CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

CARL OTTO LENZ

apresentadas em 19 de Setembro de 1991 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

A — Matèria de facto

1.

Na presente acção por incumprimento, a Comissão acusa a República Helénica de não ter transposto para o direito interno, no prazo fixado, a Directiva 82/470/CEE do Conselho, de 29 de Junho de 1982, relativa a medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços das actividades não assalariadas em determinados serviços auxiliares dos transportes e das agências de viagens (grupo 718 CITI) bem como nos entrepostos (grupo 720 CITI) ( 1 ).

2.

No primeiro considerando, a directiva remete para a situação jurídica criada pelo Tratado CEE no domínio da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços :

«Em aplicação do Tratado, qualquer tratamento discriminatório em razão da nacionalidade em matéria de estabelecimento e prestação de serviços é proibido a partir do fim do período de transição...»

3.

Com este fundamento, o terceiro considerando enuncia o objectivo da directiva do seguinte modo:

«Considerando contudo que, na falta de um reconhecimento mútuo dos diplomas ou de uma.coordenação imediata, afirma-se desejável facilitar a realização da liberdade de estabelecimento e da livre prestação dos serviços para as actividades que pertencem aos grupos 718 e 720 CITI, pela adopção de medidas destinadas, em primeiro lugar, a evitar dificuldades anormais aos nacionais dos Estados-membros onde o acesso a essas actividades não está sujeito a qualquer condição.»

4.

Para o efeito, prevê-se uma série de medidas a adoptar pelos Estados-membros para facilitar o exercício das actividades descritas no artigo 2.° Trata-se, em primeiro lugar, de obrigações que incumbem aos Estados-membros na qualidade de Estados de acolhimento. O artigo 4.°, n.os 1 a 5, da directiva trata, a este propósito, do reconhecimento da prova de honorabilidade e da prova de inexistência de anterior declaração de falência do interessado, bem como dos documentos que atestam a capacidade financeira. Os artigos 5.° a 7° dizem respeito às condições fixadas pelo Estado de acolhimento em matéria de qualificações. Os artigos 6.° e 7.°, n.os 1 a 3, precisam os casos em que uma certa experiência profissional pode ser exigida como prova de posse dos conhecimentos e das aptidões necessários. Nos termos do artigo 5.°, os Estados-membros onde se não tem acesso a alguma das actividades a que se aplica a directiva, ou em que a mesma só pode ser exercida com determinadas qualificações, zelam para que o beneficiário que o tenha requerido seja informado, antes de se estabelecer ou antes de iniciar o exercício de uma actividade temporária, sobre a legislação aplicável à actividade que pretende exercer.

5.

Para garantir o bom funcionamento do sistema da directiva, os Estados-membros devem, na qualidade de Estados de proveniência, por força dos artigos 4.°, n.° 6, e 7.°, n.° 4, designar no prazo fixado as autoridades ou organismos competentes para emitir os atestados referidos e disso informar imediatamente os outros Estados-membros e a Comissão.

6.

O artigo 8.° fixa, para a transposição, o prazo de dezoito meses a contar da notificação da directiva. Tendo esta sido notificada aos Estados-membros em 2 de Julho de 1982, o prazo expirou em 2 de Janeiro de 1984.

7.

Não tendo recebido qualquer informação relativa às medidas de transposição adoptadas na Grécia, nem da demandada nem de outrem, a Comissão concluiu que a demandada não tinha cumprido as obrigações impostas pela directiva. Por isso, por carta de 16 de Abril de 1985, iniciou o processo pré-contencioso previsto no artigo 169.° do Tratado CEE. Tanto na carta que solicitava ao Estado grego que apresentasse as suas observações como no parecer fundamentado, a Comissão pedia a comunicação das medidas adoptadas pela República Helénica para transpor a directiva. Como as respostas do Governo grego, no âmbito do processo pré-contencioso, não lhe pareceram satisfatórias, a Comissão intentou a presente acção.

8.

Pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

1)

declarar que, ao não ter adoptado, no prazo fixado, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 82/470/CEE do Conselho, de 29 de Junho de 1982, relativa a medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços das actividades não assalariadas em determinados serviços auxiliares dos transportes e das agências de viagens (grupo 718 CITI) bem como nos entrepostos (grupo 720 CITI), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado,

2)

condenar a República Helénica nas despesas.

9.

A demandada concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente e que a Comissão seja condenada nas despesas. Na fase escrita, alegou ter cumprido as obrigações impostas pela directiva. Em apoio desta afirmação apresentou uma lei, um decreto presidencial, um decreto legislativo e uma circular. Na audiência, foi levada a admitir algum atraso na transposição, invocando, para o efeito, a repartição das competências na matéria entre vários ministérios.

10.

Não querendo aprofundar mais a matéria de facto e os argumentos das partes, remeto, neste aspecto, para o relatório para audiência.

B — Parecer

11. I.

Uma palavra sobre o objecto do presente processo.

1.

O pedido acima referido coloca a questão de saber em que medida, na opinião da Comissão, não for efectuada a transposição. A Comissão escolhe com frequência a formulação utilizada neste caso, como se vê, por exemplo, nas acções por incumprimento paralelas intentadas contra dois outros Esta-dos-membros ( 2 ), quando deseja afirmar que nenhuma das medidas necessárias foi adoptada (no prazo fixado). Foi isso que afirmou na réplica. Todavia, poder-se-ia duvidar desta interpretação do pedido, porque na petição, que, nos termos do artigo 38.°, alínea c), do nosso Regulamento de Processo, delimita o objecto do litígio, a Comissão só aborda algumas das actividades citadas nos artigos 2.° e 3.° da directiva, ou seja, a actividade de agente de navegação, de agente de viagens, de depositário e de perito em acidentes de viação; não menciona expressamente as outras actividades. Isso tem a sua explicação, contudo, na tramitação pré-contenciosa. Na carta em que convidava o Governo helénico a apresentar as suas observações, a Comissão havia pedido a apresentação de um quadro completo das diferentes medidas nacionais que transpunham cada disposição da directiva. A demandada forneceu então informações sobre as disposições aplicáveis às actividades mencionadas na petição, sem, todavia, comunicar o texto respectivo. Além disso, mencionou a actividade de fretador de navios que na Grécia não está sujeita a qualquer regulamentação. Com base nestas informações, entendeu que, apesar de a transposição ainda não estar completa, a situação jurídica na Grécia não era, todavia, contrária ao direito comunitário tendo em conta a reforma que estava em curso.

12.

No parecer fundamentado, a Comissão apenas abordou em pormenor a actividade de agente de navegação e de perito em acidentes de. viação, não tendeaceitado os argumentos do Governo grego. Contudo, acrescentou no fim do parecer fundamentado que, quanto ao resto, não tinha recebido, após a resposta do Governo grego à carta em que era convidado a apresentar as suas observações, qualquer comunicação que permitisse determinar que a Grécia tinha cumprido as obrigações decorrentes da directiva. Por isso, de acordo com a minha interpretação da petição, a Comissão entende que a demandada não adoptou nenhuma das medidas necessárias para transpor a directiva.

13.

2.

O facto de se ter apurado na audiência que a demandada, apesar de tudo, adoptou — como é também entendimento da Comissão — no decurso do processo perante o Tribunal de Justiça, algumas das medidas necessárias, não pode ter qualquer relevância para o acórdão do Tribunal de Justiça. O objecto desta decisão é unicamente a situação jurídica que existia no termo do prazo fixado pela Comissão no parecer fundamentado ( 3 ).

14. II.

A acção, cujo objecto fica assim definido, parece-me totalmente procedente, como deixa pensar a confissão da demandada na audiência, apesar de o seu conteúdo ser bastante vago. Nenhuma das informações da demandada nem qualquer dos textos por ela apresentados contém elementos susceptíveis de demonstrar que a transposição da directiva foi iniciada ou mesmo concluída dentro do prazo.

15. I.

No que respeita às informações e aos textos relativos a determinadas actividades na Grécia, era necessário verificar se estavam em conformidade com as determinações da directiva aplicáveis nos Estados-membros na qualidade de Estados de acolhimento. Contrariamente à opinião da demandada, não chega, neste aspecto, garantir apenas a igualdade de tratamento entre os nacionais gregos e os dos outros Estados-membros. As obrigações impostas pela directiva em matéria de reconhecimento de atestados emitidos no Estado de proveniência, nomeadamente quanto à honorabilidade, à declaração de inexistência de falência e à experiência profissional, vão além das obrigações decorrentes do Tratado, como evidenciam os considerandos citados. Com base nisto, observa-se o seguinte.

16. a)

No que respeita à actividade de transitário (artigo 2.°, letra A, da directiva), a demandada apresentou o Decreto presidencial n.° 453/1984 de 5 de Outubro de 1984. Nos termos do seu artigo 1.°, ele dá aplicação ao Regulamento n.° 11, de 27 de Junho de 1960 ( 4 ). Não contém as normas previstas nos artigos 4.°, 6.° e 7° da directiva em matéria de reconhecimento de documentos emitidos noutros Estados-membros atestando, nomeadamente, a honorabilidade, a inexistência de falência e a experiência profissional do interessado, pelo que não pode em caso algum considerar-se uma medida de transposição suficiente. Em boa verdade, podemos interrogar-nos sobre se tal transposição era necessária neste caso. Com efeito, o decreto presidencial não coloca qualquer condição para o acesso à actividade de agente de transportes ou para o exercício desta actividade. Na contestação, a demandada alegou que na Grécia o acesso à profissão de agente de transportes não está regulamentado, constituindo o decreto presidencial apresentado a única regulamentação neste domínio. Se isto for exacto, não existe qualquer obrigação de transposição das disposições da directiva em questão. Isso, porém, não altera em nada a apreciação que é necessário efectuar do pedido, visto que a Comissão não apresentou qualquer fundamento especial no que respeita à actividade de agente de transportes e só invocou o incumprimento da Grécia apenas na medida em que eram necessárias medidas de transposição.

17. b)

No que respeita à actividade de agente de navegação (artigo 2.°, letra A, da directiva), o Governo grego admite que é necessária a transposição das disposições da directiva, mas que está ainda por efectuar. Transmite o texto de uma circular do Ministério da Marinha Mercante (n.° 3111.9/2407 de 22 de Abril de 1988) e comunica a elaboração de um projecto de lei que permite aos cidadãos de outros Estados-membros o acesso à profissão de agente de navegação, sem discriminação relativamente aos nacionais.

18.

Na realidade, há que notar que a circular apresentada não tem a natureza jurídica que, para cumprir o disposto no artigo 189.°, n.° 3, do Tratado CEE, deve, segundo jurisprudência uniforme ( 5 ), revestir um acto de transposição. Com efeito, uma circular desta natureza não permite que o conteúdo da directiva adquira a forma de direito interno obrigatório que, além de vincular à administração, produza efeito directo relativamente a terceiros ( 6 ). Além disso, o texto da circular também não está em conformidade com o disposto na directiva. E certo que, de acordo com o conteúdo do projecto de lei apresentado pela demandada, o n.° 3 da circular dispõe que a autorização para o exercício da profissão de agente de navegação é concedida aos cidadãos dos outros Estados-membros nas mesmas condições que as fixadas nas disposições gregas em relação aos cidadãos gregos. Todavia, nada existe que possa considerar-se transposição dos regimes dé equivalência dos artigos 4.°, 6.° e 7° da directiva. Por conseguinte; a infracção da demandada fica provada quanto a este aspecto.

19. c)

No que respeita à actividade de agente de viagens [artigo 2.°, letra B, alínea a), da directiva], a situação não é diferente. A Lei n.° 393/1976, apresentada em relação a este ponto, coloca condições para esta actividade que dizem respeito tanto à honorabilidade ( 7 ) e à inexistência de falência do requerente ( 8 ), como à aptidão do. requerente ( 9 ). Isto obrigava a demandada a transpor para direito nacional os regimes de equivalência dos artigos 4.°, 6.° e 7° Ora, nada disso aconteceu. No que respeita às condições de honorabilidade e de inexistência de situação de falência, falta uma disposição que permita reconhecer outros documentos ou declarações que não 0 certificado do registo criminal (ver o artigo 4.°, n.° 1, infine, e o n.° 3 da directiva). No que respeita à prova da aptidão, havia que transpor o artigo 6.°, n.° 3, em conjugação com o artigo 7.° ; ora, também não se encontra disposição correspondente na lei apresentada.

20.

Além disso, parece-me igualmente muito duvidoso que o.artigo 3.° da lei mencionada, que regula a concessão de licenças aos gregos e aos estrangeiros, esteja em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento dos artigos 52.° e 59.° do Tratado CEE. Com efeito, no caso de um requerente grego existe a obrigação absoluta de concessão da licença ( 10 ) quando estejam preenchidas as condições do artigo 4.°; em relação aos estrangeiros, porém, a concessão da licença é deixada à apreciação das autoridades competentes ( 11 ), excepto quando o Estado de proveniência conceda aos gregos o direito a uma. licença correspondente (reciprocidade). Todavia, a questão não tem pertinência no caso presente, porque a Comissão apenas invoca a não transposição da directiva e não a violação das disposições do Tratado mencionadas.

21. d)

No que respeita à actividade de depositário (artigo 2.°, letra C, da directiva), o Governo grego apresentou o Decreto legislativo n.° 3077/1954. Nele, entre outras condições, sujeita-se a concessão da licença de exploração dos «armazéns gerais» à condição de o requerente não ter sido condenado por determinados crimes ( 12 ) e ao facto de nunca ter estado em situação de falência ( 13 ). O decreto legislativo em causa não contém, todavia, qualquer disposição que transponha o artigo 4.°, n.°s 1 e 3, da directiva. Além disso, como o ministro do Comércio pode, nos termos do artigo 4.°, n.° 8, segundo período, exigir a prova da capacidade financeira do requerente, havia igualmente que transpor o artigo 4.°, n.° 4, da directiva que regula o reconhecimento dos atestados emitidos pelas autoridades dos outros Estados-membros. Ora, isso também não foi efectuado.

22. e)

Chegamos agora à actividade de controlo ou de peritagem técnica dos veículos automóveis [artigo 2.°, letra D, alínea a), da directiva, a segur «actividade de perito de automóveis»]. De acordo com as declarações não contestadas da demandada, em geral na Grécia esta actividade não está sujeita a qualquer condição. Por isso, não era necessária qualquer transposição. Todavia, a Comissão invoca expressamente a não transposição da directiva neste domínio em relação ao qual a Grécia invoca o artigo 55.° do Tratado CEE. Trata-se da actividade de perito em acidentes de viação referida no artigo 3.° letra D (título Grécia) da directiva.

23.

Segundo informação da demandada, esta designação decorre do artigo 51.° do Código da Estrada grego. Porém, não estaria correcta porque a actividade referida no artigo 2.°, letra D, alínea a), da directiva não estaria regulamentada na Grécia e também não existiria neste país profissão com esta designação. Respeitaria apenas a determinadas peritagens. Todavia, todas estas reflexões não têm para nós qualquer relevância, porque as designações do artigo 3.° da directiva têm natureza meramente indicativa, de acordo com a redacção da parte introdutória desta disposição.

24.

O único ponto a verificar é o de saber se se aplica alguma das alternativas do artigo 2.° A actividade consiste na verificação de determinados factos efectuada para tribunais ou outras autoridades, por perito no domínio de acidentes de viação, a pedido daqueles ou de alguma das partes. O Governo grego parte manifestamente do entendimento de que esta actividade se inclui no artigo 2.° letra D, alínea a), da directiva. Sem haver necessidade de examinar em pormenor a legislação grega — a qual não foi apresentada por nenhuma das partes —, em minha opinião é suficiente constatar que, em todo o caso, uma parte das actividades incluídas na noção do artigo 2.°, letra D, alínea a) — ou seja, na medida em que se prendam com acidentes de viação — entra na noção de perito em acidentes de viação na acepção da legislação grega, tal como nos foi apresentada pela demandada.

25.

O disposto na directiva obrigava a Grécia a adoptar medidas de transposição no que respeita à actividade assim descrita. Com efeito, a elaboração de relatórios de peritagem para os tribunais e outras autoridades na qualidade de «perito em acidentes de viação» está sujeita na Grécia à inscrição numa lista, o que só acontece, de acordo com as próprias declarações da Grécia, quando o requerente possui formação técnica e científica ou experiência no domínio da viação. Exigem-se, pois, conhecimentos e aptidões técnicos que devem ser comprovados mediante formação ou experiência profissional. Por conseguinte, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da directiva, a Grécia estava obrigada a transpor para direito nacional as disposições deste artigo que definem em pormenor em que medida o exercício efectivo da actividade em causa deve ser reconhecido como prova dos conhecimentos exigidos.

26.

Parece que o Governo grego nega esta consequência^ ao afirmar que a legislação grega não respeita à actividade no seu conjunto, mas apenas a certas peritagens. Todavia, este argumento também não é pertinente, porque, segundo a sua redacção, o artigo 6.°, n.° 2, claramente não se refere apenas ao acesso à actividade em causa, mas também ao seu exercício ( 14 ). Como esse exercício está sujeito, no Estado-membro demandado, a condições restritivas — ainda que seja apenas em determinado domínio particular — deve proceder-se à transposição.

27.

Todavia, na opinião da Grécia, esta actividade inclui-se no âmbito de aplicação do artigo 55.° do Tratado CEE.

28.

Se esta opinião estivesse correcta, a directiva não abrangeria, efectivamente, tal domínio. Com efeito, assim sendo, o artigo 57.° do Tratado CEE já não constituiria a base jurídica, de tal modo que a interpretação conforme com o Tratado, que, como se sabe, prevalece sobre a declaração da invalidade, levaria a que a directiva tivesse um âmbito de aplicação mais restrito.

29.

Contudo, a actividade mencionada não se inclui no âmbito de aplicação do artigo 55.° do Tratado CEE.

30.

Em primeiro lugar, há que notar que o conceito de autoridade pública é um conceito de direito comunitário. Com efeito, ela fixa os «limites (de direito comunitário) ... para evitar que o efeito útil do Tratado (no domínio da liberdade de estabelecimento) seja eliminado por disposições unilaterais dos Estados-membros» ( 15 ). Mesmo só com este fundamento, é possível rejeitar o argumento do Governo grego apresentado na contestação, nos termos do qual as condições ligadas à noção de «autoridade pública» estão preenchidas porque, em aplicação da legislação grega, é dada a preferência, aquando da inscrição na lista, aos funcionários ou antigos funcionários. Esta objecção redunda em definir segundo critérios nacionais o âmbito de aplicação do artigo 55.° e, por isso, tendo em conta a jurispru-, dência mencionada, hão é pertinente.

31.

Poder-se-ia concluir aqui a apreciação do caso na perspectiva do artigo 55.° do Tratado CEE, porque a demandada não apresentou a este respeito qualquer outro argumento no âmbito do processo perante o Tribunal de Justiça. Todavia, resulta também da contestação que a actividade de peritagem em causa só está sujeita às disposições especiais da legislação grega na medida em que seja efectuada para os tribunais ou autoridades. Como no processo nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE o interesse público no respeito do direito comunitário pelos Estados-membros está absolutamente em primeiro plano, parece-me oportuno apreciar o artigo 55.° também desta perspectiva, apesar de a Grécia não ter apresentado para sua defesa qualquer argumento neste sentido.

32.

Até ao momento, o Tribunal de Justiça ainda não definiu, de modo geral e abstracto, o conceito de «autoridade pública» na acepção do artigo 55.° do Tratado CEE. Apreciou, no entanto, no processo Revners ( 16 ) uma situação análoga à da presente causa, caracterizada pelo facto de o Estado agir no exercício da autoridade pública por intermédio dos seus órgãos, quando a actividade controvertida do particular em causa está, de certo modo, relacionada com essa actuação do Estado. Em tal situação, a actividade do interessado apenas tem a natureza jurídica de acto público, enquanto exercício da autoridade pública, quando essa actividade «considerada em si mesma constitua uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública» ( 17 ). O Tribunal de Justiça negou que esta condição esteja preenchida em todas as actividades essenciais da profissão de advogado:

«As prestações profissionais que impliquem contactos, mesmo regulares e institucionais, com os órgãos jurisdicionais, ou até a participação, mesmo obrigatória, no respectivo funcionamento, não constituem, por esse facto, participação no exercício da autoridade pública. Em particular, não podem considerar-se participação nesta autoridade as actividades mais características da profissão de advogado, como sejam a consulta e a assistência jurídica, ou até o patrocínio e a defesa das partes em juízo, mesmo quando a constituição de advogado ou o seu patrocínio seja obrigatório ou constitua exclusivo determinado por lei» ( 18 ).

33.

O Tribunal de Justiça fornece para isto a seguinte razão:

«Com efeito, o exercício destas actividades deixa intactos a apreciação da autoridade judicial e o livre exercício do poder jurisdicional» ( 19 ).

34.

Estas reflexões são aplicáveis ao caso presente. Na falta de outros elementos, podemos partir da ideia de que na Grécia as declarações de um perito em acidentes de viação que efectua uma peritagem a pedido das autoridades ou dos tribunais não vinculam os órgãos requerentes. Trata-de, quando muito, de uma participação indirecta no exercício da autoridade pública. Esta conclusão tem tanto maior justificação quanto o Estado conserva o controlo não só da apreciação do conteúdo das diferentes peritagens, como também do exercício da actividade no seu conjunto ( 20 ).

35.

Portanto, há que rejeitar o argumento apresentado pela demandada no que respeita à actividade de perito em acidentes de viação, segundo o qual esta actividade está abrangida pelo artigo 55.° do Tratado CEE.

36.

Isto permite-me rejeitar igualmente o argumento, invocado pela demandada no processo pré-contencioso, de que determinados Estados-membros teriam declarado que a directiva não se aplica à actividade de perito em acidentes de viação, declaração essa que teriam feito incluir na acta do Conselho aquando da aprovação da directiva. Em todo o caso, como esta declaração, no que respeita à Grécia, não é compatível nem com o artigo 55.° nem com o texto da directiva, o seu conteúdo é contrário ao direito comunitário. Mesmo sem ter em conta o seu caracter unilateral ( 21 ), ela é, portanto, irrelevante.

37.

Apenas para ser exaustivo, devo sublinhar que, segundo o Tratado, a Grécia não tem o direito de reservar aos seus nacionais a actividade de perito em acidentes de viação. Se á preferência atribuída aos funcionários e antigos funcionários na inscrição na lista acima referida tivesse tal consequência — o que é, porém, contestado pela' demandada —, isso constituiria outra violação do Tratado, a qual, porém, não é, enquanto tal, objecto da presente acção. A transposição correcta da directiva pressupõe logicamente que deve ser eliminada qualquer discriminação relativa aos cidadãos de outros Estados-membros.

38.

Por conseguinte, há que declarar, em suma, e como defende a Comissão, a existência de uma infracção da demandada também no que respeita à actividade de perito em veículos automóveis [artigo 2.°, letra D, alínea a), da directiva].

39. f)

Não houve, em relação a nenhuma das actividades tratadas perante o Tribunal de Justiça [ver supra, as alíneas a) a e)] cujo exercício está sujeito a condições de aptidão, transposição do artigo 5.° da directiva que respeita à informação dos interessados acerca das referidas condições.

40. 2.

No que respeita às obrigações dos artigos 4.°, n.° 6, e 7.°, n.° 4, da directiva impostas aos Estados-membros na qualidade de Estados de proveniência, que consistem em designar as autoridades competentes para a emissão dos documentos referidos no artigo 4.°, n.os 1 a 5, 6.° e 7.°, n.os 1 e 2, há que declarar que o Governo grego não comunicou qualquer disposição legal que vise transpor estas normas. Apenas precisou, a pedido do Tribunal de Justiça, que a direcção encarregada das relações com as Comunidades Europeias tem competência para passar atestados aos interessados que querem exercer uma actividade no território de outro Estado-membro, com base em diplomas que atestem a sua aptidão, bem como em certificados de organismos profissionais competentes e dos serviços fiscais, etc. A direcção referida foi designada no âmbito das negociações de adesão a pedido da Comissão, tendo em conta a sua comunicação de 13 de Julho de 1974 ( 22 ). Em primeiro lugar, não existe qualquer medida com a forma jurídica exigida para a transposição das directivas. Em segundo lugar, a designação da direcção em causa como autoridade competente, que a demandada invoca, não tem qualquer conexão com os atestados na acepção da Directiva 82/470, de que aqui se trata ( 23 ). Quando, na tréplica, o Governo grego remete para a competência de determinadas autoridades para aceitar os certificados, ignora, em meu entender, que o objecto da directiva não é esse. As obrigações que resultam para os Estados-membros dos artigos 4.°, n.° 6, e 7.°, n.° 4, da directiva dizem-lhes respeito enquanto Estados de proveniênáa, isto é, que emitem os atestados que os Estados de acolhimento devem aceitar. A competência das autoridades que aceitam os atestados rege-se pela legislação dos Estados de acolhimento relativa às actividades em causa. As declarações da demandada na audiência deixam pensar que, entretanto, aceitou este entendimento.

41.

3. Apesar disso, há que declarar que a demandada não adoptou, no prazo fixado, as medidas necessárias para transpor a Directiva 82/740. Em relação às «reservas» que a demandada diz ter feito incluir na acta do Conselho sob a forma de uma declaração (n.° 7889/82. ETS 40), reservas essas que teriam igualmente sido objecto de declaração comum do Conselho e da Comissão, entendo que, não se conhecendo o conteúdo exacto dessas declarações, não há que examinar esse ponto.

42.

O facto de circunstâncias internas, como a repartição das diferentes competências, ter podido dificultar a acção da demandada para o cumprimento das suas obrigações comunitárias no prazo fixado também não é relevante segundo jurisprudência uniforme.

Conclusão

43.

Concluo propondo que o Tribunal:

«1)

Declare que, ao não ter adoptado, no prazo fixado, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 82/470/CEE do Conselho, de 29 de Junho de 1982, relativa a medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços das actividades não assalariadas em determinados serviços auxiliares dos transportes e das agências de viagens (grupo 718 CITI) bem como nos entrepostos (grupo 720 CITI), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE;

2)

condene a República Helénica nas despesas.»


( *1 ) Língua original: alemão.

( 1 ) JO L 213;EE 06 F2 p. 139.

( 2 ) Comparar: o acórdão de 21 de Junho de 1988, Comissão//Bélgica (283/86, Colect., p. 3271); o acórdão de 12 de Julho de 1988, Comissão/Itália (310/86, Colect., p. 3987).

( 3 ) Neste sentido vai a jurisprudência uniforme em matéria de transposição das directivas: ver, por exemplo, o acórdão de 8 de Novembro de 1990, Comissão/Grécia, n.° 8 (C-53/88, Colect., p. I-3941).

( 4 ) Regulamento do Conselho relativo à supressão de discriminações cm matéria de preços c condições de transporte, cm execução do disposto no n.° 3 do artigo 79.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (JO 1960, 52, p. 1121; EE 07 E1 p. 32).

( 5 ) Ver, por exemplo, o acórdão de 2 de Dezembro de 1986, Comissão/Bélgica, n.° 7 (239/85, Colea., p. 3645).

( 6 ) Ver o acórdão de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, n.° 20 (361/88, Colect., p. I-2567).

( 7 ) Ver o artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da lei que exige que o interessado não tenha sido condenadoa pena de prisão superior a três meses em relação a determinados crimes, devendo a prova fazer-se através de um certificado do registo criminal.

( 8 ) Ver o artigo 4.°, n.° 2, alínea b), que exige um atestado correspondente emitido pela secretaria do tribunal de primeira instância competente.

( 9 ) Ver o artigo 4.°, n.° 1, alínea e), e o n.° 2, alínea d), que para a prova dos conhecimentos gerais (comparar com o artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 82/470) exige o diploma final de um determinado ano do ensino secundário.

( 10 ) Ver o n.° 2: «Esta licença é concedida...» (sublinhado nosso).

( 11 ) Ver o n.° 3 : «Uma licença correspondente pode... ser concedida» (sublinhado nosso).

( 12 ) Ver o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da lei.

( 13 ) Ver o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da lei.

( 14 ) Este vasto âmbito de aplicação presta-se não apenas å realização da livre prestação de serviços, mas também à da liberdade de estabelecimento. Ver o acórdão de 18 de Junho de 1985, Steinhauser/Ville de Biarritz, n.° 16 (147/84, Recueil, p. 1819).

( 15 ) Acórdão de 15 de Março de 1988, Comissão/Grécia, n.° 8 (197/86, Colect., p. 1637).

( 16 ) Acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners/Bélgica (2/74, Recueil, p. 631).

( 17 ) Acórdão no processo Reyners, loc. cit., n.°s 45 e 54, bem como o n.° 2 da parte decisória; confirmado pelo acórdão de 31 de Dezembro dc 1989, Comissao/Itália (C-3/88, Colect., p. 4035).

( 18 ) Acórdão no processo Reyners, loc. cit., n.°s 51 e seguintes.

( 19 ) Acórdão no processo Reyners, loc. cit., n.° 53.

( 20 ) Ver quanto a este aspecto o acórdão no processo 147/86, loc. cit., n.° 10.

( 21 ) Ver, quanto a esce ponto, o acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/Dinamarca, n.° 12 e seguintes (143/83, Recueil, p. 427).

( 22 ) Relativa à prova, declarações e atestados previstos nas directivas adoptadas pelo Conselho antes de 1 de Junho de 1973 no domínio da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços e relacionados com:

a honorabilidade,

a inexistência de situação de falência,

a natureza e a duração das actividades profissionais exercidas nos países de proveniência. (JO 1974, C 81, p. 1).

( 23 ) Comparar a lista das directivas a que se aplica a comunicação da Comissão — ver a nota anterior —: anexo 2 da comunicação.