CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

WALTER VAN GERVEN

apresentadas em 25 de Setembro de 1990 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

A questão jurídica que o Hoge Raad der Nederlanden apresentou ao Tribunal respeita aos artigos 4.° e 5.° da Sexta Directiva IVA ( 1 ). O Hoge Raad pergunta ao Tribunal se a atribuição de um direito real (no caso em apreço, um direito de superfície) sobre um bem imóvel por um período determinado e mediante o pagamento periódico de determinada quantia, pode ser considerada uma actividade económica, de modo que aquele que atribui o direito real deve ser considerado um sujeito passivo na acepção do artigo 4.° da directiva, mesmo quando a transacção referida deva ser considerada uma entrega de um bem na acepção do artigo 5.° da directiva.

Os factos

2.

Começarei a exposição por um pequeno resumo dos factos que estão na base da decisão do juiz do reenvio. W. M. van Tiem (a seguir «van Tiem») comprou um terreno para construção em 29 de Setembro de 1990. Por esta transacção foi tributado em 10677,97 HFL a título de imposto sobre o volume de negócios. Imediatamente após esta compra, van Tiem constituiu em favor da sociedade BV «Tiem's Electro Technisch Installatiebureau» um direito de superficie sobre o terreno, por um período de dezoito anos e mediante o pagamento da quantia anual de 3000 HFL (incluindo o imposto sobre o volume de negócios). Em 20 de Outubro de 1980, van Tiem solicitou à administração fiscal neerlandesa que o excluísse, a partir de 29 de Setembro de 1980, do benefício da isenção que se aplicava, nos termos da legislação neerlandesa, pela atribuição de um direito de superfície ( 2 ). A administração fiscal deferiu o pedido de van Tiem, considerando que o mesmo respeitava à locação do bem imóvel em causa. Posteriormente, van Tiem apresentou uma declaração para aplicação do imposto sobre o volume de negócios, na qual compensou o imposto sobre o volume de negócios que tinha pago no momento da compra do terreno. O litígio no processo principal resulta do facto de a administração fiscal neerlandesa ter recusado essa compensação.

Nos termos da Wet op de omzetbelasting 1968 (lei neerlandesa relativa ao imposto sobre o volume de negócios), alterada em 1978, no âmbito da transposição da Sexta Directiva, van Tiem tem direito à compensação quando agir na qualidade de «operador económico», tanto no respeitante à compra do terreno como à atribuição do direito de superfície. No processo principal, a administração fiscal é de opinião diferente. Para maior clareza, devo ainda acrescentar que, para justificar a sua qualidade de «operador económico», van Tiem só pode mencionar as operações jurídicas atrás referidas, com exclusão de qualquer outra actividade.

3.

O litígio que opõe as partes no processo principal não respeita (tanto) à questão de saber se van Tiem deve ser considerado um operador económico devido à compra do terreno, mas se o pode ser devido à atribuição do direito de superfície. O fundamento de anulação que van Tiem invoca no processo principal baseia-se no artigo 7°, n.° 2, alinea b), da Wet op de omzetbelasting, que tem a seguinte redacção:

«Considera-se também empresa para efeitos da presente lei:

a)

...

b)

a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo a fim de auferir receitas com carácter de permanência.»

Van Tiem alega especialmente que a atribuição do direito de superfície, nas condições acima descritas, deve ser considerada a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, de modo que ele deve ser considerado um operador económico tendo direito à compensação.

As questões prejudiciais

4.

O artigo 7°, n.° 2, da Wet op de omzetbelasting destinava-se a transpor a Sexta Directiva, mais precisamente o seu artigo 4.°, n.° 2. Foi esta a razão pela qual o Hoge Raad apresentou ao Tribunal de Justiça três questões relativas à interpretação da Sexta Directiva. Essas questões têm a seguinte redacção:

«1)

O disposto na última frase do n.° 2 do artigo 4.° da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o facto de o proprietário de um bem imóvel ceder a fruição do referido bem a outra pessoa durante um determinado período e mediante o pagamento de uma retribuição periódica, concedendo a essa pessoa, durante o referido prazo e mediante a aludida retribuição, um direito real de gozo, neste caso um direito de superfície, constitui a exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, na acepção da referida disposição da directiva?

2)

Na medida em que um Estado-membro tenha utilizado a possibilidade que lhe confere a alínea b) do n.° 3 do artigo 5.° da Sexta Directiva, de considerar bens corpóreos os direitos reais de gozo contemplados nesta disposição, deve interpretar-se o n.° 1 deste artigo no sentido de que o conceito de entrega de um bem nele utilizado abrange a constituição de um direito deste tipo?

3)

A resposta à primeira questão é diferente se a resposta à segunda questão for afirmativa?»

5.

Estas questões dizem respeito ao âmbito de aplicação do IVA, tal como é definido na Sexta Directiva. Nos termos do artigo 2°, n.° 1 da directiva, estão sujeitas ao IVA as «entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso... por um sujeito passivo agindo nessa qualidade». Resulta desta disposição que, para que o imposto seja devido, é necessário um sujeito passivo e uma operação tributável. O primeiro conceito está definido no artigo 4.° da Sexta Directiva, e o segundo nos seus artigos 5.° a 7° A primeira questão prejudicial diz respeito à interpretação do conceito de «sujeito passivo», que corresponde ao de «operador económico» na Wet op de omzetbelasting. Nas segunda e terceira questões prejudiciais pergunta-se se a definição do conceito «entrega de um bem» (que é uma das operações tributáveis citadas na directiva) pode influenciar a aprecição da qualidade de «sujeito passivo».

A primeira questão

6.

O artigo 4.°, n.o 1, da Sexta Directiva considera sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma actividade económica, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade. O conceito de «actividade económica» está definido no n.o 2 do mesmo artigo 4.°, ao qual corresponde, como foi dito, o artigo 7.°, n.o 2, da Wet op de omzetbelasting. Este conceito abrange:

«todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços... A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caracter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica».

As partes no processo principal não contestam o facto de as operações atrás descritas serem actividades independentes e que van Tiem deve ser considerado, por esta razão, comerciante ou prestador de serviços. A questão a responder é, deste modo, se a compra do terreno e a constituição do direito de superfície devem ser consideradas, conjunta ou separadamente, uma «actividade económica».

7.

Quais são, a este respeito, os elementos de referência na jurisprudência? Em primeiro lugar, o Tribunal sublinhou várias vezes que o artigo 4.° da Sexta Directiva se destinava a dar um âmbito de aplicação muito lato ao IVA ( 3 ). Com efeito, o sistema do IVA visa garantir uma neutralidade absoluta através da tributação tão geral quanto possível de todas as fases da produção, da distribuição e da prestação de serviços; o conceito de «actividade económica» deve, deste modo, ser interpretado amplamente, tendo em consideração esse princípio de neutralidade ( 4 ).

A última frase do artigo 4.°, n.° 2, que cita como exemplo de actividade económica a «exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência», deve igualmente ser interpretada à luz destas observações. O acórdão Rompelman ( 5 ), no qual os factos apresentavam uma certa semelhança com os do processo ora vertente, contém determinadas indicações interessantes para a interpretação dessa expressão.

8.

O acórdão Rompelman dizia respeito à aquisição de um direito de crédito relativo à transferência futura do direito de propriedade sobre uma parte de um imóvel ainda a construir com a intenção de o dar em locação. Do mesmo modo que no litígio no presente processo, o imposto sobre o volume de negócios tinha sido pago aquando da entrega do bem imóvel e a administração fiscal tinha, em seguida, recusado a compensação do imposto. O Tribunal tinha sido solicitado a declarar se a aquisição desse direito de crédito podia ser considerada uma actividade económica (mais exactamente como a exploração de um bem imóvel) nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva, dando direito à dedução (e à compensação). Depois de ter analisado as características fundamentais do sistema IVA, o Tribunal respondeu afirmativamente a essa questão.

O Tribunal recordou, no seu acórdão, que o regime das deduções se destinava a aliviar totalmente o operador económico do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas; isso permite garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, independentemente do fim ou do resultado dessas actividades ( 6 ). No que respeita mais precisamente à questão de saber em que momento se inicia a exploração de um bem imóvel, o Tribunal sublinhou que as actividades económicas referidas no artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva podem consistir em vários actos consecutivos, tais como a compra de um bem imóvel; essas actividades preparatórias devem já ser consideradas actividades económicas ( 7 ). Essa opinião foi especificada do seguinte modo:

«... O princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal da empresa exige que as primeiras despesas de investimento efectuadas por necessidades e para constituição da empresa sejam consideradas actividades económicas. Seria contrário a esse princípio que as referidas actividades só começassem no momento em que um bem imóvel é efectivamente explorado, ou seja, no momento em que surge o lucro tributável. Qualquer outra interpretação do artigo 4.° da Sexta Directiva oneraria o operador económico com o custo do IVA no âmbito da sua actividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir: e faria uma distinção arbitrária entre as despesas de investimento antes e durante a exploração efectiva de um bem imóvel. Mesmo nas circunstâncias em que, após exploração efectiva de um bem imóvel, é prevista uma restituição do imposto pago a montante pelos actos preparatórios, um encargo financeiro oneraria o bem durante um lapso de tempo, por vezes considerável, entre as primeiras despesas de investimento e a exploração efectiva. Qualquer pessoa que faça esses investimentos estreitamente ligados e necessários à exploração futura de um bem imóvel deve, por conseguinte, ser considerado sujeito passivo nos termos do artigo 4.°» ( 8 ).

9.

Para o presente processo, os elementos a extrair do acórdão Rompelman são os seguintes. Em primeiro lugar: a compra de um bem imóvel com vista à sua exploração ulterior (por exemplo, pela sua locação) deve já ser considerada uma actividade económica, de modo que a compra confere ao comprador a qualidade de sujeito passivo e o direito de deduzir o imposto pago no momento da entrega do bem. Em segundo lugar: o princípio da neutralidade do IVA tem por efeito que as actividades económicas referidas no artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva podem abranger diferentes operações sucessivas. Daqui decorre que o acto de investimento (a compra do bem) e a exploração posterior näo podem ser considerados separadamente, de onde resulta que, no âmbito da exploração, o interessado pode ter direito à compensação do imposto pago a título do acto de investimento.

10.

O acórdão Rompelman não diz expressamente o que se deve entender por «exploração» de um bem imóvel. No entanto, não deixa subsistir dúvidas quanto ao facto de a locação de um bem imóvel dever ser considerada a exploração desse bem. Com efeito, a parte decisória do acórdão declara que a aquisição de um direito de crédito relativo à transferência futura do direito de propriedade sobre uma parte de um bem imóvel com a intenção de a dar em locação no momento oportuno deve ser considerada uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 1, e isto a partir do momento da compra do bem. O facto de a locação ser considerada implicitamente, mas seguramente, uma exploração resulta também da passagem do acórdão relativo à isenção do IVA sobre a locação, prevista pelo artigo 13.°-B, alínea b), da Sexta Directiva. O mesmo acórdão especifica que o locador tinha utilizado o seu direito de optar pela tributação da locação de bens imóveis, previsto pelo artigo 13.°-C, e daí deduz que o comprador de um bem imóvel, que a seguir o aluga, deve ser considerado um sujeito passivo a partir do momento da compra ( 9 ).

O litígio no processo principal diz respeito não à locação de um bem imóvel, mas à atribuição de um direito de superfície sobre esse bem. Ora, não há qualquer razão para não considerar a cedência desse poder de utilização como exploração desse bem. Como no caso da locação, o proprietário procura, pela constituição de um direito de superfície, auferir receitas do seu bem. Assim, é contrário ao princípio da neutralidade do imposto restringir o conceito de «exploração» de um bem à locação desse bem e beneficiar, deste modo, um determinado conceito jurídico em relação a outras operações jurídicas ( 10 ). Como os governos neerlandês e britânico observaram, com razão, o conceito de «exploração» deve, assim, ser considerado como referindo-se a todas as operações, independentemente da sua forma jurídica, que se destinam a auferir receitas do bem em questão. A concessão de um direito de superfície sobre um terreno para construção por um período de dezoito anos tem incontestavelmente por objectivo auferir receitas «com carácter de permanência», nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

11.

O acórdão do Gerechtshof de Arnhem, que van Tiem impugnou perante o Hoge Raad, declarava, no entanto, que a constituição de um direito de superfície não podia ser considerada a «exploração de um bem pelo seu proprietário, porque no direito neerlandês aquele a favor de quem o direito de superfície é constituído, adquire o poder de dispor desse bem, de modo que é o titular do direito de superfície, e não o proprietário, que explora o bem. Em direito comunitário esta tese não me parece exacta. O facto de o titular do direito de superfície poder (em direito nacional) «dispor» do bem imóvel, por exemplo, aí construindo, não impede que, pela constituição de um direito de superfície, o proprietário do bem imóvel explore esse bem na acepção do artigo 4.° da Sexta Directiva: com efeito, o proprietário cede por um determinado período o seu poder de disposição sobre o bem mediante uma retribuição periódica. Neste sentido, ele «explora» o seu bem. Noutros termos, o termo «exploração» é um conceito comunitário, o que significa que, para aplicação do IVA, o direito (civil) nacional não pode ter por efeito que, em função da natureza do direito de dispor do bem, que o titular do poder de disposição adquire por força do direito nacional, determinadas formas de exploração sejam consideradas actividade económica e outras não. A posição do Gerechtshof teria precisamente por efeito ligar o conceito comunitário de «exploração» a um conceito de direito nacional, que é diferente pelo seu objectivo e conteúdo, e prejudicar, assim, o princípio da neutralidade do IVA ( 11 ).

12.

Por último, é ainda necessário examinar um aspecto suscitado pela Comissão no âmbito da primeira questão prejudicial : a qualidade de sujeito passivo está subordinada ao exercício a título habitual da actividade económica? Esta condição era prevista pela Segunda Directiva ( 12 ), mas não figura no artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Direttiva. Ora, como a Comissão observa acertadamente, deve admitir-se que esta condição é, em princípio, ainda aplicável. Com efeito, o artigo 4.°, n.° 3, permite aos Estados-membros considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação que releve das actividades referidas no n.o 2. Essa disposição não teria qualquer sentido se a regra do n.° 1 fosse aplicável às actividades económicas efectuadas a título ocasional.

A Comissão observa também com razão que, através do artigo 4.°, n.° 3, o legislador comunitário procurou garantir uma melhor neutralidade do imposto tornando extensiva a qualidade de sujeito passivo às pessoas que exerçam actividades económicas a título ocasional. O mesmo objectivo preside também à última frase do artigo 4.°, n.° 2: a exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência deve ser considerada uma «actividade económica» que confere a qualidade de sujeito passivo. Concordo com a opinião da Comissão segundo a qual o carácter habitual da actividade pode, nesse caso, ser deduzido da intenção de auferir, em relação a esse bem, receitas com carácter de permanência, por outras palavras, o elemento da permanência inclui também o do carácter habitual.

As segunda e terceira questões

13.

Como já foi dito, o conceito de «operação tributável» é definido em pormenor nos artigos 5.° a 7° da Sexta Directiva. O primeiro tipo de operações tributáveis é a entrega de um bem, definida no artigo 5.°, do seguinte modo:

«a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário».

O n.° 3, alínea b), do mesmo artigo permite aos Estados-membros considerarem bens corpóreos :

«os direitos reais que conferem ao respectivo titular o poder de utilização sobre bens imóveis»

O legislador neerlandês utilizou essa faculdade no artigo 3.°, n.° 2, da Wet op de omzetbelasting. A este respeito, o Hoge Raad procura saber, através da segunda questão, se o artigo 5.°, n.° 1, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «entrega de um bem» utilizado inclui também a constituição de um poder de utilização sobre esse bem, enquanto direito real.

14.

O recente acórdão Safe ( 13 ) respeitava ao conceito de entrega; nesse acórdão, o Tribunal esclareceu que a noção de «entrega» de um bem não se refere à transferência de propriedade nas formas previstas pelo direito nacional, abrangendo toda e qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confere à outra parte o direito de dispor dele, de facto, como se /osse o proprietário desse bem ( 14 ). Compete ao juiz nacional estabelecer, em cada caso concreto e com base nas circunstâncias do caso que analisa, se há transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como um proprietário (trata-se de um poder de disposição material, que pode ter um sentido mais lato do que a propriedade jurídica) ( 15 ).

No caso da constituição de um poder de utilização, direito real, sobre um bem imóvel, a situação é um pouco diferente quando um Estado-membro utilizou a possibilidade de escolha, permitida pelo artigo 5.°, n.° 3, alínea b). Se os Estados-membros optam pela equiparação (facultativa) dos poderes de utilização, direito real, sobre bens imóveis a bens corpóreos, essa equiparação destina-se a considerar, no respeitante à cobrança do imposto sobre o volume de negócios, operações (isto é, a constituição de um poder de utilização, direito real, sobre um bem imóvel) economicamente semelhantes à entrega de um bem imóvel, como essa entrega. A este respeito, o artigo 5.° não faz qualquer distinção consoante a natureza do poder de utilização (desde que se trate de um poder de utilização enquanto direito real) ou consoante o alcance dos poderes conferidos pelo direito sobre o bem imóvel. Noutros termos, devido à equiparação (facultativa), a constituição do poder de utilização, direito real, é qualificada imediatamente de entrega, sem ser necessário tomar em consideração, ao aplicar as referências contidas no acórdão Safe, as prerrogativas conferidas pelo poder de utilização sobre o bem em causa.

Para ser completo, acrescentarei que, quando o direito real constituído é um direito real sobre um outro direito real, por exemplo, um usufruto ou uma hipoteca sobre um direito de superfície, nos termos do qual o titular do direito não pode dispor do direito citado em segundo lugar como um proprietário, é necessário aplicar as indicações contidas no acórdão Safe. Com efeito, numa situação desse tipo — não me parece que essa situação exista no processo principal —, o titular não pode, nos termos do artigo 5.° da directiva, ter um poder de disposição, direito real, equiparado a um bem corpóreo, como um proprietário.

15.

Através da terceira questão, o Tribunal a quo pretende saber se, pressupondo que, em resposta à segunda questão, a constituição de um direito de superfície deve ser considerada uma entrega, o proprietário do bem pode ainda ser considerado explorador do bem imóvel em questão e, assim, sujeito passivo nos termos do artigo 4.° da Sexu Directiva. A Comissão e o Governo neerlandês alegam que a questão de saber se a constituição de um direito de superfície deve ser considerada uma «entrega» na acepção do artigo 5.° é independente da de saber se uma pessoa deve ser considerada sujeito passivo segundo os critérios enumerados no artigo 4.° Também sou de opinião de que é necessário responder separadamente às duas questões e isto pelas seguintes razões.

A qualidade de «sujeito passivo» deve ser apreciada exclusivamente com base nos critérios enunciados no artigo 4.° O exame da primeira questão demonstra que a constituição de um direito de superfície podia efectivamente ser considerada uma actividade económica na acepção do artigo 4.° (conferindo, por conseguinte, a qualidade de sujeito passivo). Esta afirmação não pode, i claro, ser modificada pela circunstância d( um Estado-membro ter utilizado a possibilidade, oferecida pelo artigo 5.°, n.° 3, de considerar a constituição de determinado: direitos reais como um bem corpóreo (o que terá por efeito que a constituição de um direito de superfície deva ser considerada entrega de um bem nos termos do artigo 5.° n.° 1). Embora seja verdade que essa possibilidade de escolha é importante para definii o conceito de «operação tributável» e que pode também ter importância para a tributação da operação, porque as regras aplicável! à entrega de bens são diferentes das aplicáveis à prestação de serviços ( 16 ), todavia, s mesma não se destina a influenciar a definição do conceito de «sujeito passivo». Com efeito, a harmonização que a Sexta Directiva procura alcançar seria comprometida se o âmbito de aplicação do artigo 4.° pudesse variar de um Estado-membro para outro, consoante tivesse ou não utilizado a possibilidade de escolha, oferecida pelo artigo 5.°. n.° 3.

Conclusão

16.

Com base nas considerações desenvolvidas, proponho ao Tribunal que responda do seguinte modo às questões apresentadas a título prejudicial pelo Hoge Raad:

«1)

A cessão pelo proprietário de um bem imóvel da utilização desse bem a outra pessoa, durante um período de dezoito anos e mediante soma paga periodicamente, deve ser considerada exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas de carácter permanente na acepção do n.° 2, última frase, do artigo 4.° da Sexta Direttiva.

2)

Quando um Estado-membro utilizou a possibilidade, prevista no n.° 3, alínea b), do artigo 5.° da Sexta Directiva, de considerar bens corpóreos certos direitos reais de utilização, a constituição de tal direito de utilização deve ser tributada como a entrega de um bem imóvel.

3)

A resposta à segunda questão não influencia a resposta à primeira questão.»


( *1 ) lingua original: neerlandés.

( 1 ) Sexta Directiva (77/388/CEE) do Conselho, 17 de Maio de 1977, relativa i harmonização das legislações dos Esta-dos-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: materia colectável uniforme (JO L 145, p. 1 ; EE 09 Fl p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).

( 2 ) Através deste pedido, van Tiem queria manifestamente obter a qualidade de «sujeito passivo» (voltarei a esu qualidade mais a frente) ao abrigo da referida transacção, e, assim, obter o direito de compensar o imposto sobre o volume de negócios, pago no momento da compra.

( 3 ) Ver, por exemplo, o acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, n.os 6 a 8 (235/85, Colera., p. 1471).

( 4 ) Ver o acórdão citado na nou anterior e as conclusões do advogado-geral C. O. Lenz nesse processo, em especial, os n.os 19 a 21. Ver também o acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties, n.os10 a 13 (348/87, Coleo-, p. 1737).

( 5 ) Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman/Minister van Financien (268/83, Recueil, p. 655).

( 6 ) N.° 19.

( 7 ) N.° 22.

( 8 ) N.° 23.

( 9 ) N.° 21.

( 10 ) De resio, é necessário observar que a administração fiscal neerlandesa deferiu o pedido de van Tiem destinado à exclusão do benefício da isenção do imposto sobre o volume de negócios pela constituição de um direito de superfície, com fundamento em de que esse pedido dizia respeito à locaçSo de um bem imóvel (ver, mais acima, o n.° 2).

( 11 ) O Tribuna] seguiu o mesmo raciocinio no respeitante ä noçlo de «empreitada», que figura no artigo 5.° da Segunda e Sexta directivas (ver o acórdão de 14 de Maio de 1985, Van Dijk's Boekhuis, em especial os n.os15 a 17, 139/84, Recueil, p. 1405), e, no respeitante à noção de «entrega de um bem», que figura no artigo 5.o, n.° 1, da Sexu Directiva (acórdão de 8 de Fevereiro de 1990, Shipping and Forwarding Enterprise Safe BV, em especial os n.° 6 a 9, C-320/88, Colect., p. I-285); voltarei a esu noção no n.° 14.

( 12 ) Ver artigo 4.° da Directiva 67/228/CEE, de 11 de Abril de 1967 (JO 1967, p. 1303; EE 09.FI p. 6).

( 13 ) Acórdão de 8 de Fevereiro de 1990, já citado na nou 11.

( 14 ) N.° 7.

( 15 ) N.° 10 a 12.

( 16 ) Ver, por exemplo, os artijgos 8.° e 9.° (local das operações tributáveis) e 11.° (matena colectável).