61989O0057

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE 16 DE AGOSTO DE 1989. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. - INCUMPRIMENTO - CONSERVACAO DAS AVES SELVAGENS - TRABALHOS NUMA ZONA DE PROTECCAO ESPECIAL. - PROCESSO C-57/89 R.

Colectânea da Jurisprudência 1989 página 02849


Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Palavras-chave


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Processo de medidas provisórias - Medidas provisórias - Condições de concessão - Urgência

(Artigo 186.° do Tratado CEE; artigo 83.°, n.° 2, do Regulamento Processual)

Partes


No processo 57/89 R,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ingolf Pernice, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Georgios Kremlis, membro do mesmo serviço da Comissão, Centro Wagner, Kirchberg,

requerente,

contra

República Federal da Alemanha, representada por Ernst Roeder, Regierungsdirektor no Ministério federal da Economia, e Jochim Sedemund, advogado em Colónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na embaixada da Republica Federal da Alemanha, 20-22, avenue Émile Reuter,

requerida,

que tem por objecto um pedido de medidas provisórias com o fim de obter a suspensão provisória das obras efectuadas no âmbito de um projecto de protecção do litoral na zona da Leybucht, em execução da decisão de aprovação dos planos, de 25 de Setembro de 1985, numa zona de protecção a que se refere o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens,

O Presidente de Secção T. Koopmans,

que, nos termos dos artigos 85.°, segundo parágrafo, e 11.° do Regulamento Processual, substitui o presidente do Tribunal

profere o presente

Despacho

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 28 de Fevereiro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção que tem por objecto a declaração de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, ao projectar ou efectuar, em zonas de protecção especial obras que deterioram o habitat de aves protegidas, contrariamente ao disposto no artigo 4.° da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125, adiante denominada "directiva".

2 Em petição separada, entregue na Secretaria do Tribunal em 14 de Julho de 1989, a Comissão apresentou, nos termos do artigo 186.° do Tratado CEE e do artigo 83.° do Regulamento Processual, um pedido de medidas provisórias destinado a que o Tribunal ordene à República Federal da Alemanha a adoção das medidas necessárias para suspender as obras de construção de diques efectuados na zona da Leybucht e, designadamente, o não início, a título provisório, das obras relativas à fase IV do plano de construção até que o Tribunal se pronuncie sobre a acção principal.

3 A Leybucht é uma baía do Wattenmeer (mar dos Wattes), na Frísia de Leste, ao norte de Emden, cujo diâmetro é de cerca de cinco quilómetros. É, desde há muito, uma zona de nidificação, alimentação e repouso para várias espécies de aves, tanto sedentárias como migratórias. Constitui, em especial, uma importante zona de nidificação para o alfaiate.

4 A Leybucht foi colocada sob um regime de protecção especial por regulamento do Land da Baixa Saxónia, de 21 de Dezembro de 1985, relativo à criação do parque nacional "Niedersaechsisches Wattenmeer". Os limites desse parque encontram-se definidos nos mapas anexos a esse regulamento. Por comunicação de 6 de Setembro de 1988, o Governo alemão, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, da directiva, notificou a Comissão da classificação da Leybucht como zona de protecção especial.

5 As obras em questão dão seguimento a um projecto de defesa do litoral, elaborado pelo Bezirksregierung Weser-Ems, que é a autoridade regional competente, que inclui o ordenamento da Leybucht. Esse projecto foi aprovado em 25 de Setembro de 1985, após um processo de planificação que comportava nomeadamente a possibilidade de os interessados apresentarem observações e objecções. Prevê, a oeste da Leybucht, a construção de uma represa (por meio de diques) com comportas para o mar e um canal de navegação, desde o pequeno porto de pesca de Greetsiel até às referidas comportas; a sudeste, o reforço, elevação e alargamento do dique existente e a construção de um canal de drenagem atrás do novo dique; e a nordeste, o fechamento de parte da baía através de um novo dique, acompanhado de algumas obras de represamento e drenagem. A primeira fase das obras, relativa à construção da represa, começou no início de 1986.

6 A Comissão alega que as obras em questão violam o disposto no artigo 4.°, n.° 4, da directiva, visto implicarem uma redução considerável das áreas ecologicamente úteis, bem como uma quebra na densidade de determinadas populações de aves referidas no anexo I da directiva, designadamente do alfaiate, do ganso da Gronelândia e de duas espécies de andorinhas do mar (sterne). Essas obras teriam assim um efeito significativo sobre a protecção das aves, na acepção do referido artigo 4.°, n.° 4.

7 A Comissão sustenta que resulta da economia da directiva, designadamente da graduação das medidas de protecção de carácter geral (artigo 3.°, n.° 1) e especial (artigo 4.°, n.° 1), que os Estados-membros têm de respeitar determinadas obrigações nas regiões que eles próprios tiverem classificado como zonas de protecção especial com vista a garantir uma protecção activa das espécies de aves particularmente ameaçadas, enumeradas no anexo I da directiva. Ficam excluídas as intervenções activas nessas zonas de protecção, motivadas por interesses económicos ou turísticos e susceptíveis de perturbar o habitat das aves, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 4, primeira frase, da directiva.

8 O Governo alemão sublinha que o objectivo das medidas previstas é a segurança do dique; não existiria qualquer projecto turístico, nem qualquer outro projecto de aproveitamento económico para a zona da Leybuch. Os fortes temporais de 1953, 1962 e 1976 teriam revelado que os diques existentes já não eram nem suficientemente sólidos nem suficientemente altos para garantirem a protecção do território e dos seus habitantes. Tendo a amplitude dos maremotos aumentado consideravelmente neste último decénio, seria urgente aumentar e reforçar os diques para que sejam capazes de proteger a população contra as vagas mais violentas. O Governo alemão confessa ser incontestável que o projecto de represamento pode perturbar as aves. Todavia, a completa execução das obras poria termo às dragagens regulares dos canais de mar navegáveis, o que seria benéfico do ponto de vista ecológico.

9 O Governo alemão contesta a interpretação do artigo 4.° da directiva preconizada pela Comissão. Entende que as medidas necessárias para a protecção do litoral são prioritárias relativamente à protecção das aves, mesmo nas zonas de protecção nos termos do artigo 4.°, n.° 1 da directiva. A interpretação que só admita intervenções destinadas à protecção do habitat das aves seria incompatível não só com a letra e objectivo da directiva, mas também com os princípios superiores do direito comunitário. Com efeito, a defesa das aves nunca se poderá sobrepor à protecção das vidas humanas.

10 As partes foram ouvidas em 9 de Agosto de 1989. Aquando dessa audiência em processo de medidas provisórias, a Comissão declarou que, dado o avanço das obras de construção do dique, até ao quilómetro 10,7, o seu pedido de suspensão das obras na Leybucht limita-se às secções sudeste e nordeste, em especial a leste do quilómetro 10,7 do novo dique, cujas obras deverão começar em 1990.

11 A Comissão observa que, em conformidade com uma jurisprudência constante do Tribunal, a urgência das medidas provisórias é ditada pelo risco de se produzirem danos graves e irreparáveis caso fosse necessário esperar que o Tribunal se pronunciasse sobre a acção principal. No presente processo, existiriam razões para temer que a rápida progressão das obras, designadamente no que se refere à realização da secção IV, conduza à destruição do habitat de espécies de aves especialmente protegidas e a que as aves sejam sistematicamente expulsas da zona de protecção, devido a perturbações directamente relacionadas com as obras. Por si só, a realização da secção IV afectaria cerca de 10% dos casais de aves que se fixaram na Leybucht. Um acórdão ulterior do Tribunal declarando que a demandada não deveria ter tomado as medidas em questão não poderia reparar nem as perturbações nem os prejuízos causados.

12 A Comissão esclarece que a suspensão provisória das obras teria o único inconveniente de atrasar o acabamento do projecto, não tendo repercussões financeiras importantes. Mesmo que o Tribunal decretasse medidas provisórias, mas viesse mais tarde a negar provimento a acção principal intentada pela Comissão, prejuízo que a demandada teria de suportar traduzir-se-ia apenas num atraso de cerca de 18 meses na realização da obra, relativamente ao previsto.

13 O Governo alemão contesta a urgência das medidas solicitadas. Refere que actualmente se encontram realizados cerca de dois terços do conjunto das obras de construção dos diques. No que se refere à secção do dique que vai até ao quilómetro 10,7, no essencial a construção encontra-se acabada. Relativamente à secção de trabalho seguinte, que vai do quilómetro 10,7 ao quilómetro 13, a sua execução deveria começar no início de 1990. A elevação e o reforço indispensáveis do dique fariam com que a sua base avance em direcção ao mar cerca de 40 a 50 metros. De acordo com o Governo alemão, não é possível um alargamento do dique para o interior do país visto a área disponível estar limitada por uma estrada nacional que se encontra atrás do dique, devendo o canal de drenagem, por razões técnicas, situar-se entre a estrada nacional e o dique. As obras na secção que vai do quilómetro 13 ao quilómetro 15 não começariam antes do início do ano de 1991. A parede do dique desta secção afastar-se-ia numa distância de cerca de dois mil metros da linha actual para formar uma barriga.

14 O Governo alemão reconhece não ser impossível, do ponto de vista puramente técnico, interromper as obras no quilómetro 10,7, devendo, no entanto, ser efectuados determinados arranjos provisórios bastante caros. Todavia, o prejuízo resultante dessa solução integraria não só as consequências financeiras da paragem das obras e da intervenção na execução dos contratos celebrados com as empresas de construção, mas também o atraso na conclusão da defesa do litoral que se poderia traduzir na perda de vidas humanas caso ocorresse algum maremoto.

15 Deve recordar-se que, por força do artigo 186.° do Tratado CEE, o Tribunal de Justiça, nas causas que lhe são submetidas, pode ordenar as medidas provisórias necessárias. Para que tais medidas possam ser ordenadas, os respectivos pedidos devem, em conformidade com o artigo 83.°, n.° 2, do Regulamento Processual, especificar as circunstâncias que justificam a urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a medida provisória requerida.

16 O principal problema suscitado pelo presente pedido de medidas provisórias é o da urgência. O plano relativo ao ordenamento da Leybucht foi aprovado em Setembro de 1985; as obras começaram em 1986; actualmente, a construção da bacia a oeste da Leybucht, que entra em alguns quilómetros pelo mar adentro, está quase terminada. A partir de Setembro de 1984 algumas associações alemãs para a protecção da natureza e do ambiente chamaram a atenção da Comissão para a ameaça que podia pairar sobre a população de aves da região. Só em Agosto de 1987, ou seja, cerca de dois anos após a adopção do plano em litígio, é que a Comissão deu início, através de interpelação, ao processo previsto no artigo 169.° do Tratado CEE; o parecer fundamentado foi formulado em Julho de 1988. O pedido de medidas provisórias data de Julho de 1989, embora a petição do processo principal tenha sido apresentada em 28 de Fevereiro de 1989.

17 Desta cronologia dos factos resulta que a Comissão apresentou a sua petição após o início da realização do plano em litígio do governo regional, através da celebração dos contratos necessários e do começo das obras. Formulou o pedido de medidas provisórias quando já uma parte importante das obras tinha sido executada. Com efeito, a Comissão solicita ao Tribunal que ordene a suspensão de obras já semiexecutadas.

18 Nestas condições, o pedido de medidas provisórias apenas poderia ser acolhido caso fosse exactamente a fase seguinte das obras, ou seja aquela que deve ser efectuada em 1990, a susceptível de causar um grande prejuízo à protecção das aves na Leybucht. Ora, não resulta dos autos nem da discussão na audiência ser esse o caso. A este respeito impõem-se três ordens de considerações.

19 Antes de mais, convém recordar que as obras previstos para 1990 dizem respeito à elevação, alargamento e reforço de um dique de mar existente. Não têm por objecto, como é o caso das obras já acabadas e das previstas para 1991, reduzir a superfície da baía, mas apenas avançar a extremidade do dique de 40 a 50 metros em direcção ao mar. Resulta das informações fornecidas pelo Governo alemão sobre os locais de nidificação dos alfaiates - única espécie relativamente à qual foram fornecidas informações ao Tribunal - que, de um modo geral, a distância entre esses locais e as obras previstas para 1990 não é menor do que a que separa esses locais das outras obras decorrentes do plano de 1985.

20 Em seguida, convém observar que das estatísticas elaboradas pela administração do Land da Baixa Saxónica resulta que o número de alfaites que nidificam na Leybucht se encontra em constante diminuição desde 1984, com uma ligeira tendência para a estabilização a partir de 1987, e que a maior diminuição se verificou antes do início das obras em litígio. Assim, nada permite afirmar ser o início da fase IV das obras o responsável pelo afastamento do alfaiate dos seus locais tradicionais de nidificação na Leybucht.

21 Por último, a Comissão não soube justificar os temores que exprimiu no seu requerimento no que se refere ao desenvolvimento, a curto prazo, de um turismo de massa susceptível de perturbar as aves. Por um lado, é certo que o plano de 1985 tem por fim específico reduzir consideravelmente as possibilidades de navegação de recreio na Leybucht. Por outro lado, quanto à terra firme, a Comissão contentou-se em referir certos rumores segundo os quais deviam ser preparadas grandes áreas de estacionamento para automóveis nos arredores de Greetsiel, rumores cujo fundamento foi, aliás, contestado pelo governo alemão.

22 Resulta destas considerações que os elementos de facto de que dispõe o Tribunal não lhe permitem chegar à conclusão de que as obras previstas para 1990 se caracterizam, por referência às outras obras previstas no plano de 1985 e, em particular, por referência às já efectuadas a oeste da Leybucht, pelo efeito significativo que terão sobre a conservação das aves protegidas nos termos do anexo I da directiva. A Comissão não conseguiu, portanto, provar a urgência da interrupção das obras já iniciadas.

23 Assim, o pedido de medidas provisórias deve ser indeferido.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O presidente de Secção T. Koopmans,

em substituição do presidente do Tribunal, por força dos artigos 85.°, segundo parágrafo, e 11.° do Regulamento Processual,

neste processo de medidas provisórias,

decide:

1) É indeferido o pedido de medidas provisórias.

2) Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Luxemburgo, 16 de Agosto de 1989.