CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

GIUSEPPE TESAURO

apresentadas em 7 de Maio de 1991 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Através da presente acção a Comissão pede que o Tribunal de Justiça declare que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 59.° e 60.° do Tratado CEE e da Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre circulação de serviços pelos advogados ( 1 ) (a seguir «directiva»).

Mais especificamente, a Comissão contesta as disposições do Decreto n.° 79-233 ( 2 ) (a seguir «decreto») que limitam o âmbito de aplicação da regulamentação comunitária, tornam extensiva, para além do que será permitido, a obrigação do advogado prestador de serviços de actuar de concerto com um advogado local e, finalmente, prevêem a aplicação, mesmo em relação aos beneficiários da directiva, das disposições que na ordem jurídica francesa prevêem a exclusividade territorial do tus postulandi.

2. 

Deter-me-ei apenas brevemente sobre as primeiras duas arguições que não são contestadas pelo Governo francês e cuja procedência me parece evidente.

Com efeito, a Comissão tem bons fundamentos para deduzir que o artigo 126-2, primeiro parágrafo, do decreto é contrário ao artigo 1.° da directiva, na medida em que, referindo-se aos advogados nacionais dos Estados-membros estabelecidos no seu país de origem, parece excluir do seu âmbito de aplicação, em desconformidade com o que vem previsto na directiva, os advogados de nacionalidade francesa estabelecidos noutro Estado-membro.

Por isso, mesmo que, como resulta da formulação de outras disposições do decreto (ver, por exemplo, o artigo 126-1), tal exclusão se afigure involuntária e provavelmente fruto de um lapso do legislador, uma elementar exigência de certeza do direito impõe, não obstante, que a norma em questão seja alterada.

3. 

A Comissão salienta, em segundo lugar, que o artigo 126-3, quinto parágrafo, do decreto, ao prescrever a obrigação de o prestador de serviços actuar de concerto com um advogado local, mesmo perante organismos e autoridades que não desempenham funções jurisdicionais e em processos em relação aos quais o direito francês não exige a intervenção obrigatória de um advogado, é contrário ao artigo 5.° da directiva, que prevê, ao invés, a possibilidade de impor tal obrigação apenas para o exercício das actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo.

Também esta arguição mostra ter fundamento. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 5.° da directiva não pode ter como efeito sujeitar o advogado prestador de serviços a condições que não têm equivalência nas regras profissionais que seriam aplicáveis caso não existisse qualquer prestação de serviços na acepção do Tratado e, por outro lado, nenhuma consideração de interesse público pode justificar, no que se refere às acções judiciais em relação às quais não se prescreve a intervenção obrigatória de advogado, a obrigação de actuar de concerto com um colega que exerça perante o órgão jurisdicional chamado a decidir ( 3 ).

4. 

A terceira arguição formulada pela Comissão, diferentemente das duas primeiras, é contestada pela demandada.

Para compreender bem o alcance da acusação torna-se necessário uma breve introdução. Em França, como nalguns outros Estados-membros, vigora o princípio da territorialidade do ius postularteli, segundo o qual o advogado, mesmo estando habilitado a exercer a sua actividade de assistência jurídica em todo o território nacional, só pode representar a parte em juízo, portanto, praticar os necessários actos processuais na qualidade de mandatário ad litem, perante o tribunal de grande instance no qual está inscrito.

Esta limitação, que abrange, em termos gerais, todos os advogados estabelecidos no território francês, tornou-se aplicável aos prestadores de serviços estabelecidos nos outros Estados-membros pelo artigo 126-3, quarto parágrafo, do decreto, nos termos do qual, para poder exercer o patrocínio ou praticar os actos processuais em matéria cível, o advogado deve fazer-se assistir, quando a sua presença é obrigatória, por ura advogado inscrito no foro do tribunal de grande instance chamado a decidir ou, no que se refere à cour d'appel, por um «avoué» inserito neste último tribunal.

5. 

A Comissão, mesmo reconhecendo que, tal como vem previsto no artigo 5.° da directiva, é lícito exigir que o advogado prestador de serviços actue de concerto com um colega inscrito no órgão jurisdicional chamado a decidir ( 4 ), não considera conforme com o direito comunitário a proibição imposta ao profissional estabelecido num outro Estado-membro de representar a parte em juízo praticando os necessários actos processuais.

6. 

A República Francesa replica que a norma da exclusividade territorial do ius postulandi, tal como é aplicada em França, é plenamente justificada na medida em que visa assegurar o bom funcionamento da administração da justiça, garantindo um contacto permanente do advogado com o juiz e permitindo ao advogado local seguir as diferentes fases do processo a fim de poder cumprir as obrigações que lhe incumbem perante o órgão jurisdicional.

A demandada acrescenta depois que, no acórdão proferido no processo 427/85 ( 5 ), o Tribunal de Justiça não entendeu censurar a exclusividade territorial do ius postulandi como tal, mas apenas algumas modalidades particularmente vexatórias, não justificadas por exigências objectivas.

7. 

Direi seguidamente que a tese sustentada pelo Governo francês não me parece corresponder a uma correcta leitura das disposições do Tratado.

Nos termos do artigo 59.°, todas as restrições à livre prestação de serviços devem ser suprimidas, a fim de permitir, nomeadamente, aos prestadores de serviços, tal como prescreve o artigo 60.°, terceiro parágrafo, exercerem a sua actividade nos países em que a prestação é fornecida nas mesmas condições impostas pelo referido país ao seus próprios cidadãos.

Todavia, estas disposições, que têm principalmente como objectivo de permitir ao prestador de serviços exercer a sua actividade no Estado-membro de acolhimento sem ser objecto de qualquer discriminação, não implicam que toda a regulamentação nacional aplicável aos cidadãos do Estado de acolhimento, referente, em regra, a uma actividade permanente das pessoas aí estabelecidas, possa ser integralmente aplicável também a actividades de carácter temporário exercidas por pessoas estabelecidas noutros Estados-membros ( 6 ).

Ora, como o Tribunal de Justiça observou no processo 427/85 ( 7 ), o princípio da exclusividade territorial faz parte de uma regulamentação nacional que se refere, em regra, a uma actividade permanente dos advogados estabelecidos no território do Estado-membro interessado, que têm todos o direito de estar inscritos num órgão jurisdicional e de nele exercer todas as actividades necessárias à representação e à defesa dos seus clientes. Em consequência, tal princípio não é aplicável a actividades de natureza temporária exercidas por advogados estabelecidos noutros Estados-membros, dado que estes se encontram, sob esse aspecto, em condições de direito e de facto fundamentalmente diversas.

8. 

Depois, no que respeita às razões invocadas pela demandada, devo recordar que objecções análogas tinham sido apresentadas pelo Governo alemão no citado processo 427/85 e rejeitadas pelo Tribunal de Justiça.

Em particular, quanto à necessidade de garantir que o advogado que representa a parte em juízo tenha os necessários contactos com o juiz, o Tribunal de Justiça afirmou várias vezes que os actuais meios de transporte e de comunicação oferecem já a possibilidade de garantir de maneira idônea os contactos do advogado com as autoridades judiciárias e com os clientes ( 8 ).

9. 

É certo que as preocupações expressas pelo Governo francês são de qualquer forma dignas da máxima atenção, uma vez que é inegável que um dos deveres primários de um Estado de direito é precisamente o de garantir o bom funcionamento da administração da justiça.

Em tal óptica, não se pode assim ignorar a exigência de que seja assegurada ao juiz, para além do auxílio prestado pelos mais modernos meios de telecomunicação, a possibilidade de comunicar de maneira fácil e expedita com os advogados das panes, a fim de assegurar uma rápida tramitação do processo, com respeito pelo princípio do contraditório.

Mas, se isto é verdadeiro, parece-me que os contactos adequados entre o juiz e o advogado podem ser assegurados, ainda a fim de evitar práticas dilatórias ou atrasos objectivos, mediante uma previsão menos onerosa para o prestador de serviços como, por exemplo, a obrigação de escolher domicílio no escritório do colega local com o qual actua de concerto.

10. 

Aliás, a própria Comissão, expressamente perguntada a este respeito, declarou na audiência, confirmando aliás uma posição já expressa no processo 427/85 ( 9 ), considerar aceitável, ainda que como possibilidade extrema, a imposição de uma obrigação de escolha de domicílio.

Recordo ainda que também o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça parece preocupar-se com as exigências acima referidas, ao impor ao recorrente que escolha domicílio no lugar da sede do Tribunal de Justiça (artigo 38.°, n.° 2) ( 10 ).

Tal previsão parece-me, assim, adequada para efeitos de assegurar uma eficaz e correcta tramitação dos processos judiciários sem criar entraves inúteis à livre prestação de serviços.

11. 

Finalmente, no que diz respeito à responsabilidade do advogado local perante as autoridades judiciárias, o Tribunal de Justiça já salientou, no processo 427/85, várias vezes citado, que, em princípio, o advogado prestador de serviços e o colega escolhido como colaborador local, ambos sujeitos às normas deontológicas vigentes no Estado-membro de acolhimento, devem ser considerados capazes de definir em conjunto, no respeito por essas regras deontológicas e no exercício da sua autonomia profissional, as modalidades de cooperação adequadas ao mandato que lhes foi confiado.

Portanto, se o legislador nacional pode definir o âmbito normativo geral da cooperação, é todavia necessário que as obrigações derivadas de tais normas não sejam desproporcionadas no que se refere à finalidade do dever de concertação, que é o de colocar o prestador de serviços em situação de cumprir as tarefas que lhe são confiadas pelo cliente no respeito do bom funcionamento da justiça.

Nesta perspectiva, não é lícito impor que o advogado local seja mandatário ad litem ou defensor no processo e que assine os actos processuais, com efeito, tais condições não se afiguram nem indispensáveis nem úteis para assegurar ao prestador de serviços o apoio necessário ( 11 ).

12. 

A luz das considerações acima desenvolvidas sugiro, portanto, ao Tribunal de Justiça que:

1)

declare que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe são impostas pelos artigos 59.° e 60.° do Tratado CEE e pela Directiva 77/249/CEE do Conselho, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados:

ao excluir do benefício dos direitos derivados da directiva os cidadãos franceses que exercem a profissão de advogado num Estado-membro diverso da República Francesa;

ao impor ao advogado prestador de serviços a obrigação de actuar de concerto com um advogado estabelecido no território francês mesmo nos casos em que não é prescrita a intervenção obrigatória de um advogado;

ao sujeitar o advogado prestador de serviços ao princípio da exclusividade territorial do ius postularteli;

2)

condenar a demandada nas despesas;

3)

declarar que a parte interveniente suportará as suas próprias despesas.


( *1 ) Língua original: italiano.

( 1 ) JO L 78, p. 17; EE 06 Fl p. 224.

( 2 ) JORF dc 23.3.1979.

( 3 ) Acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, n.(tm) 13 e 14 (427/85, Colea., p. 1123).

( 4 ) Ver também, no mesmo sentido, acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, já citado nota 3, n.° 43. Noie-se que a Alemanha interveio no processo em apoio da demandada considerando erradamente que a Comissão n3o aceitava a tese segundo a qual o colega do país devia estar inserito no órgão jurisdicional chamado a decidir.

( 5 ) Acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, ja citado nota 3.

( 6 ) Acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, n.° 16 (279/80, Recueil, p. 3305).

( 7 ) Acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, já citado nota 3, n.os 41 e 42.

( 8 ) Acórdio de 12 de Julho de 1984, Klopp, n.° 21 (107/83, Recueil, p. 2971); acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, ja citado nota 3, n.° 28.

( 9 ) Ver relatório para audiência no processo 427/85, Comissão/Alemanha, jà eludo nou 3, p. 1134.

( 10 ) Note-se que também a nova versão do Regulamento de Processo, em vias de publicação no Jornal Oficial, previ uma tal escolha de domicilio, embora deixando de sancionar a inobservancia com o näo recebimento da petição.

( 11 ) Acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, ja ciudo nou 3, n.os 24 a 26.