RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-63/89 ( *1 )

I — Factos e tramitação do processo

A — Enquadramento jurídico do litígio

a)

A Directiva 73/239/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1973 (JO L 228, p. 3; EE 06 Fl p. 143), adoptada com base no n.o 2 do artigo 57.o do Tratado, tem por objecto a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo não vida e ao seu exercício. Essa directiva coordena as garantias financeiras exigidas das empresas de seguros instituindo regras comuns às reservas técnicas (artigo 15.o), à margem de solvência (artigo 16.o) e aos fundos de garantia (artigo 17.o).

Essas garantias financeiras foram reforçadas pela Directiva 87/343/CEE do Conselho, de 22 de Junho de 1987 (JO L 185, p. 72), que altera a Directiva 73/239. Esta nova directiva prevê nomeadamente a criação de uma reserva de compensação (novo artigo 15.o-A da Directiva 73/239).

b)

Na redacção inicial, a Directiva 73/239 não se aplicava às operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado. A alínea d) do n.o 2 do artigo 2.o previa, no entanto, que a coordenação neste sector de actividade teria lugar no prazo de quatro anos após a notificação da directiva.

No quadro da elaboração da Directiva 87/343, que altera a Directiva 73/239, a proposta da Comissão apresentada em 13 de Setembro de 1979 (JO C 245, p. 7) mantinha a exclusão das operações de seguro de crédito à exportação por conta e com a garantia do Estado e suprimia toda a referência a uma coordenação posterior neste sector.

O Comité Económico e Social, no seu parecer emitido em 27 de Fevereiro de 1980 sobre essa proposta de alteração (JO C 146, p. 6), lamentou que,

«... em virtude do carácter essencialmente político dos problemas que afectam o seguro de crédito à exportação, a Comissão tenha renunciado a levar a cabo uma coordenação...».

Na sua resolução de 17 de Outubro de 1980, relativa ao parecer sobre a proposta de alteração da Comissão (JO C 291, p. 70), o Parlamento Europeu considerou que,

«... no que toca às operações de seguro de crédito à exportação, convém assegurar a plena concorrência das empresas do sector público e do sector privado; que, nas relações intracomunitárias, os riscos cobertos pelo seguro de crédito à exportação não são de natureza económica diferente dos cobertos pelo seguro de crédito para transacções realizadas no interior do mercado de um Estado-membro; que, por isso, as operações de seguro de crédito efectuadas com a garantia do Estado devem neste caso cair no âmbito de aplicação da directiva; que, no que toca às operações de seguro de crédito à exportação no âmbito das relações entre Estados-membros e países terceiros, convirá levar a cabo posteriormente uma coordenação das disposições nacionais a fim de que seja realizada uma política comum de exportação, elemento essencial da política comercial comum».

Tendo em conta essas considerações, a Comissão alterou a sua proposta inicial (JO 1983, C 5, p. 2) ao:

incluir no âmbito de aplicação da Directiva 73/239 as operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado quando o cliente do segurado for nacional de um Estado-membro;

prever uma coordenação posterior, sem estabelecer prazo, para as operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado quando o cliente do segurado for nacional de um Estado não membro.

O Conselho, na Directiva 87/343, não considerou essa última proposta da Comissão.

Na sua nova redacção, a alínea d) do n.o 2 do artigo 2.o da Directiva 73/239 exclui, com efeito, do âmbito de aplicação da directiva, «até coordenação posterior, as operações de seguros de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado, ou quando o segurador for o Estado».

B — Origem e evolução do litígio

As sociedades Assurances du crédit e Compagnie belge d'assurance crédit exercem a sua actividade no àmbito do seguro de crédito à exportação. Estas duas sociedades têm a sua sede na Bélgica. A sociedade Assurances du crédit explora sucursais no Reino Unido e em França.

Estas sociedades estão em concorrência com os organismos que intervêm por conta ou com a garantia do Estado no mercado de seguros de crédito à exportação, isto é, mais particularmente :

o Office national du ducroire (OND), no mercado belga;

o Export Credits and Guarantee Department (ECGD), no mercado britânico;

a Compagnie française d'assurance para o comercio externo (designada por Coface) no mercado francés.

Esses organismos não estão sujeitos, no que toca às operações realizadas por conta ou com a garantia do Estado, às limitações de carácter financeiro instituídas pelas directivas 73/239 e 87/343.

As sociedades Assurances du crédit e Compagnie belge d'assurance crédit, sujeitas a essas limitações, consideram-se, por conseguinte, vítimas de um prejuízo que tem por origem a Directiva 87/343 e o atraso das instituições comunitárias em tomar as medidas de coordenação previstas pela Directiva 73/239, na sua redacção inicial.

Propuseram uma acção, baseada nos artigos 178.o e 215.o, segundo parágrafo do Tratado CEE, que foi registada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Março de 1989.

O processo seguiu tramitação normal. Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo sem proceder a medidas de instrução prévias.

II — Pedidos das partes

As demandantes concluem que o Tribunal se digne :

1)

declarar, após ter julgado improcedentes as excepções de inadmissibilidade suscitadas pelos demandados, a Comunidade responsável pelos danos que a aplicação da Directiva 87/343 lhes causou ou lhes irá causar, ordenar as medidas de instrução necessárias para a determinação do dano sofrido, condenar a Comunidade a pagar-lhes uma indemnização acrescida de juros;

2)

ordenar ao Conselho e à Comissão que adoptem todas as medidas adequadas para pôr fim à situação de ilegalidade criada pela Directiva 87/343;

3)

a título complementar ou subsidiário, pronunciar declarações ou injunções em relação à omissão persistente do Conselho e da Comissão de adoptar as medidas de coordenação adequadas que deveriam ter sido adoptadas o mais tardar em Julho de 1977;

4)

condenar os demandados nas despesas do processo.

O Conselho conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

julgar o pedido improcedente pois é inadmissível e não tem fundamento;

condenar as demandantes nas despesas do processo.

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

julgar o pedido improcedente pois é inadmissível e não tem fundamento;

condenar as demandantes nas despesas do processo.

III — Resumo dos fundamentos e argumentos das partes

A — Quanto à admissibilidade

O Conselho e a Comissão sustentam que o pedido é inadmissível em virtude de ter, de facto, por objectivo a anulação da Directiva 87/343 e a sua substituição por outra. O pedido baseado no artigo 178.o do Tratado permitiría assim às demandantes subtrair-se às regras de processo que regem o recurso de anulação previsto no artigo 173.o e mais particularmente às normas relativas ao prazo de recurso e ao interesse em agir. Se o pedido de indemnização constitui uma via de direito autónoma em relação ao recurso de anulação, em caso algum permitirá obter a anulação do acto (acórdão de 13 de Julho de 1972, Heinemann/Comissão, 79/71, Recueil, p. 579).

De qualquer forma, a supor que o Tribunal de Justiça se pronuncie pela admissibilidade dos pedidos principais para efeitos de indemnização, os pedidos de que o Tribunal ordene às instituições comunitárias que façam cessar a situação de ilegalidade resultante da Directiva 87/343, adoptando, no mais breve espaço de tempo possível, medidas de harmonização aplicáveis ao conjunto das operações de seguro de crédito à exportação constituem um pedido de anulação ou, pelo menos, um pedido de injunções que não poderá ser acolhido. As demandantes não podem nomeadamente prevalecer-se das disposições do segundo parágrafo do artigo 176.o que não podem ser interpretadas como derrogatórias da norma segundo a qual cabe apenas às instituições comunitárias adoptar as medidas que a execução de um acórdão do Tribunal de Justiça implique.

As demandantes pedem que não seja atendida a alegada falta deste pressuposto processual.

Em primeiro lugar, o pedido não tem por objectivo a derrogação da Directiva 87/343 e a sua substituição por outra, mas somente a reparação de um dano causado por um acto ilícito imputado às instituições comunitárias (acórdão de 14 de Julho de 1961, Société commerciale Antoine Vloeberghs/Alta Autoridade da CECA, 9/60 e 12/60, Recueil, p. 399). Tal como resulta da jurisprudencia do Tribunal, o pedido de indemnização é uma via jurídica autònoma que se deferencia do recurso de anulação (acórdão de 2 de Dezembro de 1971, Aktien-Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Recueil, p. 975) e do recurso por omissão (acórdão de 2 de Julho de 1974, Holtz e Willemsen/Conselho e Comissão, 153/73, Recueil, p. 675). O acto ilícito susceptível de implicar a responsabilidade da Comunidade supõe a existencia de um acto ilegal ou a omissão persistente do Conselho ou da Comissão, o que justifica as alegações feitas pelas demandantes em apoio do seu pedido pelas quais é, nomeadamente, contestada a legalidade da Directiva 87/343.

Em segundo lugar, tratando-se mais particularmente do pedido de que o Tribunal de Justiça ordene que seja posto termo à situação de ilegalidade, as demandantes alegam que as instituições comunitárias têm a obrigação de pôr termo a tal ilegalidade. A omissão das instituições em semelhante caso é sancionada pelo Tribunal de Justiça (acórdão de 28 de Abril de 1971, Lütticke/Comissão, 4/69, Recueil, p. 325; acórdão de 21 de Janeiro de 1976, Société des produits Bertrand, 40/75, Recueil, p. 1). Além disso, no âmbito de um pedido com fundamento no artigo 178.o, o Tribunal de Justiça dispõe de competencia acessória para reduzir o prejuízo indemnizável adoptando medidas susceptíveis de permitir a cessação imediata da situação ilegal. Por fim, o Tribunal de Justiça poderia dar provimento aos pedidos das demandantes com fundamento no artigo 186.o, que o autoriza a tomar medidas provisórias, e no segundo parágrafo do artigo 176.o, que lhe permitiria ordenar as medidas que implique a execução de um acórdão que se pronuncie sobre um pedido baseado no artigo 178.o

B — Quanto ao mérito

1. Quanto ao fondamento da responsabilidade da Comunidade

A Comissão e o Conselho sustentam que a jurisprudência que sujeita a condições restritivas os pedidos de indemnização dirigidos contra as instituições comunitárias sempre que estejam em causa actos normativos que impliquem escolhas de política económica é aplicável por analogia (acórdão de 25 de Maio de 1978, Bayerische HNL Vermehrungsbetriebe e outros/Conselho e Comissão, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209). Em matéria de harmonização das legislações nacionais com base no n.o 2 do artigo 57.o do Tratado, o Conselho teria, com efeito, a possibilidade de decidir entre várias opções possíveis.

Em conformidade com essa jurisprudência, a responsabilidade da Comunidade não pode, por conseguinte, ser envolvida senão no caso de violação caracterizada de uma norma superior de direito que proteja os particulares.

As demandantes sustentam pelo contrário que os princípios extraídos pela jurisprudência invocada pelos demandados não são aplicáveis.

Esta jurisprudência aplica-se apenas no âmbito da implementação da política agrícola comum que põe em causa escolhas de política económica. Pelo contrário, o n.o 2 do artigo 57.o do Tratado, com base no qual foi adoptada a Directiva 87/343, não permite tal decisão mas exige das instituições comunitárias que, na falta de qualquer poder discricionário de apreciação da sua parte, adoptem medidas de harmonização num dado prazo.

A ilegalidade da Directiva 87/343 e o atraso ilícito das instituições comunitárias na adopção das medidas de harmonização seriam por conseguinte, só por si, suficientes para implicar a responsabilidade da Comunidade. No entanto, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que os princípios extraídos pela jurisprudência citada pelos demandados se aplicam, as demandantes sustentam que os actos ilícitos invocados constituem, de qualquer forma, uma violação suficientemente séria de uma norma superior de direito destinada à protecção dos particulares.

a) Quanto à Directiva 87/343

— A violação do princípio de não discriminação e das disposições contidas no n.o 1 do artigo 90.o e na alínea f) do artigo 3.o do Tratado

As demandantes, após terem lembrado os objectivos fixados pelo «livro branco» da Comissão e pelo Acto Único Europeu sobre o estabelecimento do mercado único, contestam as condições em que a directiva procedeu a uma harmonização somente parcial no sector do seguro de crédito à exportação. Uma harmonização parcial deveria evitar qualquer discriminação em relação a operadores económicos colocados em situação de concorrência. Tal não foi o caso da situação sub j udice. A Directiva 87/343, por um lado, excluindo do seu âmbito de aplicação as operações de seguro de crédito à exportação efectuadas por conta ou com a garantia do Estado e, por outro, agravando as restrições impostas às seguradoras privadas, está na origem de uma distorção da concorrência de que beneficiam os organismos públicos ou parapúblicos de seguros.

No entender dos demandantes foram violados:

o princípio de não discriminação, princípio fundamental do direito comunitário (acórdão de 22 de Junho de 1972, Frilli/Estado belga, 1/72, Recueil, p. 457; acórdão de 19 de Outubro de 1977, Ruckdeschel e Diamalt AG, 117/76 e 16/77, Recueil, p. 1753) que se impõe não somente aos Estados-membros, mas igualmente às instituições comunitárias (acórdão de 29 de Fevereiro de 1984, Rewe Zentrale AG, 37/83, Recueil, p. 1229). Esse princípio aplica-se nas relações entre empresas públicas e privadas tal como resulta das disposições do n.o 1 do artigo 90.o do Tratado e da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 6 de Julho de 1982, França e outros/Comissão, 188/80 a 190/80, Recueil, p. 2545);

as normas de concorrência consagradas no n.o 1 do artigo 90.o e na alínea f) do artigo 3.o do Tratado.

As regras de concorrência estabelecidas pelas disposições acima referidas são, com efeito, aplicáveis ao sector dos seguros (acórdão de 27 de Janeiro de 1987, Verband der Sachversicherer e. V./Comissão, 45/85, Colect., p. 405), sendo, aliás, a concorrência neste sector mais forte desde a entrada em vigor da Directiva 88/357/CEE do Conselho, de 22 de Junho de 1988, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo não vida, que contém disposições destinadas a facilitar o exercicio efectivo da livre prestação de serviços e que altera a Directiva 73/239 (JO L 172, p. 1).

O Conselho sustenta que a directiva não teve por objectivo criar ou manter uma discriminação em relação às seguradoras privadas, mas simplesmente efectuar uma harmonização parcial. O Conselho dispunha, na matéria, de ampla margem de apreciação, tal como resulta dos artigos 57.o, 52.o e 8.o-A do Tratado e da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 29 de Fevereiro de 1984, 37/83, já referido). No caso em apreço, o Conselho utilizou correctamente o seu poder de apreciação, excluindo temporariamente da harmonização as operações de seguro de crédito à exportação efectuadas por conta ou com a garantia do Estado, isto nomeadamente em virtude da variedade das concepções dos Estados-membros quanto ao papel do Estado em matéria de seguros de crédito à exportação, concepções essas baseadas em opções de política externa.

O Conselho sustenta por fim que o eventual desprezo pelas normas comunitárias de não discriminação e de concorrência só pode resultar das disposições nacionais aplicáveis aos organismos públicos e parapúblicos de seguros e não da directiva. Aliás, o artigo 3.o do Tratado, que faz referência a outras disposições do Tratado, não pode, como tal, ser invocado por um particular no âmbito de um pedido de indemnização.

A Comissão alega que a Directiva 73/239 tem por objectivo facilitar a liberdade de estabelecimento no sector dos seguros. Em contrapartida, são exigidas garantias das seguradoras a fim de assegurar uma protecção adequada dos clientes. Tais preocupações são desprovidas de objecto no que toca aos operadores públicos pois estes não podem estabelecer-se no território de outro Estado-membro; por outro lado, as garantias não são necessárias devido ao apoio do Estado de que beneficiam. A questão da posição das seguradoras públicas face às suas concorrentes privadas deve, por conseguinte, ser regulada no quadro das acções a levar a cabo antes com base no artigo 90.o do Tratado sobre a situação das empresas públicas que com base no artigo 57.o

A diferenciação entre o sector público e o sector privado é, por conseguinte, objectivamente justificada. Por isso, o princípio de não discriminação não é ignorado (acórdão de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac/Comunidade, 59/83, Recueil, p. 4057).

— A violação das disposições do n.o 1 do artigo 90.o e do artigo 52.o do Tratado.

As demandantes sustentam que o disposto no artigo 52.o é desrespeitado na medida em que a directiva tem por efeito directo ou indirecto impedir ou prejudicar o estabelecimento de companhias privadas de seguros. Ora, devido aos poderes conferidos pelos artigos 155.o e 169.o do Tratado, cabe à Comissão velar por uma rigorosa aplicação das disposições do artigo 52.o (ver, por exemplo, acórdão de 30 de Junho de 1988, Comissão/Grécia, 226/87, Recueil, p. 3611).

O Conselho e a Comissão alegam que as eventuais restrições à liberdade de estabelecimento resultam não da directiva, mas das disposições nacionais aplicáveis às empresas de seguros. Além disso, o artigo 52.o não se aplica a situações puramente internas e, por conseguinte, às discriminações que possam existir no interior de um Estado-membro. Por fim, os particulares podem sempre fazer valer os direitos directamente decorrentes do artigo 52.o recorrendo a um órgão jurisdicional nacional.

— A violação do disposto no artigo 92.o e na alínea h) do n.o 3 do artigo 54.o do Tratado

As demandantes sustentam que as regras actualmente aplicáveis às seguradoras públicas constituem, devido à falta de harmonização, um auxílio às exportações com destino aos Estados-membros contrário às disposições acima referidas (acórdão de 10 de Dezembro de 1969, Comissão/França, 6/69 e 11/69, Recueil, p. 523). Ora, esse auxílio não pode de forma nenhuma ser justificado pelas exigências decorrentes da protecção do consumidor.

O Conselho alega que um eventual auxilio só pode resultar das normas nacionais e que a noção de auxílios não se aplica aos organismos públicos ou parapúblicos. O artigo 54.o do Tratado, cujo objectivo é assegurar que a liberdade de estabelecimento não seja falseada por auxílios estatais, não visa de forma nenhuma regimes especiais aplicáveis aos organismos públicos ou parapúblicos.

A Comissão alega que ou o auxílio pretensamente concedido às seguradoras públicas é um auxílio estatal e, neste caso, a apreciação da sua eventual incompatibilidade com as disposições comunitárias seria apenas da sua competência, sob o controlo do Tribunal de Justiça, ou trata-se de um auxílio da Comunidade e, neste caso, as referidas disposições são inaplicáveis.

— A existência de desvio de poder

As demandantes sustentam que as garantias suplementares impostas às seguradoras privadas pela directiva são de facto a contrapartida exigida às instituições comunitárias para que o Governo da República Federal da Alemanha aceitasse abolir o seu regime de especialização obrigatória das empresas de seguros. As disposições da directiva tiveram, por conseguinte, por objectivo proteger as empresas alemãs e não assegurar a protecção do consumidor.

O Conselho e a Comissão refutam esse fundamento alegando que se trata de meras alegações, sendo a diferença de tratamento entre as seguradoras públicas e privadas justificada por considerações objectivas.

b) Quanto ao atraso em adoptar medidas de harmonização

As demandantes alegam que as instituições comunitárias omitiram prosseguir a harmonização das legislações aplicáveis ao sector dos seguros nas condições inicialmente previstas pela Directiva 73/239.

Recusando tomar medidas de harmonização aplicáveis às operações de seguro de crédito à exportação efectuadas por conta ou com a garantia do Estado, quando, desde 1966, a Comissão teve conhecimento preciso dos problemas de concorrência existentes na matéria entre as seguradoras públicas e as seguradoras privadas, as instituições comunitárias cometeram um acto ilícito susceptível de implicar a sua responsabilidade.

O Conselho e a Comissão sustentam que o prazo de quatro anos previsto pela Directiva 73/239 para adoptar medidas de harmonização era indicativo. O Tratado não fixa qualquer prazo e não proíbe de modo nenhum às instituições comunitárias alterar o prazo que tinha inicialmente sido previsto.

c) Quanto à violação sificientemente séria de uma norma superior de direito que protege os particulares

As demandantes alegam que o princípio de não discriminação e as regras de concorrência, ignoradas pelas instituições comunitárias, são normas superiores de direito destinadas a assegurar a protecção dos particulares (acórdão de 25 de Maio de 1978, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, já referido).

A Comissão contesta essa argumentação sustentando que a Directiva 87/343 implica somente consequências financeiras desfavoráveis para as seguradoras privadas, isto devido às garantias exigidas. Ora, essas garantias são justificadas pela protecção do consumidor.

2. Quanto ao prejuízo

a) Quanto à existência do prejuízo

Com base em relatório junto aos autos, as demandantes requerem a indemnização do prejuízo financeiro por elas sofrido devido às garantias suplementares exigidas pela Directiva 87/343. Sustentam nomeadamente que, antes da extinção, em 1 de Julho de 1990, do prazo previsto para a execução da directiva, deveriam constituir provisões para satisfazer às novas prescrições relativas à reserva de compensação. Se bem que o prejuízo não seja ainda exactamente quantificável, ele poderia constituir objecto de um pedido de reparação (acórdão de 2 de Junho de 1976, Kampffmeyer Mühlenvereinigung e outros/Comissão e Conselho, 56/74, 57/74, 58/74 e 60/74, Recueil, p. 711).

b) Quanto à gravidade do prejuízo

As demandantes alegam, admitindo que a jurisprudência sobre os danos causados por um acto normativo no exercício de uma opção de política económica seja aplicável no caso em apreço, o que contestam, que, de qualquer forma, o prejuízo sofrido correspondia aos critérios consagrados por essa jurisprudência. Dizia respeito, com efeito, apenas a um grupo limitado de operadores económicos; além disso, ultrapassava a amplitude dos riscos económicos inerentes ao exercício das actividades no sector em causa.

c) Quanto ao nexo de causalidade entre o prejuízo e os actos ilícitos alegados

O Conselho e a Comissão contestam a existência de tal nexo de causalidade alegando que:

o prejuízo financeiro invocado pelas demandantes não tem origem na falta de medidas de harmonização mas nas normas nacionais aplicáveis aos organismos públicos ou parapúblicos de seguros, não existindo qualquer disposição comunitária que proíba aos Estados-membros impor a esses organismos normas idênticas às aplicáveis às seguradoras privadas;

uma harmonização que envolva operações de seguro de crédito à exportação efectuadas por conta ou com a garantia do Estado, contrariamente às premissas do relatório apresentado pelas demandantes para provar a existência de um prejuízo, poderia abranger prescrições específicas para essas operações, diferentes das aplicáveis às seguradoras privadas.

d) As demandantes invocam, finalmente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça estabelecida no acórdão de 4 de Outubro de 1979, DGV Deutsche Getreideverwertung und Rheinische Kraftfutterwerke e outros/Conselho e Comissão (241/78, 242/78, 245/78 a 250/78, Recueil, p. 3017), sustentando que a solução dada por esse acórdão é, em todos os aspectos, aplicável por analogia ao caso em apreço para admitir a responsabilidade da Comunidade.

Inversamente, o Conselho considera que essa jurisprudência, adoptada em matéria agrícola, num caso em que a legislação comunitária rege toda a actividade do sector, não é susceptível de aplicação analógica em matéria de harmonização de legislações.

IV — Respostas da Comissão às questões apresentadas pelo Tribunal de Justiça

Primeira questão

A Comissão é convidada a indicar o estatuto das empresas que praticam nos Estados-membros operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado, nomeadamente à luz das disposições do n.o 1 do artigo 90.o do Tratado CEE, sobre as empresas públicas, especificando as condições em que o Estado intervém nas operações de seguro realizadas por essas empresas

Resposta

1.

Quanto ao estatuto das empresas que praticam, nos Estados-membros, operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado e quanto às condições em que este intervém nas operações realizadas por essas empresas.

a)

O estatuto das empresas em causa é variado e complexo. Vai do estabelecimento de direito público, que goza de monopólio de facto no sector, ao organismo de direito puramente privado, constituindo objecto de uma certa concorrência por parte de outras companhias de direito privado. Mesmo no caso do estabelecimento de direito público, o sector privado pode desempenhar um papel considerável na sua gestão.

O estatuto dessas empresas em cada Estado-membro é o seguinte:

BélgicaOffice national du ducroire, estabelecimento de direito público;DinamarcaExsportkreditrådet (EKR), estabelecimento de direito público;ItáliaSACE (Società assicurazione credito all'esportazione), estabelecimento de direito público;Reino UnidoExport Credit Guarantee Department, estabelecimento de direito público;LuxemburgoOffice national du ducroire, estabelecimento de direito público;PortugalCompanhia de Seguro de Créditos EP COSCC, estabelecimento de direito público;EspanhaCompañia Española de Seguros de Crédito a la Exportación, estabelecimento de direito privado;IrlandaInsurance Corporation of Ireland plc, estabelecimento de direito privado;FrançaCompagnie française d'assurance pour le commerce extérieur (Coface), estabelecimento de direito privado;Países BaixosNederlandsche Crediet-verzekering Maatschappij NV (NMC), estabelecimento de direito privado;GréciaServiço de Seguros de Créditos à Exportação, estabelecimento de direito privado;República Federal da AlemanhaConsortium Hermes-Treuarbeit, consórcio misto de direito privado e de direito público.

b)

O mercado de seguros de crédito à exportação de cada Estado-membro é analisado nos documentos juntos em anexo às respostas.

Segundo a Comissão, resulta desses documentos que:

à excepção do Luxemburgo e de Portugal, parece existir uma certa concorrência entre as empresas acima enumeradas e o sector privado;

essas empresas não actuam sempre por conta do Estado ou com a sua garantia, mas, em certas operações, por sua própria conta.

O controlo a que estão sujeitas essas empresas quando operam por sua conta é muito variável. Em França, nos Países Baixos, na República Federal da Alemanha, em Portugal e em Espanha, estão sujeitas, em relação a essas operações, ao «controlo nacional normal», isto é, às regras nacionais de prudência. Na Bélgica e na Dinamarca, as regras nacionais em matéria de controlo não lhes são aplicáveis, mas está previsto aplicá-las num futuro próximo. No Luxemburgo, as normas nacionais em matéria de controlo não se aplicam.

Na Grécia, na Irlanda, em Itália e no Reino Unido, essas empresas não operam por sua conta, e as normas nacionais em matéria de controlo são-lhes inaplicáveis.

A Comissão sublinha que o objecto do litígio se limita exclusivamente aos riscos segurados por conta, em nome ou beneficiando de uma garantia do Estado.

2.

Quanto à aplicabilidade do n.o 1 do artigo 90.o do Tratado CEE.

O n.o 1 do artigo 90.o do Tratado CEE é, em princípio, aplicável aos organismos de direito público que efectuam operações de seguro de crédito à exportação em nome e com a garantia do Estado.

A questão da aplicabilidade dessas disposições coloca-se em termos diferentes em relação aos organismos de direito privado que não beneficiam de direitos especiais ou exclusivos para efectuar operações de seguro de crédito à exportação e que operam, igualmente, em certos tipos de negócios, por sua conta.

Essa questão é actualmente debatida pela Comissão.

Sem querer prejudicar a decisão a tomar, a Comissão considera que o facto de agir na qualidade de agente do Estado num mercado não exclusivo, da mesma forma que o facto de o Estado conceder a sua garantia a certas actividades, não são, só por si, suficientes para que os organismos privados em causa sejam incluídos no âmbito de aplicação do n.o 1 do artigo 90.o do Tratado. Em contrapartida, as garantias concedidas podem ser tomadas em conta para efeito de aplicação do artigo 92.o do Tratado.

Segunda questão

A Comissão é convidada a indicar as normas comunitárias de direito derivado actualmente aplicáveis a essas empresas.

Resposta

As únicas disposições de direito comunitário que se aplicam actualmente ao sector de seguro de crédito à exportação são:

a Decisão 73/391/CEE do Conselho, de 3 de Dezembro de 1973, relativa aos procedimentos de consulta e de informação nos domínios do seguro de crédito das garantias e dos créditos financeiros (JO L 346, p. 1; EE 11 F5 p. 19), alterada pela Decisão 76/641/CEE, de 27 de Julho de 1976 (JO L 223, p. 25; EE 11 F6 p. 134);

a Decisão 82/854/CEE do Conselho, de 10 de Dezembro de 1982, relativa ao regime aplicável, nos domínios das garantias e dos financiamentos à exportação, a certas subcontratações provenientes de outros Estados-membros ou de países não membros das Comunidades Europeias;

a Directiva 84/568/CEE, de 27 de Novembro de 1984, relativa às obrigações recíprocas dos organismos de seguro de crédito à exportação dos Estados-membros que actuam por conta ou com o apoio do Estado, ou dos serviços públicos que actuam por e em lugar desses organismos, em caso de garantia conjunta de um contrato de direito público que envolva uma ou várias subcontratações num ou vários Estados-membros das Comunidades Europeias (JO L 314, p. 24).

Terceira questão

A Comissão é convidada a indicar se, ao justificar de maneira precisa a resposta dada, as prestações oferecidas por essas empresas se distinguem das oferecidas pelas outras empresas de seguros que intervêm no mercado de seguros de crédito à exportação.

Resposta

Segundo a Comissão, resulta dos anexos juntos às respostas que a concorrência no sector do seguro do crédito à exportação parece limitar-se principalmente à cobertura dos riscos comerciais a curto prazo.

Parece haver certas actividades do sector privado para as operações a médio e longo prazo, mas somente nos sectores que permitem uma distribuição razoável do risco, nomeadamente no que toca aos riscos comerciais de três a cinco anos.

F. Grévisse

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: inglês.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

18 de Abril de 1991 ( *1 )

No processo C-63/89,

Assurances du crédit, sociedade com sede em Namur (Belgica),

e

Compagnie belge d'assurance crédit SA, sociedade com sede em Bruxelas, representada por Nicholas Forwood, Queen Council e Mark Clough, barrister, advogados em Inglaterra e no País de Gales, e por Hervé Liedekerke, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no escritório dos advogados Elvinger e Hoss, 15, côte d'Eich,

demandantes,

contra

Conselho das Comunidades Europeias, representado por Bernhard Schloh e Jürgen Huber, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Jörg Käser, director na -Direcção de Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad-Adenauer,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por David Robert Gilmour, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandados,

que tem por objecto uma acção de indemnização nos termos dos artigos 178.o e 215.o, segundo paràgrafo, do Tratado CEE, em que se pede a reparação do dano que lhes terá sido causado pela exclusão das operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado do âmbito de aplicação da primeira Directiva 73/239/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1973, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo não vida e ao seu exercício (JO L 228, p. 3; EE 06 Fl p. 143), alterada pela Directiva 87/343/CEE do Conselho, de 22 de Junho de 1987 (JO L 185, p. 72),

O TRIBUNAL,

composto por O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, F. A. Schockweiler, M. Zuleeg e F. Grévisse, juízes,

advogado-geral : G. Tesauro

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 11 de Julho de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiencia de 23 de Janeiro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Março de 1989, a sociedade Assurances du crédit e a Compagnie belge d'assurance crédit propuseram, nos termos dos artigos 178.o e 215.o, segundo paràgrafo, do Tratado CEE, uma acção contra o Conselho e a Comissão em que pediam a reparação do dano que lhes terá sido causado pela exclusão das operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado do âmbito de aplicação da primeira Directiva 73/239/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1973, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo não vida e ao seu exercício (JO L 228, p. 3; EE 06 Fl p. 143), alterada pela Directiva 87/343/CEE do Conselho, de 22 de Junho de 1987 (JO L 185, p. 72).

2

A Directiva 73/239 do Conselho, de 24 de Julho de 1973, adoptada com base no n.o 2 do artigo 57.o do Tratado, tem por objecto coordenar as disposições nacionais relativas ao acesso à actividade de seguro directo não vida e ao seu exercício, e contém, por essa razão, disposições respeitantes às garantias financeiras que devem apresentar as empresas de seguros.

3

Na redacção inicial da directiva, a alínea d) do n.o 2 do artigo 2.o excluía do seu âmbito de aplicação, até coordenação que deveria efectuar-se num prazo de quatro anos, as operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado.

4

A Directiva de alteração 87/343 mantém a exclusão «até coordenação posterior (das) operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado, ou quando o segurador for o Estado».

5

Essa mesma directiva reforça, de resto, as garantias financeiras exigidas de certas empresas de seguros criando nomeadamente a obrigação de constituir uma reserva de compensação (novo artigo 15.o-A da Directiva 73/239).

6

As sociedades demandantes são empresas privadas de seguros que exercem actividade no sector dos seguros de crédito à exportação no território da Bélgica, em que têm a sua sede, e nos territórios do Reino Unido e da França, onde a sociedade Assurances du crédit explora sucursais. Consideram que tanto a Directiva 87/343 como a demora das instituições comunitárias em incluir as operações de seguro de crédito à exportação por conta ou com a garantia do Estado (a seguir «operações públicas de seguro de crédito à exportação»), no âmbito de aplicação das disposições da Directiva 73/239, provocam distorções da concorrência constiţutivas de um prejuízo de que pedem a reparação. Sustentam que o seu prejuízo é igual à parte do custo financeiro resultante da constituição da reserva de compensação que não poderá ser repercutida sobre os preços em virtude da concorrência que lhes fazem os organismos públicos ou parapúblicos que não estão adstritos às mesmas obrigações. Requerem igualmente ao Tribunal de Justiça que ordene às instituições comunitárias em causa a adopção das disposições necessárias para pôr termo às ilegalidades que estão na origem do prejuízo alegado.

7

Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação do processo, dos argumentos e fundamentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto aos pedidos de indemnização

8

O prejuízo alegado pelas demandantes teria por origem as condições em que o Conselho e a Comissão exerceram, no sector dos seguros, os poderes que lhes são reconhecidos pelas disposições do n.o 2 do artigo 57.o do Tratado.

9

Resulta dessas disposições, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Acto Único Europeu, que o Conselho, deliberando sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu, tem competência para, com o objectivo de facilitar o acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício, adoptar as directivas que visem a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso a tais actividades.

10

A execução de tais disposições de harmonização é geralmente difícil pois que supõe, por parte das instituições comunitárias competentes, a elaboração, a partir de disposições nacionais diversas e complexas, de normas comuns, conformes aos objectivos definidos pelo Tratado e recolhendo, segundo o caso, quer o acordo unânime, quer o acordo de uma maioria qualificada dos membros do Conselho.

11

É, sobretudo, devido a essa dificuldade que deve ser reconhecido às instituições comunitárias competentes, como aliás o entendeu o Tribunal de Justiça a propósito de directivas de harmonização adoptadas com base noutras disposições do Tratado (acórdão de 29 de Fevereiro de 1984, Rewe-Zentrale, n.o 20, 37/83, Recueil, p. 1229), uma margem de apreciação sobre as etapas a observar na harmonização, tendo em conta as especificidades da matéria sujeita à coordenação.

12

Por conseguinte, como decide o Tribunal de Justiça no domínio da responsabilidade das Comunidades devido a actos normativos que traduzem opções de política económica para cuja elaboração as instituições comunitárias dispõem igualmente de amplo poder de apreciação, a ilegalidade de uma directiva de coordenação não será, por si só, suficiente para envolver a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Essa responsabilidade só poderá ser envolvida se se estiver perante uma violação suficientemente caracterizada de uma norma superior de direito que proteja os particulares e se as instituições em causa tiverem ignorado, de forma manifesta e grave, os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes.

13

Há, por conseguinte, que investigar se as directivas objecto de reparos estão afectadas de ilegalidade e, em caso afirmativo, se o acto ilícito daí resultante reúne as condições acima definidas e é assim susceptível de envolver a responsabilidade da Comunidade.

14

As sociedades demandantes invocam, em primeiro lugar, a ilegalidade de algumas disposições da Directiva 87/343. Esta directiva, ao manter as operações públicas de seguro de crédito à exportação fora do âmbito de aplicação da Directiva 73/239, ignora o princípio geral da igualdade, o princípio de nao discriminação entre as empresas públicas e as empresas privadas, as regras de concorrência consagradas no n.o 1 do artigo 90.o, e na alínea f) do artigo 3.o, os artigos 52.o, sobre liberdade de estabelecimento, 92.o e 54.o, n.o 3, alínea h), sobre a proibição de auxílios estatais, todos do Tratado.

15

Como resulta do segundo considerando do seu preâmbulo, a Directiva 73/239 visa facilitar o acesso às actividades de seguros directos não vida e o seu exercício, eliminando as divergências existentes entre as legislações nacionais em matéria de controlo e coordenando nomeadamente as disposições relativas às garantias financeiras impostas às empresas de seguros.

16

O objectivo dessas garantias é estabelecer uma protecção adequada dos segurados e de terceiros em todos os Estados-membros. As exigências de tal protecção variam em função da natureza dos riscos cobertos, das características das empresas de seguros em causa e das condições em que estas realizam as suas operações. A fim de não impor obrigações que não se justifiquem ou que sejam desproporcionadas em relação ao objectivo a atingir, o legislador comunitário tomou em conta esses diferentes elementos para definir as garantias financeiras exigidas.

17

É assim que a margem de solvência instituída pelo artigo 16.o da Directiva 73/239, destinada a garantir que a empresa possa fazer face aos riscos de exploração, está, como refere o nono considerando, relacionada com o volume global dos negócios da empresa e é determinada em função de dois índices, baseados, respectivamente, nos prémios e nos sinistros.

18

Da mesma forma, o fundo de garantia instituído pelo artigo 17.o dessa directiva, destinado a assegurar que as empresas disponham, desde a sua constituição, de meios adequados, e a garantir que, em caso algum, a margem de solvência desça, durante o exercício da actividade, abaixo do nível de segurança, é determinado em função da gravidade do risco coberto pelo ramo de actividade (décimo considerando).

19

Finalmente, é também a preocupação de impor apenas obrigações tornadas necessárias para a protecção dos interessados e de terceiros que conduziu o Conselho a afastar do âmbito de aplicação da directiva e, por isso, a exonerar das garantias que prevê, certas mútuas que, em virtude do seu regime jurídico, preenchem condições de segurança e oferecem garantias financeiras específicas (quarto considerando e artigo 3.o da directiva). No mesmo espírito, a segunda Directiva 88/357/CEE do Conselho, de 22 de Junho de 1988, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo não vida, que contém disposições destinadas a facilitar o exercício da livre prestação de serviços e altera a Directiva 73/239/CEE (JO L 172, p. 1), concede aos tomadores de seguros que, em virtude da sua qualidade, da sua importância ou da natureza do risco a segurar, não têm necessidade de protecção especial no Estado onde o risco se situa total liberdade para recorrer a um mercado de seguros o mais amplo possível e garante um nível adequado de protecção aos outros tomadores de seguros (quinto considerando).

20

Estes princípios foram aplicados ao risco inerente ao seguro de crédito cuja natureza especial foi sublinhada pelo sétimo considerando da Directiva 87/343. A especificidade desse risco justificou o aumento do fundo de garantia exigido para as empresas cujas actividades neste ramo ultrapassem um determinado limiar [sétimo e nono considerandos da Directiva 87/343 e alínea a) do n.o 2 do novo artigo 17.o da Directiva 73/239]. Justificou igualmente, mas somente para as empresas cujas operações de seguro de crédito representem mais que uma pequena parte das suas operações totais (quinto considerando do preâmbulo da Directiva 87/343), a instituição da reserva de compensação que, prevista pelo novo artigo 15.o-A da Directiva 73/239, serve para compensar a perda técnica eventual ou a taxa de sinistros superior à média, surgindo neste ramo no fim do exercício.

21

Pelo contrário, no que toca às operações públicas de seguro de crédito à exportação, o Conselho considerou que a protecção do segurado prevista normalmente pela directiva era fornecida pelo próprio Estado (segundo considerando do preâmbulo da Directiva 87/343). É com fundamento nesta consideração que a exclusão dessas operações do âmbito de aplicação da directiva foi temporariamente mantida.

22

Essa exclusão, cuja validade é contestada pelas demandantes, está em conformidade com o espírito e o objectivo da Directiva 73/239, tal como foi posteriormente alterada pela Directiva 87/343. As operações públicas de seguro de crédito à exportação estão, com efeito, em relação às outras operações de seguro de crédito à exportação, numa situação objectivamente diferente, em que a aplicação das garantias financeiras previstas pela directiva deixa de ser justificada pelas exigências da protecção dos segurados e de terceiros. A exclusão visa, ademais, somente as operações públicas, qualquer que seja o estatuto jurídico da empresa que as realize, e não as empresas públicas de seguros ou as empresas que actuam em representação do Estado, que continuam sujeitas, em relação às operações efectuadas por sua própria conta e que não beneficiam da garantia do Estado, às prescrições da directiva.

23

Ao manter a exclusão das operações públicas de seguro de crédito à exportação, a Directiva 87/343 tomou assim em conta as diferenças resultantes da situação de direito e de facto existente numa fase do processo de coordenação das disposições nacionais. Não constitui, todavia, uma discriminação que implique a violação das disposições acima mencionadas do Tratado invocadas pelas demandantes em apoio do seu pedido.

24

Deve no entanto referir-se que, se em certos Estados-membros as condições em que o Estado concede a sua garantia ou, mais geralmente, o seu apoio a operações de seguro do crédito à exportação ignoram as disposições do Tratado e mais particularmente as relativas à concorrência e aos auxílios estatais, tal circunstância não. pode afectar de ilegalidade a directiva de coordenação parcial em litígio mas poderá eventualmente justificar o recurso aos meios jurídicos que permitem sancionar a inobservância dessas disposições.

25

Se as demandantes sustentam igualmente que a Directiva 87/343 está afectada de desvio de poder em virtude de as novas exigências financeiras que cria serem a contrapartida exigida pelo Governo da República Federal da Alemanha para a abolição do regime da especialização obrigatória das empresas de seguros, tal alegação não é, de qualquer forma, acompanhada de elementos precisos que possam demonstrar o seu fundamento perante o Tribunal de Justiça.

26

Finalmente, as demandantes consideram ilícito o facto de o Conselho e a Comissão não terem prosseguido a harmonização das legislações nacionais aplicáveis ao sector dos seguros no prazo de quatro anos previsto pela alínea d) do n.o 2 do artigo 2o da Directiva 73/239, na sua redacção inicial, antes do termo do qual deviam ser tomadas as medidas de coordenação no domínio das operações públicas de seguro de crédito à exportação.

27

De qualquer forma, esse prazo não era um prazo peremptório que se impusesse à autoridade comunitária e a sua inobservância não é, por conseguinte, constitutiva de um acto ilícito susceptível de envolver a responsabilidade da Comunidade. Não é também constitutivo de acto ilícito o adiamento, previsto pelo artigo 1.o da Directiva 87/343, com mera remissão para uma coordenação posterior, da aplicação da Directiva 73/239 às operações de seguro de crédito à exportação, uma vez que, pelas razões acima indicadas, o Conselho, nas disposições objecto de reparo, não cometeu ilegalidade nem, por maioria de razão, ignorou de forma manifesta e grave os limites que se impunham ao exercício dos seus poderes.

28

Nestas condições, e sem ser mesmo necessário examinar a realidade do prejuízo nem a existência de nexo de causalidade entre esse prejuízo e os actos ilícitos alegados, nenhuma ilegalidade nem, consequentemente, nenhum acto ilícito susceptível de envolver a responsabilidade da Comunidade pode ser dado como praticado pelo Conselho ou pela Comissão e há que indeferir os pedidos de indemnização.

29

Por conseguinte, é igualmente inútil averiguar se esses pedidos são admissíveis e, em especial, se a falta de pressupostos processuais alegada em oposição pelo Conselho e pela Comissão pode ser acolhida.

Quanto aos pedidos de que o Tribunal de Justiça ordene ao Conselho e à Comissão que ponham termo à situação na origem do prejuízo alegado

30

As demandantes requerem ao Tribunal de Justiça que dirija injunções às instituições comunitárias. O Tribunal de Justiça não tem competência para o efeito com fundamento nos artigos 178.o e 215.o, segundo parágrafo, do Tratado.

31

Em resposta à alegação pelo Conselho e pela Comissão da falta de pressupostos processuais, as demandantes invocam, na réplica, o artigo 176.o, segundo parágrafo, do Tratado quanto à reparação dos danos causados por um acto anulado e o artigo 186.o do Tratado, relativas às medidas provisórias que pode ordenar o Tribunal de Justiça.

32

Sem necessidade de analisar as razões pelas quais aquelas disposições não podem, de qualquer forma, servir de fundamento aos pedidos das demandantes, basta referir que tais pedidos, com que se pretende que o Tribunal de Justiça ordene às instituições demandadas a suspensão da aplicação de algumas das disposições das directivas 73/239 e 87/343, ou a sua substituição, supõem que tais disposições sejam ilegais. Como acaba de demonstrá-lo a análise dos pedidos de indemnização, tal não é o caso. Nestas condições, os pedidos das demandantes devem ser indeferidos.

33

Por todas essas razões, a presente acção é julgada improcedente.

Quanto às despesas

34

Por força do disposto no n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo as demandantes sido vencidas, há que condená-las nas despesas do processo.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

Julgar a acção improcedente.

 

2)

Condenar as demandantes nas despesas do processo.

 

Due

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Rodríguez Inglesias

Slynn

Schockweiler

Zuleeg

Grévisse

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 18 de Abril de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O.Due


( *1 ) Língua do processo: inglês.