CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

WALTER VAN GERVEN

apresentadas em 22 de Novembro de 1990 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

O tribunal de grande instance de Saint-Quentin e a cour d'appel de Mons submeteram ao Tribunal de Justiça várias questões prejudiciais relativas à compatibilidade com o direito comunitário de uma norma de direito nacional que proíbe a prestação de trabalho assalariado ao domingo. Devido à semelhança das normas de direito nacional evocadas nos dois processos principais e tendo em consideração o facto de os dois reenvíos suscitarem em grande parte as mesmas questões de direito comunitário, tratarei os dois processos nas mesmas conclusões.

Antecedentes

2.

Na causa principal que deu origem ao processo C-312/89, a Union départementale des syndicats CGT de l'Aisne solicita que seja proibido à empresa Conforama, que vende móveis e equipamento doméstico, abrir as suas lojas ao domingo, e isso sob pena de sanção pecuniária compulsória. O pedido baseia-se num determinado número de disposições do capítulo I do título II do code du travail francês, nos termos das quais o dia de descanso semanai dos trabalhadores assalariados deve ser dado, em princípio, ao domingo (ver as disposições conjugadas do artigo L.221-5 e dos artigos L.221-2 e L.221-4). Esta norma de princípio sofre três espécies de excepções. Em primeiro lugar, a proibição é derrogada num determinado número de sectores enumerados de modo taxativo no code du travail, tais como restaurantes, hospitais, empresas de jornais e de informação, etc. (ver o artigo L.221-9 do code du travail). Em segundo lugar, pode haver uma excepção relativamente às empresas cujo pessoal trabalhe por equipas; a aplicação desta excepção depende, em princípio, da celebração de uma convenção colectiva de trabalho (ver os artigos L.221-5-1 e L.221-10 do code du travail). Por ùltimo, mediante pedido, podem ser concedidas pelas autoridades locais determinadas derrogações por um período limitado (ver os artigos L.221-5, L.221-7 e L.221-19 do code du travail).

Aparentemente não se contesta que os réus nos processos principais não podem invocar a aplicação de uma das excepções referidas. No entanto, alegam, como argumento de defesa, que a proibição de prestação de trabalho assalariado ao domingo, instaurada pelo code du travail, devia ser considerada incompatível com os artigos 30.° e 85.° do Tratado CEE. O órgão jurisdicional de reenvio, o tribunal de grande instance de Saint-Quentin, deu provimento ao pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, limitando, todavia, a questão à interpretação do artigo 30.° do Tratado CEE. A questão tem a seguinte redacção:

«Pode a noção de “medida de efeito equivalente” a uma restrição quantitativa à importação, tal como é enunciada no artigo 30.° do Tratado, ser aplicada a uma disposição de alcance geral que tem como efeito proibir a prestação de trabalho assalariado ao domingo, nomeadamente num ramo de actividade como o da venda de mobiliário a retalho, quando:

1)

este ramo recorre em larga medida a produtos importados provenientes, nomeadamente, de países da CEE;

2)

uma parte importante do volume de negócios das empresas que dependem deste sector de actividade é realizada ao domingo, nos casos em que as referidas empresas tomaram a iniciativa de violar as disposições de direito interno;

3)

um encerramento ao domingo é susceptível de reduzir a importância do volume de negócios realizado e, em consequência, o volume das importações provenientes dos países da Comunidade;

4)

por último, a obrigação de conceder aos trabalhadores assalariados o seu dia de descanso semanal ao domingo não existe em todos os Estados-membros?

Em caso afirmativo, podem as características do sector de actividade em questão ser consideradas como correspondendo aos critérios enunciados no artigo 36.° do Tratado?»

3.

O primeiro arguido no segundo processo (C-332/89) é administrador-delegado da sociedade Trafitex, que explora um grande armazém de que o segundo arguido é gerente. Após acusação do Ministério Público, foram condenados em 1 de Julho de 1988, pelo tribunal correctionnel de Charleroi, a penas de multa e, em alternativa, de prisão, por terem infringido as disposições da lei do trabalho belga de 16 de Março de 1971; o órgão jurisdicional de reenvio, a cour d'appel de Mons, deve decidir do recurso interposto contra essa condenação.

O artigo 11.° da lei do trabalho dispõe que é proibido ocupar trabalhadores ao domingo. Esta disposição tem, também, numerosas excepções. O artigo 3.°, n.° 1, da lei torna a proibição inaplicável a um certo número de categorias de trabalhadores (nomeadamente os funcionários públicos, as pessoas ocupadas numa empresa familiar e o pessoal embarcado das empresas de pesca). Outras excepções figuram nos artigos 12.° e seguintes da lei e dizem respeito, nomeadamente, à vigilância e aos trabalhos de limpeza e de manutenção das instalações da empresa, ao trabalho em equipa, etc. O artigo 13.° da lei prevê que o rei pode estabelecer uma lista de empresas em que, e de trabalhos para cuja execução, os trabalhadores podem trabalhar ao domingo. O comércio retalhista no qual não é permitida, nos termos desta lista, a prestação de trabalho assalariado ao domingo é autorizado pelo artigo 14.°, n.° 1, da lei a ocupar os seus trabalhadores ao domingo, das 8 horas da manhã ao meio-dia.

Mais especificamente, os arguidos no processo principal são acusados de ocupar os trabalhadores ao domingo depois das 12 horas, em violação da referida disposição. Alegam, perante a cour d'appel, que essa proibição é incompatível, simultaneamente, com as disposições do Tratado CEE relativas à livre circulação de mercadorias e de serviços, e com o artigo 85.° do Tratado. Considerando que os seus argumentos não parecem, à primeira vista, desprovidos de pertinência, o órgão jurisdicional de reenvio apresentou ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial destinada a saber:

«se o disposto nos artigos 1.°, 11.°, 14.°, n.° 1, 53.°, 54.°, 57.°, 58.° e 59.° da lei de 16 de Março de 1971, alterada, nomeadamente, pela lei de 20 de Julho de 1978 e pelo Decreto Real n.° 15, de 23 de Outubro de 1978, viola os artigos 3.°, alínea f), 5.°, 30.° a 36.°, 59.° a 66.° e 85.° do Tratado de Roma de 25 de Março de 1957».

Esta questão deve ser entendida no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça uma interpretação das disposições do Tratado acima referidas, que lhe permita apreciar a compatibilidade com o direito comunitário das disposições nacionais acima citadas ( 1 ).

A interpretação do artigo 30.° do Tratado

4.

Para a resposta às questões prejudiciais relativas ao artigo 30.° do Tratado, que são apresentadas ao Tribunal de Justiça, o acórdão proferido em 23 de Novembro de 1989 pela Sexta Secção do Tribunal de Justiça, no processo C-145/8 8, Torfaen Borough Council/B &Q pie (a seguir «acórdão B & Q»), é de grande importância ( 2 ). A Cwmbran Magistrates' Court tinha perguntado ao Tribunal se uma regulamentação nacional que proíbe, em princípio, a venda de determinadas mercadorias ao domingo podia ser considerada compatível com o artigo 30.° do Tratado CEE. No processo em questão, o Tribunal declarou:

«O artigo 30.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que a proibição nele prevista não se aplica a uma regulamentação nacional que proíbe a abertura ao domingo de lojas de venda a retalho quando os efeitos restritivos que dela possam resultar para as trocas comerciais comunitárias não ultrapassem o âmbito dos efeitos específicos de uma regulamentação desse tipo.»

5.

Antes de examinar mais detalhadamente este acórdão, chamo a atenção para a semelhança das regulamentações nacionais que são objecto do reenvio no processo C-145/88 e nos processos actualmente submetidos ao Tribunal de Justiça.

Enquanto no processo C-145/88 se tratava de uma proibição de princípio de efectuar operações comerciais ao domingo, os actuais processos referem-se a uma proibição de prestação de trabalho assalariado ao domingo. Em minha opinião, esta diferença não tem qualquer importância: tratando-se da aplicação do artigo 30.° do Tratado, o efeito que resulta para o comércio intracomunitário dos dois tipos de regulamentações é muito semelhante. No processo C-145/88, o juiz a quo tinha, com efeito, verificado que a proibição de efectuar operações comerciais ao domingo ocasionara uma redução das vendas totais da empresa, que cerca de 10 % das mercadorias colocadas à venda pela empresa em causa provinham de outros Estados-membros e que, portanto, se devia registar uma redução correspondente das importações a partir dos outros Estados-membros. Nos processos que hoje são submetidos ao Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais confrontam-se com um esquema factual análogo. Na questão prejudicial colocada no processo C-312/89 são mencionadas expressamente três constatações do juiz a quo: os demandados trabalham num ramo de actividade que recorre em larga medida a produtos importados em grande parte de outros países da CEE, uma parte importante do volume de negócios das empresas que dependem desse sector de actividade é realizada ao domingo e o encerramento ao domingo é susceptível de reduzir o montante do volume de negócios e, consequentemente, o volume daś importações provenientes de outros Estados-membros.

A decisão de reenvio no processo C-332/89 não contém constatações análogas, mas resulta dos autos que uma peritagem ordenada pelo tribunal correctionnel de Charleroi demonstra que, entre Setembro de 1986 e Dezembro de 1987, cerca de 22 % do volume de negócios da empresa foi realizado ao domingo e que, na hipótese de o dia de encerramento semanal ser fixado ao domingo, em vez da terça-feira, se registaria uma perda de volume de negócios de cerca de 13 % ( 3 ). Além disso, pressuponho, seguindo o raciocínio do órgão jurisdicional nacional, que a perda de volume de negócios diz também respeito a produtos importados de outros Estados-membros. Se assim não fosse, estaríamos em presença de uma situação que, na ausência de qualquer elemento transfronteiriço, relevaria totalmente da esfera interna de um Estado-membro, à qual o artigo 30.° não é aplicável ( 4 ).

Como veremos adiante, existe também, nas causas de justificação susceptíveis de legitimar as respectivas regulamentações nacionais, uma similitude importante entre a regulamentação que é objecto do acórdão proferido no processo C-145/88 e as medidas em questão no caso em apreço. Assim, tanto maior é a importância do acórdão proferido no processo citado em primeiro lugar.

6.

No acórdão B & Q proferido no processo C-145/88, o Tribunal de Justiça salientou que a regulamentação aí em causa era indistintamente aplicável aos produtos importados e nacionais (n.° 11). Há que observar que a regulamentação em causa era indistintamente aplicável não só no plano formal, mas também no plano material: resultava do despacho de reenvio que a produção ou a comercialização de mercadorias importadas não eram tornadas mais difíceis do que as dos produtos nacionais. Recordando o acórdão Cinéthèque ( 5 ), o Tribunal de Justiça afirmou que a compatibilidade com o direito comunitário de uma regulamentação dessa natureza, neutra em relação aos produtos importados e nacionais, era subordinada a uma dupla análise: trata-se, por um lado, de verificar se a regulamentação prossegue um objectivo justificado face ao direito comunitário e, por outro, de investigar se os entraves que causa às trocas comerciais comunitárias não ultrapassam o que é necessário para assegurar o objectivo visado (ver o n.° 12 do acórdão) ( 6 ). Nele, o Tribunal admitiu implicitamente, mas de modo certo, que a medida em causa relevava, à primeira vista, da fórmula Dassonville, quer dizer, que era de considerar como uma «regulamentação comercial... susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário» ( 7 ).

Acrescentarei duas reflexões. Nas minhas conclusões no processo C-145/8 8, propus que se limitasse um pouco o alcance da fórmula Dassonville aplicando, a propósito de regulamentações comerciais não discriminatórias em relação a produtos importados e nacionais, o critério de compartimentação do mercado que é utilizado nos processos de concorrência ( 8 ). No acórdão B & Q, o Tribunal não seguiu essa sugestão e preferiu, implicitamente, tomar por regra o critério Dassonville na generalidade. Se o Tribunal de Justiça quiser presentemente seguir outra via, remeto então para essas conclusões anteriores. Actualmente, parto do princípio de que o Tribunal optou definitivamente pela regra Dassonville e, assim, tomo-a como ponto de partida nas presentes conclusões. Tal não significa que o efeito de compartimentação do mercado que pode resultar de uma regulamentação nacional não possa nem deva ser tomado em consideração quando se trate — ao mesmo tempo que se determina se os entraves considerados não ultrapassam o necessário — de comparar o efeito e o objectivo da regulamentação examinada (ver o n.° 12 infra).

Uma segunda reflexão respeita à consequência do critério Dassonville para o juiz a quo. Embora seja, em princípio, da competência deste último decidir se a regulamentação nacional em causa é de facto susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário, a regra Dassonville consagrada pelo Tribunal, também no acórdão B & Q, é de tal modo lata que abrange qualquer regulamentação que contenha, quanto ao seu objectivo e efeitos, qualquer elemento transfronteiriço. A jurisprudência do Tribunal demonstra que mesmo as regulamentações que possam causar entraves às importações no caso de um único comerciante ( 9 ) relevam, em princípio, do critério Dassonville ( 10 ), ou pelo menos o Tribunal considera a existência dessa possibilidade suficiente para procurar eventuais causas de justificação nos termos dos artigos 30.° ou 36.° ( 11 ). Só quando a regulamentação não afecta a comercialização do produto considerado na fase pertinente para o comércio intracomunitário ( 12 ), ou quando não diz respeito a outras formas de comercialização do mesmo produto ( 13 ), ou quando a comercialização desse produto continue a ser possível através de circuitos alternativos ( 14 ), é que não releva do artigo 30.° ( 15 ).

7.

Uma vez que, no acórdão B & Q, o Tribunal de Justiça admitiu que a proibição do artigo 30.° era, em princípio, aplicável a uma obrigação de encerramento do comércio retalhista ao domingo, a mesma conclusão se impõe, tendo em consideração a similitude acima verificada (n.° 5) relativamente às proibições de prestação de trabalho assalariado ao domingo, aqui em causa, pelo menos quando, nos dois casos, o juiz nacional tenha verificado que a regulamentação era susceptível de entravar potencialmente as importações, na acepção do critério Dassonville.

Todavia, não podemos ficar por aqui porque ignoraríamos um ponto importante a que a Comissão dedicou muita atenção nas suas observações. No acórdão B & Q, o Tribunal declara, em suma, que a questão de saber se os efeitos de uma determinada regulamentação nacional se mantêm efectivamente no âmbito (tal como o acórdão exige: ver n.° 6 supra) de uma regulamentação comercial por hipótese justificada releva da apreciação dos factos, que compete ao órgão jurisdicional nacional (n.° 16 dos fundamentos do acórdão).

A Comissão alega que a apreciação da necessidade e da proporcionalidade de uma dada regulamentação não pode ser deixada aos órgãos jurisdicionais nacionais e invoca, a este respeito, argumentos, na minha opinião, convincentes. É incontestável que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se, no âmbito de um processo nos termos do artigo 177.° do Tratado, sobre a validade de uma regulamentação nacional; apesar disso, o Tribunal de Justiça sempre insistiu no facto de que, para efeitos da sua colaboração com as instâncias jurisdicionais nacionais criada por essa disposição, ele era competente para definir os elementos do direito comunitário cuja interpretação é necessária para permitir ao órgão jurisdicional nacional decidir, em conformidade com as normas comunitárias, o litígio que lhe é submetido ( 16 ). Só este método permite salvaguardar o objectivo principal do processo prejudicial, que é o de assegurar a aplicação uniforme na Comunidade das disposições do direito comunitário, a fim de evitar que os seus efeitos variem consoante a interpretação que lhes for dada pelos diferentes Esta-dos-membros ( 17 ).

Mais concretamente, no âmbito da análise efectuada pelo órgão jurisdicional nacional para apreciar a admissibilidade de uma regulamentação nacional, isso significa que são fornecidos ao órgão jurisdicional de reenvio critérios suficientemente precisos que lhe permitam verificar a conformidade da regulamentação nacional com o direito comunitário ( 18 ). Na sua jurisprudência relativa à livre circulação de mercadorias, o Tribunal de Justiça observou sempre escrupulosamente este princípio ( 19 ), e atrevo-me a recomendar-lhe resolutamente que continue nessa via.

Nos processos submetidos hoje ao Tribunal de Justiça, é, de facto, menos necessário definir critérios precisos porque, depois do acórdão B & Q, a questão pode ser facilmente resolvida. Todavia, mesmo em casos simples, é necessário colocar a solução num âmbito geral. Se não o fizermos, cria-se o risco de uma casuística incoerente na qual o órgão jurisdicional nacional não pode encontrar qualquer apoio.

8.

Nesta procura de critérios gerais, examinarei em primeiro lugar, de acordo com o. raciocínio seguido no acórdão B & Q, quando se pode dizer que uma legislação nacional que, tal como a que é hoje submetida ao Tribunal, é completamente neutra relativamente aos produtos importados e aos produtos nacionais prossegue objectivos justificados face ao direito comunitário, e aprofundarei em seguida a questão de saber se as eventuais restrições que as regulamentações causam às trocas comerciais não ultrapassam o que é necessário para assegurar o objectivo visado.

Isso pressupõe uma tripla investigação, isto é, o exame da natureza justificada ou não do objectivo prosseguido pela regulamentação (n.os 9 a 11, infra), a natureza dos entraves que ela causa (n.° 12) e, por último, a necessidade desses entraves (n.os 13 e 14).

9.

Examinemos, em primeiro lugar, se a regulamentação em causa prossegue um objectivo justificado face ao direito comunitário. Nas observações apresentadas ao Tribunal não se tenta, em parte alguma, ligar a regulamentação a uma das causas de justificação enumeradas no artigo 36.° O acórdão B & Q também não o faz. Com razão, penso eu, dado que a única razão que pode razoavelmente ser acolhida é a de protecção da saúde pública. Ora, se a proibição de prestação de trabalho assalariado ao domingo favorece indiscutivelmente o descanso dos trabalhadores e, portanto, a «saúde... das pessoas», ela visa, apesar disso, como veremos adiante, da mesma forma que uma proibição de abrir ao domingo feita aos comerciantes independentes, um outro objectivo ( 20 ).

A situação é diferente relativamente às «exigências imperativas» admitidas pela doutrina «Cassis de Dijon» ( 21 ). A protecção do meio de trabalho (enunciada expressamente no artigo 100.°-A do Tratado) e o bem-estar dos trabalhadores a ela ligado podem, sem qualquer dúvida, ser considerados uma exigência imperativa. Todavia, nenhuma destas exigências é, só por si, suficiente porque, como as demandadas afirmam no processo C-312/89, não justificam suficientemente a imposição de um dia determinado, o domingo, para o descanso semanal dos trabalhadores. Uma regulamentação que proíba a prestação de trabalho assalariado ao domingo só pode justificar-se se for considerado compatível com o direito comunitário o facto de um Estado-membro optar por uma proibição de prestação de trabalho assalariado ou de abrir um estabelecimento ao domingo, a fim de permitir, tanto quanto possível, aos particulares beneficiar do mesmo dia de descanso, deixando assim liberdade para todas as espécies de actividades comuns não profissionais (tais como familiares, religiosas, culturais, desportivas). Todavia, isto significa, então, que a lista das exigências imperativas é alargada a uma nova causa de justificação.

10.

Sobre este aspecto, o acórdão B & Q demonstra uma assinalável evolução. Com efeito, remete, em primeiro lugar, para o acórdão Oebel de 1981 ( 22 ), no qual o Tribunal declarou — ainda que não fosse directamente no âmbito da apreciação de uma eventual causa de justificação — que uma proibição de fabrico antes das quatro horas da manhã no sector da padaria e da pastelaria na Alemanha

«... considerada como tal, constitui uma opção de política econòmica e social legítima, conforme com os objectivos de interesse geral prosseguidos pelo Tratado. Com efeito, esta proibição visa melhorar as condições de trabalho num sector notoriamente sensível que é caracterizado, do ponto de vista do processo de produção, por especificidades relativas tanto à qualidade dos produtos como aos hábitos dos consumidores» (n.° 12 dos fundamentos do acórdão) ( 23 ).

Prosseguindo este raciocínio no acórdão B & Q, desta vez no àmbito do exame de uma causa de justificação, o Tribunal declarou que:

«A mesma consideração é aplicável às regulamentações nacionais relativas aos horários de venda a retalho. Tais regulamentações constituem, com efeito, a expressão de determinadas opções políticas e económicas na medida em que visam garantir uma repartição das horas de trabalho e de descanso adaptada às especificidades socioculturais nacionais ou regionais cuja apreciação cabe, no estado actual do direito comunitário, aos Estados-membros...» (n.° 14 dos fundamentos do acórdão) ( 24 ).

Nesse acórdão e em outros ( 25 ), vislumbra-se uma certa predisposição do Tribunal de Justiça para reconhecer, para além das causas de justificação «clássicas» baseadas na doutrina «Cassis de Dijon» (como a defesa dos consumidores, a garantia de lealdade das transacções comerciais e, relacionados com as duas precedentes, o objectivo de transparência do mercado, a eficácia dos controlos fiscais, a protecção do meio ambiente e do meio de trabalho) — algumas delas consagradas, entretanto, no artigo 100.°-A do Tratado CEE —, outras «exigências imperativas», e para as reunir, com ou sem as anteriores, sob um único denominador. Esse denominador poderia ser, por exemplo: todas as regulamentações nacionais cuja aplicação implica opções de política cultural e/ou socioeconómica que se situam na linha dos objectivos de interesse geral prosseguidos pelo Tratado (como os citados no artigo 100.°-A) e/ou adaptados às especificidades socioculturais ou outras, nacionais ou regionais, cuja apreciação compete, no estado actual do direito comunitário, aos Estados-membros.

Trata-se, na realidade — se se tomar como ponto de partida a fórmula ampla do acórdão Dassonville —, de reunir o melhor possível, sob uma expressão geral, mas apesar disso limitativa, as inúmeras causas de justificação potenciais. A tentativa acima efectuada demonstra que essa formulação, devido às noções vagas que contém, não fornece um fio condutor sólido. No entanto, tem um certo valor indicativo. É claro, por exemplo, que a fixação de uma dia de descanso geral ao domingo releva da definição, sendo esse, aliás, o desejo expresso pelo Tribunal de Justiça no acórdão B & Q: a imposição de um dia de descanso semanal mínimo é indubitavelmente uma opção política que se inscreve na linha da protecção do meio de trabalho e da saúde das pessoas, isto é, de objectivos reconhecidos no Tratado; o facto de se fixar esse dia ao domingo constitui uma escolha adaptada às especificidades socioculturais do Estado-membro.

11.

A dificuldade de encontrar um fio condutor sólido relativo às causas de justificação torna ainda mais importante a manutenção de uma repartição correcta das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. Compete, certamente, em primeiro lugar ao órgão jurisdicional nacional verificar a conformidade com o direito comunitário de uma regulamentação nacional específica e investigar se a mesma pode basear-se numa causa de justificação, tendo em consideração, no entanto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Isso significa, em minha opinião, que, quando uma causa de justificação invocada em relação a uma regulamentação nacional perante um tribunal nacional não esteja ligada a uma das causas já expressamente citadas pelo Tribunal de Justiça, convém que o juiz submeta ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial. Compete então ao Tribunal de Justiça decidir se a nova causa de justificação invocada pode ser admitida.

Se a resposta for afirmativa, o órgão jurisdicional nacional é então competente para examinar se a regulamentação nacional, tal como é concebida e aplicada de facto, prossegue efectivamente o objectivo visado relativamente ao qual o Tribunal de Justiça admitiu que estava na linha do Tratado, ou se é utilizada com outro objectivo. Assim, também lhe compete apreciar se se deve dar algum efeito a censuras, como as aduzidas pelas demandadas nos processos principais, relativas à inconsistência e à aplicação esporádica ou diversa das regulamentações examinadas. Na medida em que essa aplicação não afecte a justificação da regulamentação segundo o direito comunitário, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se a esse respeito.

12.

Quando a regulamentação nacional examinada pode invocar uma causa de justificação, convém analisar, em seguida, a natureza e o alcance dos entraves que ela causa. A jurisprudência demonstra que também a este respeito o Tribunal de Justiça formula, por ocasião de questões de interpretação, directrizes que o órgão jurisdicional nacional deve ter em consideração.

Sobre este aspecto, convém, em primeiro lugar, referir que a regulamentação nacional é indistintamente aplicável aos produtos importados e nacionais e que também não tem por efeito tornar a comercialização dos produtos importados mais difícil do que a dos produtos nacionais. Quando a regulamentação nacional não é discriminatória, nem na forma nem no plano do conteúdo, deve, em seguida, verificar-se se tem «por objecto regular as correntes de trocas comerciais entre os Estados» ( 26 ). Uma regulamentação que preveja uma limitação das horas de abertura das lojas ou de prestação de trabalho assalariado ao domingo e, noutros termos, que diga respeito a uma modalidade de exercício de uma actividade comercial que não se centre num produto determinado não pode ser qualificada assim.

Todavia, mesmo assim, é necessário ainda verificar se a regulamentação não é susceptível de exercer um efeito «não desejado» no comércio intracomunitário, no sentido amplo dado a essa noção na regra Dassonville. Seria certamente esse o caso se a regulamentação restringisse de um modo ou de outro a interpenetração dos mercados nacionais no interior do mercado comum, por exemplo se tivesse por efeito reforçar a compartimentação de um mercado no interior de um Estado-membro, tornando assim o acesso ao mercado nacional mais difícil (mais oneroso) ou menos atraente (não rendível) para os produtores ou vendedores de mercadorias provenientes de outros Esta-dos-membros ( 27 ). Normalmente também não se pode afirmar isto de uma regulamentação que proíbe o trabalho assalariado ao domingo.

13.

Consoante o exame dos efeitos da regulamentação revele restrições mais ou menos sérias às trocas comerciais intracomunitárias, poder-se-á admitir mais ou menos facilmente que a regulamentação, nos termos do acórdão B & Q (n.° 12 dos fundamentos), «(não vai) além do necessário para garantir o objectivo visado e que esse objectivo se (justifica) à luz do direito comunitàrio». Assim, uma regulamentação que dê origem a uma compartimentação manifesta dos mercados, ainda que não tenha por objecto regular as correntes de trocas comerciais entre os Estados-membros, ultrapassará rapidamente o que é estritamente necessário para garantir o objectivo visado pela regulamentação ( 28 ).

As regulamentações, como as examinadas no caso em apreço, que não tenham por objectivo regular as correntes de trocas comerciais e que também não criam uma compartimentação do mercado poderão, em contrapartida, ser facilmente consideradas como estando nos limites do que é necessário.

14.

Chegamos, assim, às exigências clássicas de necessidade e de proporcionalidade aplicadas pelo Tribunal. Embora, na jurisprudência do Tribunal, as duas exigências sejam frequentemente examinadas simultaneamente, numa análise que se articula intimamente em volta da situação jurídica e factual concreta ( 29 ), as duas noções não coincidem ( 30 ). A exigência de necessidade implica duas coisas: em primeiro lugar, que a regulamentação nacional em causa seja realmente pertinente relativamente ao objectivo visado, ou seja, que exista pelo menos potencialmente um nexo de causalidade entre a medida adoptada e o objectivo prosseguido: em segundo lugar, que não exista, na regulamentação em causa, uma alternativa igualmente eficaz, mas que cause menos restrições às trocas comerciais intracomunitárias (critério da alternativa menos restritiva). Por critério da proporcionalidade entende-se, em contrapartida, que uma medida, mesmo que seja pertinente e constitua a alternativa menos restritiva, é, apesar disso, incompatível com o artigo 30.° (e deve, assim, ser abandonada ou substituída por uma regulamentação menos eficaz) quando os entraves que causa ao comércio intracomunitário são desproporcionados em relação ao objectivo prosseguido.

A regra aplicada no acórdão B & Q segundo a qual os eventuais entraves às trocas comerciais intracomunitárias não podem ir além do necessário para garantir o objectivo visado exprime, parece-me, os dois aspectos do critério de necessidade anteriormente citados: a regulamentação nacional restritiva é pertinente relativamente ao objectivo visado, dado que é necessária para assegurar esse objectivo e que se destina, portanto, a tal; ela não pode ir além do que é necessário para assegurar o objectivo visado, o que implica que não existe alternativa menos restritiva. O critério da proporcionalidade não é, contudo, abrangido nessa noção, dado que, nos termos desse critério, uma regulamentação, apesar de essencial para a realização do objectivo, e que portanto não excede o que é necessário, deve, no entanto, ser abandonada pelo Estado-membro.

Significa isto que, no acórdão B & Q, o Tribunal teria renunciado ao teste da proporcionalidade e abandonado, assim, a jurisprudência anterior? Não penso assim: o Tribunal não tinha necessidade do critério da proporcionalidade no processo C-145/8 8 — o mesmo acontecendo nos actuais processos — dado que era evidente, e isso igualmente no presente caso, que os entraves causados pelas regulamentações nacionais em causa não eram de modo algum de natureza tal que se tivesse de levar os Estados-membros a renunciar a uma medida necessária para atingir um objectivo justificado. Em contrapartida, se os entraves fossem susceptíveis de colocar em perigo a realização do mercado comum, poder-se-ia então perguntar se elas são ainda proporcionais ao objectivo, legítimo em si, que a medida prossegue. Sou de opinião de que não se pode atribuir um significado fundamental à falta de referência, no acórdão B & Q, ao critério da proporcionalidade e que essa ausência de referência se deveu unicamente às circunstâncias concretas do caso em apreço, na qual se afigurava que os entraves «eventuais» causados às trocas comerciais não eram demasiado importantes.

Para ser exaustivo, quero observar que é o próprio Tribunal de Justiça que procede a essa avaliação do objectivo e das restrições, com base tanto no critèrio da necessidade como no critèrio da proporcionalidade, quando é levado a interpretar o artigo 30.° ou o artigo 36.° à luz de uma regulamentação nacional concreta descrita numa questão prejudicial ( 31 ). Em caso de dúvidas, o órgão jurisdicional nacional pode, por conseguinte, submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial.

15.

Aplicando as considerações precedentes relativas à interpretação do artigo 30.° do Tratado às regulamentações nacionais actualmente em causa, chego à conclusão de que uma regulamentação que contenha uma proibição (limitada) de prestação de trabalho assalariado ao domingo, do tipo da que é aqui submetida ao Tribunal de Justiça, é susceptível, segundo a constatação do órgão jurisdicional de reenvio, de restringir o comércio entre os Estados-membros na acepção ampla dada a essa noção no acórdão Dassonville; que o objectivo prosseguido por essas regulamentações — isto é, a concessão de um único e mesmo dia de descanso aos trabalhadores, ou seja, um domingo — pode ser considerado um objectivo justificado face ao direito comunitário; que as regulamentações em causa, neutras relativamente às importações, não têm por objectivo regular as trocas comerciais entre os Estados-membros e que também não se demonstrou, igualmente à luz das constatações dos órgãos jurisdicionais de reenvio, que os entraves que elas causam ao comércio intracomunitário são susceptíveis de pôr em perigo a realização do mercado comum; que, nestas circunstâncias, nada permite pensar que os entraves causados às trocas comerciais vão além do que é necessário para garantir o objectivo visado ou que são desproporcionados em relação ao fim prosseguido.

Consequentemente, considero que as regulamentações nacionais em causa são compatíveis com o artigo 30.°

A interpretação do artigo 34.° do Tratado

16.

Na decisão de reenvio proferida no processo C-332/89, o Tribunal de Justiça foi igualmente convidado a pronunciar-se sobre a interpretação do artigo 34.° a propósito de uma proibição de prestação de trabalho assalariado ao domingo. Através da questão pretende-se saber se essa proibição pode ser considerada como uma restrição quantitativa às exportações incompatível com o Tratado.

Para responder a esta questão, basta recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 34.° do Tratado. No acórdão Groenveld de 1979, o Tribunal declarou o seguinte:

«Esta disposição (o artigo 34.°) visa as medidas nacionais que tenham por objectivo ou por efeito restringir especificamente as exportações e estabelecer, assim, uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um Estado-membro e o seu comércio de exportação, de modo a assegurar uma vantagem especial à produção nacional ou ao mercado interno do Estado interessado, em detrimento da produção ou do comércio de outros Estados-membros. Tal não é o caso de uma proibição (que proíbe aos fabricantes de charcutaria ter em armazém e transformar a carne de cavalo), que se aplica objectivamente à produção de mercadorias de determinado tipo sem fazer uma distinção consoante se destinem ao mercado nacional ou à exportação» (n.° 7 dos fundamentos do acórdão) ( 32 ).

Este acórdão foi posteriormente confirmado diversas vezes pelo Tribunal de Justiça ( 33 ) e exclui que regulamentações comerciais indistintamente aplicáveis (noutros termos, regulamentações que não têm nem por objecto nem por efeito restringir especificamente as exportações) sejam consideradas incompatíveis com o artigo 34.° Esta solução deve também ser aplicada a uma regulamentação indistintamente aplicável, como a que hoje é submetida ao Tribunal de Justiça: como vimos, não tem por objecto regular as correntes de trocas comerciais entre os Estados-membros e nada indica que torne a produção ou a comercialização de mercadorias destinadas à exportação mais difícil do que a de mercadorias destinadas ao mercado nacional.

A interpretação dos artigos 59.° e seguintes do Tratado

17.

Os artigos 59.° e seguintes do Tratado dizem respeito à livre circulação de serviços e, no acórdão de reenvio proferido no processo C-332/89, pergunta-se ao Tribunal de Justiça se essas disposições se opõem a uma proibição de prestação de trabalho assalariado ao domingo.

A resposta a essa questão deve, em minha opinião, ser extraída do artigo 60.°, primeiro parágrafo, do Tratado. Esta disposição tem a seguinte redacção:

«Para efeitos do disposto no presente Tratado, consideram-se “serviços” as prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas» (sublinhado meu).

Dado que, no presente processo, há que admitir, nos termos do acórdão proferido no processo C-145/88, que a regulamentação em causa é uma regulamentação comercial que releva do artigo 30.°, não há que lhe aplicar as disposições relativas à livre circulação de serviços.

A interpretação dos artigos 3.°, alínea f), 5.° e 85.° do Tratado

18.

Por último, resta ainda examinar a questão da aplicação eventual das normas de concorrência do Tratado a regulamentações como as que estão actualmente em causa. Nos dois processos, as partes demandadas suscitaram esta questão no processo principal. Só o juiz a quo no processo C-332/89 apresentou esta questão ao Tribunal de Justiça, ligando-lhe aparentemente o argumento aduzido pelos arguidos no processo principal, segundo o qual as regulamentações em causa «falseiam a concorrência» e, ao adoptar ou manter em vigor essas medidas, um Estado-membro infringe as normas de concorrência consagradas pelo Tratado. Não é, todavia, de uma perturbação da concorrência deste tipo que se trata nos artigos 3.°, alínea f), e 85.° : estas disposições dizem efectivamente respeito à manutenção da concorrência no interior do mercado comum, mas visam uma proibição relativa aos acordos e práticas concertadas entre empresas susceptíveis de falsear o jogo da concorrência. Aparentemente, na situação submetida ao órgão jurisdicional de reenvio, não estão em questão esses acordos ou práticas concertadas.

É certo que o Tribunal de Justiça decidiu que decorria das disposições conjugadas dos artigos 3.°, alínea f), 5.° e 85.° do Tratado CEE que os princípios inseridos no artigo 85.° deveriam ser respeitados igualmente pelos Estados-membros. Mais precisamente, o Tribunal declarou que os Estados-membros tinham a obrigação de não adoptar ou manter em vigor medidas susceptíveis de eliminar o efeito útil do artigo 85.° do Tratado CEE. Tal seria nomeadamente o caso se um Estado-membro favorecesse a celebração de acordos, decisões ou práticas concertadas contrários ao artigo 85.° ou reforçasse os seus efeitos ( 34 ). No entanto, não existe o menor elemento nos autos que permita afirmar que é esse o caso das regulamentações submetidas à apreciação dos órgãos jurisdicionais nacionais.

Conclusão

19.

Em conclusão das observações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda do modo seguinte às questões prejudiciais:

«No processo C-312/89:

os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que a proibição neles prevista não se aplica a uma regulamentação nacional que proíbe a prestação de trabalho assalariado ao domingo quando essa regulamentação, que não tem por objecto regular as correntes de trocas comerciais entre os Estados-membros, não torne a comercialização das mercadorias importadas mais difícil do que a dos produtos nacionais e também não torne o mercado menos acessível aos produtos importados. Em tal caso, os efeitos restritivos para o comércio intracomunitário eventualmente resultantes da regulamentação em questão não excedem o que é necessário para garantir o objectivo visado, não sendo igualmente desproporcionados relativamente a esse objectivo.

No processo C-332/89:

os artigos 30.° a 36.° do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de que a proibição neles prevista não se aplica a uma regulamentação nacional que proíbe a prestação de trabalho assalariado ao domingo quando essa regulamentação, que não tem por objecto regular as correntes de trocas comerciais entre os Estados-membros, não torne a comercialização das mercadorias importadas mais difícil do que a dos produtos nacionais e também não torne o mercado menos acessível aos produtos importados. Neste caso, os efeitos restritivos para o comércio intracomunitário que podem eventualmente resultar da regulamentação em questão não excedem o que é necessário para garantir o objectivo visado e também não são desproporcionados em relação a este objectivo. Nem os artigos 59.° a 66.° nem as disposições conjugadas dos artigos 3.°, alínea f), 5.° e 85.° são aplicáveis a uma regulamentação desse tipo.»


( *1 ) Lingua original: neerlandês.

( 1 ) Ver acórdão de 20 de Abril de 1988, Bekaert, n.° 5 (204/87, Colcct., p. 2029), e acórdão de 7 de Março de 1990, Krantz/Ontvanger der Direcce Belastingen, n.°7 e 8 (C-69/88, Colect., p. I-583).

( 2 ) Colcct., p. 3851.

( 3 ) Ver o anexo 2 das observações dos arguidos no processo principal.

( 4 ) O princípio foi enunciado de modo geral (embora no contexto da liberdade de estabelecimento) no acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gauchard, n.os 11 e 12 (20/87, Colea., p. 4879); ver também, relativamente a uma aplicação recente deste princípio em matéria de livre circulação dos serviços, o acórdão de 3 de Outubro de 1990, Nino e outros, n.os 10 e 11 (C-54/88, C-91/88 e C-14/89, Colect., p. I-3537).

( 5 ) Acórdão de 11 de Julho de 1985, especialmente o n.° 22 (60/84 e 61/84, Recueil, p. 2605).

( 6 ) Parece-me que essa formulação é mais precisa do que a 3uè figura no n.° 4 anterior, utilizada na parte decisória o acórdão e na qual não é feita referência a «o que é necessario», mas apenas aos «efeitos» específicos de uma regulamentação desse tipo. O critério «necessidade» tem um conteúdo normativo que näo tem o critério «efeitos».

( 7 ) Acórdão de 11 de Julho de 1974, n.° 5 (8/74, Recueil, p. 837).

( 8 ) Conclusões apresentadas na audiência de 29 de Junho de 1989, n.°13 a 15 (Colea., p. 3865).

( 9 ) Não seria esse o caso se se verificasse que, para o produto em causa, o comerciante recuperava integralmente durante os outros dias da semana o seu volume de negócios reduzido na sequência da proibição de prestação de trabalho assalariado ao domingo.

( 10 ) Ver o acórdão de 16 de Maio de 1989, Buet, n.os 7 e 9 (382/87, Colect., p. 1235), c o acórdão D & Q.

( 11 ) É manifestamente o caso no acórdão B & Q, no qual a existencia de uma causa de justificação é procurada tendo em consideração os efeitos nas trocas comerciais comunitárias que poderiam eventualmente resultar da regulamentação nacional examinada: ver a parte decisória do acórdão.

( 12 ) Acórdão de 14 de Julho de 1981, Oebcl, n.°19 e 20 (155/80, Recueil, p. 1993). Ver igualmente acórdão dc 25 de Novembro de 1986, Porest, n.° 19 (148/85, Colect., p. 3449).

( 13 ) Acórdão de 31 de Março dc 1982, Blesgen, n.o 9 (75/81, Recueil, p. 1211).

( 14 ) Ver acórdão de 11 de Julho de 1990, Quietlynn, n.° 11 (C-23/89, Colect., p. I-3059).

( 15 ) Resulta das duas últimas hipóteses que o Tribunal admite a possibilidade de compensar a perda de volume de negócios de um comerciante pelas vendas suplementares realizadas por outros comerciantes num mesmo Estado-mcmbro. O Tribunal baseia-se para esse efeito em simples possibilidades relativas ao âtiwito de aplicação da regulamentação examinada (ver, por exemplo, o acórdão Ocbel, referido na nota 12, n.° 19), sem se referir a dados numéricos, o que seria, aliás, difícil na prática.

( 16 ) Ver, por exemplo, os acórdãos de 13 de Março de 1984, Processo penal contra Prantl (16/83, Recueil, p. 1299), e de 14 de Outubro de 1980, Burgoa, em especial, o n.° 13 (812/79, Recueil, p. 2787).

( 17 ) Ver, por exemplo, acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince/Staatssecretaris van Justitie, n.° 11 (C-192/89, Colect., p. I-3461).

( 18 ) O facto de o acórdão B & Q deixar mais de uma questão em aberto sobre este ponto é ilustrado pelo processo C-304/90, que acaba de dar entrada no Tribunal de Justiça e no qual a «Reading and Sonning Magistrates' Court» coloca uma série de questões pormenorizadas quanto à interpretação do acórdão, e em especial sobre a aplicação do controlo da proporcionalidade (ver a segunda questão prejudicial no processo em questão).

( 19 ) Ver, por exemplo, o acórdão de 11 de Julho de 1985, Cinéthèque, atrás referido na nota 5, n.os 22 e 23, e o acórdão de 14 de Julho de 1988, 3 Glocken e outros/USL Centro Sud e outros, n.os 12 a 27 (407/85, Colea., p. 4233). Ver igualmente o acórdão de 7 de Março de 1990, BG-Inno-BM (C-362/88, Colect., p. I-Ć67).

( 20 ) Se a proibição tivesse em vista a saúde das pessoas, a exigência de um mesmo dia de descanso obrigatório näo podia, então, ser justificada: ver adiante.

( 21 ) Iniciada pelo acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe, n.° 8 (120/78, Recueil, p. 649).

( 22 ) Acórdão de 14 de Julho de 1981 (citado na nota 12).

( 23 ) Tradução provisória.

( 24 ) Ver também a continuação desta passagem no n.° 12, infia.

( 25 ) Ver, nomeadamente, o acórdão Cinéthèque de 11 de Julho de 1985 (citado na nota 5).

( 26 ) Ver acórdão B & Q, n.° 14 dos fundamentos, última linha. Esta expressão aparece também noutros acórdãos: ver, por exemplo, o acórdão Quietlynn, referido na nota 14, n.° 11, o acórdão Krantz, referido na nota 1, n.° 11, e o acórdão Cinétheque, referido na nota 5, n.° 21 (no qual o Tribunal de Justiça afirmou que era o caso de todos os regimes indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e importados).

( 27 ) Ver, sobre este ponto, os desenvolvimentos pormenorizados das minhas conclusões no processo C-145/88, n.os 17 a 25, citadas na nota 8.

( 28 ) Pode então ser eventualmente qualificada de «restrição dissimulada ao_ comércio entre os Estados-membros», na acepção do artigo 36.°, última frase, relativamente à qual não pode seradmitida qualquer causa de justificação, nos termos do artigo 30.° ou do artigo 36.° Compare-se com o acórdão de 3 de Dezembro de 1981, Pfizer/Eurim-Pharm (1/81, Recueil, p. 2913), no qual o Tribunal considerou

3ue o artigo 36.° se opunha a que o exercício de um direito e marca tivesse por efeito produzir uma compartimentação artificial dos mercados no âmbito da Comunidade (ver também as conclusões do advogado-geral Capotorti nesse processo, em especial p. 2935).

( 29 ) Ver, por exemplo, acórdão de 20 de Maio de 1976, de Peijper, n.° 21 e 22 (104/75, Recueil, p. 613), e acórdão de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, n.° 16 (124/81, Recueil, p. 203). Ver também acórdão Buet, n.os 11,12 e 15 (citado na nota 10).

( 30 ) Ver também as minhas conclusões no acórdão de 23 de Maio de 1990, Gourmeterie van den Burg, n.os 8 e seguintes (C-169/89, Colea., p. I-2143).

( 31 ) Ver a jurisprudência citada na nota 19.

( 32 ) Tradução provisória.

( 33 ) Ver, por exemplo, além do acórdão Oebel (referido na nota 12), o acórdão de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek (286/81, Recueil, p. 4575), o acórdão de 10 de Março de 1983, Interhuiles (172/83, Recueil, p. 555), e o acórdão de 7 de Fevereiro de 1984, Jongeneel Kaas (237/82, Recueil, p. 484).

( 34 ) Ver, por exemplo, acórdão de 1 de Outubro de 1987, Vereniging van Vlaamse Reisbureaus, em especial n.os 9 e 10 (311/85, Colect., p. 3801).