RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-5/89 ( *1 )

I — Factos e tramitação processual

1.

Por ocasião da compra da empresa BUG-Alutechnik GmbH pela Kaiser Aluminium Inc., o Estado federado de Baden-- Württemberg concedeu um auxílio de dois milhões de DM à firma BUG-Alutechnik, com a condição de o Estado federado ficar desta forma liberado da sua anterior obrigação de garanda do montante de sete milhões de DM e de a subvenção servir exclusivamente para aumentar os capitais próprios.

O auxilio tinha por objectivo tornar a aquisição da BUG-Álutechnik interessante para a Kaiser Aluminium, que poderia assim iniciar um processo de reestruturação da empresa adquirida.

A Comissão, baseando-se em artigos da imprensa, dirigiu, em 21 de Maio de 1985, uma carta ao Governo federal pedindo-lhe esclarecimentos acerca deste auxílio.

O Governo federal confirmou, por nota verbal de 24 de Junho de 1985, a concessão desse auxílio e, na sequência de um pedido da Comissão, completou esses esclarecimentos por duas outras notas verbais de 8 de Agosto e 2 de Outubro de 1985.

A Comissão decidiu, em 29 de Janeiro de 1986, iniciar o procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CEE. No âmbito deste procedimento, o Governo federal alemão apresentou observações sobre o auxílio em questão.

Por carta de 22 de Dezembro de 1987, a Comissão notificou à República Federal da Alemanha a sua decisão de 17 de Novembro de 1987 (JO L 79 de 24.3.1988), cujo artigo 1.° dispõe que o auxílio em questão:

«é ilegal, uma vez que foi concedido em violação ao disposto no n.° 3 do artigo 93.° do Tratado CEE. Além disso, é incompatível com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado».

Por nota verbal de 19 de Abril de 1988, o Governo alemão transmitiu à Comissão uma comunicação datada de 13 de Abril, na qual exprimia diversas críticas respeitantes a algumas declarações e apreciações sobre as quais a decisão se baseava. Punha em relevo designadamente que, dado que a subvenção não teria sido concedida se a garantia não tivesse sido retirada, o montante desta garantia equivalente a uma subvenção deveria ser deduzido do montante do auxílio equivalente a uma subvenção para determinar o valor do auxílio. Resultava daí que o valor do projecto de auxílio equivalente a subvenção seria negativo e, por consequência, não se justificaria uma recuperação nem por razões de fundo nem financeiramente. O Governo alemão explicava além disso que, mesmo que se considerasse a concessão da subvenção isoladamente, não estaria em condições de recuperar o auxílio por razões ligadas à protecção da confiança legítima em conformidade com as disposições da legislação alemã que regem os fundamentos e o exercício do direito de recuperação.

Por carta de 1 de Julho de 1988, a Comissão, não tendo considerado pertinentes estes argumentos, convidou a República Federal da Alemanha a cumprir a decisão.

Por nota verbal de 9 de Dezembro de 1988, o Governo alemão transmitiu à Comissão uma comunicação datada de 2 de Dezembro, propondo que se aguardasse o acórdão no processo Alean (94/87, acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Colect., p. 175), juridicamente semelhante.

Por carta de 23 de Dezembro de 1988, a Comissão comunicou ao Governo alemão que entendia não ser adequado esperar mais e intentou a presente acção nos termos do artigo 93.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado CEE.

2.

O recurso foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de Janeiro de 1989.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

II — Conclusões das partes

3.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, nomeadamente dos seus artigos 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, e 189.°, quarto parágrafo, por não ter dado cumprimento à Decisão 88/174/CEE da Comissão, de 17 de Novembro de 1987, relativa ao auxílio que o Estado federado de Baden-Württemberg da República Federal da Alemanha concedeu à BŲG-Alutechnik GmbH, empresa fabricante de produtos de alumínio semiacabados e acabados;

condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

4.

A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar a acção improcedente;

condenar a Comissão nas despesas.

III — Fundamentos e argumentos das partes

5.

A Comissão põe em relevo o caracter obrigatório e definitivo (porque não impugnado no prazo legal) da decisão não cumprida.

O Governo da República Federal da Alemanha invoca a impossibilidade absoluta de cumprimento da decisão por razões ligadas ao princípio da confiança legítima, que encontrou, nomeadamente, expressão no artigo 48.° da Verwaltungsverfahrensgesetz (lei relativa ao processo administrativo) do Estado federado de Baden-Württemberg, aplicável no caso concreto. Essa disposição contém aliás a proibição de revogar um acto administrativo constitutivo de direitos decorrido um ano a partir do momento em que a autoridade administrativa teve conhecimento das circunstâncias que justificam a revogação.

Os argumentos das partes baseiam-se:

a)

na aplicabilidade das regras processuais nacionais à repetição dos auxílios não notificados;

b)

na protecção da confiança legítima em conformidade com o direito nacional;

c)

no termo do prazo previsto pelo direito nacional.

A — Sobre a aplicabilidade das regras processuais nacionais à repetição dos auxílios não notificados

6.

A Comissão sublinha que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal, um Es-tado-membro não pode opor às suas obrigações de direito comunitário disposições, práticas ou situações nacionais que pretensamente o impedem de cumprir as referidas obrigações. Por consequência, qualquer aplicação das regras processuais nacionais que possa pôr em causa as obrigações comunitárias, da demandada é inadmissível.

A demandada não pode prevalecer-se do acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e outros (205/82 a 215/82, Recueil p. 2633), que se referia a uma disposição de direito comunitário contendo uma remissão expressa para o direito nacional, no que respeita à recuperação de montantes indevidamente pagos a título de auxílio comunitário.

A Comissão deduz da jurisprudência constante do Tribunal, que atribui efeito directo ao artigo 93.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Tratado CEE, que o direito comunitário obsta a qualquer disposição nacional que possa privar do seu efeito directo a proibição de conceder auxílios não notificados.

A Comissão, na sua comunicação publicada no JO C 318 de 24.11.1983, p. 3, já chamou a atenção dos beneficiários de auxílios para a precaridade da sua situação jurídica em caso de concessão de tais auxílios. Por consequência, não podem beneficiar de protecção em direito comunitário.

7.

Segundo o Governo da República Federal da Alemanha, a Comissão ignora o facto de o Tribunal de Justiça ter confirmado expressamente no seu acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Alean (94/87, Colect., p. 175), que, mesmo no âmbito dos artigos 92.° e seguintes do Tratado CEE, o direito comunitário remete para o direito nacional em matéria de restituição de auxílios.

Além disso, a citada comunicação da Comissão não permite ao beneficiário do auxílio saber que um certo auxílio não foi notificado ou que o processo de análise não está terminado. Por consequência, esta comunicação não permite concluir que a confiança do beneficiário da ajuda não mereça protecção.

B — Sobre a protecção da confiança legítima segundo o direito nacional

8.

A Comissão considera que os argumentos da demandada, respeitantes à impossibilidade jurídica de repetir o auxílio em virtude de as disposições nacionais não permitirem a revogação do acto administrativo que concede esse auxílio, não são de forma alguma convincentes.

Embora seja verdade que o Tribunal, no acórdão Alean, atrás citado, confirmou o princípio da aplicabilidade do direito nacional às relações jurídicas entre o Estado-membro e o beneficiário do auxílio, precisou igualmente que essa aplicação deve ser feita de forma a não tornar praticamente impossível a recuperação e tendo plenamente em conta o interesse da Comunidade.

Ora, segundo a argumentação do Governo federal, qualquer recuperação de um auxílio nacional na República Federal da Alemanha estaria praticamente excluída cada vez que o auxílio fosse utilizado conformemente às condições da sua concessão em razão da confiança legítima dos seus beneficiários.

A Comissão sustenta que, no caso de auxílios de Estado na acepção do direito comunitário, a concepção da confiança legítima não pode ignorar a dimensão comunitária, no sentido de que a confiança de um beneficiário na legalidade de um auxílio concedido em violação da obrigação de notificação prevista pelo direito comunitário não é legítima e não tem que ser protegida do ponto de vista do direito comunitário quando o beneficiário não se assegurou da notificação do auxílio e do resultado da análise efectuada pela Comissão. Trata-se de uma consequência ligada ao efeito directo da interdição absoluta de conceder auxílios não notificados, enunciada no artigo 93o n.° 3, do Tratado.

A questão das possibilidades subjectivas que tem o beneficiário do auxílio de se aperceber da existência de uma infracção releva das relações jurídicas entre o Estado-membro e a empresa beneficiária e não pode, por isso, constituir um argumento de defesa admissível no âmbito do processo de infracção ao Tratado.

Além disso, na comunicação publicada no Jornal Oficial, atrás citada, a Comissão chamou a atenção de todos os beneficiários potenciais de auxílios para a sua intenção de exigir sistematicamente, no futuro, a restituição dos auxílios não notificados.

Aliás, a legislação nacional alemã autoriza a revogação da decisão de concessão do auxílio, não obstante a confiança em sentido contrário do beneficiário no caso de existência de interesse público superior. A administração alemã não cumpre a sua obrigação de lealdade comunitária, quando aprecia o interesse comunitário em obter a restituição do auxílio de uma forma que se afasta da decisão da Comissão, que para ela é obrigatória.

9.

O Governo da República Federal da Alemanha considera que a revogação do acto administrativo de concessão do auxílio está absolutamente excluída com fundamento na protecção da confiança legítima.

Não era, por isso, possível às autoridades alemãs acordarem com a Comissão modalidades de aplicação que derrogassem a decisão de 17 de Novembro de 1987 ou revogar o acto administrativo e proceder de tal forma que as questões de direito comunitário que se colocassem no decurso do processo de contencioso administrativo subsequente fossem objecto de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, porque, em virtude dos princípios constitucionais alemães, a autoridade competente só pode revogar o acto administrativo quando seja manifesto, na sua opinião, que as condições dę revogação estão preenchidas, o que pressupõe, nomeadamente, a apreciação da negligência grave e a ponderação dos diferentes interesses em jogo, para determinar se no caso concreto a confiança legítima deve ser protegida.

Os princípios da protecção da confiança legítima que o Tribunal de Justiça desenvolveu no acórdão de 24 de Fevereiro de 1987, Deufil (310/85, Çolect., p. 901), devem ser entendidos de acordo com a aplicação, admitida pelos acórdãos Deutsche Milchkontor ou Alean, das normas processuais nacionais, ao apreciar a questão de saber se um acto administrativo irregular face ao direito comunitário deve ser revogado.

Mais precisamente, pode deduzir-se do acórdão Alean, atrás citado, que, no que respeita à apreciação dos diferentes interesses em causa, essa apreciação deve fazer-se em função do direito nacional pelas autoridades do Estado-membro interessado, que, nesse aspecto, não estão vinculadas pela decisão da Comissão.

Após haver afastado a hipótese de a interpretação do acórdão Alean impor à República Federal da Alemanha o dever de revogar o acto administrativo e, no decurso do processo de contencioso administrativo subsequente, agir de forma a que as questões de direito comunitário fossem objecto de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, o Governo alemão sustenta que esse acórdão deve ser interpretado no sentido de que, nesse processo, não era praticamente impossível para a República Federal da Alemanha revogar o referido acto. Em contrapartida, no caso presente, existe essa impossibilidade, porque a dimensão da empresa não permite impor-lhe exigências de diligência tão pesadas como à empresa Alean.

No caso dos autos, deve conferir-se maior importância ao interesse da confiança legítima da empresa na legalidade dos actos do Estado do que ao interesse geral comunitário em evitar as distorções da concorrência mediante a revogação do auxílio, porque este se limitava a substituir uma garantia de montante bem mais elevado concedida pelo Estado federado, e que tinha sido autorizada pela Comissão.

O Governo alemão sublinha contudo que regra geral será dada prioridade ao interesse comunitário que vise evitar uma distorção da concorrência e que, por isso, será possível na maioria dos casos recuperar os auxílios.

C — Quanto à expiração do prazo previsto pelo direito nacional

10.

A Comissão considera que a República Federal da Alemanha não pode fazer apelo ao prazo de um ano previsto pelo direito nacional para revogar o acto administrativo sem infringir o artigo 5.° do Tratado.

Tal como o Tribunal precisou no acórdão Deutsche Milchkontor, atrás citado, a aplicação do direito nacional não deve tornar a recuperação das somas irregularmente concedidas praticamente impossível.

Ora, é precisamente o que seria de temer no caso dos auxílios nacionais não notificados. Com efeito, a aplicação do referido prazo teria por consequência não apenas submeter a vigilância que a Comissão exerce sobre os auxílios às disposições nacionais sobre prazo, mas, além disso, fornecer ao Estado-membro um meio de se subtrair definitivamente, através de subterfúgios processuais, a uma vigilância eficaz dos auxílios.

A Comissão critica a sugestão do Governo alemão segundo a qual seria possível evitar a expiração do prazo através de uma acção de incumprimento acompanhada de um pedido de medidas provisórias. Estas medidas seriam, com efeito, anteriores à apreciação do mérito do processo; seria dificilmente compatível com a finalidade do processo de medidas provisórias atribuir-lhe como único fim fazer respeitar um prazo nacional; além disso, tratando-se de auxílios notificados com atraso, muito dificilmente a Comissão poderia recorrer ao Tribunal em tempo útil, porque deveria previamente esgotar a via pré-contenciosa.

Segundo a Comissão, a aplicação do prazo previsto pela legislação nacional, depois de publicada a decisão negativa respeitante ao auxílio, contraria o princípio da primazia do direito comunitário, que, segundo a jurisprudência do Tribunal (acórdão de 21 de Maio de 1987, Albako, 249/85, Recueil, p. 2345), se aplica também às decisões da Comissão e é oponível a terceiros. Este princípio exclui que uma injunção incondicional possa ser anulada por uma regulamentação nacional quando esta tenha como consequência necessária impedir a execução de uma decisão da Comissão. A validade e os efeitos dos actos das instituições comunitárias dependem apenas do direito comunitário e não do direito nacional.

A Comissão põe finalmente em relevo que, segundo a concepção da demandada, o efeito útil de uma decisão obrigatória em direito comunitário depende da sua imediata execução pela administração nacional.

11.

O Governo da República Federal da Alemanha não considera que a aplicação o artigo 48.°, n.° 4, da Verwaltungsverfahrensgesetz do Estado federado de Baden-Württemberg suscite dificuldades importantes no âmbito do direito comunitário, porquanto o acórdão Deutsche Milchkontor, atrás citado, revela que o prazo previsto por essa disposição não decorre apenas do direito processual nacional, mas também do princípio geral da confiança legítima. Este princípio de direito europeu exige que, após o decurso de um prazo adequado, o beneficiário do auxílio esteja totalmente protegido contra pedidos de restituição. O direito nacional limita-se, na opinião do Governo federal, a concretizar este princípio.

Mesmo que a disposição em causa não imponha qualquer obrigação, pelo menos directamente, à Comissão, a disposição limita, de facto e indirectamente, os actos da Comissão, porque, após a expiração do prazo de um ano, as autoridades nacionais podem invocar face à Comissão uma impossibilidade absoluta de revogar o acto de concessão do auxílio e a Comissão não pode impor a obrigação da restituição do auxílio.

Se o Tribunal considerar que não é possível, nem que seja indirectamente e de facto, vincular a Comissão aos prazos nacionais, o Governo federal sugere que se deduza do princípio do direito comunitário de protecção da confiança legítima um prazo equivalente aplicável em direito comunitário. A esse respeito, o Governo alemão sublinha que o Tribunal de Justiça fixou, no acórdão de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz (120/73, Recueil, p. 1471), um prazo de dois meses para a fase preliminar perante a Comissão, e o objectivo da segurança jurídica prosseguido por esse prazo não seria atingido se o processo de análise posterior não estivesse sujeito a certos prazos.

Para responder à preocupação da Comissão de não permitir ao Estado-membro interessado determinar pelo seu próprio comportamento o ponto de partida da contagem do prazo, o Governo alemão sugere uma solução baseada nos elementos seguintes:

a)

aplicando por analogia em direito comunitário o regime previsto pelo direito alemão, o prazo interromper-se-ia pela decisão da Comissão que ordena a recuperação do auxílio, decisão que deveria ser equiparada à revogação do acto pela administração competente. Com efeito, o beneficiário do auxílio deveria, a partir dessa data, ter em conta que o Estado-membro reclamará a restituição do auxílio.

Obtém-se assim uma solução que responde tanto aos interesses comunitários como aos interesses privados do beneficiário do auxílio. O princípio da protecção da confiança legítima fica assim plenamente garantido, mas já não afecta a eficácia do direito comunitário;

b)

para obstar à objecção formulada pela Comissão, ou seja, que muitas vezes só é informada perfeitamente por acaso e relativamente tarde dos auxílios não notificados, poder-se-ia fixar o ponto de partida da contagem do prazo no momento em que a Comissão toma conhecimentor do auxílio;

c)

finalmente, embora a Comissão não possa encerrar o processo principal no prazo de um ano, pode recorrer ao Tribunal de Justiça e, no âmbito de um processo por incumprimento, pedir medidas provisórias através do respectivo processo. O princípio geral segundo o qual um despacho de medidas provisórias não deve prejudicar a decisão quanto ao mérito deve, neste caso, ceder o lugar ao princípio da eficácia do direito comuni-, tário.

G. C. Rodríguez Iglesias

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20 de Setembro de 1990 ( *1 )

No processo C-5/89,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Bernhard Jansen, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por Martin Seidel, conselheiro ministerial, e pelo prof. Albert Bleckmann, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da embaixada da República Federal da Alemanha, 20-22, avenue Émile-Reuter,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE por não ter cumprido a Decisão 88/174/CEE da Comissão, de 17 de Novembro de 1987, relativa a um auxílio concedido pelo Estado federado de Baden-Württemberg da República Federal da Alemanha à BUG-Alutechnik GmbH, empresa fabricante de produtos de alumínio semiacabados e acabados (JO 1988, L 79, p. 29),

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. F. A. Schockweiler, presidente de secção, servindo de presidente, M. Žuleeg, presidente de secção, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e F. Grévisse, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: D. Louterman, administradora principal

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 21 de Março de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Maio de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Em petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de Janeiro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 93.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que a República Federal da Alemanha, por não ter cumprido a Decisão 88/174/CEE da Comissão, de 17 de Novembro de 1987, respeitante a um auxílio concedido pelo Estado federado de Baden-Württemberg da República Federal da Alemanha à BUG-Alutechnik GmbH, empresa fabricante de produtos de alumínio semiacabados e acabados (JO 1988, L 79, p. 29), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

2

O auxílio em questão não tinha sido notificado à Comissão. Com base em certos artigos publicados na imprensa, a Comissão, por carta de 21 de Maio de 1985, perguntou ao Governo federal se era verdade que, tendo em vista a compra pela empresa Kaiser Aluminium Europe Inc. da empresa BUG-Alutechnik GmbH, o Estado federado de Baden-Württemberg tinha concedido a esta última subvenções e garantias de crédito. Por nota de 24 de Junho de 1985, o Governo federal confirmou a concessão dessa ajuda à empresa atrás mencionada e, na sequência de outro pedido da Comissão, completou as informações antes dadas por duas notas de 8 de Agosto e 2 de Outubro de 1985.

3

Após ter corrido os seus termos o processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CEE, a Comissão, por carta de 22 de Dezembro de 1987, notificou a República Federal da Alemanha da Decisão 88/174/CEE, atrás citada. O artigo 1.° desta decisão dispõe que o auxílio em questão «é ilegal, uma vez que foi concedido em violação ao disposto no n.° 3 do artigo 93.° do Tratado CEE» e que, «além disso, é incompatível com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do mesmo Tratado».

4

Nos termos do artigo 2.° da mesma decisão, «o auxílio referido deve ser suprimido por via de recuperação e o Governo alemão informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, das medidas por ele adoptadas para com esta se conformar».

5

O Governo alemão não impugnou esta decisão. Em nota de 19 de Abril de 1988, transmitiu à Comissão uma comunicação datada de 13 de Abril, na qual formulava diversas críticas respeitantes a algumas declarações e apreciações sobre as quais a decisão se baseava. Considerando que estes argumentos não eram pertinentes, a Comissão, por carta de 11 de Julho de 1988, convidou a República Federal da Alemanha a cumprir a decisão.

6

Por nota de 9 de Dezembro de 1988, o Governo alemão transmitiu à Comissão uma comunicação, datada de 2 de Dezembro, em que propunha que se aguardasse o acórdão no processo «Alean» (94/87, Comissão/Alemanha, acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Colect., p. 175), juridicamente semelhante. Por carta de 23 de Dezembro de 1988, a Comissão comunicou ao Governo alemão que considerava não ser apropriado prolongar dessa forma o processo e intentou a presente acção.

7

Para mais ampla exposição dos antecedentes do litígio, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

8

E um facto que não foi tomada qualquer medida pela República Federal da Alemanha com vista a obter a restituição do auxílio, exigida nos termos da Decisão 88/174/CEE.

9

O Governo demandado invoca, todavia, a impossibilidade absoluta de cumprir essa decisão por razões que se ligam ao princípio da confiança legítima, que encontrou nomeadamente expressão no artigo 48.° da Verwaltungsverfahrensgesetz (lei relativa ao processo administrativo) do Estado federado de Baden-Württemberg, aplicável no caso dos autos.

10

Argumenta especialmente que, nos termos desse artigo e dos princípios constitucionais alemães, uma autoridade pública não pode revogar um acto administrativo ilegal, constitutivo de direitos, sem uma apreciação prévia dos diferentes interesses em causa. Nas circunstâncias do presente processo, a autoridade nacional competente é assim obrigada a fazer prevalecer a protecção da confiança legítima da empresa beneficiária do auxílio sobre o interesse público comunitário em que o mesmo seja recuperado.

11

O Governo demandado observa finalmente que a recuperação do auxílio seria contrária, além disso, à proibição, prevista no artigo 48.°, atrás citado, de revogar um acto administrativo constitutivo de direitos, decorrido que seja um ano a contar do momento em que a autoridade administrativa teve conhecimento das circunstâncias que justificam a revogação.

12

Tal como o Tribunal decidiu, designadamente no acórdão de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão (C-142/87, Colect., p. I-959), a recuperação de um auxílio ilegalmente concedido deve ocorrer, em princípio, de acordo com as pertinentes disposições do direito nacional, sem prejuízo, todavia, de serem aplicadas de forma a não tornar praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário (n.° 61).

13

O Tribunal reconheceu também que, fazendo o princípio da confiança legítima parte da ordem jurídica comunitária, essa ordem jurídica não pode opor-se a uma legislação nacional que assegura o respeito da confiança legítima e da segurança jurídica num domínio como o da restituição de auxílios comunitários indevidamente pagos (acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor, n.° 30, 205/82 a 215/82, Recueil p. 2633).

14

A mesma solução se impõe no que respeita à recuperação de auxílios nacionais contrários ao direito comunitário. Há que pôr em relevo, todavia, que, tendo em conta o caracter imperativo do controlo dos auxílios de Estado efectuado pela Comissão nos termos do artigo 93.° do Tratado, as empresas beneficiárias do auxílio não podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio a não ser que este tenha sido concedido no respeito pelo processo previsto pelo referido artigo. Com efeito, um operador económico diligente deve normalmente estar em condições de assegurar que esse processo foi respeitado.

15

A este respeito, há que recordar que, por comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, a Comissão informou os beneficiários potenciais de auxílios de Estado do carácter precário dos auxílios que lhes são concedidos ilegalmente, no sentido de que os mesmos podem ser obrigados a restituí-los (JO 1983, C 318, p. 3).

16

A possibilidade de um beneficiário de um auxílio ilegal invocar circunstâncias excepcionais, que podem legitimamente fundamentar a sua confiança no carácter regular desse auxílio, e de se opor, em consequência, ao seu reembolso não pode, certamente, ser excluída. Nesse caso, compete ao tribunal nacional, a quem eventualmente seja submetida a questão, apreciar, sendo caso disso após ter colocado ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais de interpretação, as circunstâncias da causa.

17

Em contrapartida, um Estado-membro, cujas autoridades concederam um auxílio em violação das normas de processo previstas no artigo 93.°, não pode invocar a confiança legítima dos beneficiários para se subtrair à obrigação de tomar as medidas necessárias com vista ao cumprimento de uma decisão da Comissão que lhe ordena a recuperação do auxílio. Admitir tal possibilidade significaria, com efeito, privar os artigos 92.° e 93.° do Tratado de qualquer efeito útil, na medida em que as autoridades nacionais poderiam basear-se no seu próprio comportamento ilegal para anular a eficácia das decisões tomadas pela Comissão ao abrigo dessas disposições do Tratado.

18

Finalmente, o Governo demandado não tem razão ao invocar, como causa de impossibilidade absoluta de cumprimento da decisão da Comissão, as obrigações que decorrem para a autoridade administrativa competente das modalidades especiais de protecção da confiança legítima previstas pelo artigo 48.° da lei de processo administrativo (Verwaltungsverfahrensgesetz) no que respeita à apreciação dos interesses em causa e ao prazo previsto para a revogação de um acto administrativo constitutivo de direitos. Com efeito, segundo a jurisprudência constante, um Estado-membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para se subtrair ao cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário.

19

Em especial, uma disposição que preveja um prazo para a revogação de um acto administrativo constitutivo de direitos deve ser aplicada, como todas as disposições pertinentes do direito nacional, de forma a não tornar praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário e a tomar plenamente em consideração o interesse comunitário.

20

Resulta do exposto que se deve declarar o incumprimento nos termos constantes do pedido da Comissão.

Quanto às despesas

21

Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a República Federal da Alemanha sido vencida, deve ser condenada nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

decide:

 

1)

A República Federal da Alemanha, por não ter cumprido a Decisão 88/174/CEE da Comissão, de 17 de Novembro de 1987, relativa a um auxílio concedido pelo Estado federado de Baden-Württemberg da República Federal da Alemanha à BUG-Alutechnik GmbH, empresa fabricante de produtos de alumínio acabados e semiacabados, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

 

2)

A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

 

Schockweiler

Zuleeg

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Grévisse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 20 de Setembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente f. f.

F.A. Schockweiler

presidente de secção


( *1 ) Língua do processo: alemão.