RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-70/89 ( *1 )

I — Factos e quadro regulamentar

Através da Directiva 76/464/CEE, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 Fl p. 165), o Conselho estabeleceu uma lista de substâncias caracterizadas pela toxicidade, pela persistência ou pela bioacumulação. Entre essas substâncias figura o cádmio. O artigo 6.° da directiva dispõe que o Conselho fixará valores-limite e objectivos de qualidade em relação a essas substâncias.

A Directiva 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, determina esses valores e objectivos em relação ao cádmio (JO L 291, p. 1; EE 15 F4 p. 131). O prazo para a execução desta directiva expirou em 28 de Setembro de 1985.

Por carta de 28 de Outubro de 1985, as autoridades italianas comunicaram à Comissão que as regras cuja introdução se prescrevia correspondiam, em Itália, às que já estavam previstas em diversos textos legislativos, concretamente a Lei n.° 319, de 10 de Maio de 1976, que contém disposições para a protecção das águas contra a poluição (GURI n.° 641, de 29.5.1976), a Lei modificativa n.° 650, de 24 de Dezembro de 1979 (GURI n.° 352, de 29.12. 1979), a circular do comité interministerial de 29 de Dezembro de 1976 e a decisão do mesmo comité de 4 de Fevereiro de 1979 (suplemento ordinàrio do GURI de 21.2.1977).

Considerando que estes textos não constituíam uma transposição adequada da Directiva 85/513, a Comissão deu início a um processo de declaração de incumprimento. A respectiva carta de notificação de 2 de Setembro de 1987 e o parecer fundamentado de 12 de Setembro de 1988 ficaram sem resposta.

A Comissão decidiu então intentar a presente acção.

II — Tramitação processual

A acção da Comissão deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de Março de 1989.

A fase escrita do processo teve tramitação normal. Com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 83/513 do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio, ao não adoptar, no prazo previsto no artigo 6.° dessa directiva, as medidas necessárias para assegurar a sua transposição adequada ou ao não informar imediatamente a Comissão da respectiva adopção;

condenar a demandada nas despesas do processo.

O Governo italiano não apresentou qualquer pedido.

III — Argumentos das partes

Segundo a Comissão, o desrespeito pela Directiva 83/513 resulta dos seguintes elementos:

1)

a legislação italiana não prevê valores-limite expressos em gramas de cádmio descarregado por quilograma de cádmio tratado, embora o anexo I da directiva imponha a fixação desses valores-limite;

2)

a legislação italiana obrigou os estabelecimentos industriais existentes, na acepção daquela legislação, a respeitar os valores-limite o mais tardar a partir de 1 de Março de 1989, enquanto a alínea f) do artigo 2° da directiva impunha àqueles estabelecimentos o respeito dos mesmos valores o mais tardar a partir de 23 de Dezembro de 1985;

3)

a legislação italiana prevê que as medições dos valores- -limite devem ser efectuadas a montante do ponto de descarga no meio receptor, enquanto o n.° 2 do artigo 3.° da directiva impõe que essas medições se efectuem no ponto de emissão das águas usadas, ou seja, à saída do estabelecimento industrial ou da instalação de tratamento;

4)

a legislação italiana não institui qualquer procedimento de controlo das quantidades de cádmio tratado, embora o ponto 4 do anexo I da directiva imponha tal controlo;

5)

a legislação italiana não cria qualquer regime de autorização prévia para as descargas, embora tal regime seja imposto pelos n.os 3 e 4 do artigo 3.° da directiva;

6)

a legislação italiana não prevê qualquer método de análise conforme com os previstos pelo n.° 5 do artigo 3.° e pelo ponto 1 do anexo III da directiva, para determinar a presença de cádmio nas águas usadas;

7)

finalmente, os laboratórios provinciais que, nos termos da legislação italiana, estão encarregados do controlo das descargas, não podem cumprir a missão de fiscalização que é imposta às autoridades dos Estados-membros pelo artigo 4.° da directiva, pois no regime italiano as autorizações de descarga são concedidas automaticamente.

No decorrer da fase escrita do processo, o Governo italiano não contestou o incumprimento. Sublinha que pediu ao Parlamento uma autorização legislativa que lhe permita modificar as leis em vigor por forma a assegurar a transposição adequada da directiva.

R. Joliét

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: italiano.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

13 de Dezembro de 1990 ( *1 )

No processo C-70/89,

Comissão das Comunidades Europeias representada pelos seus consultores jurídicos R. Gosalbo Bono e G. Marenco, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Italiana representada pelo professor L. Ferrari Bravo, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

demandada,

que tem por objecto a declaração de que, ao não adoptar no prazo fixado as medidas legislativas e administrativas necessárias para assegurar a transposição adequada da Directiva 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio (JO L 291, p. 1; EE 15 F4 p. 131), a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral : C. O. Lenz

secretário: D. Louterman, administradora principal

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 21 de Novembro de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência do mesmo dia,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de Março de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.°do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não adoptar no prazo fixado todas as disposições legislativas e administrativas necessárias para transpor para direito interno, de modo exaustivo e correcto, a Directiva 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembrode 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio (JO L 291, p. 1; EE 15 F4 p. 131), a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

2

Através da Directiva 76/464/CEE, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 Fl p. 165), o Conselho estabeleceu uma lista de substâncias caracterizadas pela sua toxicidade, persistência ou bioacumulação, entre as quais figura o cádmio. O artigo 6.° daquela directiva dispõe que o Conselho deve fixar valores-limite e objectivos de qualidade em relação a essas substâncias.

3

A já referida Directiva 83/513/CEE (a seguir «directiva») determina esses valores e objectivos em relação ao cádmio. O prazo para a execução desta directiva expirou em 28 de Setembro de 1985.

4

Para dar cumprimento à obrigação de informação imposta pelo n.° 1 do artigo 6.° da directiva, as autoridades informaram a Comissão, em 28 de Outubro de 1985, de que as regras por aquela prescritas já se encontravam em textos legislativos, concretamente a Lei n.° 319, de 10 de Maio de 1976, que contém disposições para a protecção das águas contra a poluição (GURI n.° 141, de 29.5.1976), a Lei modificativa n.° 650, de 24 de Dezembro de 1979 (GURI n.° 352, de 29.12.1979), a circular do comité interministerial de 29 de Dezembro de 1976 e a decisão deste comité de 4 de Fevereiro de 1979 (suplemento ordinàrio do GURI n.° 69 de 21.2.1977).

5

Entendendo que estes textos não constituíam uma transposição adequada da directiva, a Comissão deu início ao processo de declaração de incumprimento.

6

Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

7

A Comissão denunciou insuficiências na legislação italiana, em relação à directiva, nos sete pontos seguintes.

8

Em primeiro lugar, a legislação italiana não prevê valores-limite expressos em gramas de cádmio descarregado por quilograma de cádmio tratado, embora o anexo I da directiva imponha a fixação desses valores.

9

Em segundo lugar, a legislação italiana obriga certos estabelecimentos industriais existentes a respeitar os valores-limite, o mais tardar, a partir de 1 de Março de 1989, enquanto o anexo I da directiva lhes impunha o respeito dos mesmos valores, o mais tardar, a partir de 1 de Janeiro de 1986.

10

Em terceiro lugar, a legislação italiana prevê que as medições dos valores-limite devem ser efectuadas a montante do ponto de descarga no meio receptor, enquanto o n.° 2 do artigo 3.° da directiva dispõe que essas medições se efectuem no ponto de emissão das águas usadas, ou seja, à saída do estabelecimento industrial ou da instalação de tratamento.

11

Em quarto lugar, a legislação italiana não institui qualquer procedimento de controlo das quantidades de cádmio tratado, embora o ponto 4 do anexo I da directiva imponha a criação desse procedimento.

12

Em quinto lugar, a legislação italiana não cria um regime de autorização prévia para as descargas, embora tal regime seja imposto pelos n.os 3 e 4 do artigo 3.° da directiva.

13

Em sexto lugar, os métodos de análise previstos pela legislação italiana para determinar a presença de cádmio nas águas usadas não estão conformes com os prescritos pelo n.° 5 do artigo 3.° e pelo ponto 1 do anexo III da directiva.

14

Finalmente, dado que no regime italiano as autorizações de descarga são concedidas automaticamente, os laboratórios provinciais encarregados do controlo das descargas não podem cumprir a missão de fiscalização que é imposta às autoridades dos Estados-membros pelo artigo 4.° da directiva.

15

Na contestação, a República Italiana não pôs em causa a procedência das críticas apresentadas pela Comissão.

16

Impõe-se assim declarar que, ao não adoptar no prazo fixado todas as disposições legislativas e administrativas necessárias para transpor para direito interno, de modo exaustivo e correcto, a Directiva 83/513 do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

Quanto às despesas

17

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

Ao não adoptar no prazo fixado todas as disposições legislativas e administrativas necessárias para transpor para direito interno, de modo exaustivo e correcto, a Directiva 83/513/CEE do Conselho, de 26 de Setembro de 1983, relativa aos valores-limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

 

2)

A República Italiana é condenada nas despesas.

 

Due

Mancini

O'Higgins

Rodríguez Iglesias

Slynn

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Zuleg

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: italiano.