma das teses das recorrentes consiste em dizer que o que se assemelha a um acordo não o é se não tiver os efeito pretendidos. A prova, no que se refere à existência dos acordos, é, além disso, também produzida numa outra base, ou, em qualquer caso, procura-se atacar verbalmente a alegação pela Comissão da sua existência.

Em minha opinião, esta questão permite igualmente, de forma inteiramente paralela, produzir a prova ou, em todo o caso, desenvolver uma argumentação relativa à existência da concertação pela discussão das provas escritas existentes, dos motivos, etc, sem consideração do mercado. Na medida em que, segundo penso, o que importa nos dois casos, é o «objectivo» enquanto elemento autónomo numa categoria de infracções, em que apenas difere o momento em que a infracção se consumou, considero que não há razão para dizer que as infracções são de natureza tão diferente que é necessário fazer a distinção.

Em consequência, mesmo que não possa partilhar a opinião da Comissão no que respeita ao conceito de prática concertada, estou de acordo em considerar que os dois conceitos, interpretados como penso que devem ser, têm estruturas tão paralelas que não é necessário fazer a distinção, pelo menos no caso em apreço. É esta a razão pela qual, quando passar à apreciação das provas, não tomarei posição expressa de cada vez sob a questão de saber se este ou aquele aspecto do comportamento das empresas pode ser qualificado como acordo na acepção do artigo 85.o, n.o 1, ou se se trata de uma prática concertada.

4. Ė possível propor uma teoria da tentativa no enquadramento do artigo 85.o?

Como acima vem referido, o conceito de prática concertada deve ser entendido no sentido de que só se pode considerar a infracção como consumada, no que se refere a esta parte do artigo 85.o, quando se revelar um comportamento no mercado. E já referi em que pontos esta tese se distingue da da Comissão. Consequentemente, em minha opinião, existe infracção desde que se possa provar que teve lugar uma concertação tendo por objectivo impedir, restringir ou falsear a concorrência e que as empresas agiram seguidamente no mercado, o que deve em princípio, como acima referi, ser considerado como uma consequência da concertação quando as empresas continuam, após a concertação, a estar presentes no mercado quanto a um ou mais dos produtos em questão. Alternativamente, existe infracção quando uma concertação, que talvez não tivesse um objectivo anticoncorrencial, teve por efeito restringir a concorrência e quando as empresas sabiam ou deveriam saber que tal efeito se produziria.

Se o Tribunal aderir a este ponto de vista, considero que, na prática, não há necessidade de procurar verificar se a tentativa pode ser reprimida no quadro do artigo 85.o Em contrapartida, parece que a redacção da decisão da Comissão impõe uma apreciação da questão de saber se se pode afirmar que a tentativa é punível, nomeadamente no que se refere à prática concertada.

O artigo 85.o comporta, por um lado, uma infracção de perigo abstracto, ou seja, um acordo com objectivo ilícito, e duas infracções materiais, isto é, os acordos e as práticas concertadas e os efeitos que produzem. No âmbito da interpretação acima fornecida, a prática concertada/objectivo encontra-se numa posição intermédia.

No que se refere à infracção acordo/objectivo, é evidente que a infracção ao artigo 85.o se consuma quando o acordo é celebrado. No que se refere à infracção acordo/efeito, a infracção consuma-se quando se revelam efeitos anticoncorrenciais do acordo (seja qual for o seu objectivo).

Sem dúvida influenciado pelo conteúdo exacto daquilo a que chamou o aspecto «objectivo» da prática concertada, o advogado-geral Mayras, nos processos dos corantes ( 86 ), como já referi, pôs a questão de saber em que medida uma prática concertada podia cair sob a alçada do artigo 85.o a partir da fase da tentativa, isto é, antes de qualquer comportamento no mercado. As suas palavras estão acima reproduzidas na página II-933.

Se considerarmos a infracção acordo/objectivo, parece-me que resulta claramente do texto do artigo 85.o que não se pretendeu englobar neste conceito a situação em que a Comissão consegue, por exemplo, interromper as negociações das empresas antes da conclusão de um acordo. O mesmo sucede, segundo o texto do artigo 85.o, no que se refere à prática concertada. Além disso, considerações elementares de segurança jurídica opõem-se a que se procure criar, sem uma base jurídica expressa, um conceito de tentativa fora do artigo 85.o, o que, na realidade, iria alargar o âmbito de aplicação desta disposição. Nem a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça nem a doutrina corroboram, aliás, a afirmação segundo a qual a tentativa de cometer as infracções previstas no artigo 85.o seria ilegal.

Em consequência, considero que o artigo 85.o não permite que nele seja abrangido um conceito autónomo de tentativa. Aliás, a disposição tem um campo de aplicação tão amplo, no âmbito da interpretação do conceito de acordo e de prática concertada fornecida pelo Tribunal de Justiça e da interpretação de prática concertada que aqui propus, que não há dúvida que não será verdadeiramente necessário, na prática, poder igualmente reprimir a tentativa com uma multa.

5. O comportamento das empresas constituía objectivamente um meio inadequado?

Na audiência, o professor Albach concluiu uma das suas intervenções declarando que o seu ponto de vista pessoal era que, verosimilmente, todos os projectos que as empresas tinham tentado levar a bom termo tinham tido como consequência, essencialmente, um efeito de placebo sobre comerciantes nervosos. Explicou, nomeadamente, que um acordo sobre os preços pode constituir uma estratégia eficaz num oligopólio quando o preço de venda não cobre os custos. Mas, prosseguiu, a teoria e a experiência mostram que a sua concretização é difícil num mercado que comporta dezassete produtores e praticamente impossível durante um período de sobrecapacidade importante. Seguidamente descreveu as suas análises, que o levaram a concluir que os preços ditos «objectivo» não podiam ser considerados como tendo um efeito de alguma importância num mercado fortemente concorrencial. Além disso, as recorrentes procuraram provar que as instruções enviadas em matéria de preços não estavam ligadas aos objectivos de preços discutidos nas reuniões e que, em qualquer circunstância, os preços efectivamente praticados não correspondiam aos objectivos de preços. Acresce que foram produzidas provas, por exemplo, o relatório do professor Budd, segundo as quais o comportamento das recorrentes não só não teve qualquer incidência no mercado, mas também não podia tê-la, pois o mercado era de considerar como refractário às tentativas a que — como eu suponho neste contexto — as empresas procederam.

Isto deu nomeadamente lugar à apresentação de argumentos relativos ao conteúdo exacto da noção de «objectivo» que figura no artigo 85.o, n.o 1.

Assim, foi sustentado (ICI) que o texto da disposição basta por si só para mostrar que é o objectivo, avaliado materialmente, do acordo ou da prática concertada que importa para decidir o litígio e não as intenções subjectivas dos participantes nas reuniões. A recorrente sustenta a este propósito que o objecto dos entendimentos deve ser apreciado tendo em visto o contexto económico real no qual ocorreu e refere-se igualmente aos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em 30 de Junho de 1966 ( 87 ) e de 9 de Julho de 1969 ( 88 ). Segundo a recorrente, resulta destes que a apreciação de um entendimento não pode ser dissociada das suas incidências concretas sobre a concorrência, mesmo que a análise apenas incida sobre o objectivo do acordo ou da prática concertada. Na sua opinião, para considerar que um entendimento tinha como objectivo restringir a concorrência, a Comissão deveria provar que era suficientemente provável que o objectivo pudesse ser realizado. Afirmando ter provado que o alegado acordo não tinha e não podia ter incidência sobre o mercado, a ICI sustentou seguidamente que a Comissão não tinha feito a prova de que o objectivo era restringir a concorrência. A Comissão retorquiu que não se pode deduzir dos acórdãos citados que um acordo ou outro entendimento deve ter tido um efeito real para que se possam daí tirar conclusões relativas ao objectivo do acordo ou do entendimento. Finalmente, a Comissão sustentou que tinha feito a prova de que o acordo tinha um efeito tanto virtual como real mais importante do que aquele que é exigido pela jurisprudência citada.

Segundo a argumentação da recorrente, o comportamento que se revelou não faz incorrer em qualquer responsabilidade no caso de se ter provado, como sustenta a recorrente, que não foi possível influenciar o mercado, seja o que for que se tenha feito. Se o comportamento não podia produzir qualquer efeito, nas circunstâncias do caso em apreço, também não podia ter como objectivo restringir a concorrência na acepção do artigo 85.o

Se tomarmos como ponto da partida a hipótese de o'mercado não ter sido de facto influenciado, permanece a questão de saber qual a decisão ą tomar sobre uma intenção inegável de violar as regras da concorrência.

É difícil encontrar na jurisprudência acima referida ou em outros acórdãos do Tribunal de Justiça elementos que corroborem a tese sustentada pela recorrente.

No processo Völk/Vervaecke, já referido, tratava-se de saber se um acordo que, pela sua natureza, caía sob a alçada da proibição do artigo 85.o, n.o 1, podia, apesar disso, não ser por este abrangido por razões específicas. O Tribunal de Justiça começou por dizer que um acordo só podia ser abrangido por aquela disposição se se pudesse provar, com um grau de probabilidade suficiente, que podia exercer uma influência desfavorável sobre as trocas comerciais entre os Esta-dos-membros e se tivesse por objectivo ou efeito lesar a concorrência. Estas condições — prossegue o Tribunal de Justiça — devem ser apreciadas com referência ao enquadramento em que o acordo se coloca e, seguidamente, conclui que um acordo de exclusividade pode escapar à proibição do artigo 85.o, n.o 1, quando apenas afectar o mercado de maneira insignificante, tendo em conta a fraca posição que ocupam as partes neste mercado. As empresas em causa neste processo apenas detinham uma modesta parte do mercado.

No caso em apreço, não se trata de empresas de pequena importância que apenas detenham uma modesta parte do mercado, sendo insignificante o risco de uma incidência real neste. Trata-se, pelo contrário, das maiores empresas petroquímicas da Europa, que no conjunto abrangem quase todo o mercado. As circunstâncias do processo Völk/Vervaecke eram, consequentemente, muito diferentes das do caso em apreço e o acórdão não poderá, assim, constituir precedente para a decisão sobre este ponto.

É igualmente difícil estabelecer um nexo entre a situação das recorrentes e o acórdão Société technique minière/Maschinenbau Ulm. O Tribunal de Justiça afirma que é necessário considerar o objectivo do acordo, tendo em conta o contexto económico no qual este deve ser aplicado, e que a incidencia sobre a concorrência deve resultar no todo ou em parte das cláusulas do próprio acordo. Tratava-se igualmente, nesse caso, de um acordo de concessão exclusiva.

Segundo a concepção tradicional e, em particular, a concepção subjacente ao artigo 85.o, n.o 1, alíneas a) e b), os acordos sobre os preços e sobre a produção são lesivos da concorrência. Mas o que sucederia no caso de se revelar que acordos sobre os preços não podiam normalmente ser utilizados para entravar o livre funcionamento das forças do mercado, ou se isso fosse precisamente impossível neste caso? Que fazer se os acordos sobre os preços não são ou não eram meios eficazes, de forma geral ou no caso concreto?

Se assim fosse, sem dúvida haveria lugar a colocar algumas questões fundamentais em matéria de direito da concorrência. Um recorrente que procura defender-se com tais argumentos, que parecem ser verdadeiras e consideráveis inovações no domínio do direito da concorrência, deve todavia apresentar elementos particularmente probatórios que alicercem as suas ideias.

Em minha opinião, será necessário em qualquer circunstância demonstrar uma unanimidade da doutrina económica sobre o facto de o mercado não ser susceptível de ser influenciado pelos meios que se tentam pôr em aplicação e nada de semelhante foi demonstrado no caso em apreço. Em minha opinião, pode-se, quando muito, extrair das observações do professor Albach que os participantes não estavam em situação, tendo em conta as condições do mercado, de exercer uma influência significativa sobre este. Os outros documentos apresentados também não corroboram particularmente esta afirmação e, em qualquer caso, não forarr apresentados documentos que — não tende sido apresentados nessa altura — forneçam de forma geral elementos de resposta sobre esta questão.

Neste contexto, considero que os argumentos da recorrente (ICI) sobre a interpretação dita «objectiva» da noção de objectivo, no que se refere às práticas concertadas, não devem merecer acolhimento no caso em apreço, quanto mais não seja porque a condição fundamental, de que o meio era objectivamente ineficaz, não se pode considerar como tendo sido preenchida.

6. Existe um acordo e uma prática concertada?

As recorrentes opuseram-se, além disso, a que o conjunto dos acontecimentos que se verificaram entre 1977 e 1983 seja qualificado como acordo e como prática concertada ou como esquema geral de acordo, termo que foi vigorosamente contestado por algumas das recorrentes.

Dificilmente se vê em que é que a qualificação como tal pode apresentar uma importância tão crucial no contexto do caso em apreço. Portanto, considero que não é determinante qualificar eventualmente o que se passou como infracção continuada ou saber se é mais adequado utilizar os termos acordo e prática concertada.

E certo que, se se tomar em consideração o sentido principal e corrente do termo «acordo», sem dúvida se está a forçar um pouco o sentido da expressão ao utilizá-la relativamente a uma série de reuniões, por exemplo, no decurso das quais, ao longo dos anos, se discutiu e se decidiu, se estabeleceram e se alteraram planos, se abandonaram e se adiaram planos, etc.

Talvez fosse também inteiramente normal atribuir aos factos alegados a qualificação de infracção continuada. Se, como sustenta a Comissão, os representantes de um certo número de empresas, que estavam todos ao corrente dos problemas comuns, se puseram de acordo para discutirem entre si sobre o que podia ser feito para evitar uma guerra de preços devastadora e se nessa altura convencionaram encontrar-se periodicamente, ideia que seguidamente se cristalizou para se transformar num sistema completamente desenvolvido destinado a remediar as dificuldades evidentes que o facto de conseguir fazer funcionar um acordo sobre os preços entre dezassete empresas num mercado caracterizado por importantes sobrecapacidades implica, não vejo, de facto, qualquer obstáculo a que tal seja qualificado como acordo e prática concertada.

As recorrentes afirmam contudo que a noção de esquema geral de acordo é um artifício destinado a dissimular as lacunas na demonstração da Comissão. Não penso que seja esse o caso. Contudo, deve-se reconhecer que se torna necessário ser particularmente vigilante quando a noção de «um acordo» só foi obtida com base num grande número de elementos de prova, para não deduzir desta noção qualquer coisa que antes aí não figurava.

Conforme foi alegado por algumas empresas, pode haver razão para sublinhar que se pode considerar o «esquema geral de acordo» como um conceito colectivo, o que parece a Comissão também faz, nomeadamente no n.o 81 da decisão. Mas deve-se reconhecer que as observações da Comissão a este propósito na decisão carecem um pouco de clareza. É certo que está assente não se ter provado qualquer acordo prévio através do qual se teria convencionado adoptar as medidas que só puderam ser postas em prática alguns anos mais tarde. Em consequência, subscrevo, nesta medida, a teoria do «plano inclinado» que foi invocada durante a audiência.

A Comissão aplicou multas aos participantes num certo número de medidas de apoio e de iniciativas que incidiam sobre os preços e sobre outras questões e é sobre isto que se deve decidir, independentemente do facto de tal ser qualificado, por exigências de descrição, como «um acordo e uma prática concertada». Como meio para fornecer uma descrição completa do que se passou, a noção de «um acordo e uma prática concertada» é desta forma satisfatória, mas estas noções não podem ser utilizadas para dissimular as fraquezas da fundamentação.

Em consequência, se do ponto de vista da infracção continuada, se pode constatar um vazio de meados de 1978 até ao Outono de 1979, isto é igualmente válido para o esquema geral de acordo, que, portanto, já não constitui um acordo, mas dois, com os eventuais problemas de prescrição que tal pode implicar.

A argumentação das recorrentes sobre este ponto não pode, assim, em minha opinião, servir em si mesma de fundamento a uma anulação da decisão, mas é necessário verificar que a Comissão está em condições de provar as suas alegações e que a sua própria descrição de tudo o que se passou não a incitou a daí deduzir factos dos quais não existe qualquer outra prova.

7. Responsabilidade colectiva nos termos do artigo 8}.o, n.o If

Houve, no caso em apreço, um debate por vezes muito veemente para saber em que medida, na sua decisão, a Comissão imputou às empresas uma responsabilidade colectiva, isto é, o facto de uma ou várias empresas terem sido responsabilizadas por qualquer coisa que outras teriam feito, mas na qual elas próprias não teriam participado. O problema está estreitamente ligado com a descrição da infracção no artigo 1.o da decisão. As recorrentes vêem no facto de a Comissão ter descrito a infracção como «um acordo e uma prática concertada» o risco de serem responsabilizadas por todos os aspectos da infracção, tal como vêm descritos no artigo 1.o, alíneas a) a e), da decisão, mesmo que se deva poder admitir que não participaram em um ou vários destes aspectos.

Como resulta das minhas observações no número anterior, considero que nada permite sustentar que deveria ser possível presumir a existência de um acordo fundamental prévio sobre praticamente todos os aspectos daquilo que se supõe ter-se produzido posteriormente. Aliás, isto foi igualmente admitido, na audiência, pela Comissão que sustentou nessa altura nada de semelhante ter sido afirmado na decisão. Portanto, não é possível, quanto mais não fosse por esta razão, imputar às diversas recorrentes a responsabilidade por todas as acções empreendidas por todos os participantes no acordo, mesmo que seja provado que as mesmas nele participaram durante um determinado período.

Todavia, deve-se reconhecer que a Comissão se exprimiu por várias vezes na decisão de forma tal que se poderá pensar que entendeu muito simplesmente considerar todas as empresas como responsáveis de tudo o que se passou no acordo durante o período em que elas nele participaram. Assim, vem dito no n.o 83, segundo parágrafo da decisão, que:

«A essência do caso presente reside na associação dos produtores durante um período de tempo considerável tendo em vista um objectivo comum, e cada participante deve assim assumir a responsabilidade que lhe cabe não só pela sua participação directa, mas também pela execução do acordo como um todo. O grau de envolvimento de cada produtor não será, pois, fixado em função do período relativamente ao qual sucede dispormos de informações em matéria de preços, mas relativamente ao período global durante o qual ele aderiu ao empreendimento comum.»

Na sua contestação no processo BASF, por exemplo, a Comissão afirma a este respeito, nomeadamente, que:

«Convém acrescentar, a título complementar, que as infracções ao artigo 85.o, n.o 1, do Tratado CEE, são daquelas que só podem ser cometidas por várias partes agindo concertadamente. Em consequência, a contribuição de cada uma das partes na infracção dos outros participantes no acordo deve necessariamente ser-lhe imputada na qualidade de comportamento próprio, uma vez que a infracção reside precisamente nesta acção conjunta. Isto não exclui que as diversas partes adiram ao acordo em momentos diferentes...»

Embora estas últimas observações da Comissão sejam correctas, sem contudo dizer grande coisa, o n.o 83, segundo parágrafo, da decisão é susceptível de se prestar a confusão.

Mas a verdadeira descrição da infracção na decisão figura, como já referi, no artigo 1.o deste texto, nos termos do qual a infracção reside no facto de ter participado «num acordo e prática concertada», constituídos por um certo número de elementos. A designação da infracção pelos termos de «participação» num acordo, isto é, num entendimento como aquele que foi definido pela decisão como um «acordo», não parece dever suscitar objecções em si mesma. Alegar que uma empresa foi parte num acordo ou participou numa prática concertada constitui em si uma descrição correcta da infracção.

Eni contrapartida, quando a Comissão afirma no n.o 83, segundo parágrafo, que cada participante deve assumir a responsabilidade que lhe cabe, não apenas pela. sua contribuição, mas também pela execução do acordo como um todo, faz alusão a uma responsabilidade que ultrapassa as acções em que a empresa participou ela própria e é aí que se situa o problema. Deve-se acrescentar, todavia, que a Comissão precisa no mesmo ponto da decisão que a responsabilidade em que o participante incorre pela sua participação no acordo apenas diz respeito ao período durante o qual este participante fez parte do acordo.

Evidentemente, é certo que, como a Comissão afirma na sua contestação no processo BASF, as infracções ao artigo 85.o são colectivas no sentido de que, pelo menos, duas empresas devem cooperar para cometer a infracção e que a contribuição de uma para as infracções da outra é uma consequência necessária e lógica do carácter colectivo da infracção. Em contrapartida, se a condição de base é que se tenha celebrado um acordo ou que se tenha estado implicado numa prática concertada, não considero que se possa ser responsável por infracções cometidas pelos outros em medida mais ampla do que aquela que propriamente se participou. Assim, não é verdade, contrariamente ao que parece sugerir a Comissão, que se possa imputar a cada empresa mais do que aquilo que resulta da sua própria participação.

Apesar das abundantes discussões sobre a questão da responsabilidade colectiva no âmbito deste processo, deve-se, no entanto, começar por precisar o que não pode ser qualificado como responsabilidade colectiva, ainda que seja esta a opinião de algumas recorrentes.

Perante a forma como o alegado acordo verosimilmente funcionou na prática, com-preender-se-á facilmente que pode ser muito mais difícil determinar em pormenor a contribuição de cada um. Quem teve a ideia, quem tomou a iniciativa? Quem se incumbiu de convencer aqueles que talvez fossem menos entusiastas? Quem chegava melhor preparado às reuniões, etc? E óbvio que, quando não há confissão por parte das empresas participantes, não é muitas vezes possível averiguar tudo isto no âmbito de um processo administrativo no qual as provas assentam sobretudo em documentos escritos. Evidentemente, existem também limites ao nível do pormenor a que é necessário descer nos processos deste tipo. Assim, pode ser correcto, por razões de técnica jurídica, que, eventualmente, se considere satisfatória, em certa medida, uma descrição mais ampla da participação de cada um. 0 facto de não ser possível provar, no caso do fabrico de moeda falsa, por exemplo, quem encheu o dispositivo da tinta e quem fez funcionar a máquina de imprimir não constituirá indubitavelmente, na ordem jurídica dos Estados-membros, um obstáculo determinante à decisão de condenação, quando é de admitir que todos estiveram no local e participaram.

Em caso de aplicação razoável e limitada desta tese, não se poderá sustentar que a alguns será imputada uma responsabilidade colectiva mas, pelo contrário, unicamente que a ordem jurídica não impõe exigências excessivas quanto à descrição detalhada e à prova daquilo que raramente poderá ser provado, no caso dos autores presumidos da infracção se terem colocado eles próprios numa situação tal que um menor rigor das condições de prova não poderá ser considerado como suscitando qualquer objecção. No caso contrário, a Comissão deveria, verosimilmente, abandonar, desde o início, as diligências para perseguir as infracções num grande número de casos, quando se está incontestavelmente perante um acordo ilícito, mas não é possível fazer a prova detalhada da contribuição de cada um nas actividades colusorias. Um tal resultado privaria na prática o artigo 85.o de uma grande parte do seu alcance.

Um outro aspecto da questão acima mencionada reside nas condições gerais a que está sujeito o valor das provas da Comissão. Por exemplo, se as provas permitem supor — com base numa apreciação da totalidade dos elementos de prova reunidos — que uma empresa esteve implicada numa iniciativa relativa aos preços, não obstante o facto de não ter sido encontrado qualquer documento escrito relativo a instruções de preços ou outras, não se trata de forma alguma de imputar a esta empresa uma responsabilidade colectiva, mas pura e simplesmente de apreciar as provas.

A questão daquilo a que as empresas chamam a responsabilidade colectiva só se coloca quanto não se pode presumir que uma empresa participou em um ou vários dos elementos da infracção.

São provavelmente estes problemas de prova que transparecem no segundo período — não muito feliz — do n.o 83, segundo parágrafo, da decisão.

Se, como penso, se considerar que as afirmações da Comissão apenas reflectem estes aspectos, nada há a censurar-lhe.

Se o Tribunal considerar que não existem elementos de prova bastantes para decidir que uma empresa participou na infracção de uma certa maneira, este elemento mencionado no artigo 1.o da decisão deve ser suprimido no que se refere a esta empresa. Ao que me parece, a Comissão não adoptou uma decisão do tipo «tudo ou nada» (ver as minhas observações anteriores sobre a natureza do esquema geral do acordo). Em consequência, considero que nada se opõe a que um ou mais dos elementos que figuram no artigo 1.o da decisão sejam suprimidos, eventualmente por razões de prova, sem que isso afecte o reconhecimento de princípio do facto de que a empresa ou as empresas em questão infringiram o artigo 85.o, desde que se prove que esta ou estas empresas participaram noutros elementos constitutivos das infracções.

Não se revela manifestamente pela leitura da decisão da Comissão, e em particular do n.o 78 e dos n.os 107 a 109, que a Comissão tenha, com efeito, imputado a certas empresas a responsabilidade daquilo que outras fizeram. Todavia, isto deve ser verificado concretamente em relação a cada empresa, o que será feito mais adiante quando da apreciação das provas respeitantes a cada uma.

Se bem que a Comissão tenha sistematicamente negado na audiência ter pretendido imputar às empresas uma responsabilidade colectiva, certos aspectos das alegações apresentadas, por exemplo, a contestação no processo Hercules, nas páginas 65-66, não se explicam todavia muito bem a não ser pelo facto de a Comissão pretender invocar em todos os casos um elemento de responsabilidade colectiva. Assim, foi referido na passagem acima citada que a decisão declarou que as recorrentes são culpadas de um acordo «contínuo» e de uma prática concertada em virtude dos quais os produtores na sua totalidade ou como um grupo (geralmente) — é a Comissão que sublinha — desenvolveram as actividades descritas no artigo 1.o, alíneas a) a e) da decisão.

Em minha opinião, nada se opõe a que as recorrentes manifestem o seu desacordo sobre este ponto. Esta formulação, todavia, não vem reproduzida no artigo 1.o da decisão, o qual, com a fundamentação da decisão, é determinante. E certo que compete ao Tribunal de Primeira Instância e ao Tribunal de Justiça, e não à própria Comissão, proceder à interpretação definitiva da decisão. O ponto de vista da Comissão, tal como se exprime na citada contestação, pode suscitar objecções na medida em que, na realidade, conduz a tornar passível de multa o simples contacto com os transgressores da lei ou a pertença a um grupo com um objecto ilícito. Isto não encontra qualquer fundamento no artigo 85.o, como já foi referido acima. Se a necessidade de uma tal norma se fizesse sentir, competiria ao legislador instituí-la.

E — Observações gerais sobre a apreciação das provas assim como sobre as categorias de provas e as provas

1. Generalidades

Se se exceptuarem os aspectos de todo elementares, o estudo das provas sobre uma base teórica é um exercício difícil. Em contrapartida, quando várias pessoas, juízes profissionais, jurados ou outros juízes não profissionais, ou qualquer outra pessoa confrontada com provas tiver que tomar posição sobre provas concretas, as suas opiniões são muitas vezes muito semelhantes.

Assim, poder-se-á ser tentado a passar directamente às provas produzidas no caso em apreço. Todavia, as recorrentes apresentaram um número tão considerável de observações sobre a situação em matéria de provas nos presentes processos, que parece oportuno fazer algumas observações gerais sobre as questões de prova.

2. A livre apreciação das provas

Antes de mais, é importante observar que a actividade do Tribunal de Justiça, e igualmente a do Tribunal de Primeira Instância, é regida pelo princípio da livre apreciação das provas, sem estar sujeita às diversas regras instituídas no quadro de sistemas jurídicos nacionais. Se se abstrair das derrogações previstas na ordem jurídica comunitária, o único critério para apreciar as provas produzidas reside na sua credibilidade ( 89 ). Nos presentes processos, como já acima referi, as únicas excepções a este princípio são as provas que não podem ser utilizadas pela Comissão contra empresas pelo facto de não lhes serem sido comunicadas no âmbito do processo administrativo.

Por exemplo, o processo Suiker Unie/Comissão ( 90 ) mostra claramente que, para apreciar as provas, o Tribunal de Justiça se baseia unicamente numa apreciação global da força probatória de um documento e em simples regras de lógica em matéria de provas (ver nomeadamente os n.os 156 a 166 do acórdão, Recueil, p. 1939 a 1941).

O mesmo se deve igualmente passar no caso em apreço. Naturalmente, as conclusões extraídas de provas não devem em caso algum redundar em especulações sem fundamento. Devem dispor de uma base suficiente e uma dúvida razoável deve aproveitar às recorrentes, segundo o princípio in dubio pro reo.

Nestes processos é de grande importância considerar as provas na sua totalidade. É evidente que, mesmo quando é possível dar uma explicação alternativa razoável de um documento determinado e talvez mesmo de vários documentos considerados isoladamente, a referida explicação corre o risco de não resistir a um exame mais preciso no âmbito de uma apreciação global de toda uma série de provas. Da mesma forma, à semelhança da Comissão, devem poder deduzir-se de períodos em que as provas são relativamente abundantes conclusões respeitantes a outros períodos em que a distância entre cada prova pode ser mais importante. Assim, será necessária uma explicação realmente sólida para convencer um órgão jurisdicional que, durante uma certa fase de uma série de reuniões, ocorreram coisas totalmente diferentes daquelas que ocorreram no decurso de reuniões anteriores e posteriores, quando é certo que estas reuniões tinham o mesmo círculo de participantes, tiveram lugar no quadro de circunstâncias externas homogéneas e tinham incontestavelmente o mesmo objectivo primordial, a saber, debater problemas internos do sector industrial em causa.

3. A prova testemunhal

No processo administrativo, a Comissão não tem a possibilidade de impor a audição de pessoas na qualidade de testemunhas ajuramentadas. Esta é uma das razões porque as decisões da Comissão nos processo de concorrência assentam em larga medida sobre provas documentais. O mesmo aqui sucede. Em contrapartida, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 99, as empresas têm a possibilidade de requerer a audição de pessoas. Nos processos«Polipropileno», da mesma forma que, pelo que sei, em numerosos outros processos, não foram todavia as pessoas directamente ligadas às ocorrências verificadas que explicaram o que se tinha passado no decurso das reuniões e o que significavam as notas que tinham redigido. Pelo contrário, foram no essencial consultores e representantes jurídicos e económicos internos ou externos das empresas que apresentaram os pontos de vista destas últimas.

A Comissão invocou essa circunstância para sustentar que se estas pessoas não foram ouvidas, existem menos razões para confiar no tipo de explicações utilizado por algumas recorrentes — e isto, aliás, com um talento de advogado extraordinário — para provar que os documentos apresentados não demonstram aquilo que parecem mostrar à primeira vista. Penso que a Comissão tem razão neste ponto. É surpreendente que possa ser necessário elaborar hipóteses alternativas quanto ao verdadeiro contexto do processo, quando pessoas ligadas às empresas, e em grande parte verosimilmente ainda nas mesmas empregadas, poderiam declarar qual era na realidade o sentido da totalidade dos documentos.

É evidente que não se deve atribuir uma importância decisiva ao facto de algumas explicações não terem sido fornecidas, mas, em minha opinião, a circunstância alegada pela Comissão é em qualquer hipótese um elemento de prova que, em certa medida, milita contra a tentativa das recorrentes para enfraquecer as teses da Comissão.

Poder-se-ia, à semelhança da Shell, alegar tão pouca confiança na parte oral do processo administrativo perante a Comissão, que se considerou mais sensato nela não participar. Mas então o que é que impedia que as recorrentes requeressem que as pessoas em causa fossem ouvidas pelo Tribunal, em aplicação do Regulamento de Processo? Ora, não foi apresentado qualquer requerimento nesse sentido. O facto de as recorrentes, que manifestamente têm problemas para se explicarem, não requererem que sejam ouvidas testemunhas susceptíveis de fornecer a explicação, não abona em seu favor.

4. A prova documental

Na sua maior parte, as recorrentes contestaram a veracidade dos relatórios das reuniões e das notas em que a Comissão baseia as suas conclusões.

O grupo mais importante das provas da Comissão é precisamente constituído pelos documentos, entre eles as notas, encontrados na ICI. A Comissão afirma (no n.o 70, quinto parágrafo, da decisão) que os relatórios das reuniões eram um registo preciso, fidedigno e consistente das reuniões. A Comissão sublinha, além disso, que, por seu turno, as recorrentes não produziram qualquer prova escrita ou oral susceptível de lançar a dúvida sobre a veracidade dos documentos invocados pela Comissão (n.o 70, primeiro parágrafo, da decisão).

Sobre este ponto, as recorrentes, como por exemplo a ICI, pretendem que, enquanto fonte que permita compreender o que se passou de forma geral nas empresas, as notas devem ser consideradas como apresentando sérias lacunas. As empresas acrescentam que as notas tinham como único objectivo — limitado — informar, em cada empresa, os colegas dos participantes nas reuniões do que tinha sido dito no decurso das mesmas e do que daí se podia deduzir e que foram acrescentadas às notas, após as reuniões, análises e comparações para uso pessoal do autor do relatório.

E alegado além disso que, mesmo que as notas pudessem reproduzir fielmente o que tinha sido dito, estavam longe de representar um relato fidedigno da situação de facto na indústria ou das intenções de cada produtor. Tento referir aqui as observações bastante frequentes relativamente à falta de confiança entre os parceiros e ao facto de o comportamento posterior das empresas mostrar que as mesmas não queriam conformar-se com os acordos celebrados, segundo as notas, durante as reuniões.

Por seu turno, a Comissão sublinha nomeadamente que os documentos foram elaborados em ligação imediata com aquilo que ocorreu, do que o autor ou os autores das notas não tinham qualquer razão para não fazer um relato exacto, e acrescenta que, na sua opinião, o conteúdo dos' documentos não apresenta de forma alguma sinais de exagero. Como acima foi dito, a Comissão sublinha que nenhuma das empresas requereu que as pessoas em causa fossem ouvidas nos termos do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 99.

Para apreciar o valor probatório de um documento, é necessário, antes de mais, verificar a verosimilhança da informação que nele está contida. Deve-se então ter em conta, nomeadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e perguntar-se se, segundo o seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno.

De maneira muito geral, não é de forma alguma inverosímil que, como a Comissão afirma, representantes das empresas se encontrem para celebrar acordos ou concertar a sua prática. Como se sabe, a Comissão tem invocado com êxito perante o Tribunal de Justiça que é o que frequentemente tem ocorrido.

Nos presentes processos, os documentos provêm de membros do pessoal que devem expor aos seus colegas e superiores hierárquicos o objectivo das reuniões em que participaram. Exceptuando o caso Hercules, nada indica que estas pessoas possam não ter desempenhado a sua tarefa de forma inteiramente leal e ao melhor nível. Segundo as regras gerais em matéria de prova, deve-se atribuir uma grande importância ao facto dos documentos serem elaborados em ligação imediata com as reuniões e manifestamente sem que se pense que poderiam ser levados ao conhecimento de terceiros estranhos ao assunto. Em minha opinião, uma apreciação global do conteúdo dos relatórios das reuniões mostra que os mesmos foram cuidadosamente elaborados por pessoas que conhecem bem o seu assunto e que o reproduzem, numa linguagem correcta, de forma ponderada e resumida, as concepções do ou dos autores dos relatórios no que se refere à reunião. São claros e lógicos e de forma alguma deles se retira a impressão de que o seu ou os seu autores tenham podido cometer erros graves de compreensão ou de interpretação do que se passou. Além disso, é pouco verosímil que grandes empresas industriais enviem para reuniões que certamente consideraram como importantes, colaboradores que não estejam em condições de expor de forma razoável e fidedigna aquilo que se passou.

No que se refere ao processo ICI, foi alegado, como já referi, que, por várias vezes, foram acrescentados aos relatórios análises e outros complementos para uso do seu próprio autor. Isto não resulta à primeira vista dos relatórios e, apesar da solicitação da Comissão nesse sentido, a ICI não esclareceu de que aditamentos e análises se tratava. Acresce que, e é ocasião de o sublinhar de novo, a ICI não requereu que tal ou tal pessoa em causa fosse ouvida em apoio das suas afirmações.

Neste contexto, considero que se pode sem qualquer hesitação partir do princípio que os relatórios e as notas constituem fontes fidedignas para compreender o que se passou durante as reuniões e, desta forma, tomar como base uma interpretação linguística natural do conteúdo dos documentos para conceber o significado das discussões.

5. As análises económicas

As análises económicas constituem frequentemente uma parte importante do material de prova nos processos de concorrência e podem ter um grande valor para a compreensão do contexto econômico pelo Tribunal. Assim, é importante obter informações sobre a forma como se pode estimar que um mercado oligopolistico reage a diversos factores. Mas — e isso é que é importante — as peritagens económicas não podem substituir a apreciação e a solução jurídicas. Assim, quando o professor Albach consigna as suas observações sobre o que podem ser objectivos de preços num contexto económico, deve sublinhar-se que tal não constitui e não pode constituir uma apreciação jurídica. Mesmo que, além disso, se deva constatar que não se verificaram grandes incidências no mercado, isto não prova que não tenham sido celebrados acordos e que não tenha existido troca de informações com vista a regulamentar os preços. É o Tribunal que se deve pronunciar sobre o que o artigo 85.o, n.o 1, proíbe sobre as provas a este respeito, e não os peritos em economia.

Assim, o Tribunal deve determinar, com base numa apreciação global das provas, se o que se passou constitui um comportamento ilícito, isto mesmo que se possa eventualmente imaginar que, do ponto de vista dos peritos em economia, a expressão «objectivos de preços» significa uma coisa diversa de um acordo sobre os preços que todos os parceiros se esforçarão por obter. E o conteúdo dos documentos de prova que deve mostrar se os participantes nas reuniões tinham a intenção de influenciar os preços ou se queriam simplesmente informar-se reciprocamente sobre o que, do seu ponto de vista, representava preços razoáveis com base numa apreciação do mercado e é ao Tribunal que compete, eventualmente, dizer se é ilícito informar-se reciprocamente durante um período muito longo sobre o que, na opinião de uns e outros, o mercado pode suportar.

6. Objectivos de preços e de quantidades como objecto de acordo ou de concertação

Segundo a Comissão, pretendeu-se concretizar as iniciativas de preço alegadas mediante a aplicação dos chamados «objectivos» de preços. Na apreciação das provas disponíveis, deve-se antes de mais determinar qual o sentido que as empresas, verosimilmente, deram à noção de «objectivos de preços» no âmbito das suas discussões durante as reuniões. Seguidamente, deve-se determinar se, no sentido assim estabelecido, esses preços podem ser considerados como caindo sob a alçada da proibição do artigo 85.o, n.o 1.

Sobre esta questão, a Comissão declara, por exemplo, que a «gíria» utilizada nos documentos de prova respeitantes às reuniões fala por si. A Comissão afirma que tem o direito de se inspirar no bom senso e interpretar as expressões utilizadas nos documentos em conformidade com o que as mesmas de facto exprimem. A razão, acrescenta a Comissão, conduz a interpretar a noção de objectivos de preços como exprimindo um certo nível de preços que os produtores convencionaram atingir na medida em que o mercado o permitisse.

Também é minha opinião que é impossível interpretar de forma diferente os relatórios das reuniões.

Contudo, talvez a própria noção de objectivos de preços seja, na realidade, o âmago de bastantes ambiguidades que se revelam no processo no caso em apreço. Com efeito, como disse a Comissão, a expressão «objectivos de preços», tal como vem utilizada nos relatórios das reuniões e noutros documentos, deve precisamente ser interpretada como a expressão de acordos para que as empresas atinjam, na medida do possível, um certo nível de preços. Na realidade de facto, e a Comissão igualmente o observou, foi muitas vezes difícil — impossível segundo as recorrentes — atingir os preços procurados. As recorrentes consideram de facto que o mercado não oferecia a possibilidade de impor quaisquer objectivos de preços, mas que os objectivos de preços foram na realidade determinados pelo mercado.

E daí que vem o interminável debate sobre a questão de saber em que medida as recorrentes dirigiam o mercado ou eram dirigidas por este.

E igualmente a este facto que se devem certas provas fornecidas de forma imponente pelas recorrentes, sob a forma de relatórios contabilísticos e de peritagens económicas e outras, que pretendem todos mostrar que os preços visados não foram atingidos.

No que se refere à maior parte das recorrentes, o encadeamento seguinte da argumentação visa demonstrar que as recorrentes nada tinham convencionado entre si ou, em qualquer caso, não se sentiam vinculadas por eventuais acordos, o que se provaria precisamente pelo simples facto de os preços procurados em comum não terem sido atingidos.

Na realidade, as recorrentes impuseram a si próprias uma tarefa bem árdua: escamotear o conteúdo muito seguro e bem documentado das negociações de que os relatórios das reuniões dão a impressão. Não penso que o tenham conseguido e considero que se pode sem hesitação partir do princípio que foram convencionados objectivos de preços e outros objectivos, provavelmente sob a forma de «gentlemen's agreements», como a Comissão afirmou e nesta medida, aliás, apoiada pelos documentos de prova.

O facto de a discussão ter, de forma geral, podido ter lugar e de as recorrentes terem querido consagrar-lhe recursos tão importantes resulta provavelmente da elasticidade do conceito contido na expressão «preços--objectivos» relativamente às regras da concorrência.

Alguns poderão talvez pretender que um acordo que tem como única finalidade procurar obter um preço determinando, na medida em que o mercado o permita, não representa em si um comportamento anticoncorrencial.

Ora, os relatórios mostram justamente que não era disso que se tratava. Pelo contrário, a intenção era obter um preço mais elevado do que aquele com que os participantes podiam contar noutras condições. A intenção era claramente procurar influenciar o nível dos preços para cima. O «objectivo» na acepção do artigo 85.o, n.o 1, revela-se sem qualquer equívoco.

Neste contexto, em minha opinião, pode-se deixar de atribuir qualquer importância ao facto de a própria noção de preços-objectivo ser tão oportunamente vaga que será difícil, no âmbito das relações recíprocas entre os participantes no acordo, determinar em que momento um participante não respeitou tal acordo. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de os acordos terem mais a natureza de «gentlemen's agreements», em razão do seu conteúdo um pouco incerto e vago e de, assim, não terem podido servir de base ao reconhecimento de obrigações recíprocas jurídicas ou morais, não é decisivo.

Assim, importa muito pouco saber se as empresas pensaram ter uma obrigação para com as outras, porque, pelo seu conteúdo, a obrigação era bastante incerta desde o início.

Deve-se concluir do que antecede que, mesmo um tipo de acordo que segundo o seu conteúdo tem em conta, como deve indubitavelmente ter, a situação de facto no mercado, é abrangido pelo artigo 85.o, n.o 1. Além disso, pode-se concluir, quanto às provas, que eventuais lacunas na aplicação dos preços procurados, ou uma aplicação incompleta na prática, não constituem justamente uma prova em contrário adequada, face a acordos deste tipo.

Várias recorrentes, aliás, não contestam na realidade as circunstância materiais, mas apenas as consequências jurídicas destas circunstâncias. Assim, por exemplo, a ICI declara que o objectivo discutido durante as reuniões de produtores consistia em recomendações comuns sobre o que os produtores visavam obter ou esperavam obter, com graus de entusiasmo variáveis.

Em minha opinião, estes termos descrevem muito exactamente um acordo ou uma concertação proibidos nos termos do artigo 85.o, o que mostra que se trata em larga medida apenas de um problema de definição ou de qualificação.

Todo o processo demonstra bem que as empresas não se sentiram vinculadas pelos acordos celebrados ou pela concertação que se verificou, da mesma forma que se sentiriam vinculadas por um contrato de fornecimento de um lote de polipropileno a um cliente determinado e numa data precisa. Quando, na sequência de um aumento de preços, os clientes foram a outras empresas para procurar obter um preço inferior, os responsáveis das vendas não puderam naturalmente resistir a uma paragem ou a uma grande diminuição das suas operações comerciais. Os relatórios de algumas reuniões mostram, todavia, muito claramente que a necessidade de procurar organizar qualquer coisa em comum foi fortemente ressentida, mesmo sendo manifesto que, frequentemente, a solidariedade de alguns era duvidosa.

Em geral, não é possível determinar quais as empresas que eram mais ou menos solidárias, mesmo que algumas estivessem na linha de mira das outras e não necessariamente sempre as mesmas, longe disso. E possível que se possa provar que uma ou duas empresas estavam mais dispostas a «fazer batota» do que as outras, mas o quadro está longe de ser claro e o facto de a ou as interessadas terem podido obter algumas vantagens à custa das outras não pode, em minha opinião, servir para demonstrar que não participaram. Podem-se formular observações inteiramente correspondente no que respeita aos objectivos de quantidade e às quotas.

F — O acordo está provado ?

1. Introdução

Como atrás foi dito ( 91 ), por razões processuais, a questão da existência do alegado acordo deve ser decidida com base nos documentos que a Comissão comunicou ao conjunto das empresas segundo as modalidades que a jurisprudência do Tribunal de Justiça permite exigir. Assim, as provas que podem ser utilizadas para demonstrar a existência de um acordo são no essencial os 101 documentos de prova enviados em anexo à comunicação geral das acusações, assim como os documentos juntos ao ofício da Comissão de 29 de Março de 1985.

2. Os acordos alegados em matéria de preços mínimos

Segundo as informações disponíveis, em fins de 1977 teve início uma série de reuniões, com a participação de um certo número de produtores de polipropileno abastecedores do mercado europeu. As reuniões tiveram lugar até ao fim de Setembro de 1983. A sua frequência aumentou. Assim, e isto não é contestado no essencial pelas recorrentes, houve verosimilmente seis reuniões em 1978, não é conhecido o seu número em 1979 mas é provavelmente menor, é verosimilmente de seis em 1980, dez em 1981, vinte e três em 1982 e, em 1983 — até ao fim de Setembro de 1983 — quinze. Segundo a Comissão, as reuniões tiveram como objectivo fundamental procurar influenciar os preços do polipropileno para cima, pela fixação dos chamados «preços--objectivo» e por diversas medidas de apoio que deveriam servir para atingir este objectivo.

Segundo a Comissão, esta série de reuniões tinha sido precedida de um período em que várias empresas tinham procurado aumentar os preços do polipropileno através de um entendimento pelo qual algumas delas tinham convencionado entre si aplicar o preço dito «preço mínimo», da mesma forma que outras empresas tinham concretizado entendimentos susceptíveis de constituírem uma prática concertada ilícita.

A prova fundamental da Comissão, no que respeita ao sistema de preços mínimos, é uma nota que se presume ter sido elaborada numa data situada na primeira metade de 1977 — talvez em Junho — pelo director de marketing da Hercules. Trata-se de apontamentos tomados por este director no decurso duma conversação telefónica com um interlocutor não identificado. No documento, que é bastante fragmentário, como o são frequentemente notas que reproduzem uma conversa telefónica, e que não é compreensível à primeira vista em todos os seus pormenores, refere-se, em primeiro lugar, um acordo celebrado entre os produtores mais importantes. Perante esta indicação, encontra-se a menção das empresas Monte, Hoechst, Shell e ICI. Está seguidamente escrito em estilo telegráfico: «sistema de preços mínimos — preços mínimos a partir de 1 de Julho — em qualquer hipótese a partir de 1 de Agosto, no termo dos contratos existentes — preços mínimos apenas durante um período de quatro meses». Segue-se uma observação sobre uma alternativa que poderia fazer alusão a um sistema existente na altura. Entre essas palavras-chave figuram algumas observações sobre importadores, observações que não parecem poder ser directamente integradas num contexto qualquer de que se tenha conhecimento. Seguidamente encontra-se uma frase que significa provavelmente que devia ter lugar uma reunião em Outubro para apreciar os progressos realizados. Finalmente, figura uma observação no sentido de que deviam ser introduzidas limitações quantitativas no ano seguinte, eventualmente — é em todo o caso o que pensa a Comissão — na condição de o sistema de preços mínimos ter sido eficaz. Finalmente, esta nota contém colunas com indicações de preços em moedas francesa, britânica, belga e alemã, para diferentes qualidades. Não parece que o que figura na página pretensamente «seguinte» tenha sido escrito pela mesma mão e o texto mais ou menos ilegível que aí se encontra não parece ser invocado pelas partes.

Portanto, sabemos que o director das vendas da Hercules recebeu, de fonte desconhecida, informações segundo as quais tinha sido celebrado um acordo entre os «quatro grandes», cujo conteúdo se desenha nas notas tomadas ao telefone — se bem que não seja com a clareza de que a decisão da Comissão dá a impressão.

Revela-se, portanto, que deve ter existido aquilo a que a Comissão chamará mais tarde o «acordo central» entre os quatro maiores produtores (ver o ofício de 29 de Março de 1985, p. 2) e que a Hercules dele tinha conhecimento. Este documento não fornece informações mais amplas e, nomeadamente, nada se sabe sobre outros produtores. Todavia, o teor do documento permite razoavelmente supor que foi precisamente entre os quatro grandes produtores, e não entre outras empresas, que foi celebrado um acordo. Esta possibilidade de interpretação, aliás, foi apresentada pela Comissão, tanto no seu ofício de 29 de Março de 1985 como posteriormente a título alternativo.

No que se refere a este documento e ao alegado acordo, os quatro grandes produtores reagiram da forma seguinte.

A Montedipe nega a existência de um acordo nos termos do artigo 85.o, n.o 1, no sentido que esta recorrente dá a este conceito, a saber, que só existe acordo quando as partes exprimiram sem ambiguidade a sua intenção de se obrigar e quando o seu comportamento posterior eventual reflecte claramente esta vontade. A recorrente refere-se a este propósito ao acórdão ACF Chemie-farma/Comissão, verosimilmente ao n.o 112. Seja o que for que se possa pensar a partir de agora da interpretação dada pela Montedipe (a seguir «Monte») a este acórdão, o interessante reside todavia na descrição que ela própria faz dos factos ocorridos em 1977. Afirma nomeadamente que este único documento não prova nem o acordo nem o plano. A realidade era diferente, diz a recorrente. Acrescenta (petição p. 100):

«Na situação de mercado acima descrita, seis ou sete produtores, entre os quais... (Monte) tiveram contactos uns com os outros, com toda a verosimilhança pelo telefone, com vista a analisar que medidas poderiam eventualmente ser previstas para reduzir as muito sérias dificuldades que se apresentavam nessa altura...»

No âmbito destes contactos, prossegue a Monte, foram indicados os preços que teriam permitido reduzir estas dificuldades.

A Comissão refere a este propósito que, em primeiro lugar, não havia qualquer razão para as empresas calcularem em comum um preço que teria coberto os custos. Cada uma teria podido fazê-lo individualmente. A Comissão acrescenta que a ICI e a Shell admitiram que a acção em questão tinha por finalidade bloquear a queda dos preços.

Em minha opinião, as declarações da Monte devem na realidade ser interpretadas como um reconhecimento das circunstâncias de facto sobre este ponto. Como disse a Comissão, é contrário ao elementar bom senso que empresas muito grandes se auxiliem mutuamente com a única finalidade de proceder a simples cálculos de preços. Pode-se sempre dar às coisas um nome diferente daquele que normalmente lhes compete e o facto de «indicar» preços em comum é, em qualquer caso, normalmente na realidade a expressão de uma concertação de empresas sobre uma política de preços. Considero que serão necessários elementos extremamente sólidos para provar que uma tal «indicação» comum não terá tido importância para a política de preços das empresas e tais elementos não existem.

A ICI reconhece igualmente em larga medida as circunstâncias de facto. Assim, não contesta que os produtores tiveram contactos por telefone durante o ano de crise (1977) e que as discussões podem ter incidido sobre a importância da queda dos preços na Europa Ocidental. E igualmente possível que certos produtores tenham declarado que seria desejável fixar o nível de preços mínimos para parar a queda dos preços. -A ICI refere-se seguidamente à nota acima referida, que todavia não considera convincente, uma vez que, na realidade, os preços desceram até 1,0 DM/kg.

A Comissão refere a este propósito que a nota parece credível em si mesma e que tanto a ICI como a Shell admitiram que tinham tido lugar contactos por telefone entre produtores com vista a encontrar os meios de parar a queda dos preços. No que se refere aos preços reais, a Comissão refere que, em Novembro de 1977, a Monte anunciou um aumento de preços muito próximo daquele previsto na nota e que no espaço de alguns dias foram tornados públicos aumentos similares pelas três outras empresas mencionadas na nota. Além disso, a ICI e toda uma série de outros produtores anunciaram publicamente o seu apoio a esta iniciativa. Finalmente, segundo a Comissão, a evolução real dos preços mostra que a iniciativa nesta matéria foi coroada de êxito.

A Shell admite que terão podido existir negociações entre ela própria e a Monte em Novembro de 1977 ou em altura próxima e que é possível que a Monte tenha mencionado a possibilidade de aplicar aumentos de preços e que tenha procurado informar-se sobre as reacções da Shell a um aumento de preços. Segundo a Shell, isto não basta para se verificar uma infracção ao artigo 85.o sobre este ponto. Na opinião da Shell, a nota relativa ao acordo sobre os preços mínimos também não fornece elementos suficientes para que se verifique um acordo como aquele que vem alegado pela Comissão. Em apoio do seu ponto de vista, a Shell refere-se ao documento de 6 de Setembro de 1977, citado no n.o 16, quinto parágrafo, da decisão, segundo o qual terá tido lugar uma reunião em 30 de Agosto de 1977 na Bélgica entre a Shell e a Solvay para discutir o preço do polipropileno. Segundo a Shell, o documento contribui para demonstrar que esta empresa não é culpada de qualquer infracção. A Shell invoca nomeadamente o facto de, em conformidade com o relatório da reunião, a política da empresa ser a de manter as vendas em benefício de todo um número de clientes no Benelux «seja qual for o custo», e que a Shell não via outra saída para o problema da sobrecapacidade que não fosse desenvolver o mercado do polipropileno graças a uma modernização do processo de produção e ao desenvolvimento das possibilidades de utilização. A Shell sublinha, além disso, que os participantes na reunião não se referiram nem directa nem indirectamente a qualquer acordo sobre os preços. Se a queda dos preços tinha constituído um problema importante para as duas empresas e as suposições da Comissão respeitantes a um acordo sobre um preço mínimo estavam correctas, era espantoso que não se tivesse falado de acordo sobre os preços.

O documento citado, que só foi apresentado pela primeira vez por ocasião da audiência, não figura entre os «101 documentos de Drova» e, aliás, não foi apresentado à Shell. E esta a razão por que, como a Comissão admitiu na audiência, não pode ser utilizado senão em benefício da Shell.

A Comissão mantém, por seu turno, que a nota respeitante a um preço mínimo se revela credível, sobretudo considerada à luz das outras informações disponíveis. A Comissão considera, além disso, que o documento da Solvay de Setembro de 1977 em nada demonstra que não terá havido qualquer acordo sobre os preços nem que não se falou de preços.

A Hoechst não se exprime directamente sobre a questão de saber em que medida houve contactos entre as^empresas em 1977, nomeadamente se terão existido negociações sobre os preços. No que respeita à nota, a Hoechst declara que dela não resulta claramente que a expressão «agreement» utilizada deva significar um acordo na acepção do artigo 85.o Poderá perfeitamente imaginar-se que a expressão significa unicamente que houve um acordo sobre a necessidade de um aumento de preços. Finalmente, segundo a Hoechst, não se poderá excluir que o interlocutor do colaborador da Hercules tenha deixado entender que existia um consenso entre os quatro grandes para ganhar assim o apoio da Hercules para seus próprios esforços. A Hoechst acrescenta que a afirmação da Comissão, segundo a qual o aumento dos preços foi adiado, não é confirmada pelos documentos de prova.

A este propósito, a Comissão sublinha que a nota da Hercules é um documento cuja autenticidade não é contestável, pois foi elaborado na altura das circunstâncias alegadas e não existe qualquer razão para duvidar da sua exactidão. Além disso, a nota corresponde perfeitamente aos aumentos de preços uniformes anunciados por uma série de produtores na reunião EATP, em Paris, em 22 de Novembro de 1977, assim como na imprensa especializada.

Como indício da exactidão material da nota, a Comissão refere ainda que a Hercules, que estava portanto ao corrente do acordo alegado, tinha já declarado numa reunião de Maio de 1977 que deveria incumbir aos chefes de fila tradicionais neste sector da indústria colocar ordem no caos que nela reinava. Segundo a Comissão, são todavia os dados indicados acima relativamente a Novembro de 1977 que confirmam o conteúdo da nota no que se refere ao acordo entre os quatro grandes. Na sexta-feira, 18 de Novembro de 1977, a Monte tinha anunciado um aumento de preços na revista European Chemical News, indicando um preço mínimo de 1,30 DM para a ràfia e de respectivamente de 1,40 DM e 1,50 DM para duas outras qualidades. Na terça-feira, 22 de Novembro, teve lugar uma reunião em Paris no âmbito da organização EATP, na qual participaram tanto os produtores como os consumidores de polipropileno.

No decurso desta reunião, a Hoechst declarou que esta empresa tinha anunciado um aumento de preços alguns dias antes. A ICI exprimiu o seu apoio à iniciativa da Monte, sem que o representante da ICI possa dar mais detalhes, mas afirmou que os representantes da ICI receberiam em breve uma comunicação neste sentido. A Shell exprimiu-se igualmente de uma forma que pode ser interpretada como um apoio à iniciativa. Além disso, a Rhöne-Poulenc, a Hercules, a Chemie Linz, a Saga e a Solvay exprimiram o seu apoio a esta iniciativa. A Chemie Linz declarou que era necessário que as empresas se alinhassem por estes novos preços. O representante da Hercules declarou que, embora não conhecendo ainda os pormenores da iniciativa da Monte e não sabendo se esta iniciativa seria apoiada pelos chefes de fila reconhecidos nessa indústria, a política da Hercules seria a de conceder o seu apoio completo a qualquer esforço para aumentar os preços do polipropileno a um nível razoável, correspondente aos custos de produção. A Rhône-Poulenc referiu que, na sexta-feira anterior, esta empresa tinha tido conhecimento, através da imprensa, do aumento de preços previsto pela Monte. Segundo a Rhône-Poulenc, não era possível encontrar de uma só vez o nível economicamente aceitável, uma vez que este nível era de cerca de 3,50 FF, mas a Rhône-Poulenc tinha decidido seguir a Monte, de forma que o preço de base da Rhône-Poulenc seria de 3 FF a partir de de 28 de Novembro de 1977. A Solvay anunciou que se conformaria com os preços já indicados pelos grandes produtores.

Tudo isto foi relatado seguidamente na edição da mesma semana da European Chemical News sob o título «O aumento de preços de Montedison PP é apoiado pelos produtores europeus».

3. Prolongamento do acordo em matéria de preços mínimos

Segundo as informações disponíveis, o preço do polipropileno aumentou seguidamente até 1,20 DM/kg para a qualidade de base da ràfia e, em Abril de 1978, a European Chemical News anunciou que a Montedison projectava um aumento de preços de «pelo menos 10 %» antes das ferias de Verão, verosimilmente em Junho.

No decurso de uma reunião de 26 de Maio de 1978, no âmbito da EATP, a Monte anunciou que o aumento de preços de Novembro de 1977 não tinha reconduzido a indústria a um nível de preços satisfatório e que a iniciativa tomada em Novembro só podia ser considerada como um primeiro passo que devia ser seguido por uma nova diligência, verosimilmente durante a segunda metade de 1978. Durante a mesma reunião, a DSM declarou que apoiaria o movimento com vista a elevar os preços a um nível razoável. A Hercules declarou, entre outras coisas, que a necessidade de elevar os preços a um nível mínimo de 1,30 DM/kg era e seria sempre bastante grande. O representante da ICI declarou nomeadamente que a ICI apoiaria sem restrições os esforços para atingir o nível de preços proposto em Paris. A Rhône-Poulenc declarou que o aumento de preços anterior apenas representava um passo e que seria necessário um aumento de preços suplementar de 10 %. A Shell não se exprimiu claramente sobre os preços. A Solvay sublinhou que os preços da altura não eram suficientes para assegurar aos produtores um lucro satisfatório e que eram necessários mais aumentos de preços.

4. Reuniões entre produtores

Segundo informações fornecidas pela ICI, um grupo de produtores tinha começado a reunir-se antes da reunião de Maio de 1978 acima referida, com vista a discutir problemas neste sector industrial. Segundo a ICI, as reuniões começaram «por volta de Dezembro de 1977». A ICI explica que em 1978 tiveram lugar cerca de seis reuniões ditas «dos patrões» e que a ideia dos objectivos de preços foi desenvolvida «durante as reuniões anteriores, efectuadas em 1978» (e, portanto, não necessariamente no início de 1978 como afirma a Comissão). Tendo em conta que tiveram lugar seis reuniões em 1978 e que a ideia dos objectivos de preços se desenvolveu em 1978, a Comissão é de opinião, consequentemente, que a solidariedade expressa em 1978 durante a reunião EATP assenta forçosamente num acordo anterior entre os produtores.

5. Apreciação da situação em 1977

Relativamente ao período anterior a 1978, a história do acordo conheceu uma espécie de fase introdutória que pode, em certa medida, ser apreciada separadamente, como o faz a Comissão. No plano das provas, esta fase é caracterizada pela importância decisiva atribuída pela Comissão à nota acima referida sobre o acordo relativo aos preços mínimos entre os quatro grandes produtores. Como se verá, há seguidamente uma alteração nas provas sobre as quais a Comissão apoia a solução que defende, pois no que se refere ao período que começa em fins de 1977 ou no início de 1978, a Comissão atribui uma importância decisiva ao facto de terem tido lugar reuniões durante as quais — e isto não é contestado — os produtores discutiram problemas com os quais o sector industrial estava confrontado.

Por aquilo que entendo, o colaborador da Hercules, que recebeu a comunicação telefónica, recebeu indubitavelmente certas informações importantes e parece, com base na nota, que não existem razões válidas para duvidar que existia um acordo ou em qualquer caso uma «conivência» entre os quatro grandes produtores. A nota é muito específica no que se refere aos preços que deviam ser obtidos e mesmo as indicações quanto ao nível dos preços correspondem um tanto ao preço médio real no Outono de 1978 e ao que foi admitido como preço mínimo aceitável durante o Outono de 1977 e a Primavera de 1978, isto é, 1,30 DM/kg. E difícil admitir que as informações contidas na nota tenham sido mais ou menos imaginadas, da mesma forma que só elementos de prova nesse sentido é que permitiriam admitir que alguém teria «semeado» informações junto da Hercules para levar esta empresa a aderir a qualquer coisa que não existia. Acresce que pelo menos dois dos quatro grandes produtores admitiram largamente as circunstâncias de facto. O documento que a Shell invoca como um indício de que esta recorrente não esteve implicada num comportamento ilícito, em minha opinião, não fundamenta de forma bastante sólida a afirmação da Shell. E evidente que nenhum acordo sobre os preços vem mencionado no documento, mas se o acordo tinha precisamente sido celebrado entre os quatro grandes produtores, como o indicam as notas da Hercules, o facto de não ter havido discussão expressa do acordo sobre os preços com a Solvay não tem nada de espantoso. Além disso, convém em geral, naturalmente, ser prudente antes de atribuir demasiada importância àquilo que não figura num documento.

Consequentemente, em minha opinião, deve considerar-se como provado que, em meados de 1977, existia um acordo ou uma concertação como vem indicado na nota. Não sabemos o que se passou seguidamente até Novembro. Mas sabemos que então houve um aumento de preços por parte da Monte, que obteve muito rapidamente o apoio dos outros grandes produtores, aumento que, como se disse, correspondia largamente ao conteúdo da nota. Sabemos também que, na realidade, os preços aumentaram até cerca de 1,20 DM/kg. Neste contexto, não deixa de ser razoável presumir, também, que o acordo inicial sobre os preços foi seguidamente aplicado da forma alegada pela Comissão.

A Comissão considera que isto constitui o «acordo central» anteriormente citado e acrescenta que o facto de a Rhône-Poulenc, a Hercules, a Chemie Linz e a Solvay terem apoiado esta iniciativa de preços na reunião de Paris milita fortemente a favor da. conclusão de que estes produtores estiveram implicados no acordo/prática concertada. Segundo a Comissão, esta conclusão também é alicerçada no facto de a ICI e a Shell admitirem ter estado em contacto com outros produtores, sem que se tenha podido determinar quais. Uma outra possibilidade, segundo a Comissão, é que apenas os quatro grandes produtores tenham celebrado o acordo central, não tendo os outros produtores participado na sua elaboração nem informado os quatro grandes da sua adesão antes da reunião EATP. Segundo a Comissão, participaram todavia, em qualquer hipótese, numa prática concertada, uma vez que se provou que colaboraram com os quatro grandes na aplicação do acordo celebrado entre estes últimos.

No que se refere aos quatro grandes produtores, considero, como já disse, que dispomos dos elementos necessários para os considerar como culpados no sentido defendido pela Comissão. Não parece que haja qualquer razão para duvidar da exactidão da nota da Hercules e uma leitura natural do seu conteúdo alicerça adequadamente o ponto de vista da Comissão. E ainda mais, duas empresas expressamente mencionadas na nota admitiram na realidade a situação. O que seguidamente se passou corresponde, além disso, perfeitamente ao conteúdo da nota e pode-se facilmente conceber que tenha sido necessário esperar o momento favorável para proceder ao aumento dos preços, o que aliás foi referido seguidamente por várias vezes.

Quanto às outras empresas que a Comissão considera como implicadas, em minha opinião, a situação apresenta-se de forma diversa. A nota da Hercules designa expressamente os quatro grandes produtores e é natural partir da hipótese que os outros não participaram. A Hercules foi informada de um acordo, como provavelmente outras empresas, mas não sabemos quais. Tudo bem considerado, nada se sabe de importante sobre o que se passou desta data até Novembro, quando a Monte anunciou o seu aumento de preços. A questão agora é a de saber se se pode considerar que as empresas que apoiaram a iniciativa de preços na reunião de Paris tomaram por si próprias, entre a sexta-feira, 18 e a terça-feira, 22 de Novembro, a decisão de seguir a iniciativa, eventualmente sabendo que os quatro grandes se tinham posto de acordo. Evidentemente a outra possibilidade é a de todo o seu comportamento constituir uma encenação em honra dos clientes das empresas e do público.

Não quero dizer que seja impensável ou inverosímil que, numa situação como a que então existia, tenham sido adoptadas decisões rápidas para seguir o produtor chefe de fila, tanto mais que, naquele 22 de Novembro, as empresas dispunham precisamente de uma sede apropriada para tornar públicas as suas intenções. Como já foi dito, sabemos que certas empresas tiveram contactos com os quatro grandes, mas ignoramos quais e seria necessária uma identificação para provar uma verdadeira participação das empresas individualmente. É claro que poderão ter existido negociações de bastidores, relacionadas com a reunião de Paris, e que terão podido ser tomadas decisões na sequência de consultas telefónicas, mas não dispomos de qualquer meio de prova a este respeito. Assim, em minha opinião, tem de se admitir que as outras empresas, isto é, a Rhône-Poulenc, a Chemie Linz, a Hercules e a Solvay tomaram cada uma especificamente e de forma independente a decisão de seguir a Montedipe.

Em minha opinião, isto é igualmente válido mesmo que se possa supor que as referidas empresas tiveram conhecimento do acordo — ilícito — entre as quatro grandes, e é forçoso considerar que a Hercules estava ao corrente. Em minha opinião, o facto de alinhar por um nível de preços, em cuja fixação uma empresa não tenha participado ela própria, não pode em si ser ilícito, da mesma forma, aliás, que não é ilícito seguir um «price-leader» e trata-se aqui precisamente da aplicação em comum pelos quatro grandes de uma forma de «price-leadership» ( 92 ). Um resultado em sentido contrário proibiria que as empresas se comportassem de forma inteligente face ao mercado existente, o que não poderá ser a finalidade das regras relativas à concorrência (ver também o acórdão do Tribunal de Justiça no processo ICI, n.o 118).

Nestas circunstâncias, também não posso aderir à concepção alternativa ou subsidiária da Comissão sobre o que se passou. É exacto que, no decurso da reunião EATP, as empresas exprimiram o seu apoio ao aumento de preços e ao objectivo que consistia em atingir um nível de preços de 1,30 DM/kg. Ainda que se possa partir da hipótese de que foram tomadas decisões individualmente, será ilícito fazê-lo numa reunião que pode ser descrita como pública? Tal não é forçosamente o caso a priori. Não se pode naturalmente excluir que sejam utilizadas vias de comunicação, com base num acordo subjacente, para trocar sinais que, no seu conjunto, podem ser considerados como uma concertação de práticas ( 93 ), mas nos presentes processos não parece que existam elementos suficientes para que seja esse o caso.

No que se refere ao ano de 1977, portanto, em minha opinião, deve-se considerar provado que os quatro grandes, Monte, ICI, Hoechst e Shell participaram num acordo sobre um preço mínimo tal como vem alegado pela Comissão, enquanto que não se dispõe de provas que permitam determinar que os outros produtores tenham feito o mesmo.

6. Apreciação da situação em 1978

Como se disse, a Comissão pensa que a solidariedade expressa na reunião EATP, em Maio de 1978, pode ser considerada como o resultado de negociações secretas que, segundo a Comissão, terão podido ter lugar quando das reuniões de patrões efectuadas em 1978 e nas quais participou uma grande parte dos produtores. Para alicerçar mais a sua suposição, a Comissão refere-se à declaração da ICI segundo a qual a ideia dos objectivos de preços se desenvolveu no decurso de 1978.

Finalmente, a Comissão alega de forma geral que se pode habitualmente considerar que o conteúdo das reuniões cujos relatórios estão disponíveis pode ser utilizado para avaliar as reuniões em relação às quais não se dispõe de informações detalhadas. Este ponto de vista é contestado, de forma geral, pelas recorrentes e uma (Rhône-Poulenc) alega mais especificamente que a Comissão não teve em conta o facto de o acordo ter evoluído com o correr do tempo, partindo de uma forma talvez mais modesta no início para chegar posteriormente a um sistema mais elaborado.

Relativamente a 1978 faltam provas mais directas, como aquelas de que aqui dispomos para os períodos posteriores, e a única iniciativa em matéria de preços que a Comissão pensa ter descoberto é a «segunda parte» do acordo sobre os preços mínimos de 1977. Evidentemente que circunstâncias como as descritas pela ICI, em que empresas concorrentes têm reuniões mais ou menos regulares para discutir o mercado, a procura, o equilibrio entre a oferta e a procura e o nível dos preços nas diferentes partes do mercado, geram suspeitas. Isto torna-se ainda mais suspeito, quando se discutem objectivos de preços, objectivos em matéria de quotas, de partes de mercado, de medidas compensatórias e de sistemas de «account management» dos clientes, factos referidos igualmente pela ICL E evidente que, uma vez que se passou qualquer coisa de ilícito em 1977 e, como adiante se verá, que existem provas de ilegalidade relativamente a 1979 e posteriormente, as primeiras reuniões de que temos conhecimento aparecem forçosamente sob uma perspectiva duvidosa. Por outro lado, uma apreciação global do acordo permite-nos saber que o mesmo se desenvolveu até constituir uma rede cada vez mais apertada de compromissos que deviam permitir realizar as pretensões das empresas em matéria de preços.

Em consequência, a questão é a de saber a partir de que data é juridicamente defensável considerar provado que as negociações que tiveram lugar levaram a estabelecer concepções comuns em medida suficientemente ampla para justificar a qualificação de acordo ou de prática concertada nos termos do artigo 85.o, n.o 1. Sabemos pela ICI que a ideia dos objectivos de preços nasceu no decurso de 1978, mas a data exacta não pode ser precisada. Sabemos igualmente pela ICI que, até ao fim de 1978 ou início de 1979, só se efectuaram as reuniões ditas de «patrões», enquanto que as reuniões de peritos, nas quais participaram colaboradores menos altamente colocados na hierarquia, que conheciam melhor a questão das vendas, só começaram em 1979.

Em minha opinião, o desenrolar dos acontecimentos tal como o conhecemos não deixa subsistir muitas dúvidas sobre a existência de negociações em 1978, que tiveram um objectivo um tanto ilícito e que produziram seguidamente consequências ilícitas, mas não se poderão dispensar provas de que as negociações conduziram a este ou àquele resultado concreto, sob a forma de acordos ou de práticas concertadas. Ora, não dispomos de provas neste sentido relativamente a este período.

Neste contexto, penso que se deve, antes de mais, reconhecer a ausência de elementos suficientemente seguros para fazer a prova de que as ideias em matéria de objectivos de preços se concretizaram a partir do início de 1978. Assim, em minha opinião, é duvidoso que se possa considerar como provado que as declarações feitas na reunião EATP em 1978 eram a expressão de um jogo antecipadamente convencionado. Em qualquer hipótese, no que se refere aos produtores que não faziam parte dos quatro grandes, não existe em minha opinião qualquer elemento seguro. Da mesma forma que em 1977, o seu apoio ao aumento de preços pode perfeitamente ser explicado como uma reacção ao anúncio do aumento por parte da Monte, apoio que eventualmente se concretizou porque conheciam a existência de um acordo celebrado entre os quatro grandes, sem nele terem participado.

No que se refere a estes últimos, será talvez menos difícil provar que os mesmos prosseguiram a actividade ilícita que exerceram com toda a verosimilhança em 1977. Todavia, relativamente aos quatro grandes produtores também se verifica uma séria carência de provas do que se terá podido passar, pelo menos relativamente a uma parte não menosprezável de 1978.

Em resumo, verifico assim que a Comissão não produziu provas dos acordos ou das práticas concertadas contrárias ao artigo 85.o, n.o 1, relativamente a qualquer das empresas, pelo menos no que se refere a uma parte importante de 1978.

Quanto aos quatro grandes produtores, deve-se considerar — e a isso voltarei posteriormente — que a sua responsabilidade em matéria de multas que a Comissão, em minha opinião, provou relativamente a 1977 e início de 1978, se encontra prescrita.

7. Apreciação da situação em 1979

Os documentos de prova respeitantes ao ano de 1979 são quadros encontrados na ICI, referidos no n.o 54 da decisão, assim como uma nota respeitante a uma reunião efectuada em 26 de Setembro de 1979. Há a acrescentar as instruções de preços respeitantes à primeira das iniciativas de preços mencionadas na decisão.

No primeiro quadro (anexo 55 à comunicação geral das acusações), intitulado «as vendas dos produtores na Europa Ocidental (à excepção da Turquia)», as vendas dos produtores durante os anos de 1976 a 1978 estão calculadas nas três primeiras colunas. Trata-se de números relativos à totalidade das recorrentes no presente caso, assim como relativos aos outros produtores da Europa Ocidental. Numa quarta coluna encontram-se os números relativos ao ano de 1979 com a menção «reais». Numa quinta coluna encontram-se os números que correspondem ao título «objectivo revisto» para 1979. O quadro seguinte (anexo 56), que está dividido numa coluna principal, intitulada «vendas», e em colunas intituladas « + % v. 1979», «quotas 1980», e «proposta I», «proposta II» e «proposta III» provém verosimilmente, segundo a ICI — em cujo escritório o quadro foi encontrado — de um dos produtores alemães ou austríacos. Nste último quadro, segundo a ICI, foram calculadas, em primeiro lugar, as vendas reais dos produtores na Europa Ocidental relativamente aos anos de 1976 a 1979. Ainda segundo a ICI, a coluna «+ % v. 1979» contém um cálculo dos volumes realizados por cada empresa em 1979, majorados de 0 a 10 %. A coluna «quotas 1980» constitui a proposta do autor como «objectivo de quantidade» para 1980. As colunas «proposta I, II, III» deveriam ser completadas pelo representante da ICI. A coluna «proposta III» contém o objectivo de quantidade final proposto como «quota» para o ano de 1980.

Os números na coluna «1979, reais», do primeiro quadro correspondem exactamente à coluna relativa a 1979 no segundo quadro. Os números da coluna «objectivo revisto 1979» do primeiro quadro afastam-se da coluna «1979, reais», de alguns pontos em termos de percentagem (até 5-7). Encontram-se os mesmo números que os de «1979, reais» noutros gráficos.

No que se refere às quantidades de produção, a nota relativa à reunião de 26 de Setembro de 1979 menciona, por um lado, que foi reconhecida a importância de um sistema fixo de quotas e, por outro lado, contém as palavras «go for 80 % scheme as per recent Zurich note». No que se refere a esta última observação sibilina, a ICI dá a explicação seguinte (resposta artigo 11.o, p. 23): no decurso de uma reunião em Zurique, os produtores presentes calcularam o volume médio de vendas mensais com base em volumes de vendas totais para a Europa Ocidental durante os oito primeiros meses de 1979. Tinha-se calculado que a procura mensal durante os três últimos meses do ano não ultrapassaria 80 % desta procura média mensal durante os oito primeiros meses do ano. É esta a razão porque, na reunião, foi proposto que os produtores limitassem as suas ambições, de forma a ter em conta a situação assim descrita.

Por razões processuais, um documento suplementar referido pela Comissão no n.o 54, terceiro parágrafo, da sua decisão, e respeitante aos produtores franceses, deve ser ignorado, uma vez que não foi enviado a todos [ver acima, secção A, n.o 5, alínea c)].

Como direi ao retomar o assunto mais adiante, o entendimento relativo às quotas para 1980 está suficientemente bem provado. Também aí não existem sérias dúvidas de que a expressão «objectivo revisto» para 1979 significa forçosamente que existia um entendimento no que se refere a uma parte maior ou menor do ano de 1979. Não sabemos em que momento o primeiro dos quadros acima descritos foi elaborado, mas uma comparação entre os volumes reais relativos a 1979 e alguns dos «objectivos de volumes de vendas» revistos para 1979 incita fortemente a pensar que, para o autor, se tratava de uma verificação a posteriori de concordância ou de não concordância. Logicamente, nada impede obviamente que tenham sido estabelecidos durante o ano de 1979 — eventualmente já no declinar do ano — um volume objectivo de vendas e, eventualmente, também um objectivo revisto. O relatório da reunião de 26 de Setembro de 1979 mostra em qualquer caso que naquela altura se trabalhou sobre este problema.

Como adiante vem descrito, as provas produzidas não fornecem qualquer razão para duvidar que tenha havido uma iniciativa de preços na segunda metade de 1979. Em contrapartida, em minha opinião, não existe prova bastante de um entendimento em matéria de quotas que teria sido estabelecido desde o início de 1979. É de supor que tenha existido um qualquer entendimento nos últimos meses de 1979, mas as provas disponíveis não permitem pensar o mesmo relativamente ao acordo sobre as quotas alegado pela Comissão.

Neste contexto, considero que o Tribunal — se aliás estiver de acordo com a minha apreciação das provas no que se refere ao que se passou mais tarde — deve admitir, face às provas, que à excepção do acordo sobre os preços mínimos de 1977, as primeiras infracções tiveram lugar numa data posterior a meados de 1979 e não, como afirma a Comissão, em 1978 e no início de 1979.

8. As iniciativas em matéria de preços

a) A iniciativa de preços de Julho a Dezembro de 1979

A prova principal da Comissão no que se refere a esta iniciativa de preços reside numa nota respeitante a uma reunião de 26 e 27 de Setembro de 1979. A nota, encontrada na ICI, menciona em primeiro lugar um «nível geral» de «1,70 a 1,75 DM», «4,00 FF/4,1» e «26-27 BFR». Lê-se seguidamente que 2,05 (está assente que se trata de DM) permanece o objective Acrescenta-se imediatamente que este preço, isto é, 2,05, não pode manifestamente ser atingido em Outubro ou Novembro e que a data que agora se prevê é a de 1 de Dezembro. Finalmente, diz-se sobre a questão dos preços «1 nov. 1,90 ou 1,95 — deve ser decidido desde já...» e depois «but decision will be swift», seja qual for o sentido dessas palavras no seu contexto.

No que respeita às restantes provas da Comissão, nota-se antes de mais que os documentos emanados da Shell, mencionados nos n.os 29, segundo parágrafo e 31, primeiro parágrafo, da decisão, não devem ser tomados em consideração, pois não foram enviados a todas as empresas no âmbito do processo administrativo (ver acima p. 39 e seguintes).

No European Chemical News (a seguir «ECN») de 30 de Julho de 1979, um artigo intitulado «Montedison propõe um aumento dos preços do polipropileno na Europa» indica que a Monte previa aumentar os preços em 8o/o a partir de 27 de Agosto para toda a Europa. Segundo o ECN, este aumento levava os preços a, respectivamente, 920 LIT/kg, 2,05 DM/kg, 4,70 FF/kg e 33 BFR/kg na venda aos clientes importantes. O artigo cita seguidamente o director-geral da direcção dos plásticos da Monte como tendo deixado entender, ao mesmo tempo que outros grandes produtores, que uma nova série de aumentos de preços teria lugar antes do fim do ano. Seguidamente reproduz as observações do director do sector do polipropileno da ICI no sentido de que: «a ICI apoia totalmente a iniciativa da Montedison», e acrescenta que numerosos operadores do sector industrial contam que a ICI anuncie brevemente aumentos correspondentes. Finalmente refere que a Shell apoia a Montedison e que as empresas da Shell na Europa procurarão atingir os 2,05 DM/kg que a Monte fixou como objectivo. Segundo este artigo, a Shell previa um aumento dos seus preços do polipropileno para fim de Agosto ou princípio de Setembro.

Por carta de 29 de Agosto de 1979, a ATO-Chimie fixa os seus preços a partir de 1 de Setembro de 1979 para os lotes de 20 toneladas dos seguintes níveis: 4,70 FF para a «fibra», 4,70 FF para o «homopolímero para moldagem», 5,00 FF para o «copolímero para moldagem» e 4,90 FF para o «copolímero película». A lista contém igualmente preços para outras qualidades. Nela se encontram igualmente majorações de preços para diferentes qualidades e quantidades inferiores a 20 toneladas.

Por cartas circulares praticamente idênticas, datadas de 24 e 26 de Julho de 1979, a BASF anunciou aos seus escritórios na Alemanha, no Reino Unido, na Bélgica, na França e na Itália, aumentos de preços aplicáveis a partir de 20 de Agosto de 1979 na Alemanha e de 1 de Setembro de 1979 nos outros países. As cartas justificam o aumento pela alta dos preços da matéria-prima durante o terceiro trimestre e precisam que é em razão das férias que a escolha recaiu sobre esta data para proceder aos aumentos, embora estes últimos fossem já absolutamente necessários. Os preços fixados para as referidas datas são assim indicados: «Grobtextil 2,05 DM/kg, Spritzguß 2,05 DM/kg, Folie 2,10 DM/kg» para uma qualidade denominada «Novolen 11» e o preço é majorado de 0,10 DM para uma qualidade denominada «Novolen 13». Os preços indicados são qualificados como «preços mínimos», enquanto que são fixados «preços máximos» em, respectivamente, 2,45 DM/kg e 2,55 DM/kg para as duas qualidades. Algumas destas canas contêm instruções de preços mencionam, além disso, que os aumentos são necessários, mesmo se o aumento de preços comunicado em Maio de 1979 «não pôde pelo menos impor-se completamente». As cartas dirigidas aos escritórios nos outros países mencionam para a «ràfia» e para o «Spritzguß» 33 BFR/kg, 4,70 FF/kg, 920 LIT/kg e 500 e 510 UKL/t.

Por carta circular de 20 de Julho de 1979, a Hoechst anunciou novos preços previstos para o polipropileno, alegando o aumento do preço do propileno, com base nos preços de base seguintes para uma qualidade denominada «Hostalen PP — Homopolymer natur/Granulat im Sack»: Alemanha 2,06 DM/kg, França 4,70 FF/kg, Grã-Bretanha 500 UKL/t, Itália 925 LIT/kg e Bélgica 32,50 BFR/kg. Segundo a carta, o aumento de preços devia ser aplicado a todos os fornecimentos efectuados em Setembro. A nova lista de preços foi enviada por uma carta circular de 1 de Agosto de 1979 e devia aplicar-se a todos os fornecimentos efectuados a partir de 3 de Setembro. A lista, apresentada como sendo de uso interno, indica os preços para os fornecimentos de- 20 toneladas com um montante mínimo e um montante máximo. Comporta seis qualidades diferentes de 202 a 207 DM/100 kg, estando todas as outras qualidades indicadas com preços mais elevados. Além disso, encontra-se uma coluna com preços mínimos ligeiramente superiores para os clientes que comprem menos de 20 toneladas por fornecimento. Segundo a carta circular, os preços são indicados assim para oferecer uma certa margem de manobra. Finalmente, aconselha-se que sejam estabelecidos contactos com o escritório principal para certos casos, qualificados de «casos particulares/clientes importantes».

No telex de 30 de Julho de 1979 da «ICI Europa» à «ICI Germany» pode-se 1er como «objectivos de preços mínimos» para Setembro: «raffia 2,05; ho moulding 2,05; co moulding 2,20; ho cast film 2,10», estando este ùltimo nùmero riscado à mão e substituído por «2,5 DM/kg». Nas notas relativas à lista de preços pode-se 1er que os prémios e descontos subsistem como dantes e que o «oriented film» é pago a 1,90 DM e passará a 2,05 DM a partir de 1 de Setembro.

Por circular datada de 30 de Julho de 1979, a ICI anunciou um aumento de preços geral de 25 UKL/t, a partir de 1 de Setembro. Assim, a variedade «Homopolymer — Film Yarn» devia passar de um preço mínimo de 475 UKL/t a 500 UKL/t. O «Moulding» e o «Film» deviam passar, respectivamente, a 510 e 550 UKL/t e o «Copolymer — General purpose» devia passar a 550 UKL/t. Além disso, vinha indicado que a ICI esperava que o nível de preços passasse a 2,05 DM/kg, em Setembro, no continente. Uma circular posterior, de 28 de Setembro de 1979, menciona que o nível de preços no continente era um tanto inferior ao nível de 2,05 DM, anunciado pela Montedison no início de Agosto. Vêm seguidamente informações sobre os níveis de preços na Alemanha, em França e na Bélgica, indicados como sendo, respectivamente, 1,70-1,75 DM/kg, 4,00-4,10 FF e 26,00-27,00 BFR. Seguidamente, esclarece que é neste momento evidente que o preço de 2,05 DM não será atingido no continente mas que a ICI continua a pensar que o mesmo poderá ser obtido em Novembro/Dezembro e que esta empresa apoiará activamente as tentativas para atingir este nível de preços. Em consequência, a carta dá instruções para que não sejam pedidas 500 UKL/t a partir de 1 de Outubro, podendo os clientes importantes ainda durante um mês comprar ao preço de 475 UKL/t.

Por telex de 20 de Junho de 1979, a Chemie Linz informou os seus escritórios de venda na Alemanha que tinha sido tomada em 19 de Junho uma decisão definitiva de aumentar os preços para 1,90 DM para a ràfia. A Chemie Linz explica seguidamente que os concorrentes procurariam aplicar um aumento de preços para 1 de Julho de 1979, o que se manifestaria através de informações difundidas nos seus escritórios locais. Acrescentava que deveriam aguardar-se mais contados por parte dos consumidores no quadro de uma flexibilidade de preços forçosamente diminuída junto dos concorrentes. Finalmente, dizia-se que seria necessário e possível procurar obter um novo aumento de preços, no montante de 0,15 DM, para 1 de Setembro. A menção (DM 2,05) é acrescentada seguidamente entre parênteses, estando escrito à mão «Raffia».

Por carta de 30 de Julho de 1979, a Shell anunciou a sua intenção de aumentar os preços em 25 UKL/t para todas as qualidades em 1 de Setembro. Segundo a carta, era conveniente enviar, entre 30 de Julho e 1 de Agosto, correspondência contendo essa informação a todos os clientes. A carta discutia além disso preços no continente e nela se podia 1er que a Montedison tinha publicado um comunicado de imprensa informando que aumentaria os seus preços de polipropileno na Europa a partir de 27 de Agosto, para atingir os preços igualmente citados na notícia do European Chemical News. Seguidamente, esclarece que as transacções na Europa se faziam então ao preço de 425 UKL/t, o que tornava necessário um importante aumento para atingir os preços anunciados. A Shell considerava seguidamente que durante o mês de Setembro ocorreria um aumento progressivo, em vez de um aumento de uma só vez em 1 de Setembro. Finalmente, mostrava a esperança de evitar esta situação no Reino Unido. Após a assinatura, estava acrescentado à mão:

«Floor

PPF 500

 

HPM 510»

Finalmente, convém referir um recorte de imprensa do European Chemical News de 6 de Agosto de 1979, apresentado pela Atochem. Sob o título «ICI adere à última iniciativa de preços PP», é noticiado que a ICI tinha anunciado, em ligação com a iniciativa de preços da Montedison da semana anterior, que tinha a intenção de aumentar os seus preços do polipropileno no mercado europeu de 5 % a 10 % a partir de 1 de Setembro. Assim, o homopolímero passaria para 500 ULK/t, comparado ao nível de 480 UKL/t de 1 de Junho.

Se os relatórios das reuniões internas na Shell de 5 de Julho de 1979 e de 12 de Setembro de 1979 — como acima foi dito, p. II-972 — não puderem ser utilizados como prova contra as empresas, o fundamento de algumas das conclusões da Comissão nos n.os 29 a 31 da decisão fica consideravelmente enfraquecido. Assim, a suposição de que a iniciativa em matéria de preços foi desencadeada a partir de 1 de Julho de 1979 apenas se alicerça, em certa medida, num telex de 20 de Julho de 1979 da Chemie Linz. Com efeito, o relatório da reunião de 26 e 27 de Setembro não revela directamente qualquer elemento a este respeito.

Em contrapartida, considero que a iniciativa a partir de 1 de Setembro de 1979 está suficientemente provada com base nos documentos acima mencionados. Em primeiro lugar, o relatório da reunião de 26 e 27 de Setembro de 1979 mostra que foi fixado um objectivo de preços, para valer a partir de uma data não especificada, mas anterior a 26 de Setembro. A Monte anunciou um aumento dos preços reproduzido no European Chemical News de 30 de Julho que deveria entrar em vigor em 27 de Agosto. A BASF, a Hoechst e a Chemie Linz tinham todavia, pouco tempo antes desta publicação, anunciado exactamente os mesmos aumentos de preços no essencial para a mesma data. A Shell e a ICI enviaram as suas cartas em 30 de Julho e, obviamente, pode-se conceber, como diz a Shell, que estas empresas agiram com base no comunicado de imprensa que a Monte lhes pode ter enviado alguns dias antes da publicação do European Chemical News. Em qualquer caso, estas empresas reagiram de forma extremamente rápida. Penso todavia que, uma vez que se provou que tiveram lugar reuniões, uma vez que é evidente que pelo menos três empresas chegaram, de forma dificilmente explicável, exactamente às mesmas concepções que a Monte quanto ao nível dos preços que devia ser praticado a partir de uma data determinada, uma vez que resulta do relatório da reunião acima referida que era precisamente este nível de preços que devia ser procurado atingir antes de 26 de Setembro, pode-se sem hesitação considerar como facto assente que o nível de preços e a data da sua aplicação foram objecto de um acordo ou de uma concertação.

b) De Janeiro a Maio de 1981

A Comissão não conseguiu encontrar os relatórios das reuniões que, como afirma e como reconhecem a ICI e outras recorrentes, tiveram lugar em 1980. A iniciativa de preços para 1981, que parece ter-se desenvolvido por etapas, é apresentada em três partes nos anexos ao ofício da Comissão de 29 de Março de 1985, respectivamente Janeiro de 1981, Fevereiro/Março de 1981 e Maio de 1981.

O documento interno da Solvay referido no n.o 32 da decisão, com as informações que nele figuram, não pode ser tomado em consideração, pois não foi enviado às empresas no âmbito do processo administrativo nem, aliás, apresentado no caso presente.

Na sua decisão, a Comissão referiu que foi desencadeada uma iniciativa de preços em fins de 1980, fixando um preço-objectivo de 1,50 DM/kg. Esta alegação baseia-se unicamente numa série de instruções de preços emanadas de diversas empresas que tinham como finalidade elevar os preços a este nível, considerado pelos produtores, segundo o European Chemical News de 10 de Novembro de 1980, como podendo ser atingido antes do fim do ano.

Num memorando de 8 de Dezembro de 1980, a DSM comunicou aos seus serviços internos linhas directivas no que respeita aos preços de venda que deviam ser aplicados a partir de 1 de Janeiro de 1981. Para uma qualidade denominada «HEX» os números indicados respectivamente para a Alemanha ocidental, a França e o Reino Unido são de 1,30/1,50, 3,50/3,50, 320/325. O quadro contém uma observação «Rock Bottom/Verkoop Richtlijn», o jque a Comissão interpreta na sua descrição do documento como, respectivamente, um preço mínimo e um preço-objectivo.

Em 22 de Outubro de 1980, a ICI informou a sua filial na Alemanha dos «objectivos de preços para o fim de 1980». Os preços indicados para Novembro eram de 1,30, 1,50 e 1,85 e para Dezembro 1,50, 1,70 e 2,00 no que se refere, respectivamente, à ràfia e aos homopolímeros assim como aos «copolymeri general purpose». Numa circular interna de 1 de Dezembro de 1980, a ICI anunciou preços mínimos aplicáveis a partir de 5 de Janeiro de 1981 de 320 UKL/t para a ràfia, 380 UKL/t para o «Homopolymer — Moulding» e de 430 UKL/t para o «Copolymer — General purpose». A carta re-fere-se a um rumor segundo o qual a Shell teria escrito aos seus clientes para lhes anunciar um aumento de preços de 30 UKL/t a partir de 1 de Janeiro de 1981. A carta contém ainda recomendações sobre a forma de agir nos casos em que possa ser necessário aceitar um compromisso no que respeita aos objectivos de preços. Em telex cuja data é ilegível, enviados à ICI em França e em Itália, os preços são indicados como «preços mínimos pretendidos a partir do início do próximo ano» ao nível de (FF) 3,50, 4,10, 4,00 e 4,30 para Janeiro e 4,00, 4,40, 4,30 e 4,60 para Fevereiro, e de (LIT) 720, 760, 750 e 850 para Janeiro e 830, 860, 850 e 950 para Fevereiro.

Num documento interno da Hoechst, datado na origem de 29 de Outubro de 1980, encontram-se os «Mindestpreise» e os «Zielpreise/Minimum» verosimilmente aplicáveis para Dezembro de 1980 e Janeiro de 1981. Este documento indica 1,50 DM/kg, 1,70 DM/kg e 1,95 DM/kg como objectivos de preços para as qualidades de base. Os preços mínimos indicados são inferiores em 0,25 DM a 0,30 DM. As indicações do documento estão riscadas e foi escrita à mão a data de 5 de Janeiro de 1981 e é o mês de Fevereiro de 1981 que é indicado como data de aplicação. Os preços indicados como objectivo para as qualidades de base são 1,75, 1,85 e 2,00 DM/kg.

Por telex de 31 de Dezembro de 1980, a Chemie Linz informou o seu escritório de venda na Alemanha de que os preços se elevariam a partir de Janeiro para 1,50, 1,70 e 1,95 DM/kg para as qualidades de base e a partir de Fevereiro para 1,75, 1,85 e 2,00 DM/kg. Vem indicado na carta, nomeadamente, que será necessário encontrar soluções provisórias em certos casos.

Em 9 de Dezembro de 1980, a Monte informou o seu escritório de venda italiano que, a partir de 31 de Dezembro de 1980, os preços seriam de 720, 750 e 870 LIT. A Monte indicava que a evolução da situação seria acompanhada a fim de assegurar os melhores resultados possíveis no respeitante à relação preço/quantidade.

Em 17 de Dezembro de 1980, a Shell publicou a informação segundo a qual várias sociedades Shell tinham fixado preços mínimos válidos a partir de 1 de Janeiro de 1981 ao nível de 1,50 DM/kg, 1,70 DM/kg e 2,00 DM/kg para as qualidades de base. A Shell acrescentava que estava anunciado um novo aumento de preço de 0,25 DM/kg a partir de 1 de Fevereiro.

Finalmente, as instruções dadas à Saga na Grã-Bretanha referem montantes correspondentes.

Como atrás foi dito, p. II-975, a ICI tinha indicado na sua carta circular de 1 de Dezembro de 1980: «It has become clear today via various messages from the marketplace that Shell...». A ICI acrescentava para informação das suas filiais a justificação do facto de ela própria pretender aumentos de preços correspondentes: «we will be supporting Shell's initiative...». Em contrapartida, não foi apresentado qualquer outro elemento nos presentes processos para provar que um «price leader» teria anunciado um nível de preços que os outros se teriam limitado a seguir. Assim, as declarações anónimas, bastante vagas, no European Chemical News não parecem poder explicar a fixação dos preços, a um nível tão uniforme e por tão numerosas empresas, que ocorreu. Acresce que a similaridade das comunicações e dos preços se revela particularmente insólita.

Nestas circunstâncias, sou de opinião que a descrição que figura no n.o 32 da decisão está correcta, com a reserva de que não se descortina em que base se funda a Comissão para supor a existência de um plano inicial com vista a dar aplicação ao aumento de preços em 1 de Dezembro de 1980.

O conteúdo da decisão é confirmado pelo relatório extremamente detalhado de duas reuniões de Janeiro de 1981, nas quais participaram numerosas empresas (mas não a Petrofina como a Comissão o admitiu na audiência). O nível dos preços numa série de países vem aí referido. No que diz respeito à Alemanha, pode-se aí 1er que os preços aumentaram, mas não até ao nível convencionado, sobretudo no que respeita à ràfia.

O relatório termina pela expressão de um «consenso» sobre o facto de um objectivo de 1,75 DM dever ser mantido e passar a 2,00 DM em 1 de Março «sem excepção» como se faz notar no n.o 33 da decisão.

As instruções de preços enviadas e referidas no n.o 33, último parágrafo, da decisão, correspondem no essencial a este consenso, com excepção das instruções da ATO que dele divergem pouco.

Desta forma, não vejo qualquer razão para duvidar do essencial das verificações da Comissão em matéria de provas, no que se refere ao teor dos n.os 32 e 33 da decisão.

Segundo os elementos de que se dispõe, a última parte da «iniciativa» de Janeiro a Maio de 1981 parece ter sido mais ou menos um fiasco. Uma análise das instruções de preços referidas no n.o 34 da decisão mostra que foi aparentemente sem sucesso que as empresas visadas tentaram fixar os preços ao nível indicado. Como já disse anteriormente, considero todavia que, para apreciar se uma infracção teve lugar, o facto de a iniciativa ter mais ou menos fracassado não é decisivo. Neste contexto e tendo em conta que as empresas se tinham reunido imediatamente antes, não tendo sido fornecido qualquer elemento susceptível de permitir outra explicação credível, não se pode razoavelmente duvidar que os preços forçosamente foram concertados ou convencionados.

c) De Agosto a Dezembro de 1981

A apreciação detalhada, acima efectuada, dos documentos de prova respeitantes às primeiras iniciativas revelou que, fundamentalmente, a apresentação das provas da Comissão assentava em bases sólidas. Assim, no essencial, só a obrigação de não tomar em conta documentos que não podem ser utilizados por razões processuais — como já foi justificado mais detalhadamente acima na secção A, n.o 5, alínea c) — alterou ligeiramente o quadro da situação.

Esta é a razão por que — tendo em conta igualmente a extensão das presentes conclusões — me limitarei às passagens da decisão relativas a iniciativas de preços posteriores que necessitam de observações específicas.

Segundo o quadro 3 anexo à decisão da Comissão, durante o período relativo à iniciativa de preços referida em epígrafe, foram efectuadas reuniões em 28 de Julho, 4 de Agosto, 28 de Agosto, 17 de Novembro, 20 de Novembro, e ainda em 16 e 18 de Dezembro de 1981.

No decurso da reunião de 15 de Junho de 1981, referida no n.o 35 da decisão, os Srs. C. R. Green pela ICI, J. E. Lane pela Shell e E. Zacchi pela Monte debateram diferentes soluções possíveis para o problema constituído pelo facto de a tendência para o aumento dos preços ter cessado durante os quatro ou cinco primeiros meses do ano. Uma das possibilidades mencionada foi a de aumentar os preços em 0,20 DM/kg a partir de 1 de Julho.

Como a Comissão refere na sua decisão em introdução a este ponto, a Shell e a ICI tinham já previsto, desde as cartas acima referidas, a possibilidade de aumentar os preços em Setembro/Outubro.

Segundo a decisão, «alguns dias» após a reunião de 15 de Junho, a ICI e a Shell deram aos colaboradores destas empresas instruções para prepararem o mercado para o aumento de preços em Setembro, com base num plano que fizesse o preço da ràfia atingir 2,30 DM/kg. A ligação directa dessa forma invocada entre a reunião de 15 de Junho e as comunicações da ICI e da Shell, enviadas respectivamente em 17 de Junho e 19 de Junho, não se verifica à primeira vista. A Shell fala evidentemente de um preço mínimo de 2,00 DM/kg em Julho, mas a única informação correspondente, no caso em apreço, é a que figura num relatório de uma reunião efectuada em 27 de Maio de 1981 entre os Srs. C. R. Green pela ICI e J. E. Lane e G. Dewick pela Shell, no qual uma comparação dos preços então efectuada revela um preço médio de 1,8 DM para a ràfia e 2,1 — 2,2 DM para os copolimeros (anexo 64/1 à comunicação geral das acusações). Ora, este documento nem sequer é invocado pela Comissão neste contexto. O único facto que resulta de explicações mais concretas das instruções das duas empresas é que se pretendia um aumento de preço para 2,30 DM/kg para o início de Setembro e isto nada tem a ver a priori com os eventuais aumentos de preços referidos no relatório da reunião para 1 de Julho de 1981. Assim, não se pode considerar verificada a existência de qualquer ligação directa entre osdois documentos.

A carta de 17 de Julho de 1981 da Solvay aos seus escritórios de venda no Benelux, que não se vê que tenha sido apresentada no caso em apreço, não pode servir de prova contra as empresas.

Segundo as informações de que dispomos, teve lugar uma reunião de peritos em 28 de Julho de 1981 e dispomos de um documento que pode parecer apresentar uma certa ligação com esta reunião, ou seja, uma nota escrita pelos dirigentes da Hercules ao Sr. Bastiaens. Aí vem escrito que os preços «oficiais» para Agosto e Setembro são, respectivamente, de 2,00 DM e 2,20 DM para a ràfia, de 2,25 e 2,40 DM para o «Moulding» e ainda de 2,40 DM e 2,55 DM para os copolimeros.

No n.o 35, segundo parágrafo, da decisão, a Comissão menciona a existência de um projecto inicial baseado num preço de 2,30 DM/kg para Setembro de 1981 e o facto de este projecto ter provavelmente sido alterado na reunião de 28 de Julho. Como se mostra do que antecede, o único elemento que permite pressupor um projecto inicial concertado encontra-se nas cartas de 17 e 19 de Julho de 1981 da Shell e da ICI a este respeito, e não temos qualquer informação sobre a existência de reuniões no período anterior a 28 de Julho, com excepção de 15 de Junho.

O que sabemos é, portanto, que, após a reunião de 15 de Junho, a ICI e a Shell planearam ambas atingir um nível de preços de 2,30 DM para 1 de Setembro. O primeiro indício mais sólido que aparece é todavia a existência da reunião de 28 de Julho de 1981, em ligação com a nota de 29 de Julho da Hercules sobre os «preços oficiais» para Agosto e Setembro.

Neste contexto, não penso que existam provas suficientes de um «projecto inicial» como aquele que vem referido no início do n.o 35, segundo parágrafo, da decisão.

As instruções de preços mencionadas no n.o 35, terceiro parágrafo, da decisão, relativas aos preços para 1 de Outubro de 1981 foram enviadas da forma seguinte: em 7 de Agosto, a BASF comunicou os preços para 1 de Setembro e, em 7 de Setembro, os preços para 1 de Outubro. A DSM enviou instruções de preços por carta de 6 de Agosto de 1981. A Hoechst enviou duas cartas, respectivamente (provavelmente) em 29 de Julho e em 13 de Agosto. A ICI enviou cartas em 4 de Agosto e em 7 de Setembro de 1981 relativas aos preços a partir, respectivamente, de 1 de Setembro e de 5 de Outubro. A Monte enviou uma carta em 4 de Setembro de 1981 relativa aos meses de Setembro e de Outubro. A Shell comunicou em 28 de Agosto o nível dos preços para 1 de Setembro e para 1 de Outubro. O aumento de preços alegado, referido no n.o 36, primeiro parágrafo, da decisão, só vem citado nesta carta como «nov. 2,5 DM/kg».

Em 23 de Dezembro de 1981, a ICI comunicou os preços para Janeiro de 1982. A Shell comunicou, em 5 de Dezembro de 1981, os objectivos de preços para Novembro e Dezembro. Em 27 de Dezembro, comunicou os preços para Janeiro de 1982.

Uma análise dessas instruções de preços mostra que a Comissão tem razão para as qualificar de praticamente idênticas. Se se tiver em conta o facto de ser notório que foram efectuadas reuniões pouco tempo antes do envio da maior parte das instruções de preços e que, além disso, existem ainda iniciativas de preços bem demonstradas, penso que se pode, sem qualquer hesitação, considerar provado que também teve lugar tal iniciativa de preços no que se refere a Setembro e, verosimilmente, ao resto do ano de 1981.

d) Os períodos de Junho a Julho de 1982 e de Setembro a Novembro de 1982

No que se refere a este período, a Comissão denunciou duas iniciativas de preços. As mesmas demonstram-se particularmente bem provadas através dos relatórios das reuniões e não suscitam observações específicas.

e) O fim do acordo sobre os preços

A última iniciativa de preços citada na decisão começa, segundo esta última, em Julho de 1983. No que se refere ao período que vai até à última reunião, efectuada em 29 de Setembro de 1983 (talvez em 30 de Setembro), antes da visita de fiscalização da Comissão, o conteúdo da decisão não suscita qualquer observação. Da mesma forma que relativamente ao período de Junho de 1982 a Novembro de 1982, as provas são de tal forma abundantes que não há que tratá-las em pormenor nas presentes conclusões. Note-se que dois documentos provenientes da Shell, referidos no n.o 49 da decisão, não podem ser invocados para provar a existência de um acordo. Trata-se de um documento intitulado: «PP W. Europe-Pricing» e dum relatório interno de 14 de Junho de 1983. Segundo a Comissão, todas as recorrentes tiveram a possibilidade de tomar conhecimento destes documentos quando lhes foi permitido o acesso aos autos. Como acima afirmei, considero que tal não basta.

O facto de estes dois documentos não poderem ser utilizados em nada enfraquece, todavia, em minha opinião, a conclusão da Comissão.

Coloca-se finalmente a questão de saber como deve ser apreciado o período posterior à última reunião e, eventualmente, à visita de fiscalização da Comissão.

Várias recorrentes alegaram que o acordo sobre os preços deve ser considerado como terminado, em qualquer hipótese, quando teve lugar a última reunião. Em contrapartida, a Comissão considera que; mesmo após 29 de Setembro de 1983, as empresas concertaram as suas práticas com base em acordos anteriormente celebrados.

Não se afigura particularmente importante no caso presente saber em que medida o acordo produziu determinados efeitos mesmo após a visita de fiscalização da Comissão, uma vez que, em qualquer hipótese, esta possibilidade apenas diz respeito a alguns meses suplementares. Tendo em conta a duração do acordo, a questão de saber em que medida acordos celebrados antes de 13 e 14 de Outubro de 1983 foram aplicados algum tempo após as referidas datas não tem manifestamente uma grande importância para determinar o montante das multas.

A concepção das recorrentes no que se re-, fere à situação jurídica relativamente ao último período do acordo não é todavia correcta. Não se pode considerar que a actividade ilícita tenha cessado logo que a Comissão interveio e, eventualmente, pôs termo à actividade organizada em matéria de reuniões. Os efeitos do acordo é que são decisivos.

A propósito deste problema pode ler-se no acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1985, Binon ( 94 ): «além disso, o artigo 85.o seria igualmente aplicável no caso de um comportamento paralelo dos editores que se tinha prolongado após a cessação do antigo acordo sem que tenha sido efectuado um novo acordo [...] o regime de concorrência intituído pelos artigos 85.o e seguintes do Tratado interessa-se pelo resultado económico dos acordos, ou de qualquer forma comparável de concertação ou de coordenação, mais do que pela sua forma jurídica». Igualmente se pode 1er no acórdão de 25 de Julho de 1976, EMI Records/CBS United Kingdom ( 95 ), que quaisquer acordos caem sob a alçada do artigo 85.o, desde que os seus efeitos permaneçam após os mesmos terem deixado formalmente de estar em vigor. Nos dois casos citados, o contexto era um pouco diferente dos casos presentes. Tratava-se de acordos regulares que tinham formalmente deixado de existir, e não de disposições adoptadas no quadro de um entendimento, em que os acordos, por natureza, são caracterizados pelo facto de as partes no mesmo estarem perfeitamente conscientes da ilicitude dos seus projectos.

Todavia, os princípios devem ser os mesmos. Assim, desde que se verifique que foram seguidos modelos paralelos durante algum tempo depois de terem cessado as reuniões, é lógico supor que foram aplicados acordos ou uma concertação anteriores durante o período posterior à visita de fiscalização da Comissão. Em minha opinião, poucas dúvidas se suscitam que as instruções de preços relativas ao período em questão, isto é, Outubro e Novembro de 1983, revelam a existência de acordos ou de uma concertação. É por isso que penso, à semelhança da Comissão, que o acordo só deixou verosimilmente de existir alguns meses após a última reunião. Isto é válido, mesmo que o documento referido no n.o 51, terceiro parágrafo, da decisão, encontrado na ATO, não possa ser utilizado contra as empresas, pois não foi enviado a cada uma delas.

9. Os sistemas de quotas

Como resulta das minhas observações acima no n.o 7, no que se refere à situação em 1979, não considero dispor de base suficiente para considerar verificada a existência de um sistema de quotas relativo a todo o ano de 1979. O primeiro sistema de quotas tratado nesta parte é, assim, o acordo sobre quotas invocado pela Comissão relativamente a 1980.

Tal como a Comissão afirma na parte I, C, VII da decisão e como o demonstram os documentos de prova, as empresas utilizaram «objectivos em matéria de volumes», «objectivos de volumes», «quotas» ou «ambições». Estas noções suscitam exactamente as mesmas dificuldades de interpretação que as relativas aos «objectivos de preços». Como já acima foi dito na secção E, n.o 6, é contudo de pressupor que os acordos ou uma concertação caem sob a alçada da proibição do artigo 85.o, n.o 1, mesmo quando, segundo o seu conteúdo, têm em conta em larga medida as condições materiais do mercado. O mesmo sucede no que se refere aos objectivos em matéria de quotas.

a) Sistema para 1980

Num relatório da reunião de 26 de Setembro de 1979, como acima foi dito, pode ler-se que é essencial («essential») um sistema fixo de quotas. Isto demonstra que, nessa altura, o problema foi debatido e, como já se disse no n.o 7 acima, existem alguns elementos que indicam que existia no fim do ano de 1979 uma espécie de sistema de quotas.

Na outra extremidade no tempo do sistema de quotas referido, temos o relatório de uma reunião de peritos efectuada em Janeiro de 1981. Os números de vendas provisórios relativos a 1980 são aí calculados, e as vendas, respectivamente, do quarto trimestre de 1980 e dos meses correspondentes de 1979 são comparadas. Constata-se que, relativamente a cada um dos meses do último trimestre de 1980, as vendas foram superiores às dos meses correspondentes de 1979 e que as vendas globais em 1980 eram apenas inferiores em 3 % às vendas em 1979. Os números de vendas relativos a cada empresa são seguidamente calculados numa coluna. A coluna vem oposta a uma segunda coluna que contém, relativamente a cada empresa, o cálculo de um objectivo baseado, segundo os termos do relatório, num «mercado de 1,2 milhões de toneladas na Europa Ocidental em 1980». Num comentário a estes números pode-se 1er que, entre os quatro grandes produtores, apenas a ICI se afastou do objectivo. O relatório acrescenta que a DSM contestou ter assumido o compromisso de reduzir o objectivo inicial, que os números relativos à Amoco se baseavam no essencial em simples conjecturas e que os respeitantes à Hercules pareciam não corresponder à impressão dada pela actividade dessa empresa em 1980. O relatório explica seguidamente que não foi apresentado qualquer número relativo à Solvay e à BP, mas que, comparando os outros números, se chega a uma estimativa de venda total de 90 quilotoneladas contra um objectivo de 71 quilotoneladas.

O objectivo indicado relativamente à ICI é de 139,2 quilotoneladas e as suas vendas reais de 128,1 quilotoneladas. No que se refere à situação da ICI, pode ler-se no relatório que uma parte do problema dessa empresa resultava com toda a evidência de uma séria recessão no Reino Unido, mas que a «retirada de Dundee», resultante do facto de a ICI ter tentado aumentar os preços anteriormente ao ano em curso, constituía um factor importante.

No que se refere propriamente ao ano de 1980, existe um quadro (anexo 60 da comunicação geral das acusações), para o qual o n.o 55, primeiro e segundo parágrafos, da decisão remete. No quadro escrito à máquina e intitulado «polipropileno — objectivos de vendas 1980 (em quilotoneladas)», está acrescentada à mão a data de 28 (ou talvez de 26) de Fevereiro de 1980. O quadro contém quatro colunas intituladas «objectivos 1980/na base de 1979; ajustamentos Petrofina», «proposta inicial», «ajustamentos propostos», e «objectivos convencionados». Nesta última coluna figura um número relativamente a cada empresa, cujo total dá o que é qualificado de «max. 1390» (quilotoneladas). No documento vem escrito, em baixo, «1390 quilotoneladas representarão + 12,1 % relativamente a 1979». Diante das empresas Saga, Tagsa/Paular, BASF e Petrofina figura um asterisco que remete para uma observação no documento segundo a qual os volumes de vendas «serão controlados». Diante da Petrofina encontra-se na coluna «ajustamentos propostos» a observação «max. 20», que é repetida na coluna «objectivos convencionados». Isto corresponde ao facto de, segundo as informações prestadas, a Petrofina só ter entrado no mercado em 1980.

Os números que figuram na coluna «proposta inicial» correspondem quase sem excepção aos números referidos na coluna «proposta 1» no documento acima referido (anexo 56) encontrado na ICI, mas que pode ser proveniente de um dos produtores alemães. Além disso, a mesma coluna deste documento contém uma série de números entre parênteses que, comparados com os números que figuram na coluna «proposta II» do documento, correspondem aos da coluna «agreed targets» do documento referido em primeiro lugar, no que se refere às empresas em relação às quais foram propostos «ajustamentos». Na coluna «proposta III» do anexo 56 figuram números que, no essencial, correspondem aos «objectivos convencionados» do documento referido em primeiro lugar e que constituem um total de 1378 quilotoneladas. Encontram-se diferenças no que se refere à Petrofina (15 em vez de 20), à BASF (60 em vez de 64) e à Saga (35 em vez de 38), isto é, 12 quilotoneladas no total e que dizem respeito a três das quatro empresas que, segundo o anexo 60, deviam ser controladas.

Os números que figuram na coluna «objectivos convencionados» do anexo 60 são reproduzidos no anexo 57, um documento proveniente da ICI, datado de 8 de Outubro de 1980, onde figura uma comparação entre as quotas para 1980 e as capacidades teóricas das diferentes empresas. Além disso, estão reproduzidos na coluna «vendas 1980, ambições» do anexo 58. Neste documento, que é proveniente da ICI e datado de 9 de Outubro de 1980, figuram além disso as vendas reais de cada empresa que constituem um total de 1170 quilotoneladas. Finalmente, no anexo 59, proveniente igualmente da ICI, encontram-se colunas que indicam os «objectivos» para 1980, num total de 1382 quilotoneladas, comparados às vendas «reais» apresentadas em duas colunas, uma escrita à máquina em números redondos e outra escrita à mão com os números exactos, constituindo estes últimos um total de 1207,9 quilotoneladas. Estes números correspondem, com diferenças muito ligeiras, aos números mencionados no relatório da reunião de Janeiro de 1981.

Da análise destes elementos, a constatação imediata que se impõe é que é extraordinariamente impressionante que três fontes diferentes, ou seja, a ATO, ICI e uma empresa alemã não identificada, nos ofereçam esquemas detalhados com cálculos e quotas sob a forma de «proposta inicial», de proposta alterada e de proposta definitiva ou de decisões, que correspondem entre si quase até ao mínimo detalhe.

Se a isto se acrescentarem os relatórios das reuniões relativos respectivamente à de 26-27 de Setembro de 1979 e à de Janeiro de 1981, que confirmam que tiveram lugar negociações durante o último semestre de 1979 e que confirmam o conteúdo dos quadros, não vejo qualquer razão para duvidar de que o alegado no n.o 55 da decisão, quanto ao desenrolar dos acontecimentos no que se refere a 1980, deva ser considerado no essencial como uma apresentação correcta e fundamentada. Considero particularmente revelador o comentário que figura no relatório da reunião de Janeiro de 1981 no sentido de que a DSM contestou que alguma vez tenha existido acordo sobre uma redução relativamente ao objectivo inicial. A DSM vem referida como tendo vendido 46,1 quilotoneladas, o que deve ser comparado com o facto de, no documento de 28 de Fevereiro de 1980, ter sido aí atribuída a essa empresa uma quota de 45 quilotoneladas.

b) Período de 1981-1982

Segundo a Comissão, não existia qualquer acordo definitivo sobre as quotas no que se refere a este período (n.os 56 a 59 da decisão). No artigo 1.o, alínea e) da decisão, a alegada infracção das empresas vem descrita como uma repartição do mercado que terá sido concretizada de forma a que, na falta de acordo definitivo quanto a todo o ano, os produtores se tinham obrigado a «limitarem as suas vendas mensais por referência a um período anterior...».

Uma situação como a que assim vem descrita constitui indubitavelmente uma infracção ao artigo 85.o, n.o 1, se a Comissão conseguir fazer a prova da sua afirmação.

1981

O primeiro documento citado pela Comissão neste contexto é o relatório da reunião de peritos de Janeiro de 1981 acima mencionado. Como vem referido no n.o 8, alínea b), pode ler-se no relatório que existia um consenso sobre a manutenção de um objectivo de preços de 1,75 DM em Fevereiro (1981) e que o preço de 2,00 DM deveria ser aplicado sem excepção em Março. Diz-se seguidamente: «no. intervalo, as quantidades mensais devem ser limitadas a 1/12 de 85 % do objectivo para 1980...» e, como se pode 1er, «with a freeze on customers».

Resulta de uma nota interna, não datada, encontrada na ICI (referida no n.o 56, terceiro parágrafo, da decisão; anexo 63) que tinham sido discutidas numa reunião diferentes alternativas no que se refere ao sistema de quotas. A nota não indica se se trata de uma reunião interna na ICI ou de uma reunião entre produtores. Segundo a nota, a posição da ICI era a de que se tornava necessário limitar os volumes ao nível que o mercado estaria verosimilmente em condições de absorver, a saber, 1350000 toneladas. Vem escrito seguidamente que «mesmo que não tenham havido negociações suplementares com a Shell» os quatro grandes produtores poderão dar o exemplo aceitando uma redução de 0,35o/o da parte de mercado fixada como objectivo para 1980, na condição de os pequenos produtores mais ambiciosos, tais como a Solvay, a Saga, a DSM, a Chemie Linz ou a Anic/SIR moderarem igualmente as suas pretensões. Finalmente diz-se que, sob reserva que os quatro grandes produtores estejam de acordo, as anomalias poderão verosimilmente ser tratadas no âmbito de negociações individuais ao nível elevado da hierarquia, se possível «antes das reuniões de Zurique». Segue-se um quadro que considera uma possibilidade de compromisso com as quotas das diversas empresas expressas em percentagem dos seus objectivos de volumes de vendas para 1980.

Dispomos, além disso, do anexo 61 da parte geral da comunicação daš acusações, citado na parte relativa a 1980, e cujo quadro contém uma coluna suplementar intitulada «1981 — ambições». Acrescenta-se a este um esquema constituindo o anexo 62 que considera três propostas diferentes que se procurou acertar em comum e que são comparadas às pretensões das empresas.

O relatório duma reunião de 27 de Maio de 1981 entre a Shell e a ICI, citado na decisão (anexo 64), mostra claramente que não tinha então sido celebrado qualquer acordo sobre as quotas. O relatório da reunião de 17 de Junho de 1981, igualmente citado, mostra que naquela altura também não tinha sido instituído qualquer sistema de quotas.

Num esquema encontrado na ICI, mas pretensamente emanado da Monte (anexo 65), encontra-se uma comparação relativa ao período de Janeiro a Dezembro de 1981 entre as vendas ditas «reais» e as ditas «teóricas». O último esquema neste contexto (anexo 67), que data de 21 de Dezembro de 1981, mostra as vendas mensais da totalidade dos produtores em 1981. Até Outubro inclusive, os números estão escritos à máquina, relativamente a Novembro e Dezembro estão escritos à mão. Uma coluna suplementar contém uma comparação, escrita à mão, relativa a todo o ano.

O último documento de prova invocado pela Comissão é uma nota elaborada por um colaborador da ICI, E. Robinson em meados de 1981, quando este acabava de ser nomeado director do marketing para os termoplásticos (anexo 66). A parte pertinente da nota é assim citada pela Comissão: «não temos acordo para 1981, mas utiliza-se 1980 como modelo».

Como foi dito, a Comissão considera que as empresas se obrigaram mutuamente a limitar a sua produção. No n.o 57, segundo parágrafo, da decisão, a Comissão refere-se a uma solução de recurso que consistia em regulamentar as vendas com base numa repartição teórica do mercado disponível, repartição baseada nas quotas de 1980.

Se se exceptuarem os primeiros meses do ano, os documentos de proya revelam muito claramente que os produtores não conseguiram pôr-se de acordo sobre qualquer sistema de quotas. Para alicerçar a suposição da Comissão quanto à existência de uma solução de recurso que, por natureza, devia ser considerada como abrangida pelo artigo 85.o, n.o 1, apenas se dispõe, todavia, de uma indicação segundo a qual «se» utilizou a quota de 1980. O facto de numa data talvez situada em fins de 1981 e início de 1982, um colaborador da Monte ou da ICI ter podido elaborar uma comparação entre uma base teórica e uma base real, parece ser um fundamento bastante frágil para as conclusões de grande alcance que a Comissão daí deduz. E evidentemente suspeito que um colaborador da ICI tenha manifestamente disposto dos números de venda exactos de cada empresa individual e existe aí um indício válido de que foram trocadas informações sobre as vendas no decurso das reuniões. Porém, em minha opinião, não existe um nexo suficiente entre os elementos de prova citados para considerar provado que as empresas se impuseram mutuamente uma limitação das suas vendas.

Desta forma, considero que existem provas suficientes de que, durante os primeiros meses do ano foi convencionado um sistema de quotas para apoiar a iniciativa de preços em Fevereiro e Março, em conformidade com o conteúdo do relatório da reunião de Janeiro. Sob esta reserva, os esquemas disponíveis e a observação lapidar na citada nota não contêm, em contrapartida, elementos suficientes para alicerçar a apreciação das provas feita pela Comissão. Assim, não considero dever aderir à opinião da Comissão sobre este ponto.

1982

Em relação a 1982, segundo a Comissão, as empresas também se impuseram mutuamente a limitação das suas vendas, sem conseguir, aliás, chegar a um consenso sobre um sistema de quotas. Os anexos 69 a 71 da comunicação geral das acusações mostram as propostas adoptadas, mas a nota da reunião citada no n.o 58 da decisão, respeitante a uma reunião de 10 de Março de 1982, não pode ser utilizada contra as empresas, pois, segundo se sabe, só foi comunicada à ICI. De acordo com as contestações em alguns dos processos, o documento só foi comunicado à ICI que, aliás, não alega que o mesmo não lhe tenha sido devidamente comunicado. Todavia, este documento não parece ter sido apresentado de forma alguma no caso em apreço. A Comissão reconheceu que se tratou de um erro referiu-se ao relatório da mesma reunião proveniente da Hercules, relatório que estava anexo à comunicação geral das acusações como anexo 23. No que se refere às propostas de controlo das quantidades, este relatório, todavia, só contém como elemento importante uma lista das capacidades de produção teórica das diferentes empresas. Assim, em minha opinião, não existe base suficiente para supor que, durante o primeiro semestre de 1982, as empresas tenham feito algo mais, no que se refere ao controlo das quantidades, de que trocarem informações sobre as suas vendas reais e informações mais gerais sobre a situação das diversas empresas.

O n.o 59 da decisão relata a iniciativa da ICI em ligação com a sua assunção da presidência do «grupo». No que respeita aos sistemas de quotas, é evidente que a ICI pretendia e pressupunha um regime de quotas que funcionasse realmente e que deveria entrar em vigor no início de 1983. No intervalo, sublinhava-se — segundo o relatório da reunião de Agosto de 1982 parece que era a ICI que o sublinhava junto das outras — que as empresas deviam procurar limitar as suas vendas à parte de mercado que tinha sido a sua durante os primeiros meses do ano e — sempre segundo o relatório da reunião do mês de Agosto — com referência a um mercado de 120 quilotoneladas.

As informações referidas no n.o 59, segundo e terceiro parágrafos, provenientes da ATO, contêm unicamente, no que respeita aos acordos ou similares, uma observação no sentido de que, em fins de 1982, se chegou a qualquer coisa que se assemelhava a um consenso sobre as ambições e as partes de mercado.

Em minha opinião, estas provas não demonstram com certeza suficiente que foi obtido um consenso sobre a limitação das vendas em 1982. A única coisa que parece existir a este respeito é uma proposta da ICI e nada se sabe de preciso sobre a forma corno a mesma foi recebida pelas outras empresas. Assim, mostra-se que os esforços se concentraram sobre a procura de um sistema utilizável para 1983.

Neste contexto, não posso estar de acordo com a tese da Comissão de que existem provas de que as empresas chegaram a uma forma qualquer de consenso sobre a limitação das suas vendas em 1982.

c) Os sistemas de quotas em 1983

Relativamente aos dois primeiros trimestres de 1983, a Comissão pensa ter verificado a existência de um consenso sobre o sistema de quotas entre os produtores.

E inteiramente exacto que os documentos apresentados mostram claramente que, em ligação com a sua assunção da presidência do «grupo» em meados de 1982, a ICI insistiu muito na instituição dum sistema de quotas. As provas mostram, além disso, que os colaboradores da ICI desenvolveram esforços importantes para estabelecer um tal sistema.

Todavia, sobretudo se tivermos que deixar de considerar os documentos que não podem ser utilizados contra as empresas por razões processuais (trata-se de uma nota elaborada pela ICI para preparar uma reunião com a Shell em Maio e 1983 — n.o 63, segundo parágrafo, segunda frase, da decisão — e do projecto da Shell para o primeiro trimestre de 1983 — n.o 63, terceiro parágrafo, da decisão), é difícil obter qualquer prova de que tenha sido atingido o consenso sobre o acordo de quotas alegado pela Comissão. O único ponto do conjunto das provas que revela qualquer coisa que se assemelha a um consenso é o documento interno da Shell referido no n.o 64 da decisão (anexo 90), no qual se fala «objectivo convencionado para a Shell». Todavia, nada mais se encontra no caso em apreço no que diz respeito ao segundo trimestre de 1983. Em minha opinião, estas provas são demasiado frágeis para que se considere provado que existiu um acordo relativamente ao segundo trimestre.

Quanto ao primeiro trimestre, a Comissão alega no n.o 63, primeiro parágrafo, da decisão, que algumas empresas consideraram aceitável uma atribuição de quotas discutida numa reunião de 2 de Dezembro de 1982. Em contrapartida, nada se diz sobre a reacção das outras e, além disso, nada vem esclarecido sobre como as empresas que aceitaram reagiriam se as outras exigissem partes de mercado mais importantes. Da mesma forma, as outras provas disponíveis não contêm, na minha opinião, nada que possa servir de base à constatação de que terá sido obtido um consenso no que respeita ao primeiro trimestre.

Assim, na minha opinião, não dispomos de bases suficientes para considerar que existiu um acordo sobre um sistema de quotas relativamente a qualquer parte do ano de 1983.

10. «Account management» e «account leadership»

No artigo l.o, alínea c), da decisão, o «sistema de account management» vem expressamente citado como fazendo parte das medidas adoptadas pelas empresas para tornar possíveis os aumentos de preços que as mesmas pretendiam.

Os sistemas de «account management», que são descritos mais detalhadamente no n.o 27 da decisão tinham como objectivo controlar as deslocações de clientela ou «turismo de clientela», que são discutidas em vários lugares nos documentos de prova. Como afirmou a ICI, tratou-se verosimilmente de procurar concretizar dois sistemas. No que respeita ao primeiro, as informações não são muito numerosas, mas delas resulta que, em qualquer hipótese, foram feitos preparativos para estabelecer um sistema e que foram apresentados projectos detalhados relativamente a vários países. Isto verificou-se numa reunião de 2 de Setembro de 1982. Na reunião de 2 de Dezembro de 1982 foi proposta a concretização da ideia num plano mais geral e foram escolhidos os numerosos clientes a integrar no sistema. No relatório de uma reunião de 3 de Maio de 1983 vêm relatados debates aprofundados no que respeita à situação de cada cliente.

Em minha opinião, estas provas excluem qualquer dúvida razoável quanto ao fundamento das conclusões da Comissão no sentido de que foram utilizados um ou mais sistemas de controlo com vista a procurar travar ou neutralizar as deslocações de clientela. Não é difícil imaginar que um sistema como o que foi descrito se desmoronou após algum tempo. E incontestavelmente difícil fazer funcionar tal sistema num mercado que comporta vinte vendedores e um número muito importante de compradores. Todavia, os relatórios das reuniões de 1983 mostram que o mesmo funcionou durante alguns meses.

11. Outras medidas de acompanhamento

Na sua maior parte, as outras medidas referidas no n.o 27 da decisão e destinadas a facilitar a aplicação dos aumentos de preços devem ser consideradas como parte integrante das infracções principais, ou seja, os acordos em matéria de preços e de quantidades. Assim, nem sequer é necessário tratar separadamente estes pontos, pois os mesmos têm essencialmente a natureza de pormenores num conjunto mais importante. Todavia, deve-se esclarecer que as provas disponíveis não deixam subsistir qualquer dúvida razoável quanto à exactidão das suposições da Comissão a este propósito.

Porém, existe uma excepção, em minha opinião, no que respeita à afirmação da Comissão segundo a qual as empresas convencionaram desviar os fornecimentos para mercados ultramarinos a fim de criar na Europa uma situação de penúria que criaria condições para um aumento de preços. Segundo as provas disponíveis, parece-me duvidoso que as empresas tenham feito algo mais do que informar-se das vendas efectuadas para os mercados ultramarinos, que são designadas nos documentos de prova como «resto do mundo». E natural que as empresas procurem escoar uma produção excedentária para mercados que não sejam os mais próximos. Todavia, devem exigir-se elementos sólidos nos documentos de prova para considerar provado que as empresas tinham como finalidade criar uma situação de penúria no mercado da Europa Ocidental. Em minha opinião, não dispomos de tais elementos e penso que será mais correcto, ao decidir, não tomar em consideração a afirmação da Comissão quanto à existência de um acordo para desviar os fornecimentos para fora da Europa Ocidental.

G — Prescrição

Em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 2988/74, ( 96 ), nas infracções como as que estão em causa nos presentes processos, o poder da Comissão de aplicar multas ou sanções por infracções às disposições do direito dos transportes ou da concorrência da Comunidade Económica Europeia está sujeito a um prazo de prescrição de cinco anos.

Nos termos do artigo l.o, n.o 2, a prescrição começa a correr a partir do dia em que a infracção for cometida. Em relação às infracções permanentes ou continuadas, a prescrição só começa a correr a partir do dia em que a infracção tiver cessado.

Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, primeiro parágrafo, o prazo de prescrição interrompe-se por qualquer acto da Comissão ou de um Estado-membro, agindo a pedido da Comissão, tendo por fim a instrução ou a repressão da infracção. A interrupção da prescrição produz efeitos no dia em que o acto for notificado a, pelo menos, uma empresa que tenha participado numa infracção e, segundo o n.o 2 desse artigo, produz efeitos relativamente a todas as empresas que tenham participado na infracção.

No caso em apreço, uma série de empresas alegaram, desde a fase do processo administrativo, que os acordos de preços mínimos de 1977 funcionaram independentemente de entendimentos ulteriores e que, assim, a prescrição devia ter funcionado no que se refere à multa quanto a esta parte do processo. No n.o 103 da decisão, a Comissão rejeitou este ponto de vista alegando a «manifesta ligação pontual e circunstancial» existente entre os diferentes acordos.

Algumas das recorrentes invocaram as normas da prescrição no processo perante o Tribunal. Tendo em conta a natureza das normas relativas à prescrição, não é necessário que um recorrente se refira expressamente ao Regulamento n.o 2988/74. Basta que a empresa tenha alegado que não lhe pode ser imposta uma multa relativamente a um elemento determinado do processo.

A Comissão vê a priori no que se passou uma infracção permanente ou continuada e alega mesmo na decisão que existe entre os acordos de preços mínimos de 1977 e os acontecimentos posteriores uma tal ligação mútua que a infracção que começou em 1977 só pode ser considerada como tendo cessado apenas algum tempo após a visita de fiscalização da Comissão às empresas, em 13 e 14 de Outubro de 1983.

A este propósito, as recorrentes mantêm o seu ponto de vista segundo o qual os acordos que possam ter existido em 1977 eram, por natureza, diferentes e inteiramente independentes do que se passou seguidamente.

Não é contestado que o eventual prazo de prescrição em curso foi interrompido em 13 de Outubro de 1983, quando a Comissão começou as suas visitas de fiscalização, e a questão, portanto, é a de saber se uma infracção ou parte duma infracção pode ser considerada como tendo começado ou tendo cessado antes de 13 de Outubro de 1978.

Se o Tribunal seguir a minha apreciação das provas tal como acima vem descrita, não tenho dúvidas que deverá constatar que tudo o que diz respeito aos acordos sobre os preços mínimos em 1977 se encontra prescrito. Em minha opinião, o acordo dos preços mínimos era, no máximo, uma espécie de preliminar do que ocorreu seguidamente. E certo que tinha o mesmo objectivo que os acordos posteriores mas, segundo o que se sabe, não era o resultado de negociações no mesmo enquadramento. Além disso, segundo as constatações que efectuei em matéria de provas, o acordo sobre os preços mínimos e os primeiros resultados da série de reuniões das recorrentes que podem ser constatadas com certeza suficiente, isto é, a iniciativa de preços na última metade de 1979, estão nitidamente separados no tempo. E evidente que a série de reuniões que constituiu o enquadramento das infracções posteriores começou com uma certa ligação temporal com o acordo de preços mínimos, mas não está demonstrado qualquer resultado ilícito concreto destas reuniões antes de 1979.

Consequentemente, em minha opinião, deve declarar-se que as infracções no que respeita ao acordo sobre os preços mínimos cessaram o mais tardar na Primavera de 1978 e que, portanto, a obrigação de por elas responder através do pagamento de uma multa se encontra prescrita. Como se verá na terceira parte relativa às multas, daí deverá resultar uma certa redução das multas.

II — Processos considerados individualmente

Nesta parte irei examinar, por um lado, a situação em matéria de provas relativa a cada recorrente e, por outro lado, os diversos argumentos que apenas são invocados por uma recorrente ou por um pequeno número de entre elas. Não irei comentar em cada pormenor o conjunto da argumentação das recorrentes, isso não seria sequer possível, uma vez que pretendo — apesar de tudo — manter estas conclusões em limites razoáveis. Isto é válido nomeadamente para os argumentos e fundamentos de natureza econômica aos quais, como se terá demonstrado do que antecede, apenas se pode reconhecer valor limitado para apreciar se o artigo 85.o, n.o 1, foi violado. O mesmo sucede no que respeita à situação em matéria de provas, pois seria um tanto supérfluo discutir em pormenor cada elemento duma série de provas, nos casos em que os documentos probatórios são claros e inequívocos. Recordo que já acima tomei posição, na primeira parte, secção F, n.o 5, sobre a questão da participação das empresas menos importantes no acordo sobre os preços mínimos de 1977, e essa é a razão por que, adiante, não farei em princípio qualquer observação a este respeito.

A — Rbône-Poulenc (processo T-l/89)

E facto assente que a Rhône-Poulenc cedeu as suas actividades no sector do polipropileno no fim de 1980. Essa recorrente, portanto, faz parte das empresas em relação às quais as provas directas são relativamente raras. O período submetido à nossa apreciação é o que começa no Outono de 1979, período em que — como já acima referi na primeira parte, secção F, ponto 7 — as provas permitem considerar que o acordo começou a funcionar, e que vai até ao fim de 1980. O facto de as provas directas não serem numerosas conferiu um carácter particular à argumentação das partes no caso em apreço e torna assim necessária uma posição clara sobre um dos problemas probatórios aqui primordiais, a saber, a importância do ponto de vista das provas, da simples participação nas reuniões.

Em minha opinião, as provas no processo Rhône-Poulenc são mais fracas do que em todos os outros. Como documentos de prova, apenas se dispõe do relatório da reunião de 26 e 27 de Setembro de 1979 e dos quadros que se referem a sistemas de quotas, incluindo a nota encontrada na ATO e que diz respeito aos produtores que exercem a sua actividade em França. Encontram-se igualmente entre as provas as informações dadas pela ICI, segundo as quais a Rhône-Poulenc participou nas reuniões relativas ao acordo, pelo menos, a partir de 1979. Finalmente, este processo assenta sobre toda uma série de inferências extraídas de outros elementos. Este processo, portanto, leva a reflectir sobre as exigências que podem ser feitas no que se refere ao peso das provas de que a Comissão deve dispor para fundamentar uma decisão. Neste contexto, é necessário ter em grande conta que os processos de concorrência desta natureza têm na realidade uma natureza penal, o que evidentemente milita a favor de um alto nível de exigências em matéria probatória. Por outro lado, não se poderá menosprezar a importância e o valor das provas indirectas.

A Rhône-Poulenc alega que a Comissão não dispõe de qualquer prova importante contra si. Invoca sobretudo o facto de a parte, de longe, mais importante dos documentos de prova existentes dizer respeito a um período posterior à sua saída do mercado, o que, segundo a recorrente, implica forçosamente que estas provas não podem ser apresentadas contra esta empresa. Segundo a recorrente, as considerações da Comissão em matéria de provas — que a Rhône-Poulenc qualifica de uma espécie de presunção retroactiva — não são, portanto, correctas. Segundo a Rhône-Poulenc, a Comissão decidiu sem ter em conta, nomeadamente, a evolução do mercado, uma vez que a situação até 1982 era caracterizada por um desequilíbrio e uma fraca rentabilidade, o que não permite apreciar o comportamento das empresas da mesma forma antes e após o fim de 1980. Para a recorrente, além disso, a Comissão não teve em consideração a evolução do acordo.

No que se refere aos documentos de prova relativos ao período durante o qual a Rhône-Poulenc esteve presente no mercado, a recorrente alega em primeiro lugar que o relatório respeitante à reunião de 26 e 27 de Setembro de 1979, que é apenas uma simples nota manuscrita anónima, não menciona qualquer nome de participantes. Relativamente aos quadros respeitantes às quotas, a recorrente alega que deles não se pode extrair qualquer indício sério quanto a um acordo no qual a Rhône-Poulenc tivesse participado. Neste contexto, a Rhône-Poulenc sublinha em primeiro lugar que, embora as empresas Amoco, Taqsa, Paular e BP estejam igualmente referidas neste quadro, a Comissão admitiu, expressa ou tacitamente, que as mesmas não tinham participado em qualquer acordo. Em segundo lugar, a Rhône-Poulenc contesta que se possa, como o fez a Comissão, qualificar como «quotas» o que na realidade apenas representa objectivos de venda, facto que explica aliás a revisão periódica destes números em função das vendas efectivas no decurso do ano. No que se refere à tese da Comissão segundo a qual a Rhône-Poulenc participou nas reuniões de patrões e de peritos a partir de 1979, a Rhône-Poulenc sublinha que a única prova a este respeito reside nas declarações da ICI neste sentido. Segundo a recorrente, estas declarações são feitas em termos tão vagos e gerais que não poderão bastar, por si só, para demonstrar a participação da Rhône-Poulenc nas reuniões ou no alegado acordo. Finalmente, a recorrente sublinha que não foi minimamente encontrada qualquer outra prova, tal como instruções de preços ou similares, reveladora do seu comportamento no mercado.

A isto responde a Comissão, referindo-se antes de mais à sua tese principal, segundo a qual o objecto das reuniões em relação às quais não se dispõe de relatório devia ser o mesmo daquelas reuniões cujo objecto é conhecido. Assim, a Comissão baseia o seu ponto de vista precisamente na presunção retroactiva que a Rhône-Poulenc põe em causa. Para alicerçar esta atitude, a Comissão refere-se sobretudo às declarações da ICI no sentido de que as ideias relativas aos objectivos de preços se desenvolveram em 1978 e de que, em qualquer hipótese, se deve considerar que o acordo funcionou completamente a partir de 1979. Quanto aos quadros descobertos, a Comissão sublinha que os mesmos não parecem conter números precisos relativamente à Amoco e à Hercules e que resulta do relatório de uma reunião posterior que os números relativos à Amoco foram qualificados de pura conjectura. No que se refere aos quadros respeitantes ao ano de 1980, a Comissão sublinha além disso que a quota, atribuída à Rhône-Poulenc, segundo estes documentos, corresponde exactamente aos volumes reais de vendas (2,97 % contra 2,98 % dum mercado fixo na origem em 1382 quilotoneladas, mas que na realidade foi de 1207,9 quilotoneladas). A Comissão vê neste comportamento a prova de que a Rhône-Poulenc levou a sério os acordos celebrados e considera que se prova a participação da Rhône-Poulenc pelas informações fornecidas pela ICI e pelo facto de a Rhône-Poulenc nunca ter contestado ter participado nestas reuniões.

Como já disse, o caso da Rhône-Poulenc leva muito especialmente a reflectir, em matéria probatória, sobre a questão de saber em que medida a participação nas reuniões, em ligação com alguns indícios suplementares, pode ser considerada em si como suficiente para provar a participação no acordo.

No que respeita à participação em si, e segundo as informações dadas pela ICI, a Rhône-Poulenc assistiu regularmente às reuniões, pelo menos desde 1979. Nem a Rhône-Poulenc nem ninguém pode fornecer explicações sobre as razões pelas quais a ICI teria dado tais informações, se não pensasse poder garanti-las. Não se vê por que motivo razoável a ICI procuraria prejudicar os seus concorrentes a este respeito, e dever-se-á, antes, supor que a ICI foi prudente na sua resposta às questões da Comissão. No que se refere à fiabilidade das declarações da ICI, convém além disso notar que a maior parte das outras recorrentes que, segundo a ICI, tomaram parte nas reuniões, admitiram de facto a sua participação tal como vem descrita pela ICI. Em sentido oposto, apenas se dispõe da afirmação da Rhône-Poulenc segundo a qual as afirmações da ICI não provam a sua participaçção. Em contrapartida, a Rhône-Poulenc não contestou a sua participação. Mesmo que, como resulta da resposta à comunicação das acusações, a Rhône-Poulenc já não tenha, entre o seu pessoal, nenhum daqueles que então se ocupavam da produção do polipropileno, o menos que se podia esperar desta empresa seria que ela própria estudasse a questão de forma suficientemente aprofundada para poder contestar a sua participação nas reuniões. Isso teria permitido à Comissão proceder a diligências de instrução suplementares, para confirmar ou infirmar este ponto de vista. Em minha opinião, perante declarações que dão a entender, com verosimilhança, que essa participação existiu, não basta comportar-se de forma passiva. Nestas condições, entendo que se pode legitimamente considerar provado que a Rhône-Poulenc participou em reuniões de 1979 até fim de 1980.

No que se refere à Rhône-Poulenc, o único indício da sua participação no acordo, para além das indicações nos quadros de quotas, reside na sua participação nas reuniões. Como já se disse na parte introdutória das presentes conclusões e como o admite a jurisprudência americana ( 97 ), a participação numa reunião na qual outros participantes convencionam qualquer coisa de ilícito, geralmente não basta para que a participação no acto ilícito possa ser considerada provada. Em princípio, dever-se-á explicar de forma credível que se foi ao local da reunião sem intenção de participar numa infracção às regras da concorrência. Porém, em minha opinião, tais explicações dificilmente eliminarão qualquer suspeita de participação no comportamento ilícito dos outros participantes, se disserem respeito a mais de uma ou, em bom rigor, a um número muito pequeno de reuniões. Se, além disso, não for dado qualquer esclarecimento que forneça uma explicação alternativa razoável sobre a razão da presença nas reuniões, e sendo indicados relativamente à Rhône-Poulenc números precisos (e não relativamente à Amoco e à BP), pode-se, na minha opinião, legitimamente considerar que a Rhône-Poulenc participou no acordo a partir do seu início, no Outono de 1979, e até esta empresa ter saído do mercado no fim do ano de 1980.

No que diz respeito sobretudo às iniciativas de preços referidas pela Comissão, de que apenas a iniciativa de Julho a Dezembro de 1979 data da época em que a Rhône-Poulenc figurava no mercado, a recorrente alega que não existe qualquer forma de provar a participação da Rhône-Poulenc, nem sequer indícios nesse sentido. Segundo a recorrente, o comportamento da Rhône-Poulenc é, na realidade, totalmente desconhecido.

A este propósito, a Comissão recorda que como participante em reuniões clandestinas, nas quais foram convencionados objectivos de preços, a Rhône-Poulenc não pode subtrair-se à sua responsabilidade nas operações do acordo, unicamente pelo facto de não ter sido descoberta qualquer instrução de preços escrita por esta empresa. A Comissão acrescenta que os dados disponíveis no que respeita à observância do sistema de quotas pela Rhône-Poulenc indiciam, ao contrário, que esta empresa não participava de forma puramente gratuita nas reuniões e que se comportou de acordo com o que tinha sido convencionado. Além disso, a Comissão entende que não se poderão considerar isoladamente os sistemas de quotas e os compromissos sobre os preços.

No que respeita aos argumentos da Rhône-Poulenc, deve-se antes de mais dizer que o facto de um comportamento não ser conhecido não conduz necessariamente a excluir a existência de um comportamento que corresponda aos acordos celebrados. Como diz a Comissão, existem outros elementos importantes que permitem considerar que a Rhône-Poulenc respeitou efectivamente as quotas fixadas para esta empresa para o ano de 1980. Neste contexto e se se admitir que a Rhône-Poulenc participou nas reuniões, não há em minha opinião grande motivo para pôr em dúvida que a Rhône-Poulenc se serviu dos conhecimentos que obteve no âmbito destas reuniões.

No que se refere à intensidade da participação da Rhône-Poulenc, não dispomos de informações que indiquem que esta recorrente tenha sido ou particularmente activa ou particularmente reservada.

A Rhône-Poulenc afirma, e esse é um argumento que apresenta uma certa ligação com a situação em matéria de provas, que a Comissão violou o princípio da igualdade na medida em que considerou que esta empresa tinha participado no acordo, ao passo que não deduziu qualquer acusação contra a BP e a Amoco, embora, segundo a recorrente, a Comissão dispusesse de provas bem mais importantes contra estas duas empresas do que contra ela.

A Comissão esclarece a este propósito que o elemento decisivo na sua apreciação das provas foi o de que a participação destas empresas nas reuniões do acordo não ficou provada e que, em consequência, considerou dever renunciar a acusá-las não obstante algumas suspeitas.

Não penso que o ponto de vista da Rhône-Poulenc seja correcto. Independentemente da questão de saber se uma queixa de uma pessoa, que podia justificar um direito sob este aspecto, teria podido obrigar a Comissão a tentar instaurar um processo contra a BP e a Amoco — o que em si é altamente duvidoso — o facto de estas empresas não terem sido acusadas não pode, em circunstâncias normais, implicar consequências em relação a outras empresas. Nos presentes processos, por causa dos documentos de prova existentes relativamente às diversas partes, os casos da Amoco e da BP, por um lado, e o da Rhône-Poulenc, por outro, não são semelhantes. Acresce que ainda ninguém alegou que o facto de a Comissão acusar certas empresas, enquanto renuncia a acusar outras, assenta em algo que não sejam razões objectivas. Embora se possam excluir razões que não sejam objectivas, em minha opinião, deve-se deixar à Comissão uma certa margem de apreciação no que respeita aos processos que ela considera poder instaurar e aos outros. Nos processos «Polipropileno», a Comissão fixou limites em matéria de provas da participação nas reuniões e, assim, considerou que os processos contra a BP e a Amoco não seriam procedentes. É evidente que a margem de apreciação da Comissão comporta necessariamente um poder de apreciação desta natureza em matéria de provas, e isto mesmo que outras pessoas possam considerar que os processos teriam podido proceder. Aliás, a apreciação da Comissão parece-nos razoável. Em consequência, considero que o argumento da Rhône-Poulenc a este respeito deve ser rejeitado.

A Rhône-Poulenc alega finalmente que os fundamentos da decisão não são suficientes no que se refere a esta empresa, porque a Comissão não teve em conta o facto de o acordo ter evoluído durante todo o tempo em que existiu e que, desta forma, a Comissão fez pagar injustamente à Rhône-Poulenc actos cometidos após esta recorrente ter saído do mercado.

É difícil ver o fundamento deste ponto de vista. Naturalmente, a decisão deve ser entendida como censurando às empresas o facto de terem participado naquilo que se passou durante o tempo da sua participação no acordo, e as informações de que dispomos não fornecem qualquer elemento que permita supor que a Comissão teve uma opinião diferente.

B — Petrolina (processo T-2/89)

O que acima foi dito mostra que estou de acordo com a Comissão em que a participação em reuniões nas quais tiveram lugar discussões tendo certamente como objectivo medidas restritivas da concorrência constitui, por si só, um elemento de prova importante. Na medida em que não seja possível provar uma participação mais regular, são necessários elementos diferentes e sólidos para constatar a participação no acordo. Da mesma forma que relativamente à Rhône-Poulenc, a questão da participação em reuniões suscita alguns problemas no que se refere à Petrofina.

Tal como vem referido, nomeadamente, no n.o 78, oitavo parágrafo, da decisão, a Petrofina colaborou com a Montedipe, desde o início de 1980 até Março de 1982, para gerir as instalações de produção em Feluy na Bélgica. Esta cooperação processou-se no quadro duma sociedade possuída em comum, a Montefina. Em Março de 1982, a Petrofina começou a assegurar ela própria a venda da sua parte de produção, no quadro do seu serviço de vendas de produtos químicos.

No processo, a Petrofina admitiu ter participado nas reuniões desde Maio de 1982 até ao fim da sessão de reuniões de Setembro de 1983. No que se refere ao período de Março a Maio de 1982, a posição da Petrofina é bastante incerta. Na sua resposta de 12 de Janeiro de 1984 ao pedido de informações da Comissão, pode ler-se que colaboradores da empresa participaram nas reuniões «a partir de Março de 1982». Num anexo à resposta, a Petrofina enumera seguidamente reuniões em que esta empresa participou, entre Maio de 1982 e Setembro de 1983 começando por uma reunião em 18 de Maio de 1982, e indica os nomes dos representantes da empresa. Poderia supor-se, nesta base, que a Petrofina tinha participado em reuniões a partir de Março de 1982, mas que não podia precisar o nome dos participantes. Por outro lado, a Petrofina nega expressamente que a empresa tenha estado representada na reunião que, de acordo com o n.o 58, segundo parágrafo, da decisão, teve lugar em 10 de Março de 1982. Não existe nos autos qualquer prova que infirme esta alegação.

No que se refere à época anterior a Março de 1982, a situação é muito pouco clara. Na sua resposta de 12 de Janeiro de 1984, a Petrofina alega que, em virtude da sua colaboração com a Montedipe, a empresa não tinha competência para, por si só, obrigar a Montefina e que, em consequência, não podia assumir a responsabilidade por essa sociedade. Relativamente a uma ou duas reuniões determinadas, a saber, as reuniões de Janeiro de 1981, das quais se dispõe de um relatório (ver n.o 33, terceiro parágrafo, da decisão), a Petrofina respondeu à questão do Tribunal dizendo que na sequência de novas averiguações não parecia que esta empresa tivesse participado nessas reuniões.

A Comissão respondeu a uma questão correspondente do Tribunal que tinha sido por erro que tinha dito no acima referido n.o 33, terceiro parágrafo, que a Petrofina tinha participado nestas reuniões. No que se refere à participação eventual da Petrofina durante este período, a Comissão declara, além disso, no n.o 78, oitavo parágrafo, da decisão, que não se podia provar, com certeza, que esta empresa estivesse representada de forma autónoma antes de Março de 1982.

Tendo em conta que a Comissão não alega directamente que a Petrofina esteve representada nas reuniões de Janeiro de 1981 ou nas outras reuniões até Março de 1982 e que as declarações da Petrofina devem, pelo contrário, ser consideradas como uma negação, o Tribunal deve, em minha opinião, considerar como provado que os colaboradores da Petrofina não participaram nessas reuniões. Podia-se ao menos esperar que a Comissão, quando a Petrofina respondeu que não podia ser responsável em nome da Montefina, averiguasse qual era o real significado desta resposta.

No que se refere às reuniões durante o período de Março a Maio de 1982, deve-se verosimilmente, de acordo com o que a própria Petrofina admitiu na sua resposta à comunicação das acusações, considerar provado que a Petrofina participou nas reuniões a partir de Março de 1982 (com excepção da reunião de 10 de Março de 1982).

A Comissão considera todavia que, mesmo no período que vai do início de 1980 a Março de 1982, a Petrofina esteve implicada nos diversos compromissos do acordo e o n.o 78, oitavo parágrafo, da decisão deixa entender que a Petrofina tenha podido estar indirectamente representada nas reuniões, no quadro da sua cooperação com a Montedipe relativamente à fábrica de Feluy.

Para considerar que a Petrofina participou no acordo ou que lhe cabe uma parte da responsabilidade do que se passou de 1980 a Março de 1982, a Comissão baseia-se em dois pontos de vista diferentes. Como se vê do n.o 102, terceiro parágrafo, da decisão, a Comissão alega principalmente que a Petrofina participou de forma autónoma no acordo a partir de 1980. A título subsidiário, considera todavia que a empresa deve suportar uma parte da responsabilidade da participação da Montefina no acordo até Março de 1982.

Na comunicação individual das acusações contra a Petrofina, pode ler-se que as duas sociedades-mães, isto é, a Petrofina e a Montedipe, devem ser responsabilizadas na medida em que foram cometidas infracções às regras de concorrência comunitárias (antes de Março de 1982) pela Montefina. Aliás, encontra-se uma passagem correspondente na comunicação das acusações contra a Montedipe.

Todavia, não se dispõe de qualquer informação de que a Montefina tenha estado representada de forma autónoma nas reuniões e de que, por esse facto, ou de qualquer outra forma, tenha implicado a responsabilidade das sociedades-mães. Também não existem informações de que a Montefina tenha directamente representado as sociedades-mães, embora, como já disse, a primeira resposta da Petrofina devesse ter levado a Comissão a reformular a sua questão. Nestas circunstâncias, seria razoável ignorar pura e simplesmente o ponto de vista subsidiário da Comissão. Uma terceira possibilidade foi aberta pelo Tribunal na audiência, sob a forma de uma questão à Comissão, a saber, se a Comissão considerava que a Montedipe tinha representado igualmente a Petrofina no quadro da sua cooperação no âmbito da Montefina. O Tribunal não obteve verdadeiramente resposta a esta questão.

Nestas circunstâncias, tem que se constatar que existe uma incerteza muito grande quanto à maneira como a Petrofina estava representada nas reuniões — se é que nelas esteve representada — ou qual era, além disso, a ligação da Petrofina com essas reuniões.

O resto das provas utilizadas pela Comissão para fundamentar a sua suposição de que a Petrofina estava implicada no acordo desde 1980 resume-se na resposta da Comissão à questão escrita n.o 33 do Tribunal. Daí resulta que, no essencial, a Comissão se baseia no anexo 60 à comunicação geral das acusações no qual figura entre outras coisas «objectivos de 1980 (baseados em 1979 + ajustamentos Petrofina)». Segundo a Comissão, isso demonstra que a Petrofina participou desde 1980 e que, portanto, deve ter participado nas iniciativas de preços posteriores ao princípio do ano de 1980. A concepção da Comissão baseia-se, além disso, no facto de durante o período em questão, a Petrofina ter recebido quotas individualizadas que, portanto, não estavam ligadas às quotas da Montedipe.

Uma vez que, como já acima disse, a ligação da Petrofina com a actividade que consistia em reuniões não está de forma alguma clara, a base das provas invocada pela Comissão é, em minha opinião, tão frágil, que entendo que o Tribunal deve daí concluir que é impossível considerar provada qualquer participação no acordo por parte da Petrofina anteriormente a Março de 1982. Dado que a Petrofina colaborou com a Montedipe no período anterior ao momento indicado, é evidente que não é inconcebível que esta empresa tenha estado implicada duma forma ou doutra; mas na realidade não dispomos da mínima prova a este respeito.

No que se refere à parte restante do período, isto é, de Março de 1982 a Novembro de 1983, a Petrofina alega que esta empresa tinha, é certo, participado nas reuniões, mas que a sua participação era puramente passiva e não tinha outro objectivo senão o de reunir informações importantes para as possibilidades concorrenciais da Petrofina.

Dispomos apenas de duas instruções de preços escritas da Petrofina, a qual refere, aliás, que foram dadas oralmente instruções de preços aos vendedores da empresa.

O facto de as instruções de preços não terem sido dadas por escrito não significa, todavia, de forma alguma que as mesmas não tenham sido dadas. Simplesmente, as indicações sobre o conteúdo das instruções de preços verbais não constituem um elemento de prova no caso em apreço. Podem ter sido exactamente iguais às instruções escritas enviadas por outras empresas e podem ter sido completamente diferentes. Com os meios de instrução legalmente facultados à Comissão, esta última não tem grandes possibilidades de obter informações seguras sobre o objecto das instruções dadas oralmente. Todavia, a Petrofina nada fez, pela sua parte, para fundamentar a sua afirmação de que a empresa agiu de forma inteiramente independente dos acordos ou da concertação que teve lugar entre as outras empresas. Como acima disse, o facto de uma empresa ter vendido a preços inferiores aos preços-objectivo, como alega a Petrofina, não demonstra que a alegação de participação num acordo ou numa prática concertada seja destituída de fundamento. Seria necessário exigir, além disso, que a empresa fornecesse informações que provassem que não procurou, sequer, utilizar como objectivo próprio um preço-objectivo convencionado ou concertado, assim como de que não se deixou influenciar no seu comportamento pelos acordos ou pela prática concertada.

Assim, não basta invocar apenas a ausência de instruções de preços escritas para provar que uma empresa não participou no acordo.

No presente processo, como se disse, dispomos de duas instruções de preços. A primeira é datada de 11 de Março de 1982, isto é, do dia seguinte a uma reunião na qual, como já foi referido, se deve considerar que a empresa não participou. A Petrofina considera que a empresa podia razoavelmente esperar que a Comissão não utilizasse este documento conta ela, na medida em que o mesmo não figurava nem entre os documentos enviados ao mesmo tempo que o ofício da Comissão de 29 de Março de 1985, nem entre os referidos na decisão ou nos seus anexos. A este respeito deve-se apenas observar que o anexo foi junto à parte individual da comunicação das acusações, e que aí se diz expressamente que este anexo é invocado contra a recorrente, e que, além disso, não se encontra em todo o processo qualquer elemento que mostre que a Comissão tenha renunciado a servir-se deste anexo. A explicação do facto do anexo não ter sido junto com o ofício de 29 de Março de 1985 é naturalmente a de que a Comissão não invocou expressamente uma iniciativa de preços em 1 de Abril de 1982 como prova do acordo. Todavia, é facto assente que a instrução de preços da Petrofina corresponde à que resulta do relatório da reunião de 10 de Março de 1982. Como diz a Comissão no n.o 83 da decisão, quando uma empresa, de forma geral, participou na actividade constituída pelas reuniões, a sua ausência numa única reunião, talvez por razões práticas fortuitas, não é decisiva. Era evidentemente do interesse de todos procurar informar os ausentes do que se tinha passado. A questão de saber se um documento respeitante a um facto que não vem expressamente referido na decisão pode ser utilizado contra a empresa pode, é certo, ser discutível, mas o facto de esse documento existir em nada infirma as teses da Comissão. No que se refere ao conteúdo do documento, não há que acrescentar grande coisa às minhas observações gerais sobre as iniciativas de preços. O mesmo indica um preço de catálogo, assim como uma certa margem de manobra nas negociações entre os serviços de vendas e os clientes. O facto de não vender ao preço de catálogo é inteiramente normal, mas isto não significa, de forma alguma, que esse preço não era aquele que se procurava obter.

A segunda instrução de preços escrita data de 20 de Julho de 1983. Aí é dada a instrução para que se exijam, com efeitos imediatos, preços que parecem corresponder aos convencionados numa reunião em 1 de Junho de 1983. O telex faz referência a problemas técnicos que implicaram uma paragem da produção. A Petrofina alega que o telex não tinha qualquer ligação com eventuais acordos celebrados numa reunião efectuada em 1 de Junho. Segundo a Petrofina, o mesmo tinha como único objectivo travar as vendas, o que foi feito através da fixação dos preços a um nível superior ao preço de momento no mercado. A Comissão não contesta essas explicações sobre esse aspecto, mas sublinha que, em qualquer hipótese, a instrução de preços corresponde, quanto aos montantes, ao que tinha sido convencionado na reunião de 1 de Junho de 1983 na qual a Petrofina participou para produzir efeitos a partir de 1 de Julho de 1983.

De acordo com os elementos conhecidos, deve-se considerar como provado que a instrução de preços escrita da Petrofina foi enviada pelos motivos alegados pela empresa. Todavia, é facto assente que a instrução de preços solicitava a aplicação do preço convencionado na reunião de 1 de Junho. Mesmo que o documento não possa ser invocado para provar que a Petrofina só comunicou o preço referido, porque o mesmo tinha sido convencionado na reunião, a instrução de preços em causa também não desmente a tese da Comissão. Assim, no conjunto, não se pode atribuir grande importância a esse documento.

Mesmo admitindo que não se possa atribuir demasiada importância às duas instruções de preços escritas, tomadas isoladamente, considero que as outras provas tornam flagrante a participação da Petrofina. A Petrofina faz parte das empresas que explicam a sua presença nas reuniões pela necessidade de nelas participarem para obterem as informações necessárias à sua sobrevivência, como novas empresas na concorrência. Independentemente do facto de a recepção puramente passiva de informações em tal situação poder colocar uma questão da responsabilidade, a explicação dada não se afigura pura e simplesmente credível. É tão pouco verosímil que um papel puramente passivo não tenha deixado o mínimo traço nas provas escritas, que se deve poder rejeitar esta explicação.

Para retomar a imagem utilizada na audiência, quando foram comentadas as alegações das diversas empresas que pretendiam ter um papel puramente passivo, repito que, pura e simplesmente, não é verosímil que, por várias vezes, um grupo de chefes de empresas de diversos países da Comunidade se sentem em volta duma mesa e se contentem de pôr o ouvido à escuta, como um grupo de ornitólogos, à espera de um canto que não vem.

Além disso, as provas militam contra uma tal tese no que se refere à Petrofina. Os documentos contêm indicações sobre a participação da Petrofina, quer no que se refere às iniciativas de preços, quer no que se refere aos objectivos de quantidades e ao sistema de account management.

Em minha opinião, portanto, deve-se considerar provado que a Petrofina participou no acordo, mas apenas a partir de Março de 1982 e até ao fim deste acordo, em Novembro de 1983.

C — Atochem (processo 3/89)

Segundo o artigo 1.o da decisão, a Atochem participou no acordo, pelo menos desde 1978, e até ao fim do acordo. Essa parte da decisão é dificilmente compatível com a fundamentação apresentada pela Comissão no n.o 105, segundo parágrafo, da decisão, no qual a Atochem é colocada no mesmo plano da Anic, da BASF, da DSM e da Hüls. Nesta medida, existe uma falta de fundamentação. Todavia, dado que segundo a apreciação das provas que efectuei, a infracção ao artigo 85.o, n.o 1, cometida através do acordo só pode ser considerada como provada a partir do Outono de 1979, este erro não tem qualquer consequência.

A Atochem admite ter participado num certo número de reuniões com outros produtores de polipropileno de 1978 a 1983, mas nega ter participado em qualquer infracção ao artigo 85.o, n.o 1. A Atochem alega que na qualidade de recém-chegada ao mercado, a empresa tinha necessidade de recolher todas as informações, entre elas as dadas no âmbito de reuniões de produtores, sem se vincular a qualquer acordo sobre preços ou quantidades. A Atochem é citada pela ICI como participante regular durante todo o período.

A Atochem enviou instruções de preços escritas que correspondem ao que tinha sido referido nas reuniões de produtores e dispomos dos mesmos elementos de prova relativamente às outras empresas, no que se refere à sua participação nos sistemas de quotas e nos-sistemas de account management

A Atochem alega, mais especificamente, que as instruções de preços escritas que deu foram elaboradas com base em informações obtidas pela empresa graças à leitura do European Chemical News. A este propósito, a Comissão sublinha que o que é decisivo não é saber quem foi o primeiro a anunciar um aumento de preços, mas sim como é que esse aumento foi decidido.

Sobre este ponto, em minha opinião, deve-se dar razão à Comissão. No que se refere às iniciativas de preços datadas de 1979 e posteriores, não se trata, como em 1977, dum grupo restrito de produtores que podiam, por sua própria iniciativa, ter tomado decisões, a que os outros aderiram após ter lido informações a esse respeito na imprensa especializada. Pelo contrário, as provas mostram claramente que a situação era a seguinte: nas reuniões, foram adoptadas decisões ou conseguiram-se acordos sobre objectivos de preços, que em seguida foram comunicados ao público, nomeadamente através da imprensa especializada.

Pelo que, sou de opinião que existem provas suficientes para fundamentar a constatação da participação da Atochem no acordo, desde o Outono de 1979 até à cessação do acordo no Outono de 1983.

D — BASF (processo T-4/89)

Da mesma forma que a DSM e a Hüls, a BASF é citada no artigo l.o da decisão como tendo participado no acordo desde um momento indeterminado entre 1977 e 1979 até ao Outono de 1983. Se o Tribunal, tal corno eu, considerar que a actividade do acordo so pode ser considerada como constituindo uma infracção ao artigo 85.o, n.o 1, a partir do Outono de 1979, isso dispensa-nos de uma parte importante da discussão no que se refere ao ponto de partida da participação da BASF.

Na sua resposta ao pedido de informações da Comissão, a BASF alega que colaboradores da empresa participaram esporadicamente em reuniões durante o período anterior a 1 de Janeiro de 1980. No que se refere ao período posterior a esta data, a BASF dá informações sobre quatro reuniões em 1981, nas quais a empresa participou, e sobre um maior número de reuniões em Junho de 1982 e após esta data. Na sua petição, a BASF qualifica a sua participação antes de Junho de 1982 como ocasional.

Em minha opinião, não é necessário atribuir demasiado peso à forma como a BASF caracteriza, nos autos, a sua participação nas reuniões antes de Junho de 1982. Aliás, a participação desta recorrente no acordo a partir do Outono de 1979 encontra-se provada por outros meios, nomeadamente pelas instruções de preços, utilizadas pela Comissão para provar a colusão, resultante dos acordos ou da prática concertada, respectivamente celebrados ou estabelecida nas reuniões. Em terceiro lugar, a recorrente é citada pela ICI como tendo participado nas reuniões sem delimitação temporal. Poderá, pelo menos, concluir-se que a participação nas reuniões era suficiente para permitir à BASF manter-se ao corrente do que se passava nas reuniões e organizar-se em consequência.

No que se refere aos objectivos de quantidades, os quadros apresentados mostram claramente que a BASf participou no mesmo pé que as outras. As negações da BASF no que se refere à sua participação num sistema de account mamagement não parecem resistir à análise. Acresce que parece que foi o Sr. Arenz, da BASF, quem primeiro chamou a atenção sobre o risco que as empresas corriam se exigissem todas ao mesmo tempo exactamente o mesmo preço, quando um cliente a elas se dirigisse. Nos termos dum relatório da reunião efectuada em Setembro de 1982, em que esta declaração foi feita, os participantes convencionaram que qualquer outra empresa que não fosse o fornecedor principal do cliente individual deveria pro-por-lhe um preço de venda superior em alguns pfennigs ao preço convencionado nessa data, que era de 2,00 DM. Os relatórios das reuniões posteriores mostram que, tal como as outras, a BASF participou nos esforços para impedir as consequências do facto dos clientes poderem procurar a empresa susceptível de lhes oferecer os preços mais vantajosos.

Nessas circunstâncias, considero que se pode considerar provado que, como alega a Comissão, a BASF participou no acordo durante o período que vai do Outono de 1979 ao Outono de 1983, e isto na mesma medida que as outras empresas.

E — Anic (Enichem; processo T-6/89)

A Anic admite ter participado nas reuniões de produtores em qualquer caso a partir do Outono de 1979. Em contrapartida, a data em que cessou a participação da Anic nas reuniões é um tanto incerta. Na sua resposta ao pedido de informações da Comissão, a Anic escreve que a empresa começou a participar nas reuniões de produtores numa data verosimilmente pouco afastada do início das reuniões. No n.o 19, primeiro parágrafo, da decisão, pode ler-se que a Anic não participou mais nas reuniões a partir de meados ou finais de 1982, quando os seus interesses no polipropileno foram assumidos pela Montedipe. A Comissão considera todavia que a participação da Anic no acordo durou até ao fim do ano de 1982 ou início de 1983 (ver o artigo 1.o da decisão).

Na resposta da Anic ao pedido de informações da Comissão, esta empresa afirma que a sua última participação numa reunião remonta a Outubro de 1982, em Zurique. A Anic indicou seguidamente que esta informação assentava num erro e que foi verosimilmente no início de 1982 que a empresa deixou de participar nas reuniões.

Num relatório de uma reunião de Maio de 1982, refere-se que a Anic/SIR já não participava. Num relatório da reunião de Setembro de 1982, pode ler-se que a Anic devia ser considerada como um problema. Nele vem escrito que era necessário exercer uma pressão e que o Sr. Zacchi (Monte) tinha recebido a missão de pedir ao Sr. Morioni para falar com o Sr. Corradini (Anic). Num relatório referente a uma reunião efectuada em 2 de Novembro de 1982, diz-se, em relação com a situação em Itália, que segundo a Monte, a Anic, assim como a Saga, a Amoco e a BP, podiam dar origem a preocupações.

Como a Comissão admitiu na audiencia, não há, no caso em apreço, muitas provas de que a Anic tenha participado nas reuniões após meados de 1982 e, em qualquer hipótese, a observação no relatório das reuniões de Maio de 1982 de que a Anic não participava mais, não parece ser contraditada por outras provas. E possível que a Anic tenha podido dar informações utilizáveis no âmbito das tentativas para estabelecer um acordo de quotas para o ano de 1983, mas não existem, em minha opinião, elementos de prova suficientes para demonstrar que a Anic participou na actividade do acordo após meados de 1982. Em consequência, deve-se considerar como provado que a Anic participou desde o Outono de 1979 até meados de 1982 e não, como considera a Comissão, até ao fim de 1982 ou o início de 1983.

No período que vai até meados de 1982, a participação da Anic nas iniciativas de preços do acordo prova-se, no essencial, pela sua participação nas reuniões. Como já disse na parte dedicada à Rhône-Poulenc, deve-se considerar esta participação como uma prova suficiente no presente caso, em que é difícil conceber a participação em numerosas reuniões durante um longo período, sem participação nas medidas decididas nas reuniões. Além disso, não existe qualquer elemento que permita considerar, como o faz a Anic, que os actos atribuídos à Anic também poderiam ter sido praticados por representantes da SIR. Na realidade, a Anic não contesta sequer a sua participação e, na maior parte dos quadros encontrados, estas duas empresas são, aliás, referidas cada uma por si. O facto de a Anic e a SIR serem referidas conjuntamente no relatório da reunião de Maio de 1982 significa, verosimilmente, que já nenhuma das empresas participava nas reuniões.

No que se refere aos sistemas de quotas relativos ao período durante o qual a Anic participou, dispomos das mesmas provas que as que incriminam as outras empresas. O sistema d'account management só foi instituído a partir duma data posterior àquela em que a Anic, verosimilmente, deixou de participar.

F — Hercules (processo T-7/89)

A Hercules suscitou especificamente a questão de saber em que medida pode ser aplicada uma multa à empresa no caso de um empregado ter podido agir em seu próprio nome e contrariamente às instruções dos seus superiores.

Alega que a participação do Sr. Bastiaens não era oficial, que este não tinha o acordo dos seus superiores e que a sua participação era contrária à política da empresa. A isto, a Comissão responde que a participação do Sr. Bastiaens era — ou deveria ser — conhecida dos seus superiores que, na sua opinião, tinham pelo menos dado o seu acordo tácito.

A participação do Sr. Bastiaens nas reuniões está rodeada de algum mistério ou, em qualquer caso, é essa a impressão que se procura dar. A primeira questão que se coloca é naturalmente: que ia ele fazer às reuniões? A recorrente explica a sua participação pelo facto de os dirigentes da empresa não terem informado o Sr. Bastiaens de forma suficientemente clara de que a empresa não pretendia participar nos acordos de que tinha tido conhecimento durante a primeira fase, isto é, em 1977. A empresa declara que o Sr. Bastiaens, como uma borboleta, andou às voltas em redor da candeia até nela queimar as asas, começando a participar nas reuniões. Segundo a recorrente, ele era responsável pela previsão dos movimentos de preços no mercado e pela preparação das instruções de preços para as filiais de venda e, evidentemente, o facto de conhecer as intenções das outras empresas só podia aumentar a sua capacidade para desempenhar esta tarefa. A recorrente admite que se deve constatar a posteriori que os mais altos dirigentes da empresa não exerceram vigilância em relação ao que se passava, mas considera que uma falta de vigilância não pode ser assimilada a uma participação consciente por parte da empresa.

A Comissão que, como se disse, considera que os superiores do Sr. Bastiaens devem ter tido conhecimento do que se passava, remete para a nota de origem no que se refere ao acordo sobre os preços mínimos e para um memorando interno de 29 de Julho de 1981 que, segundo a Comissão, e sem que tal seja contestado pela Hercules, eram ambos endereçados ao Sr. Bastiaens e redigidos pelos seus superiores. Neste último memorando, pode ler-se «creia ou não, são estes os preços “oficiais” para Agosto e Setembro», seguido de uma série de indicações de preços. O memorando conclui: «Recebi estes preços em duas «tábuas» enviadas por um senhor com barbas que desceu da montanha.»

Além disso, a recorrente explica desenvolvidamente que a posição do Sr. Bastiaens não comportava qualquer poder para obrigar a empresa, pois este não tinha nomeadamente qualquer competência quanto à produção e, portanto, não podia obrigar-se a celebrar acordos sobre quotas. A recorrente refere que ele tinha como superiores simultaneamente um director de marketing e um direc-tor-geral da empresa, ao qual o director de marketing fazia o seu relatório. Por seu lado, a Comissão mantém que o Sr. Bastiaens tinha o título de chefe das vendas. A recorrente sublinha que, por várias vezes, o Sr. Bastiaens declarou que a sua participação era «não oficial» e que tinha, provavelmente, recebido mais informações do que tinha dado. A este propósito, a Comissão sublinha, nomeadamente, que parece que o Sr. Bastiaens foi muito activo e teve boas ideias e que, em qualquer hipótese, se encontrava lá.

As informações de que assim dispomos dão um quadro muito pouco claro. Trata-se, como pretende a Hercules, de um empregado ambicioso que, por razões de carreira, menospreza ordens que não eram talvez formuladas muito claramente? Ou trata-se, como revela implicitamente o ponto de vista da Comissão, de uma empresa que procura cientemente limitar o risco de ser descoberta e/ou de ver ser-lhe aplicada uma multa?

Resulta das explicações fornecidas que o Sr. Bastiaens era chefe das vendas e responsável pela apreciação do mercado e, portanto, que devia ter uma influência de facto sobre a determinação dos preços. Assim, a recorrente incontestavelmente tirou uma vantagem das informações recolhidas. A Comissão provou mesmo que, em certos casos, os superiores do Sr. Bastiaens souberam o que se passava nas reuniões e o memorando e 29 de Julho de 1981 não dá em qualquer caso a impressão de que o Sr. Bastiaens e os seus superiores tenham ignorado a forma como o problema se punha em geral. Pelo contrário, parece que existiu um alto grau de cumplicidade por meias palavras. Finalmente, soubemos que o Sr. Bastiaens foi contratado para uma empresa importante, para um lugar correspondente ao terceiro grau na hierarquia.

Parece difícil explicar como foi possível dissimular que um colaborador que ocupava um lugar relativamente elevado participasse em reuniões sobre as quais os dirigentes recebiam informações esporádicas por outras vias. E possível que o Sr. Bastiaens tenha jogado, em maior ou menor medida, um jogo duplo em relação aos seus superiores. É igualmente possível que, por intermédio do Sr. Bastiaens, a Hercules tenha jogado um jogo duplo em relação aos seus concorrentes e que tenha procurado limitar os seus riscos graças à participação bastante misteriosa do Sr. Bastiaens. Apesar de tudo, uma apreciação global leva-nos antes a considerar que os superiores do Sr. Bastiaens não podiam deixar de conhecer e de aprovar, pelos menos tacitamente, o que se passava, e isto basta para rejeitar o argumento da Hercules a este respeito.

No processo Melchers e Cie/Comissão ( 98 ), o Tribunal de Justiça atribuiu importância a um mandato ligado a uma função exercida por aquele que agia em nome da empresa. O Tribunal de Justiça, além disso, impôs à empresa o ónus de provar que este mandato, ligado a uma função, tinha sido ultrapassado.

Quando se trata de um mandato ligado a uma função, deve ser claro que os limites do mandato devem ser determinados com base em factores objectivos. Os actos que, de forma reconhecível por terceiros, constituem claramente abusos de competência não podem normalmente implicar a responsabilidade da empresa. Em contrapartida, a situação jurídica parece um tanto diferente quando um empregado actua no âmbito do seu mandato geral, ligado ao seu posto, mas contrariamente a ordens, ou quando actua no limite extremo do seu mandato.

Nada nos documentos existentes indica que o Sr. Bastiaens tenha referido, claramente e sem ambiguidade, que não tinha qualquer espécie de competência para agir em nome da sua empresa e que a sua participação não teria qualquer influência sobre o comportamento da Hercules no mercado. Aliás, isto seria dificilmente compatível com a posição que ele ocupava de facto na empresa recorrente e, ainda mais, pode-se duvidar que os outros participantes nas reuniões o tivessem autorizado a participar em tal hipótese. Mesmo a sua posição na Hercules não podia levar os outros participantes a julgar que o que ele dizia não tinha o mínimo peso. A avaliar pelos documentos de prova existentes, os participantes, pelo contrário, parecem partir da ideia de que ele tinha capacidade para agir mesmo em nome da Hercules.

Se se conjugar o posto que ele ocupava de facto — e que a Hercules admite — com a circunstância de a sua posição lhe ter permitido durante um longo período dar aos outros a impressão de que dispunha de certos poderes, tem que se deduzir, em minha opinião, que a Hercules não provou que o Sr. Bastiaens agiu com excesso do mandato ligado ao seu posto de trabalho. Em minha opinião, não basta a recorrente afirmar agora, a posteriori, que o Sr. Bastiaens não tinha influência decisiva na produção e noutros elementos, quando é certo que, do simples ponto de vista dos factos, a recorrente permitiu a um colaborador de alto grau, que tinha visivelmente uma influência importante sobre a política de preços, liberdade de acção suficiente para estar em condições de participar nas reuniões. Considero, em consequência, que este argumento deve ser rejeitado.

Segundo a Comissão, a Hercules participou no acordo desde a sua origem até ao fim, em Novembro de 1983. A este propósito, a recorrente alega que, no máximo, a empresa desempenhou um papel nitidamente menos importante e participou durante um período notoriamente mais curto do que aquele que a Comissão alega.

A Hercules admite ter participado em reuniões a partir de Maio de 1979, mas afirma que, até Maio de 1982, a sua participação era esporádica e, após esta data, em qualquer hipótese, irregular. Após Agosto de 1983, nenhum representante da Hercules participou nas reuniões nem teve contactos com os concorrentes. A este propósito, a recorrente remete sobretudo para o facto de, na sua resposta ao pedido de informações da Comissão, a ICI ter referido que a participação desta empresa nas reuniões era irregular e que a mesma não comunicou os seus próprios números nas reuniões. Além disso, a Hercules sublinha que, na sua resposta à Comissão, a Monte declarou que, à excepção da Amoco, da Shell, da BP e da Hercules, os produtores europeus mais importantes participaram em geral nas reuniões, não pretendendo todavia a Monte excluir totalmente que esta última empresa tenha participado em algumas reuniões. Segundo a Hercules, a Comissão omitiu, sem razão, a tomada em consideração da fraca participação da Hercules, tanto na apreciação da sua culpabilidade como na fixação da multa.

Relativamente ao período anterior a Maio de 1982, a participação do Sr. Bastiaens, incontestavelmente, não foi tão regular, segundo as provas de que dispomos, como a de muitos outros participantes. No âmbito do inquérito interno, a Hercules descobriu ela própria que antes de Maio de 1982 o Sr. Bastiaens tinha, segura ou verosimilmente, participado em reuniões em 10 ou 11 de Maio de 1979, 1 ou 2 de Outubro de 1980, 27 ou 28 de Agosto de 1981, 16 de Dezembro de 1981, 4 de Fevereiro de 1982 e 9 ou 10 de Março de 1982. A estas acresce uma reunião em Amesterdão, talvez em 1979, e eventualmente uma reunião suplementar em Londres. Além disso, a Comissão sublinhou que, nos relatórios das reuniões de 1983, a Hercules é considerada como um participante regular.

Em matéria de relatórios e similares, dispomos de um relatório de uma reunião efectuada em 10 de Março de 1982, citado no n.o 15, alínea b), da decisão (anexo 23 à comunicação geral das acusações), bem como, além disso, de um relatório de uma reunião de 13 de Maio de 1982. Existem instruções de preços escritas relativamente ao período iniciado em Março de 1982. Relativamente ao período anterior a Março de 1982, temos o memorando acima citado, segundo o qual os preços oficiais foram comunicados «em duas tábuas». Finalmente, existe uma cópia de um quadro sobre a evolução dos preços pretensamente utilizado pelo Sr. Bastiaens como base de uma exposição para os vendedores da empresa. E onde se diz, entre outras coisas, que a firmeza geral tinha permitido elevar os preços a 2,05 DM, isto é, ao nível mais próximo dos objectivos de preços publicados, até então atingido. Finalmente, observa-se que a nota respeitante ao acordo de origem sobre os preços mínimos de 1977 provém da Hercules.

Tudo o que antecede mostra claramente que a Hercules participou forçosamente no acordo, pelo menos a partir de Março de 1982. Não irei atribuir uma importância decisiva ao facto de, segundo as informações disponíveis, o próprio Sr. Bastiaens não ter dado números respeitantes à sua entidade patronal. A sua participação nas reuniões e nas discussões, assim como o envio pela Hercules de instruções de preços correspondentes aos preços convencionados, não permite com efeito duvidar seriamente do facto de que as outras empresas podiam contar que a política de preços da Hercules seria alinhada pela sua, o que deve bastar para considerar que foi violado o artigo 85.o, n.o 1. No que se refere ao período entre o Outono e 1979 e Março de 1982, os meios de prova parecem um pouco menos fortes. Todavia, está provado que a Hercules admitiu ter participado num número não menosprezável de reuniões durante este período, da mesma forma que outras provas demonstram que, em qualquer circunstância, a Hercules estava particularmente bem informada do que se passava no âmbito do acordo. Portanto, deve considerar-se que existem bases suficientes para constatar que a participação da Hercules durou desde o Outono de 1979 até ao fim do acordo em 1983. A este respeito, observo que nada permite considerar que a participação da Hercules no sistema de quotas para 1980, cuja existência deve ser considerada provada, esteja menos bem demonstrada que a das outras empresas.

Na sua defesa, a Hercules insistiu no facto de os documentos de prova invocados pela Comissão serem relatórios em segunda ou terceira mão sobre circunstâncias que a Hercules não teve possibilidade de estudar de perto, nomeadamente por não conhecer suficientemente a origem dos documentos. Como acima disse na primeira parte, secção E, n.o 2, é todavia através de uma apreciação global que se determina a força probatória de uma prova e, julgando razoavelmente, a maior parte dos documentos invocados pela Comissão têm uma grande força probatória. Aliás, não se vê o que é que podia impedir a Hercules de procurar saber quem era o autor deste ou daquele documento, quando este era conhecido, por exemplo, pedindo-o à Comissão.

G — DSM (processo T-8/89)

A DSM admite ter participado com certa regularidade nas reuniões do acordo, a partir de 1 de Janeiro de 1981. No que se refere ao período anterior, a recorrente nega ter participado regularmente em reuniões ou, além disso, de forma estruturada.

A Comissão que, no artigo 1.o da decisão, considera que a DSM participou a partir de uma data indeterminada entre 1977 e 1979, alega a este propósito que, segundo os gráficos disponíveis no que respeita aos objectivos de quantidades para 1979 e 1980, a DSM deve ter participado, em qualquer caso, a partir de 1979.

Se o Tribunal tomar em consideração a minha apreciação das provas no que se refere ao período de 1977 até ao Outono de 1979, bastar-nos-á analisar a participação da DSM nas reuniões entre o Outono de 1979 e o fim do ano de 1980. Se se tiver em conta o facto de, na sua resposta ao pedido de informações da Comissão, a ICI ter afirmado que a DSM era uma das participantes regulares, não é necessário, em minha opinião, atribuir demasiada importância ao facto de a própria empresa descrever a sua participação nas reuniões, antes de Janeiro de 1981, como não tendo sido nem sistemática nem estruturada, sobretudo tratando-se de um período durante o qual as reuniões foram nitidamente menos numerosas do que posteriormente. Como, além disso, a DSM é citada no mesmo plano que outros participantes nos gráficos que estabelecem as quotas e as quantidades para 1979 e 1980, parece-me que se pode, sem hesitar, considerar provado que a DSM participou no acordo desde o Outono de 1979.

Além disso, a DMS enviou várias instruções de preços, verificando-se ainda que esta empresa vem citada nas provas disponíveis na qualidade de «account leader». No que se refere aos sistemas de quotas, dispomos de provas tão sólidas como relativamente às outras recorrentes.

A DSM invoca, aliás, o princípio in dubio pro reo e alega, em particular, que a Comissão não pode ter o direito de exigir que as empresas forneçam uma explicação alternativa convincente àquilo que ela considera como documentos probatórios. E-nos difícil discernir que luz suplementar trazem considerações de natureza tão geral sobre o problema das provas. A realidade prática é bem a seguinte: é necessário dispor de provas de uma infracção e aquele a quem incumbe apreciá-las deve, com base numa apreciação global da força dessas provas, sentir-se convencido daquilo que a Comissão alega. Como se viu, em minha opinião, convém impor exigências mais elevadas ao valor das provas do que aquelas que a Comissão impôs, mas é impossível encontrar no texto da decisão um elemento que permita afirmar que, em geral, a Comissão interpretou mal princípios gerais de apreciação das provas, entre eles o princípio in dubio pro reo. Em consequência, considero que este argumento é de rejeitar.

H — Hüls (processo T-9/89)

Nos termos do artigo 1.o da decisão, a Hüls terá participado no acordo desde um momento indeterminado entre 1977 e 1979 até Novembro de 1983, pelo menos. Segundo o ponto de vista que acima expressei, na parte geral, é todavia de excluir qualquer responsabilidade relativamente ao período anterior ao Outono de 1979.

No que se refere às iniciativas de preços, a Hüls, aliás, fundou a sua defesa essencialmente no facto de não ter havido nem ter podido haver qualquer acordo ou prática concertada abrangidos pela alçada do artigo 85.o n.o 1. A primeira parte da argumentação está ligada à. questão de interpretação que constitui o cerne do problema nos presentes processos, a saber, a interpretação das noções de acordo e de prática concertada à luz das circunstâncias materiais destes processos. A segunda parte da argumentação apoia-se em considerações relativas a eventuais consequências do comportamento no mercado e às conclusões que alguns pretendem daí tirar. A Hüls invoca nomeadamente a opinião do professor Albach, segundo a qual a forma como os preços se formaram na realidade é dificilmente conciliável com a tese segundo a qual os preços terão sido fixados por meio de combinações efectuadas no àmbito de um acordo.

Os argumentos assim avançados pela Hüls não me levam a outras observações para além daquelas que figuram acima quanto à interpretação do artigo 85.o e à situação geral, no caso em apreço, em matéria de provas. Contudo, pode ser útil sublinhar de novo que não é à doutrina econômica que pode ou deve competir determinar, com base em considerações teóricas, os casos em que existe um acordo ou uma prática concertada na acepção do artigo 85.o Trata-se de uma decisão jurídica que deve ser tomada com base numa apreciação global de todas as provas apresentadas, incluindo, evidentemente, as declarações de peritos que são submetidas ao Tribunal.

Portanto, resta analisar a questão da participação da Hüls nas reuniões e o que, além disso, resulta dos documentos de prova quanto ao papel da Hüls no caso em apreço. A Hüls alega a este propósito, antes de mais, que, em conformidade com os anexos apresentados pela Comissão, a empresa participou nas reuniões uma vez em 1981 e mais frequentemente a partir de 1982. A empresa não participou nas reuniões locais respeitantes a determinados sectores da Comunidade Europeia. Também não participou numa reunião de 18 de Outubro de 1982 no Reino Unido.

Na resposta à comunicação das acusações da Comissão, a Hüls não pretendeu negar que tinha participado na reunião plenária de Janeiro de 1981, tal como não estava excluído que colaboradores da Hüls tivessem participado nalgumas outras reuniões em 1981. Em qualquer hipótese, segundo a Hüls, deve-se partir da ideia de que a Hüls só participou em reuniões a partir de Janeiro de 1981, no máximo, e que essa participação só foi regular a partir de Maio de 1982, quando muito. No que se refere às reuniões locais, a Hüls declara que o representante da empresa só participou numa ou outra discussão sobre o mercado escandinavo.

A este respeito, a Comissão remete antes de mais para as declarações da ICI no que se refere à participação das outras empresas nas reuniões, nas quais a ICI explica que a Hüls fazia parte dos participantes regulares. A Comissão sublinha, além disso, que a Hüls é citada ria lista dos objectivos de quantidades «revistos» para 1979.

Nestas condições, deve-se poder considerar como provado que, no essencial, a Hüls admite a sua participação no início de 1981 e que a contesta relativamente ao período anterior. Em sentido oposto, existem as declarações da ICI cuja autenticidade se alicerça essencialmente, aliás, nas confissões mais ou menos completas das outras concorrentes e no facto de, contrariamente ao caso da Petrolina, não se dispor de outros elementos susceptíveis de indicar de uma forma ou de outra que a participação da Hüls terá podido iniciar-se numa data posterior à época em que, segundo toda a verosimilhança, o acordo verdadeiramente teve início, ou seja, o Outono de 1979.

As instruções de preços escritas constituem, além disso, indícios claros de que a Hüls participou no mesmo plano que os outros produtores menos importantes e a Hüls vem aí citada exactamente da mesma maneira que os outros.

Quanto ao resto, a estratégia de defesa da Hüls consiste, no essencial, em afirmar que, nas reuniões, a recorrente seguiu uma política que conjugava a reserva mental e as falsas informações, o que transpareceria, nomeadamente, da diferença entre os objectivos de preços fixados e os preços realmente obtidos.

Como se mostra das minhas observações gerais, a diferença entre os objectivos de preços e os preços de vendas reais não demonstra, em minha opinião, que a empresa não tenha participado na concretização de projectos comuns. É evidente que não se pode evitar que, quando devem tentar cooperar, haja empresas, que também são concorrentes, que procurem largamente fazer valer os seus próprios interesses à custa dos outros, mas uma atitude desleal para com os outros, tal como aquela que a Hüls pretende ter manifestado, dificilmente poderia ter sido mantida durante um longo período, sem que dela se encontrassem vestígios nos documentos existentes. A expressão mais forte que se pode encontrar a este propósito é que, nalgumas notas de reunião, se diz que alguns pequenos produtores (e aliás, não a Hüls) eram ambiciosos, e que alguns eram «perturbadores». Na falta de elementos concretos em sentido contrário, deve dizer-se que a explicação da Hüls não é convincente. Segundo os documentos existentes, a Hüls participou igualmente nos sistemas de quotas e de account management.

Nestas circunstâncias, considero que existem provas suficientes para constatar que, globalmente, a Hüls participou no acordo desde o Outono de 1979 até cerca de Novembro de 1983.

I — Hoechst (processo T-10/89)

Na sua decisão, a Comissão considerou que a Hoechst era um dos quatro grandes produtores que deviam assumir uma responsabilidade especial na actividade do acordo (ver, nomeadamente, n.os 67, 68 e 78 da decisão).

A Hoechst não contesta a sua participação nas reuniões que tiveram lugar, mas sublinha que estas últimas não foram particularmente numerosas até 1981.

A defesa da Hoechst consiste, no essencial, em demonstrar que não vendeu aos preços resultantes dos objectivos de preços convencionados e que as vendas da empresa não correspondiam também às quotas convencionadas. Além disso, a Hoechst sublinha nos autos a fragilidade que afecta notoriamente as provas invocadas pela Comissão. Finalmente, a Hoechst salienta que, segundo toda a verosimilhança, as informações trocadas nas reuniões não eram susceptíveis de dissipar a incerteza dos participantes no que se refere ao comportamento posterior dos outros no mercado e, desta forma, eliminar a concorrência. As questões aqui suscitadas estão todas tratadas na parte geral das minhas conclusões.

No que se refere à participação da Hoechst no grupo especial dos grandes produtores, resulta do anexo respeitante ao acordo sobre os preços mínimos de 1977 que a Hoechst fazia parte daquele grupo. Como se vê da minha apreciação das provas no que se refere à situação em 1977, estou de acordo com a Comissão em que se deve considerar como provado que, naquela altura, a Hoechst participou no acordo central alegado pela Comissão. Em conformidade com a resposta da ICI ao pedido de informações da Comissão e como vem referido no n.o 68, primeiro parágrafo, da decisão, teve que existir uma certa «conivência» entre os quatro maiores produtores para considerar que, se os preços tivessem de ser aumentados, seria necessário que essas quatro empresas dirigissem o movimento, mesmo que isso tivesse que afectar as suas próprias vendas. Numa nota da Shell (anexo 94 à comunicação geral das acusações) pode ler-se: «as iniciativas tomadas em matérias de preços pelos grandes (Hoechst, M-P, ICI, Shell) têm pouco efeito». Em fins de 1982, os quatro grandes começaram a efectuar reuniões separadas. Segundo o quadro 5 da decisão, todas estas empresas deverão ter participado, no total, em sete reuniões desta espécie durante o período entre 13 de Outubro de 1982 e 22 de Agosto de 1983. A Hoechst contesta ter participado na reunião de 13 de Outubro de 1982 em Heathrow e a ICI, aliás, não declarou que a Hoechst lá tivesse estado. Como se vê do n.o 67, segundo parágrafo da decisão, a Hoechst também não participou numa reunião com os outros grandes produtores em 17 de Junho de 1981, durante a qual foram discutidas as diversas possibilidades.

Conjugadas com o facto de a Hoechst — com algumas excepções — não negar ter participado nas reuniões gerais nem nas reuniões particulares dos quatro grandes e de não contestar as informações fornecidas pela ICI quanto ao conteúdo e ao objecto das reuniões, as provas escritas referidas, em minha opinião, oferecem uma base inteiramente suficiente para considerar provado que a Hoechst participou nas actividades do acordo na medida alegada pela Comissão, salvo relativamente ao que, em conformidade com a parte geral das presentes conclusões, não pode ser considerado como suficientemente provado.

J — Shell (processo T-11/89)

O papel da Shell no âmbito das actividades do acordo parece, à primeira vista, ser o menos bem provado, pois a Shell não participou nas reuniões de «peritos» e de «patrões» das outras empresas.

Todavia, como já anteriormente disse, a Shell participou nas reuniões entre os quatro grandes produtores, e participou também numa séries de reuniões ditas «locais». As reuniões entre os quatro grandes produtores descritas no n.o 68, segundo parágrafo, da decisão, como «pré-reuniões», efectuadas antes das reuniões ditas de «patrões», tiveram lugar, notoriamente, na véspera das reuniões de patrões, «por razões práticas» segundo os termos da ICI, pois o nível hierárquico dos participantes era o mesmo que nas reuniões de patrões.

No processo judicial tal como no processo administrativo, a Shell contestou que estas reuniões pudessem minimamente ser consideradas como reuniões preparatórias das reuniões de patrões ou que tenham constituído o enquadramento de uma concertação entre os pontos de vista dos participantes sobre os assuntos que deveriam ser discutidos no dia seguinte. Na audiência, parecia que se estava a falar de reuniões mundanas sem objecto específico. A explicação desta forma dada pela Shell parece a priori muito pouco credível e, como diz a Comissão na decisão, as alegações da Shell são contrariadas pelas informações disponíveis, nomeadamente as relativas ao conteúdo das reuniões entre os quatro grandes produtores em Outubro de 1982 e Maio de 1983.

Quanto à participação da Shell na iniciativa de origem em matéria preços mínimos, o meu ponto de vista está expresso nas observações a este propósito feitas na parte geral das conclusões (ver primeira parte, secção F, n.o 5).

No que se refere ao período entre o Outono de 1979 e o fim de 1982, sabemos que a Shell admitiu que a empresa recebeu, frequentemente, informações da ICI no que se refere aos objectivos de preços e outras. Sabemos igualmente, através de diversos relatórios de reuniões, que a comunicação funcionou amplamente em sentido contrário, sob a forma de informações dadas aos participantes nas reuniões plenárias no que se refere à posição da Shell sobre diferentes questões. A existência de contactos frequentes entre a ICI e a Shell sobressai dos relatórios das reuniões de 27 de Maio de 1981, 17 de Junho de 1981 e 9 e 10 de Setembro de 1982. Além disso, deve referir-se a reunião de 1 de Julho de 1981, mencionada no n.o 67, segundo parágrafo, da decisão, na qual a Montedipe também participou.

Dispomos de «conselhos em matérias de preços» e de instruções de preços da parte, respectivamente, da Shell International Chemical Company e da Shell no Reino Unido, que correspondem aos acordos ou à concertação efectuados nas reuniões plenárias. Além disso, existem elementos suficientes que permitem considerar que a Shell participou no sistema de quotas em 1980. Finalmente, segundo as provas, as organizações Shell ao nível nacional participaram, em certa medida, nos sistemas de account management na qualidade de coordenadores.

O conjunto dessas provas fornece, em minha opinião, bases suficientes para considerar provado que, como afirma a Comissão, a Shell participou tanto no acordo como tal, como no grupo especial dos quatro grandes. O facto da Shell não ter participado fisicamente nas reuniões plenárias, tanto ao nível de peritos como ao nível de patrões, não é em minha opinião decisivo, na medida em que, como se provou no caso em apreço, a Shell deu aos participantes, e recebeu deles, informações pertinentes, e na medida em que parece ter-se conformado com os resultados das reuniões.

Finalmente, deve-se observar que não posso atribuir um valor particular às objecções da Shell, fundadas na estrutura ou na organização interna do grupo Shell, que é relativamente descentralizada (ver sobre este ponto o n.o 102, primeiro e segundo parágrafos da decisão). A tese principal da Shell consiste em dizer que a empresa destinatária da decisão, isto é, a Shell International Chemical Company, não dispunha de qualquer poder para dar instruções às sociedades que asseguram a venda do polipropileno e que a Shell International Chemical Company, descrita pela Shell como uma simples empresa de serviços, devia obter o aval das empresas nacionais da Shell para celebrar qualquer acordo. Segundo os documentos existentes, é todavia certo que era a Shell International Chemical Company que participava nas reuniões preparatórias e coordenava a comunicação dos preços. Assim, não subsistem dúvidas de que era esta sociedade que se encontrava no centro dos acontecimentos no que se refere à Shell e, em minha opinião, deve antes ser interpretado o facto de a Shell invocar a sua estrutura interna como uma tentativa para se eximir, graças a este pretexto «estrutural», à sua responsabilidade em matéria de multas, o que naturalmente não é admissível.

K — Solvay (processo T-12/89)

Na sua resposta ao pedido de informações da Comissão, esta recorrente admite â sua participação nas reuniões de produtores a partir do início de 1978, o que corresponde às informações dadas pela ICI. Assim, a Solvay participou no acordo durante o período em relação ao qual existem provas de infracção ao artigo 85.o, n.o 1, isto é, do Outono de 1979 até ao fim de 1983. Quanto a este ponto deve observar-se especialmente que a participação no acordo de origem sobre os preços mínimos não pode ser considerada como provada, nomeadamente, porque a nota de 6 de Setembro de 1977, muito discutida durante o processo, e referida no n.o 16, quinto parágrafo, da decisão, não foi sequer comunicada à Solvay, na forma considerada adequada segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

A Solvay faz parte das empresas que descrevem o seu papel como inteiramente passivo. Este argumento é contradito pelos relatórios das reuniões existentes, e as circunstâncias de facto em que a Comissão baseou a solução que adoptou não são, na realidade, contestadas. Na petição, diz-se que a Solvay apenas participou nas reuniões com vista a nelas recolher informações técnicas e comerciais que podiam ser utilizadas para superar as desvantagens ligadas ao facto de a empresa ser nova no mercado. Todavia, também consigna que «a recorrente não nega, aliás, que esta troca de informações podia permitir, no seu espírito, limitar os efeitos da crise resultantes das sobrecapaci-dades». Além disso, a recorrente afirma que ela própria e várias outras empresas jogaram um jogo duplo. Assim, faz referência às suas declarações quando das audições perante a Comissão, no sentido de que a arte do «bluff» atingia um nível particularmente elevado nas reuniões em causa.

Uma leitura dos relatórios das reuniões dá a impressão perfeita de um clima de desconfiança construtiva recíproca entre os participantes, mas igualmente de um trabalho sério desses participantes sobre os problemas com os quais estavam confrontados. Não considero que seja possível deduzir da teoria da Solvay, no que se refere ao jogo duplo, o que quer que seja que possa apresentar uma grande importância para apreciar se existiu infracção ao artigo 85.o, n.o 1.

O mesmo se passa quanto ao argumento segundo o qual os interesses dos participantes eram tão diferentes e incompatíveis entre si que isso bastava para excluir qualquer possibilidade de celebrar acordos ou de chegar a uma concertação. Na realidade, é em grande medida às motivações dos participantes que tal argumento é dirigido. Este ponto de vista consiste em dizer que uma vez que as empresas instaladas no mercado em 1977 deviam procurar manter a sua parte do mercado e tentar, além disso, obter preços mais elevados, o interesse dos novos produtores era o de lutarem para obter partes de mercado, eventualmente «quebrando» os preços das empresas existentes.

Como se viu, no caso em apreço, este ponto de vista não corresponde à realidade. Corri efeito, pode ler-se em várias passagens dos documentos de prova que «os outros», isto é, essencialmente os grandes produtores, limitam a sua venda e renunciam voluntariamente a partes de mercado. Mesmo teoricamente, este ponto de vista não resiste à análise. Como acima foi dito na nota 1, conforme as circunstâncias, pode ser tão judicioso para uma empresa existente procurar integrar pacificamente um novo operador no mercado como, por exemplo, desencadear uma guerra de preços.

Os outros argumentos da Solvay dizem respeito a assuntos acima tratados na parte geral das conclusões. No que se refere à Solvay, também, não há qualquer razão para duvidar que existiram acordos ou uma concertação em matérias de preços e de quotas, mesmo que a Solvay tenha vendido a preços mais baixos e mesmo que as quantidades vendidas não tenham correspondido sempre às quotas que lhe tinham sido atribuídas.

Entendo que se deve considerar, portanto, que a Solvay participou no acordo desde o Outono de 1979 até ao fim deste, no Outono de 1983.

L — ICI (processo T-13/89)

Relativamente à ICI e à Montedipe, recorrentes que ocupam uma posição inteiramente central, a situação em matéria de provas é, de certa maneira, a mais simples. Nestes processos, a argumentação incide na realidade, em larga medida, sobre a questão dos limites de um comportamento lícito, e não tanto sobre a apreciação das provas contra estas empresas, provas que podem, sem exagero, ser qualificadas como muito abundantes. Nos dois casos, a bem dizer, as circunstâncias de facto que, segundo a Comissão, constituem infracção ao artigo 85.o, n.o 1, foram admitidas e, nos dois casos, procura-se demonstrar de diversas maneiras a licitude do comportamento dado como provado.

Além disso, a estratégia da ICI, no caso em apreço, consiste em impugnar cada ponto em que, de uma maneira ou de outra, tal seja possível. No essencial, já tomei posição sobre os argumentos da ICI na parte geral destas conclusões.

A ICI alega ainda, nomeadamente, que não se pode considerar que o comportamento desta recorrente tenha realmente influenciado o comércio entre os Estados-membros. Segundo a ICI, o funcionamento do acordo não aumentou nem reduziu o comércio entre os Estados-membros, assim como não teve qualquer influência sobre as estruturas da concorrência. O comércio entre os Estados-membros já era importante e aumentou durante o período em que o acordo funcionou.

Esta argumentação deve ser confrontada com as informações da Comissão, quando esta sublinha (n.os 93 e 94 da decisão) que a fixação de objectivos de preços e outros eram susceptíveis de influenciar e alteraram necessariamente as modalidades de comércio entre os Estados-membros.

É evidente que, se se partir da ideia que o acordo não teve a mínima influência sobre a concorrência, se deve simultaneamente concluir que o mesmo também não influenciou o comércio entre os Estados-membros. Todavia, também é inteiramente claro que acordos e uma prática concertada da natureza dos que foram utilizados pelo cartel como um meio para obter preços mais elevados podem influenciar o comércio entre os Estados-membros, o que, repito, é o critério previsto no artigo 85.o, n.o 1, e confirmado pela jurisprudência uniforme do Tribunal de Justiça. Uma ou várias empresas teriam podido, por exemplo, ser levadas a retirar-se do mercado porque, na falta de acordo, a concorrência tornar-se-ia demasiado brutal. E evidente que, nesta hipótese, o mercado teria sido diferente daquele que foi na realidade. Assim, é de rejeitar a objecção da ICI.

Além disso, o papel de direcção da ICI no âmbito do acordo pode suscitar algumas observações. A ICI alega que o facto de dirigir o grupo não constituía uma função qualificada. Segundo a ICI, o dirigente do grupo apenas tinha funções práticas de coordenação. Pelo contrário, a Comissão considera que a ICI desempenhou um papel inteiramente central no acordo. Resulta das provas existentes que, não contente em participar nas reuniões plenárias, nas reuniões dos quatro grandes produtores e numa longa série de reuniões ditas locais em vários países, a ICI desempenhou ainda o papel de uma espécie de «líder». Refiro-me aqui especificamente aos documentos citados nos n.os 40 e 59 da decisão que mostram desde logo que, a partir de meados de 1982, a ICI deveria ser a empresa que actuou com maior zelo para fazer funcionar o acordo segundo o seu ponto de vista. Assim, considero que se deve dar razão à Comissão na sua apreciação do papel da ICI no âmbito do acordo.

A ICI alega que a apreciação, pela Comissão, do mercado do produto está errada em diversos pontos (que, aliás, não são citados nas presentes conclusões). Assim, a ICI declara que as quantidades de polipropileno, «relativamente pouco importantes» segundo o n.o 7 da decisão, que foram importadas para a Comunidade, podem exercer uma influência negativa particularmente notável sobre os preços do mercado. Segundo a ICI, além disso, só no segundo semestre de 1983 (e portanto não em 1982) é que se criou de novo um equilíbrio razoável entre a oferta e a procura no mercado da Europa Ocidental. Finalmente, a ICI alega que a Comissão subestimou os problemas deste sector industrial ao omitir a tomada em consideração da importante queda, após 1977, do preço dos produtos susceptíveis de substituírem os polipropilenos, entre eles outros produtos plásticos. A ameaça de que a procura viesse a orientar-se para outros materiais tornava assim difícil a manutenção do preço do polipropileno a um alto nível, o que acentuava mais ainda os problemas das empresas.

Como a Comissão sublinha a justo título, é difícil ver como eventuais erros de apreciação sobre os citados pontos podem afectar a legalidade ou a correcção da decisão. A questão de saber se a importação de quantidades reduzidas influencia mais ou menos os preços é inteiramente destituída de pertinência no que se refere à apreciação da responsabilidade e da gravidade da infracção. O facto de ser difícil manter os preços do polipropileno a um alto nível era bem evidente e a forma de pensar da ICI conduz quase a sugerir que as empresas deveriam ser recompensadas por se terem lançado numa infracção difícil de concretizar com sucesso, por se tratar de uma tarefa difícil em si mesma. O facto de o mercado ter podido chegar a um equilíbrio mais tarde do que o pensavam os participantes, em minha opinião, em nada altera o facto, que se deve considerar — quando muito — como uma circunstância agravante, dos participantes terem pretendido prosseguir um comportamento ilícito numa altura em que acreditavam — com ou sem razão — que o mercado estava equilibrado (ver o n.o 37, terceiro parágrafo, da decisão e adiante, terceira parte, secção B).

M — Montedipe (processo T-14/89)

Tal corno a ICI, a Montedipe admite no essencial as circunstâncias materiais em que assenta a decisão da Comissão. Como sublinha a Comissão, a defesa da Montedipe contra a decisão funda-se, essencialmente, numa concepção segundo a qual as circunstâncias específicas que caracterizavam o sector do polipropileno durante o período em questão deveriam levar a considerar como lícito o comportamento demonstrado. As teses da Monte, que são marcadas por uma grande originalidade, podem ser resumidas em alguns pontos.

Em primeiro lugar, segundo a Montedipe, o funcionamento do acordo deve ser considerado como lícito, pois tinha como objectivo impedir as empresas participantes de baixarem os preços, o que teria constituído uma concorrência desleal. Dado que o artigo 85.o, n.o 1, não protege a concorrência desleal, o acordo não estava em contradição com esta disposição. Como sublinha a justo título a Comissão, este argumento da recorrente não pode de forma alguma servir para demonstrar que o acordo era lícito. As regras relativas à concorrência visam, entre outros objectivos, impedir que uma ou mais empresas que ocupam uma posição dominante no mercado mantenham artificialmente preços baixos, quer de forma autónoma, quer com base num acordo para impedir outras empresas de se introduzirem no mercado.

Nos casos aqui em apreciação, a situação era, todavia, a inversa. As empresas existentes, tal como as novas, procuraram manter artificialmente preços elevados e, em qualquer hipótese, é difícil qualificar de concorrência desleal o caso em que se aceitam os preços — baixos — que se podem obter. Aliás, é sintomático que a Monte tenha declarado em resposta a uma questão, na audiência, que ninguém teria sido individualmente capaz de afastar os novos produtores através da concorrência.

Como já disse na introdução destas conclusões, as empresas comerciais têm o direito de se reunir e de defender em comum os seus interesses. Ninguém o negou. Segundo a Monte, todavia, a decisão da Comissão representa uma violação das liberdades de opinião, de informação, de reunião e de associação. E evidente que se devem sempre recear os funcionários demasiado zelosos que, em qualquer reunião de dirigentes de empresa, vêem o berço de acordos ou de práticas concertadas ilícitas. Apesar das dificuldades evidentes que as autoridades comunitárias podem encontrar para obter provas em processos como os do caso em apreço, as considerações em matérias de provas nunca devem transformar-se em pura especulação. Por outro lado, como já disse, deve-se poder — sem por isso violar liberdades fundamentais — deduzir da participação em numerosas reuniões, que constituíram o quadro de actos ilícitos, que houve uma participação nesses actos. Na realidade, trata-se de colocar a apreciação das provas num enquadramento aceitável por todos. Nos casos em apreço, não tenho qualquer dúvida de que as provas são suficientemente convincentes para desmentir qualquer teoria no sentido que a decisão constituiria de facto uma violação de uma qualquer liberdade.

O resto da argumentação da Montedipe — relativamente aos pontos não tratados já — pode verosimilmente ser resumida dizendo que a Monte considera que se podem invocar noções baseadas no estado de necessidade para demonstrar o caracter lícito do cartel. Servindo-se de um belo exemplo, a Monte afirma que o comportamento da empresa deve ser comparado com o de náufragos que seguem todos uma exortação de um deles a nadarem até à margem, o que seria o único comportamento racional. A exortação ao salvamento é uma proposta do acordo ou antes a mera constatação da única via de salvação, pergunta a Montedipe. No âmbito do direito da concorrência, a resposta só pode ser a seguinte: existe uma exortação para celebrar um acordo. O direito da concorrência, tal como o define o artigo 85.o do Tratado CEE, não tem, efectivamente, como objectivo impedir os afogamentos. Contrariamente ao Tratado CECA, o Tratado CEE não prevê qualquer princípio de solidariedade no quadro do direito da concorrência e, em qualquer caso, não são as empresas — que se presume estarem em concorrência — que podem procurar introduzi-lo. A Monte afirma, num argumento suplementar, que o acordo teve efeitos particularmente favoráveis, na medida em que daí resultou um aumento da produção, das vendas e do consumo, assim como uma diminuição das importações. Como afirma a Comissão, pode-se amplamente discutir a questão de saber se o acordo teve ou teria podido ter tais efeitos. Em qualquer hipótese, os mesmos não se mostram provados e a proibição inscrita no artigo 85.o, n.o 1, aplica-se, independentemente de algumas empresas terem ou não tido a possibilidade de aumentar as suas vendas através dos acordos celebrados pelo cartel.

O papel dirigente da Monte não está tão bem provado como o da ICI. Por outro lado, não é contestado que a Monte dirigiu o grupo até meados de 1982, e não riá qualquer razão para crer que esta actividade de direcção tenha consistido em tarefas menos importantes antes da a ICI a ter assumido.

N — Chemie Linz (processo T-15/89)

Nos termos do artigo 1.o da decisão, a Chemie Linz participou no acordo desde Novembro de 1977 até ao fim do acordo.

A Linz alega que, em qualquer hipótese, a empresa não participou nas reuniões do acordo desde o início. A Linz sublinha que só se encontram provas da participação da empresa a partir do início de 1981. Além disso, declara que a recorrente já não tem a possibilidade de determinar a partir de que data começou a participar nas reuniões. Na resposta à comunicação das acusações, a Linz referiu a este propósito que a participação da empresa nas reuniões desde a sua origem parece inteiramente inverosímil, tendo em conta a fraca posição da empresa no mercado comum. Além disso, refere-se às informações fornecidas pela ICI sobre a participação das outras empresas nas reuniões, que não especificam qual o período em que se pode falar da sua participação. A Linz alega, além disso, no essencial, que a sua participação só tinha como finalidade recolher informações.

A Comissão responde dizendo que a Linz deve ter participado no sistema de quotas para 1979 e que, segundo as informações provenientes da ICI, a Linz era um participante regular nas reuniões, sem qualquer limitação no tempo.

O exame dos relatórios e das notas das reuniões apresentadas como provas no caso em apreço, em ligação com as declarações da ICI no que se refere à participação da Linz no acordo, mostra, em minha opinião, que a Linz participou, no mesmo plano que a maior parte das outras pequenas empresas, no que diz respeito aos objectivos de preços, às quotas e aos sistemas de acccount management. Finalmente, os relatórios das reuniões revelam claramente que, através das instruções de preços estritamente ligadas às diferentes reuniões do acordo, a Linz procurou impor os objectivos de preços. Para além das declarações da própria Linz, não se encontra no caso em apreço qualquer elemento susceptível de diminuir a fiabilidade dos indícios de participação nas reuniões, a partir do Outono de 1979, que resultam de uma apreciação das provas.

Em consequência, considero que as provas devem conduzir a considerar verificado que a Chemie Linz participou no acordo desde o Outono de 1979 até Novembro de 1983 aproximadamente.

III — As questões ligadas à sanção

A — A política da Comissão em matéria de multas

Como se sabe, o artigo 15.o do Regulamento n.o 17 permite à Comissão aplicar multas às empresas, por infracções às regras de concorrência, cometidas deliberada ou negligentemente. As multas podem ir até 10 % do volume de negócios da empresa, realizado durante o exercício social anterior. Em conformidade com esta disposição, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

Nos presentes processos, as multas impostas afiguram-se à primeira vista muito elevadas relativamente ao nível das multas fixadas noutros processos de concorrência. Assim, pôde-se, sem exagero, afirmar que o total das multas fixadas nestes processos de polipropileno era superior à soma de todas as multas impostas anteriormente. Por exemplo, uma comparação com o quadro apresentado por Bellamy e Child ( 99 ), também dá a impressão de que se trata de um nível de multas elevado. Todavia, não foi contestado, e é incontestável que, no caso em apreço, as multas apenas representam uma pequena parte dos 10 % do volume de negócio global das empresas, máximo autorizado pelo artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17.

Não obstante, todas as empresas alegaram que as multas eram demasiado elevadas. Evidentemente, as objecções das recorrentes dividem-se em duas categorias: as que incidem sobre o nível geral das multas, e as que incidem, mais especificamente, sobre a situação específica de cada uma delas.

Não vem dito expressamente na decisão, mas tanto o montante das multas, comparado com multas anteriormente impostas, como a parte geral da contestação da Comissão deixam supor que, mesmo que não exista, a bem dizer, uma agravação do nível geral, a Comissão aplicou multas que são, pelo menos, a expressão de uma tendência para o aumento. Assim, pode ser oportuno apreciar a questão da atitude das instâncias jurisdicionais para com a política da Comissão em matéria de multas como tal.

Em 1979, na sua decisão Pioneer ( 100 ), a Comissão agravou de forma sensível o nível das multas para os tipos de infracções em relação às quais existia uma jurisprudência ou uma prática estabelecida ou para as que, por outro lado, parecessem particularmente graves à Comissão. Segundo a Comissão, o nível das multas não era suficiente elevado para ter um efeito preventivo em relação às empresas que contavam talvez, através do seu comportamento ilícito, obter vantagens tão importantes que podiam permitir-se correr o risco de uma multa modesta. No seu décimo terceiro relatório sobre a política de concorrência, a Comissão explicou de forma mais geral o agravamento da sua atitude em matéria de política de multas (página 60 e seguintes).

A Comissão refere aí que durante os cerca de vinte anos de aplicação do direito da concorrência, só tinham sido aplicadas multas relativamente leves e que ela, Comissão, tinha verificado que as multas eram insuficientes para dissuadir as empresas de continuarem a infringir as disposições deste direito, mesmo no caso de infracções bem caracterizadas. A Comissão continua, dizendo que, numa decisão tomada no fim de 1979, tinha, portanto, afirmado a sua intenção de reforçar os efeitos dissuasivos das multas através de um aumento do seu nível geral nos casos de infracções graves, isto é, em particular, aquelas infracções já sancionadas por multas impostas por decisões da Comissão ou por acórdãos do Tribunal de Justiça. No que se refere aos acordos entre empresas, a Comissão cita, nomeadamente, esclarecendo que a lista não é exaustiva, as proibições de exportar, as compartimentações do mercado, as fixações de preços horizontais ou verticais e os sistemas de quotas. No que se refere aos abusos de posição dominante, cita as recusas de venda injustificadas, as discriminações em matérias de preços, os acordos exclusivos ou preferenciais de fornecimentos a longo prazo e a concessão de descontos por fidelidade.

Quanto à fixação do montante da multa, a Comissão esclareceu que tomava em conta toda uma série de elementos diferentes e que isto explicava que não se podia tratar de uma operação matemática assente numa fórmula intangível, mas unicamente de uma apreciação jurídica e econômica efectuada casuisticamente com base nos princípios anteriormente desenvolvidos.

No acórdão Pioneer ( 101 ), o Tribunal de Justiça caucionou a nova atitude, mais restrita, da Comissão. O Tribunal de Justiça declarou assim (página 1905 e seguintes):

«A este propósito, há que recordar o poder da Comissão de aplicar multas às empresas que, deliberada ou negligentemente, cometem uma infracção às disposições do artigo 85.o, n.o 1, ou do artigo 86.o, do Tratado, constitui um dos meios atribuídos à Comissão com vista a permitir cumprir a missão de vigilância que o direito comunitário lhe confere. Esta missão inclui certamente a tarefa de instruir e de reprimir infracções individuais, mas comporta igualmente o dever de prosseguir uma política geral com vista a aplicar à matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e orientar nesse sentido o comportamento das empresas.

Daqui resulta que para apreciar a gravidade de uma infracção com vista a determinar o montante da multa, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso concreto mas o contexto no qual a infracção se situa e zelar pelo caracter dissuasivo da sua acção, sobretudo relativamente aos tipos de infracções particularmente prejudiciais para a realização dos objectivos da Comunidade.

...

Também era lícito à Comissão ter em conta o facto de práticas deste tipo serem ainda, se bem que a sua legalidade esteja determinada desde o início da política comunitária de concorrência, relativamente frequentes em razão do benefício que algumas das empresas interessadas podem daí tirar e, portanto, de considerar que havia que elevar o nível das multas com vista a reforçar o efeito dissuasivo destas.

Pelas mesmas razões, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, multas de um certo nível a certos tipos de infracções não poderá privá-la da possibilidade de elevar este nível nos limites indicados no Regulamento n.o 17, se isso for necessário para assegurar a aplicação da política comunitária da concorrência. Pelo contrário, a aplicação eficaz das normas comunitárias da concorrência exige que a Comissão possa em qualquer momento adaptar o nível das multas às necessidades desta política.»

Este acórdão clarificou realmente diversos aspectos que foram igualmente debatidos nos presentes casos concretos. Em minha opinião, o acórdão confirma incontestavelmente, em primeiro lugar, o ponto de vista da Comissão segundo o qual é em princípio ela quem formula a política em matéria de sanções no domínio do direito da concorrência comunitário. Aliás, é esta de facto a boa solução. É a Comissão que tem um contacto directo com o domínio do direito em questão e é a Comissão que trata os numerosos processos, ao passo que, por natureza, é o acaso que determina os processos que serão levados ao Tribunal de Primeira Instância e ao Tribunal de Justiça.

Daí resulta, em minha opinião, que as instâncias jurisdicionais da Comunidade não devem normalmente ter uma política própria em matéria de sanções, mas — no quadro do Regulamento n.o 17 — deixar à Comissão a tarefa de fixar o nível geral das multas. É por esta razão que estou de acordo sobre este ponto com o advogado-geral Warner quando, no processo BMW/Comissão ( 102 ), declarou que a competência de pléna jurisdição atribuída ao Tribunal de Justiça pelo artigo 17.o do Regulamento n.o 17 (ver artigo 172.o do Tratado) não significa que este deva, em cada caso, substituir a sua própria avaliação da multa adequada à da Comissão.

Em minha opinião, só há que intervir quando a Comissão se afasta sem motivo, num caso específico, de um nível relativamente fixo e, assim, infringe o princípio da igualdade de tratamento. Sou de opinião que não é todavia de considerar, como as recorrentes afirmam, que a Comissão agiu dessa forma nos casos presentes. Nas decisões paralelas dos processos PVC e LdPE ( 103 ), as multas também parecem ser de um montante elevado, sobretudo se se considerar que, para fixar o montante das multas nestes processos, se tomou em consideração o facto de a maioria das empresas terem sido objecto de uma multa pela sua participação num acordo no sector do prolipopileno. Nas decisões comparáveis mais recentes ( 104 ), o nível das multas é igualmente elevado: 7 milhões de ecus para cada uma das empresas Solvay e ICI no processo TV/ /33.133-A, 3 milhões de ecus à Solvay e 1 milhão de ecus à Chemische Fabrik Kalk no processo IV/33.133-B, às quais se devem acrescentar multas de 20 milhões de ecus à Solvay no processo IV/33.133-C e de 10 milhões de ecus à ICI no processo IV/33.133-D.

Como não é de considerar que, na sua decisão sobre os polipropilenos, a Comissão se afastou do nível geral das multas que utiliza desde o acórdão Pioneer, o Tribunal deve, em minha opinião, partir do nível das multas aplicado pela Comissão nos presentes processos.

Mesmo que esta circunstância não seja decisiva isto é tanto mais certo, em minha opinião, quanto é verdade que o acordo no sector do polipropileno continuou tranquilamente a funcionar após 5 de Março de 1980, data da publicação da decisão Pioneer, facto que chamava a atenção das recorrentes para a possibilidade de as infracções às regras de concorrência lhes custarem bastante caro.

B — A Comissão tomou em conta todos os /adores pertinentes ?

Determinado desta forma o nível geral das multas, coloca-se a questão de saber se a Comissão tomou em conta todos os factores pertinentes para a fixação das multas. Como é evidente, tal deve resultar da decisão.

Em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17, os critérios de base para determinar os montantes das multas são, para além do limite fixado para este montante, a gravidade da infracção e a duração da mesma.

Na sua decisão, a Comissão afirma antes de mais que a infracção foi deliberada (n.o 107, segundo parágrafo). Parece-me, de acordo com as provas existentes, que não existe qualquer dúvida de que a Comissão tem razão ao afirmar que as empresas estavam perfeitamente ao corrente, tanto da ilicitude do seu comportamento como das pesadas sanções em que incorriam. Portanto, trata-se, incontestavelmente, de infracções deliberadas que devem ser, em quaisquer circunstâncias, julgadas de forma muito mais severa que as cometidas por negligência ( 105 ).

No que se refere ao último dos critérios que deve ser utilizado em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, a Comissão declarou que a infracção foi relativamente longa.

Em conformidade com a opinião que acima exprimi, a duração que deve ser atribuída ao acordo vai do Outono de 1979 ao Outono de 1983, isto é, cerca de quatro anos, e não cerca de seis anos, duração considerada pela Comissão como base da sua decisão e, portanto, igualmente para fixar o montante das multas. Deve-se observar que a responsabilidade, para efeitos de multa, das infracções cometidas pela ICI, Montedipe, Shell e Hoechst desde o Outono de 1977 à Primavera de 1978, deve ser considerada prescrita, como acima disse na primeira parte, secção G.

Uma vez que, como acima se disse, se deve tomar como base o nível geral das multas determinado pela Comissão, o facto de não se poder considerar que a infracção durou tanto tempo como a Comissão pretende deve implicar uma certa redução das multas. Todavia, a redução não deve ser proporcional à duração do período que não é tomado em consideração, pois, durante o período posterior ao Outono de 1979, a organização do acordo assumiu uma feição cada vez mais «profissional», ao passo que, no que respeita aos períodos anteriores, a Comissão é de opinião que tinha um aspecto menos grave e que foi apreciada em consequência na decisão. Inclino-me a pensar que uma redução aproximada das multas de 10 % a 15 % será adequada.

Em ligação com a discussão deste ponto, algumas recorrentes alegaram que a duração do acordo só poderia ser apreciada em função dos períodos em relação aos quais a Comissão considera, na sua decisão, que existiram actos ilícitos e, assim, por exemplo, que se deve tomar em consideração a duração global das diversas iniciativas de preços e não a duração do período durante o qual tiveram lugar reuniões. Embora, como já acima afirmei, não esteja inteiramente de acordo com a Comissão quando ela vê no conjunto dos processos um «acordo-quadro», a concepção estritamente matemática da duração do acordo apresentada pelas recorrentes não é, em minha opinião, correcta. A duração deve ser apreciada em função de todo o período durante o qual houve uma actividade que pode ser considerada como estritamente ligada às infracções.

Não é necessário uma exposição mais aprofundada para constatar, à semelhança da Comissão (n.o 107, quarto parágrafo), que se tratou de um infracção particularmente grave. As recorrentes tiveram muito claramente a intenção de procurar obter um nível de preços superior ao do mercado e, em qualquer caso, no que respeita ao período posterior a meados de 1982, é difícil tomar completamente a sério as vigorosas alegações das recorrentes quanto aos motivos razoáveis e louváveis que as teriam levado a cometer a infracção. Sem procurar saber se os participantes nas reuniões têm razão para considerar que o mercado estava mais ou menos equilibrado nesta data, a observação que figura no relatório da reunião citada no n.o 37, terceiro parágrafo, da decisão, mostra que o nível dos preços devia ser determinado não pelo mercado, mas pelos participantes, e isto mesmo que existisse equilíbrio entre a oferta e a procura e que, em qualquer hipótese, a finalidade não era unicamente de preservar, durante o tempo de uma crise, uma capacidade de produção susceptível a longo termo de sobreviver em condições normais de concorrência. A finalidade era muito simplesmente obter, para as mercadorias, uma remuneração mais elevada do que aquela que teria sido possível obter sem infringir o artigo 85.o, n.o 1. Como sublinha a Comissão, o próprio Tribunal de Justiça considerou que os acordos sobre os preços constituíam justamente infracções particularmente graves ao artigo 85.o ( 106 ), visto que decidiu que acordos «que impedem o abastecimento dos utilizadores aos preços mais favoráveis revestem uma gravidade particular que justifica que a Comissão faça um uso estrito do seu poder de sanção».

Em minha opinião, a gravidade da infracção não pode ser apreciada unicamente com base no alcance dos seus efeitos prejudiciais reais e verificados. Em primeiro lugar, uma parte do que constitui infracção, na acepção do artigo 85.o, não toma de forma alguma em consideração os efeitos. Acordos ou práticas concertadas que têm por objectivo afectar a concorrência podem constituir infracções tão graves como as infracções que são colocadas no mesmo plano e que têm por efeito limitar a concorrência de forma ilícita. Sempre que se verifique que um comportamento não teve por objectivo, mas teve como efeito afectar a concorrência, é necessário, pelo menos, para poder aplicar a multa, que se possam atribuir as consequências ilícitas ao autor do comportamento, por negligência deste. Nos casos em que se trata unicamente de infracção sob a forma de «acordos [...] ou de práticas concertadas de [...] que têm por efeito», pode-se estar perante uma intenção do grau menos elevado, uma vez que o propósito deliberado mais qualificado — o objectivo — é um elemento da descrição da própria infracção na segunda parte desta descrição no artigo 85.o, n.o 1.

As infracções que, por uma razão ou outra, e talvez fortuitamente, não têm os efeitos pretendidos, mas em que a intenção atinge o seu mais alto grau são, em minha opinião, mais graves na realidade do que as infracções cujas consequências são mais importantes mas em que, ao contrário do que sucede nos presentes processos, as consequências não foram directamente procuradas.

Não é apenas aos efeitos prejudiciais reais que se deve atribuir importância, mas também e em larga medida aos efeitos potenciais. Se supusermos que o artigo 85.o foi formulado de maneira a descrever uma infracção unicamente «de resultado» mas ligado a uma disposição sobre a intenção, é provável que não se apreciem de forma tão diferente a gravidade da intenção, por um lado, e a infracção praticada, por outro, uma vez que a tentativa revelaria a firme vontade de adoptar qualquer medida susceptível de concretizar o projecto ilícito. Assim penso, como a Comissão, que, no essencial, a gravidade da infracção deve ser apreciada com base nas informações de que dispomos relativamente à vontade do cartel de procurar influenciar o mercado.

Em minha opinião, no que respeita à vontade do cartel de, concertadamente, procurar pôr qualquer coisa de pé, não há no caso em apreço grande lugar para dúvidas. Sou de opinião que o facto das bases materiais que permitiram concretizar as iniciativas de preços projectadas terem frequentemente faltado, em nada altera a situação. No período que nos ocupa, o acordo não se caracterizou de forma alguma por diletantismo ou por ausência de estruturas. Pelo contrário, os compromissos mostram-se vincados pelo maior profissionalismo, o que, em minha opinião, deve contar de forma importante na apreciação da gravidade. Considero portanto que todas as objecções dirigidas contra a apreciação, pela Comissão, da gravidade da infracção devem ser rejeitadas.

Todavia, a Comissão fundamentou a solução que adoptou no facto de o acordo ter tido um certo efeito. Se a Comissão não teve razão nas suas considerações, o montante das multas deve assim ser incontestavelmente alterado. A descrição da forma como a Comissão concebe os efeitos do acordo, nos n.os 72 a 74 da decisão, não exclui que ela própria também tenha considerado que os preços tiveram efeitos reais relativamente modestos. O que conta, diz a Comissão, é que os preços convencionados ou concertados serviram de base às negociações com os clientes. Em minha opinião isto é exacto e, através disto, os acordos ou a prática concertada tiveram incontestavelmente uma certa influência sobre a formação dos preços. Como foi nossa impressão durante todo o processo, a fixação dos preços teve lugar em larga medida numa base individual, relativamente a cada lote de mercadorias, e é evidente que era vantajoso para os serviços de vendas das empresas disporem de um preço comum determinado, para se orientarem em função deste último.

Por outro lado, a medida em que o comportamento ilícito influenciou, de facto, os preços é um tanto duvidosa. E possível que a Comissão tenha visto numa medida um tanto exagerada um nexo de causalidade directa entre os objectivos de preços fixados (n.os 90 e 91 da decisão) e os preços reais, no sentido de que os primeiros teriam influenciado os segundos, quando o nexo de causalidade poderia antes, em princípio, verificar-se em sentido contrário como afirmam as empresas. Porém, mesmo neste último caso, a influência dos preços obtidos de facto, mais baixos que os convencionados, implicou novos objectivos de preços, ajustados, que era necessário procurar obter. O material probatório, sob a forma dos relatórios das reuniões, mostra, com uma certeza absoluta, quais eram as intenções ligadas aos objectivos de preços convencionados ou concertados. Como o seu próprio nome indica, estes representavam um nível de preços que era necessário procurar obter no mercado e tratava-se sempre de preços mais elevados do que os obtidos de facto até então. Foram apresentados no caso em apreço os estudos feitos pelo professor Albach que, relativamente a uma parte do mercado em questão, tentou simular os preços que teriam verosimilmente sido aplicados na ausência de acordos ou de prática concertada. Como já disse, o resultado seria que o mercado se comportaria no essencial da mesma maneira sem acordos ou prática concertada e que a apreciação dos resultados dos seus numerosos esforços, feita pelos participantes nas reuniões, não resistia à análise.

Independentemente dos problemas de método ligados a tais simulações de preços, e como a Comissão observou em audiência, o Tribunal deve recordar-se que o professor Albach, todavia, admitiu expressamente que é inteiramente possível que o mercado tenha sido influenciado em certa medida.

Nestas circunstâncias, não penso que seja de baixar o montante das multas com base em considerações ligadas aos efeitos reais do acordo, mesmo que a opinião da Comissão no que respeita à relação causa e efeito possa ter sido expressa de forma um tanto brutal. Em qualquer hipótese, as considerações sobre os efeitos reais do acordo, em minha opinião, apenas devem ter um peso relativamente modesto no que respeita ao montante das multas, perante a clareza da intenção dos autores da infracção.

Além disso, considero tal como a Comissão, que os factores enumerados no n.o 108 da decisão (à excepção do último travessão), levam todos a considerar que a infracção era grave.

C — As circunstâncias atenuantes

No n.o 108, no último travessão, a Comissão refere as circunstâncias atenuantes que admitiu :

as perdas das empresas na exploração do seu sector do polipropileno durante muito tempo;

o facto de as iniciativas em matéria de preços não terem atingido plenamente o seu objectivo;

a inexistência de qualquer verdadeira medida coerciva relativamente a cada produtor.

Em minha opinião, a enumeração das circunstâncias atenuantes não suscita qualquer crítica.

Todavia, segundo as recorrentes, os factores citados estão muito longe de ter sido suficientemente tomados em conta na determinação do montante das multas e algumas recorrentes consideram mesmo que as multas deveriam ser suprimidas uma vez que, segundo elas, as perdas importantes sofridas, sobretudo, devem ser consideradas como circunstância particularmente atenuante, que pode justificar a supressão das multas.

A tese das recorrentes não resiste à análise. Como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão IAZ e o./Comissão ( 107 ), o facto de obrigar a Comissão a ter em conta as dificuldades económicas de uma empresa redundaria em criar uma vantagem concorrencial injustificada para as empresas mal adaptadas às condições do mercado.

Na realidade, tratando-se de todo um sector industrial, o facto de atribuir demasiada importância às perdas resultantes de problemas estruturais implicaria a legalização, defacto, de qualquer tentativa para se subtrair à necessidade de pôr em prática as adaptações estruturais impostas pelas forças do mercado. Salta aos olhos que uma tal solução é incompatível com as concepções de economia do mercado subjacentes ao artigo 85.o

Seria talvez razoável, quaisquer que fossem as circunstâncias, procurar manter uma capacidade de produção, empregos, etc, durante um certo período, aguardando o aumento da procura num sector que indubitavelmente tinha futuro. Todavia, segundo o sistema do Tratado, repete-se, a opção pela não observância das regras de base do artigo 85.o não pode ser deixada à iniciativa privada e é por esta razão que se devem rejeitar as objecções das recorrentes a este respeito.

É igualmente possível que, como alega, sobretudo, a ICI, tenha ocorrido durante o período em questão uma certa adaptação estrutural, permanente ou provisória, no sector do prolipropileno. Todavia, deve-se partir do princípio de que as ilegalidades devem ser apreciadas em si mesmas. O facto de os autores das infracções terem igualmente adoptado medidas lícitas e incontestavelmente razoáveis e sensatas, não é de forma alguma surpreendente e anormal, mas, em minha opinião, tal não deve conduzir a maior indulgência para as infracções.

Finalmente, é possível que os auxílios estatais tenham, em certa medida, falseado as relações de concorrência no mercado do polipropileno. Como a Comissão sublinhou a justo título, o artigo 85.o, n.o 1, aplica-se em qualquer hipótese. Aliás, é característico que, grosso modo, todas as empresas do sector em questão tenham estado implicadas nas infracções, tenham ou não recebido auxílios estatais. Portanto, não se tratava de um acordo celebrado por algumas empresas com o objectivo de se defenderem contra uma concorrência não razoável por parte de outras, apoiadas pelo Estado. Assim, devem ser rejeitadas as objecções das recorrentes sobre este ponto.

No n.o 109, último parágrafo da decisão, a Comissão declara que um número muito pequeno de produtores colaborou nas averiguações da Comissão, pelo menos após a descoberta da maior parte das provas incriminatórias. Soube-se, na audiência, que se tratava sobretudo da ICI e da Hercules, que forneceram à Comissão um certo número de provas que puderam ser úteis para o prosseguimento do processo. Ora, como declara a Comissão, as empresas estavam, de qualquer forma, obrigadas a fornecer os referidos documentos e considero, tal como a Comissão, que tal apenas deve implicar uma redução modesta das multas. Segundo o que disse a Comissão, a diferença entre a multa de 10 milhões de ecus imposta à ICI e a de 11 milhões imposta à Montedipe deve justamente ser apreciada à luz da colaboração da ICI com a Comissão.

Já acima expus o meu ponto de vista sobre os efeitos do acordo enquanto elemento de apreciação da gravidade da infracção. Finalmente, estou de acordo com a Comissão quanto ao facto de que as multas deveriam verosimilmente ter sido ainda mais elevadas se, além do resto, tivessem sido tomadas medidas no âmbito do acordo para instituir verdadeiros meios coercivos em relação às empresas que não respeitassem os acordos celebrados, etc.

Resumindo, considero que, em relação às infracções muito graves aqui em causa, as multas não são desproporcionadas e que se tiveram em conta, na medida necessária, as circunstâncias atenuantes que podem e devem, razoavelmente, ser tomadas em consideração.

D — Redução das multas como consequência da anulação de algumas partes da decisão

Como já disse na secção B, verificando-se que a duração do acordo foi inferior à alegada pela Comissão, devem, em minha opinião, ser reduzidas as multas. Na medida em que, no que se refere ao período assim determinado (Outono de 1979 a Outono de 1983), há que verificar que não existem provas suficientes das conclusões da Comissão no que respeita a alguns pontos da decisão, deve ser de novo efectuada uma certa redução.

De acordo com o que acima referi, não existem provas suficientes para considerar verificado o compromisso ilícito alegado pela Comissão relativamente aos anos de 1981 e 1982 no que respeita ao controlo das quantidades, assim como não existem bases suficientes para considerar que existia um sistema de quotas para 1983. Além disso, em minha opinião, não é de considerar provado que as empresas tinham desviado ilegalmente mercadorias do território geográfico da Comunidade, a fim de criar artificialmente uma situação de penúria no mercado europeu.

A anulação da decisão a que convém proceder no que respeita ao período de 1977 ao Outono de 1979 e, relativamente aos pontos que citei no parágrafo anterior, em 1981, 1982 e 1983, deve, em minha opinião, levar a uma redução geral das multas de cerca de 20 %.

E — Deve a Comissão estabelecer uma «lista--catálogo» das multas?

Discutiu-se muito, no presente processo, a questão de saber em que medida a Comissão deveria ser obrigada a expor mais detalhadamente os critérios de cálculo utilizados para determinar o montante de cada multa.

A questão está ligada à série de factores enumerados pela Comissão no n.o 109, primeiro parágrafo, da decisão, e que foram decisivos para determinar o montante de cada multa. Trata-se 1) do papel de cada empresa, 2) da duração da participação de cada uma, 3) dos seus respectivos fornecimentos na Comunidade e 4) do volume de negócios total de cada uma. É incontestável que se podem e devem ter em conta estes factores.

Entre os elementos citados, os dois últimos são totalmente quantificáveis, com a reserva ainda de se poderem fornecer números exactos relativamente às vendas de prolipropileno e ao volume de negócios global. A duração é igualmente quantificável mas, como já se disse, não se pode considerá-la de forma simplesmente proporcional, uma vez que a actividade do acordo assumiu formas cada vez mais graves. Em contrapartida, a medida ou a intensidade da participação de cada empresa não pode ser quantificada de forma susceptível de fundamentar uma avaliação do quantitativo das multas; contudo, deve-se apreciá-las para fixar a multa.

E evidente que é extremamente difícil expor de uma forma minimamente razoável a ponderação dos diversos factores, quando apenas alguns são completamente quantificáveis. A solução a encontrar será, forçosamente, largamente baseada em estimativas. Assim, a Comissão contestou, muito recentemente, na sua resposta às questões escritas do Tribunal, assim como na audiência, que, para fixar os montantes das multas, tivesse procedido a cálculos exactos baseados nos factores quantificáveis.

Não vejo qualquer razão para pensar que a exposição feita pela Comissão quanto à forma como chegou ao montante de cada multa não corresponde à realidade. A Comissão sustentou que decidiu esta questão com base numa apreciação global. Como já disse, não penso que seja de criticar a Comissão neste aspecto e, em minha opinião, nem pela jurisprudência nem de outro modo, se pode considerar que a Comissão estava obrigada a estabelecer certos modelos de cálculos-tipo ( 108 ).

Acresce que, como a Comissão também sublinhou, poderia ser inoportuno por razões gerais de prevenção, elaborar um verdadeiro «catálogo» das multas num domínio como o aqui em questão, em que a ponderação das vantagens económicas e dos inconvenientes eventuais de uma infracção prevista desempenha incontestavelmente um papel importante na decisão da empresa de cometer a infracção ou de a ela renunciar.

Os pontos de vista expostos são igualmente aplicáveis aos fundamentos da fixação das multas, expostas na secção B, n.o 2, da decisão. A maior parte das recorrentes alegaram que a solução adoptada estava insuficientemente fundamentada na medida em que não existe justificação individual para a multa imposta a cada empresa. Em minha opinião, a Comissão apresentou os fundamentos que era possível apresentar em função da natureza do processo. Uma vez que não se podem quantificar todos os factores que constituem o fundamento do cálculo da multa, dificilmente se vê que elementos suplementares podiam ser acrescentados aos referidos pela Comissão.

Finalmente, o que foi dito tem repercussões sobre a apreciação do papel fiscalizador do Tribunal no que respeita ao montante das multas. Como se viu, nomeadamente na audiência, por não se conhecer com precisão o peso atribuído pela Comissão aos diversos factores uns em relação aos outros, pode ser difícil exercer fiscalização sobre o montante das multas. Mas se se deve admitir — como penso — que, neste domínio, a Comissão deve beneficiar de uma liberdade importante para determinar as multas de acordo com a sua apreciação do conjunto das circunstâncias do caso, este problema não é diferente daquele que se encontra nos outros domínios jurídicos em que a administração beneficia de uma maior ou menor margem de apreciação.

Em contrapartida, no sistema jurídico comunitário, a diferença reside no facto de, no que se refere ao montante da multa, o Tribunal dispor de uma competência de plena jurisdição e, desta forma, poder, se o entender, substituir a sua própria apreciação à da Comissão. Portanto, trata-se na realidade de um poder de apreciação independente em benefício deste órgão jurisdicional. Em minha opinião, o Tribunal deve todavia fazer prova de circunspecção a este respeito e só alterar este montante se considerar que a Comissão cometeu um erro de apreciação evidente. Pode-se, por exemplo, concebê-lo num caso em que se verifique que a Comissão baseou a solução adoptada em volumes de negócios ou em volumes de venda manifestamente errados.

Finalmente, talvez deva exprimir as minhas reservas sobre uma tese apresentada na discussão, ou seja, a de que ao não impor multas à BP e à Amoco, se bem que, segundo algumas recorrentes, estas últimas tenham estado implicadas no funcionamento do acordo, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento. Em minha opinião, este ponto de vista assenta sobre um erro de lógica e confunde prova e sanção. Uma vez assente que, por faltas de provas, a BP e a Amoco não podiam ser implicadas no processo, estas empresas já não podem estar em causa e a sua situação não poderá afectar a apreciação das multas aplicadas às outras empresas.

Talvez seja interessante referir um último elemento na presente secção: na audiência, a Comissão esclareceu que a menção, no n.o 107, segundo parágrafo, da decisão, do facto de a BASF, Hoechst e ICI terem estado implicadas em infracções às regras de concorrência comunitária não significava que a Comissão lhes tivesse imposto multas mais elevadas pela reincidência. Segundo as explicações da Comissão na audiência, esta menção tinha como única finalidade provar ainda melhor, relativamente a estas empresas, que se tratava de uma infracção deliberada. A Comissão explicou que não tinha tomado em consideração a reincidência, pois os factos anteriores datavam de há mais de quinze anos e o nível geral das multas tinha aumentado consideravelmente neste intervalo. Não há qualquer razão para não admitir esta explicação e considero que também não se pode ver na ausência de consequências da reincidência, neste caso, uma violação do princípio de igualdade ou de qualquer outro.

F — Extensão ou intensidade da participação das diferentes empresas

1. Extensão tal como vem exposta na decisão da Comissão

Em minha opinião, não se poderá razoavelmente duvidar que a Comissão tem razão ao considerar que os quatro grandes produtores, Montedipe, Hoechst, ICI e Shell constituíram a charneira dos compromissos estabelecidos e que formavam um grupo dirigente autónomo. E o que revela o objecto de reuniões separadas efectuadas entre estas empresas (ver o quadro 5 da decisão) e as alusões suplementares que figuram no material probatório no que respeita ao papel das quatro grandes empresas. Em consequência, a Comissão tem igualmente razão ao considerar que os quatro grandes produtores devem suportar uma parte importante das responsabilidade daquilo que se passou. Mesmo que não se possa dizer que haja provas de incitação no verdadeiro sentido do termo, as quatro grandes empresas desempenharam — ia quase a dizer: muito naturalmente — um papel central. Isto é válido sobretudo para a Montedipe e a ICI que, cada uma de sua vez, asseguraram a presidência do grupo durante um certo período. Isto justifica amplamente que estas empresas sofram multas severas.

Os autos não permitem saber por que razão a Shell não participou nas reuniões plenárias regulares. Todavia, tal como a Comissão, penso que o facto de não participar em reuniões com a totalidade dos produtores não pode constituir por si só uma circunstância atenuante. A participação da Shell deve, portanto, ser apreciada no mesmo plano que a participação das outras empresas, na medida em que existem provas que permitem incriminar esta empresa. Estas últimas estão acima descritas em pormenor na segunda parte, secção J.

Como acima foi descrito, na segunda parte, secção F, o papel da Hercules aparece rodeado de urna certa ambiguidade. Todavia, à semelhança da Comissão, penso que o facto de a Hercules não ter comunicado os seus volumes de vendas às outras empresas não deve ser considerado como uma circunstância atenuante, uma vez que a empresa participou de qualquer forma no acordo e dele tirou ou procurou tirar partido.

Nos termos do n.o 109, sexto parágrafo, da decisão, a Comissão não admite que se possa estabelecer uma distinção relevante entre as outras empresas, isto é, as que não sejam os quatro grandes produtores. Estou de acordo em que as provas não permitem apreciar com certeza quais as empresas que demonstravam maior ou menor energia nos seus esforços para fazer funcionar a colusão. A impressão geral é que é evidente que todas estavam interessadas e que as diferenças residiam sobretudo num maior ou menor grau de optimismo. Como acima foi dito, a Solvay teve a boa ideia de sugerir numa reunião, em Maio de 1982, que cessasse a organização das reuniões, pois o equilíbrio entre a oferta e a procura estava realizado. Poderia ver-se aí o testemunho de um empenhamento menos enérgico, não fosse o facto de a Solvay ter continuado a participar no grupo mesmo após esta data.

Alguns produtores menos importantes foram, por vezes, qualificados de perturbadores e acusados de agressividade pelos outros. Neste contexto, poderia ver-se aí a expressão de que demonstraram um empenhamento menor que os outros. Todavia, é claramente sintomático que estes tenham procurado sempre defender os seus interesses no quadro do acordo. O facto de alguns terem conseguido ganhar uma parte não menosprezável do mercado durante o período em que o acordo existiu não pode, assim, ser considerado como testemunho de um empenhamento menor do que o dos outros, mas antes do facto de serem mais hábeis a utilizar o acordo em seu proveito, isto é, para obterem um melhor lugar no mercado «segundo a repartição mais equitativa possível».

Finalmente, no n.o 109, sétimo parágrafo, da decisão, a Comissão refere que três empresas participaram durante um período mais curto que as outras. E de observar que, de acordo com o resultado da minha apreciação das provas, a Petrofina só participou a partir de Março de 1982 e não de 1980 como alega a Comissão.

Em consequência, as empresas podem, numa primeira fase, ser divididas em dois grupos, os quatro grandes produtores e os outros.

2. Os quatro grandes produtores

Resulta da decisão que, entre os quatro grandes, a Comissão impôs à Montedipe e à ICI uma multa mais elevada devido ao papel dirigente destas duas empresas durante um certo tempo, ao passo que vem referido que esta multa foi reduzida em relação à ICI, em virtude de uma certa colaboração durante as averiguações. Em relação às duas empresas, a multa parece mais ou menos idêntica, se comparada ao volume de negócios das empresas no sector do polipropileno. Convém notar que a Comissão não teve em conta objecções segundo as quais só deviam ser tomadas em consideração as vendas externas de polipropileno das empresas. Parece antes que a Comissão atribuiu importância ao volume de negócios correspondente ao que era considerado, pelas próprias empresas, como a parte de mercado de cada uma de entre elas. Em minha opinião, este é um critério correcto para determinar o montante das multas. Para além do facto do volume de negócios total das empresas não ter sido discutido no processo, não há muitos elementos que indiquem que a Comissão lhe terá atribuído um peso particularmente grande quando da determinação do montante das multas: isto não é sequer de admirar dado que, em todos os casos, se trata de empresas muito grandes cuja força no mercado é incontestável, tal como é incontestável a sua capacidade para pagar uma multa da ordem de grandeza das aqui discutidas. Parece assim existir um bom equilíbrio entre as multas de, respectivamente, 11 e 10 milhões de ecus impostas à Montedipe e à ICI. O mesmo sucede no que respeita às multas de 9 milhões de ecus impostas à Shell e à Hoechst que, claramente, foram consideradas como elementos centrais do grupo, sem no entanto terem desempenhado o papel dirigente da Montedipe ou da ICI.

3. Os produtores menos importantes

Os outros produtores, menos importantes, podem, por seu turno, ser divididos entre aqueles que participaram no acordo durante todo o período em que este durou e aqueles que nele entraram ou dele saíram durante esse período.

No que respeita ao primeiro grupo, o nível das multas afigura-se muito constante em função das vendas no interior da Comunidade, o que aliás deveria ser o caso, em princípio, uma vez que não se distinguiu em função da intensidade ou da extensão da participação e que, como penso, não se atribuiu uma importância decisiva ao volume de negócios global das empresas. Enquanto percentagem das vendas, o nível das multas é em geral um pouco mais fraco do que em relação aos quatro grandes produtores. No que se refere à BASF, não há acordo entre as panes quanto à medida em que os volumes de venda da produção da Rheinische Olefinwerke GmbH, que constitui uma «joint venture» (50/50) entre a BASF e a Shell, devem ser incluídos na base de cálculo da multa. A BASF alega que só actuou como agente de vendas relativamente a uma parte da produção que pertencia à Shell. A questão não foi inteiramente esclarecida e deveria ter sido analisada mais de perto pela Comissão, numa data anterior, durante a tramitação do processo. Em minha opinião, isto deve conduzir a atribuir maior peso aos números próprios da BASF, o que implicará uma certa redução da multa no que respeita a esta empresa. A redução deverá provavelmente ser de cerca de 10 %, de forma a que, em relação a esta empresa, a multa seria reduzida de 30 % no total.

Como foi dito na decisão, foi fixada uma multa relativamente menos importante ao último grupo de empresas mencionado, a Anic, a Petrofina e a Rhône-Poulenc. Abstraindo do facto de esta multa dever ainda ser reduzida relativamente à Petrofina, dado que o período durante o qual a sua participação pode ser considerada como provada é mais curto, parece também aqui existir um bom equilíbrio, tanto entre as multas impostas a estas empresas, como relativamente às aplicadas às outras. A multa imposta à Rhône-Poulenc deve ser reduzida tendo em conta, por um lado, que o período em relação ao qual existem provas da participação da empresa é muito mais curto do que considera a Comissão e, por outro lado, que este período que assim não foi tomado em consideração se caracterizava pelo facto do acordo se encontrar numa fase introdutória. Em consequência, a multa da Rhône-Poulenc deve ser reduzida de 40 % no total. A participação da Petrofina foi consideravelmente mais curta do que o alega a Comissão e uma parte deste período que não é tomada em consideração é posterior à data em que o acordo tomou a sua forma definitiva. Nestas condições, proponho que a multa da Petrofina seja reduzida em metade. A questão de saber em que medida, para calcular a multa da Anic, a Comissão integrou o volume de negócios da SIR nas suas bases de cálculo, coloca um problema específico. Segundo o que se sabe, a base de cálculo consistiu no volume de negócios (= parte de mercado) referente ao ano de 1982. Todavia, não existem dúvidas que a parte de mercado detida pela SIR em 1982 na altura em que esta empresa — durante um curto período — produzia por conta da Anic, era muito reduzida. Mesmo que não exista qualquer razão para aderir demasiado ao ponto de vista da Anic, segundo o qual se deve tomar em consideração igualmente o volume de negócios dos anos anteriores, considero que deve ser tomado em consideração o facto de a Anic só ter participado no acordo precisamente durante o primeiro semestre de 1982; é esta a razão por que deve ser reduzida a multa, numa certa medida, pouco importante. Em consequência, a multa da Anic deve ser reduzida em 30 % no total.

Sob a reserva decorrente do que acabo de dizer, não considero, portanto, que a Comissão tenha cometido erros de apreciação.

Neste contexto, proponho assim que as multas sejam fixadas da forma seguinte:

Anic SpA

525 000 ecus

Atochem SA

1 400 000 ecus

BASF AG

1 750 000 ecus

DSM NV

2 200 000 ecus

Hercules Chemicals NV

2 200 000 ecus

Hoechst AG

7 200 000 ecus

Hüls AG

2 200 000 ecus

ICI pic

8 000 000 ecus

Chemische Werke Linz AG

800 000 ecus

Montedipe SpA

8 800 000 ecus

Petrofina SA

300 000 ecus

Rhône-Poulenc SA

300 000 ecus

Shell International

7 200 000 ecus

Chemical Co. Ltd Solvay & Cie

2 000 000 ecus

IV — Conclusões

Tendo em conta tudo o que antecede, sugiro que o Tribunal decida da forma seguinte:

1)

O artigo 1.o da decisão da Comissão de 23 de Abril de 1986 (IV/31.149 — Polipropileno) é anulado na parte em que se considera provado

que

as recorrentes Anic, Rhône-Poulenc, Hercules, Chemie Linz, Solvay, Atochem, BASF, DSM e Hüls participaram no acordo ou numa pràtica concertada antes do Outono de 1979,

que

as recorrentes Hoechst, Shell, ICI e Montedipe participaram nos referidos acordos ou prática concertada a partir do segundo semestre de 1978 aproximadamente até ao Outono de 1979,

que

a Anic SpA participou nos referidos acordos ou prática concertada após o segundo semestre de 1982,

que

a Petrofina SA participou nos referidos acordos ou prática concertada antes de Março de 1982,

que

a Hercules Chemicals NV deu informações detalhadas sobre os seus fornecimentos,

que

os produtores desviaram os seus fornecimentos para os mercados ultramarinos com vista a criar por esta via uma situação de penúria na Europa Ocidental,

que

as recorrentes dividiram entre si o mercado para atribuir a cada produtor uma «quota» para os dois primeiros trimestres de 1983, assim como

que

os produtores em 1981 (salvo no que se refere aos primeiros meses do ano) e em 1982, exigiram uns dos outros a limitação das vendas de cada mês com base nas vendas respectivas no período anterior.

2)

O artigo 3.o da decisão é alterado de forma a que as multas estabelecidas nesse artigo sejam fixadas nos seguintes montantes

Anic SpA

525 000 ecus

Atochem SA

1 400 000 ecus

BASFAG

1 750 000 ecus

DSM NV

2 200 000 ecus

Hercules Chemicals NV

2 200 000 ecus

Hoechst AG

7 200 000 ecus

Hüls AG

2 200 000 ecus

ICI pic

8 000 000 ecus

Chemische Werke Linz AG

800 000 ecus

Montedipe SpA

8 800 000 ecus

Petrofina SA

300 000 ecus

Rhône-Poulenc SA

300 000 ecus

Shell International

7 200 000 ecus

Chemical Co. Ltd Solvay & Cie

2 000 000 ecus

3)

Negar provimento aos recursos quanto ao restante

4)

Quanto às despesas

No que se refere às despesas, deve-se observar que, na maior parte dos processos, a maior parte dos argumentos da Comissão mereceram acolhimento. Todavia, foram suscitadas críticas justificadas contra a decisão, de forma que esta última deve ser anulada em vários pontos. Assim, não foi destituída de razão a interposição dos recursos e, em minha opinião, será correcto aplicar o disposto no artigo 69.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (ver presentemente o artigo 87.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância), de forma a que cada parte suporte as suas despesas. E a solução que sugiro relativamente aos processos T-l/89, T-3/89, T-4/89 e T-6/89 a T-15/89. No que se refere ao processo T-2/89, Petrofina, tendo em conta a solução proposta, a Comissão deve suportar para além das suas próprias despesas, também a metade das despesas da recorrente.


( *1 ) Língua original: dinamarquês.

( 1 ) Ver Baden Fuller em European Latv Review, 1979, p. 439.

( 2 ) Acórdão de 7 de Junho de 1983, SA Musique Diffusion Française/Comissio (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, 1930).

( 3 ) Acórdão de 14 de Junho de 1981, n.o 14 (172/80, Recueil, p. 2021,2031).

( 4 ) Do Conselho de 6 de Fevereiro de 1962 primeiro regulamento de execução dos artigos 85.o e 86.o do Tratado (JO L 1962, 13, p. 204; EE 08 Fl p. 22).

( 5 ) Encontram-se no processo, designadamente, os nomes de Montedison, Montepolimeri e Montedipe, assim como a abreviatura Monte. Os documentos do processo mostram que a sociedade-mãe do grupo Montedison, a Montedison SpA, assegurou ela própria a produção do polipropileno até ao fim de 1980, produção que passou a parur de 1 de Janeiro de 1981 para a filial na qual detém 100 % do capital, Montipolimeri SpA, à qual foi enviada a comunicação das acusações. Como se mostra do n.o 8, quarto parágrafo, da decisão, conjugado com os arúgos 3.o e 5.o, o grupo Montedison foi objecto de uma reorganização interna, o que teve como consequência que a decisão foi dirigida à Montedipe SpA, que é a recorrente no processo T-14/89. Esta empresa é designada, a seguir, por Montedipe ou Monte.

( 6 ) Em conformidade com a nota elaborada pelo representante da Shell após a reunião, anexo 16 da petição da Shell (processo T-l 1/89).

( 7 ) Processo 107/82, Recueil, p. 3151.

( 8 ) Acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck/Comissão, dito «Fedetab», n.os 79 a 81 (209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, 3248), e de 7 de Junho de 1983, dito «Pioneer» já citado, n.os 6 a 8.

( 9 ) Processo 13258/87, M. e Co./Alemanha.

( 10 ) Acórdão de 21 de Fevereiro de 1984.

( 11 ) Ver também Pliakos: Les droits de la défense et U droit communautaire de la concurrence, Bruylant, Bruxelas, 1987, p. 145 e seguintes.

( 12 ) Ver a este propósito o acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983 Michelin/Comissäo, n.os 5 a 10 (322/81, Recueil, p. 3461).

( 13 ) Vernou 8.

( 14 ) 142/84 e 156/84, Coleo., p. 1899.

( 15 ) Acórdão de 17 de Janeiro de 1984, n.o' 23 a 25 (43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, 59).

( 16 ) Michelin/Comissäo, ji citado, nou 12.

( 17 ) Ver acórdão de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissäo, já citado, n.o 27.

( 18 ) Ver Schwarze: Europãitches VerwaltungsrecbL II, p. 1294, o processo AEG nota 77, segundo o aual as empresas implicadas em processos de acordos tem direito, em qualquer hipótese, a seu pedido, de receber uma cópia dos documentos pertinentes.

( 19 ) Ver a reacçlo do Tribunal de Justiça no processo AEG/Comissão, já citado, nota 17.

( 20 ) Ver Lasok, K. P. E. : The European Court o/Juitice, Pracúce and Procedure, p. 260, nota 4.

( 21 ) Acórdãos de 15 de Junho de 1970 ACF Chemiefarma/Comissão, n.o' 91 a 93 (41/69, p. 661, 693), e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck/Comissäo, já citado, n.o' 67 a 74.

( 22 ) No texto alemão fala-se de «fortgesetzte Zusammenarbeit», o que pode significar «colaboração permanente» mas que, naturalmente, Taz pensar em «conduta contínua» na acepção penal.

( 23 ) Já citado, nota 21.

( 24 ) Já citado, nota 8.

( 25 ) 30/78, Recueil, p. 2229.

( 26 ) No processo Distillers Company/Comissäo, já referido (nota 25); p. 2294 e seguintes.

( 27 ) Acórdão de 15 de Julho de 1970 (44/69, Recueil, p. 733,755).

( 28 ) Acórdão de 14 de Julho de 1972, n.o' 27 a 32 (48/69, Recueil, p. 619, 654).

( 29 ) Ver Schwarze, p. 1349, nou 84.

( 30 ) Ver o acórdão ACF Chemiefarma/Comissäo, já referido (nota 21), n.o' 76 e 77.

( 31 ) Acórdão de 15 de Julho de 1960, Präsident Ruhrkohlen-Verkaufsgesellschaft e outros/Alta Autoridade (36/59, Recueil, p. 856).

( 32 ) Acórdão de 1 de Julho de 1986, Union sidérurgique du Nord et de l'Est de la France (Usinor) SA/Comissāo, n.o 20 (185/85, Colect., p. 2079,2098).

( 33 ) Acórdão de 15 de Outubro de 1987, Heylens (222/86, Coleo., p. 4112).

( 34 ) Ver Everling, U: Wirtschaß und Wettbewerb, 1989, p. 877.

( 35 ) Ver JO C 215 de 21.8.1989, p. 1, contendo a decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988 que institui um Tribunal de Primeira Instancia das Comunidades Europeias, tal como foi publicada no JO L 319 de 25.11.1988, e alterada pela rectificação publicada no JO L 241 de 17.8.1989.

( 36 ) 56/64 e 58/64, Recueil, p. 429, 492. Esu posição foi posteriormente retomada: ver, por exemplo, acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, n.o 6 (6/72, Recueil, p. 239), assim como VBVB e VBBB/Comissio, jå refendo, nota 15.

( 37 ) Ver nou 21.

( 38 ) Já refendo, nou 7.

( 39 ) Gesellschaft zur Verwertung von Leistungsschutzrechten GmbH (GVL)/Comissäo (7/82, Recueil, p. 483).

( 40 ) 86/82, Recueil, p. 883, 915, segunda coluna.

( 41 ) N.o 111 (40/73, Recueil, p. 1663, 1930).

( 42 ) Ver nou 8 (n.o 32, p. 3236).

( 43 ) Decisões de 21 de Dezembro de 1988, IV/31.865, PVC, e lv/31.866, LdPE (JO 1989, L 74, p. 1, 21).

( 44 ) Ver, recentemente, Rutsch: «Strafrechtlicher Durchgriff bei verbundenen Unternehmen?», Recueil 1987, e Lipowsky: Die Zurechnung von Wettbcwerbsverstößen, München, 1987.

( 45 ) Já referido, nou 41.

( 46 ) Compagnie royale asturienne des mines SA e Rheinzink GmbH/Comissäo (29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, 1718).

( 47 ) Ver o processo ACP Chemiefarma/Comissāo, já referido, nou 21, n.o' 106 a 116.

( 48 ) Ver o acórdão Sandoz.

( 49 ) Já referido, nou 36.

( 50 ) Ver Hildebrandt: Der Irrtum im Bußgeldrecht der Europäischen Gemeinschaften, 1990, p. 40, Dannecker, Fischer-Fritsch: Das EG-Kartellrecht in der Bußgeldpraxis, p. 15; ver também Grabitz: Kommentar zum EWG-Vertrag, artigo 85.o, n.o 28.

( 51 ) Ver nomeadamente o acórdão Consten e Grunding, já referido, nou 36.

( 52 ) Ver nota 41.

( 53 ) Ver nota 3.

( 54 ) Ver, por exemplo, Mayras, Recueil 1972, p. 673.

( 55 ) Ver U. S. v. Kissel (U. S. Supr. Court 1910) 173 Fed. 823,218 US 601, Multiilex, Inc. v. Samuel & Co., and Eaton Corp., (5th Circ. 1983), 1983-2 Trade Cases, 65, 507 e American Tobacco Co. e al. v. U. S., (CCA-61944), 1944-45 Trade Cases, 57, J/7(p. 57, 587).

( 56 ) Cahiers de droit européen, 1974, p. 258.

( 57 ) Ver Ellis, Joseph : «Source material for Article 85 (1) of the EEC Treaty» dans Fordham Law Review, vol. XXXII, 1963, n.o 2, p. 247 a 278.

( 58 ) Acordaos de 14 de Julho de 1972, Imperial Chemical Industries Ltd/Comissäo (48/69, Recueil, p. 619) e 49/69 a 57/69.

( 59 ) Ver Piriou: Cahiers de droit europien, 1973, p. 52, e Joliét, op. cil, p. 266, e as referencias que se encontram nestes dois artigos.

( 60 ) Ver, adiante, nota 41.

( 61 ) Já referido, nota 3.

( 62 ) Já referido, nou 21.

( 63 ) Recueil, p. 718, segunda coluna.

( 64 ) No acórdão, o Tribunal de Justiça näo se pronunciou sobre a distinção entre o acordo e a prática concertada.

( 65 ) Ver nou 28 (Recueil, p. 669).

( 66 ) Ver nota 8.

( 67 ) Ver nou 8, p. 1929.

( 68 ) C-277/87, Colea., p. I-45 (publicação sumária).

( 69 ) Ver nota 56.

( 70 ) La politique de la concurrence dans la CEĶ 1977, publicação dc 1 Institut universitaire international, Luxembourg, edições UGA.

( 71 ) Droit européen des affaires, Thémis, Droit 1990, p. 278, Presses Universitaires de France.

( 72 ) Journal du droit international, 1973, p. 925,938.

( 73 ) Cahiers de droit européen, 1973, p. 50.

( 74 ) Revue du Marché commun, 1973, p. 17.

( 75 ) Kartelrecht, 1986.

( 76 ) Handbuch des Europäischen Rechts, artigo 85.o, n.os 17 e 18, p. 106 e seguintes.

( 77 ) Kommentar zum EWG-Vertrag, artigo 85.o, n.o 28, p. 10.

( 78 ) Common Market Law of Competition, 3. a edição 1987, n.o' 2-040, p. 60.

( 79 ) Clunet, 1977, p. 219.

( 80 ) Droit matériel et politiques de la Communauté européenne, 1986, p. 163.

( 81 ) Das Wettbewerbsrecht der europäischen Wirtschaftsgemeinschaft, artigo 85.o, n.o 23, p. 799.

( 82 ) Ver, atrás, alínea d).

( 83 ) Ver Labben, Hans-Dieter: Das Verbot abgestimmten Verhaltens im deutseben und europäischen Kartellrecht, p. 90 e nou 51.

( 84 ) Ver Schröter em Groeben/Boech, op. cit., n.o 13, p. 103.

( 85 ) Ver sobre este aspecto o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 29 de Fevereiro de 1968 no processo 24/67, Parke, Davis and Co./Probel, Reese, Beintema-ïnterpharm e Centrafarm, Recueil 1968, p. 81.

( 86 ) Recueil 1972, p. 693.

( 87 ) Société technique miniere/Maschinenbau Ulm (56/65, Recueil, p. 337).

( 88 ) Völk/Vervaecke (5/69, Recueil, p. 295).

( 89 ) Ver por exemplo, Lasok, K. P. E. : The European Court of Justice, Practice and Procedure, 1984, p. 263.

( 90 ) Já referido, nota 41.

( 91 ) Ver secção A, n.o 5, alínea c).

( 92 ) Ver a jurisprudência americana, Hum/Mobil Oil Corp. (Supreme Court, 1977) 465 F Supp. 195, 231, segundo a qual näo basta, para considerar que o comportamento ilícito se provou, que uma empresa tenha estado no lugar em que o acto ilícito foi cometido, ou tenha eventualmente conhecimento do comportamento ilícito de outras pessoas.

( 93 ) Ver a este propósito a forma como Van Damme se afasta sobre este ponto de vista da crítica acima feita por Joliét ao acórdão ICI: La politique de la concurrence dam la CEE p. 150.

( 94 ) N.o 17 (243/83, Recueil, p. 2015,2040).

( 95 ) N.o' 30 a 32 (51/75, Recueil, p. 811, 849).

( 96 ) Do Conselho de 26 de Novembro de 1974 relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41).

( 97 ) Ver nota 92, ver igualmente o advogado-geral Sir Gordon Slynn no processo SA Musique Diffusion Française e o./Comissão (ver nota 2).

( 98 ) Processo 101/80 (um dos processos Pioneer), já reftrido, nous 2 e 8.

( 99 ) Commom Market Law of Competían, p. 498 a 500, ver nou 78.

( 100 ) De M de Dezembro de 1979 (JO 1980, L 60, p. 21).

( 101 ) Já referido, nou 7.

( 102 ) Acórdão de 12 de Julho de 1979, BMW Belgium/Comissäo (32/78 e 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435, 2494).

( 103 ) Ver nota 43.

( 104 ) Decisões da Comissão de 19 de Dezembro de 1990: TV/33.133-A: carbonato de sódio, Solvay/ICI, IV/33.133-B, carbonato de sódio Solvay/CFK, rV/33.133-C, carbonato de sódio, Solvay e IV/33.133-D, carbonato de sódio, ICI.

( 105 ) Ver por exemplo o advogado-geral Warner no processo BMW Belgium/Comissäo, jo referido (nota 102), p. 2493.

( 106 ) Ver o acórdão de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissäo, no 82 (240/82 a 242/82, 261/82, 262/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, 3881).

( 107 ) Acórdão de 8 de Novembro de 1983, Belgium e o./Comissäo, dito «Anseau-Navewa», no 55 (96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, 3417).

( 108 ) Ver Bellamy e Child, loc cit, p 497, nou 56.