RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-302/88 ( *1 )

I — Enquadramento jurídico

Nos Países Baixos aplica-se a Wet Voorraadvorming Aardolieprodukten (lei sobre a constituição de reservas de produtos petrolíferos, a seguir «WVA»). Esta lei dá cumprimento às obrigações subscritas no quadro da Agência Internacional de Energia e decorrentes nomeadamente da Directiva 68/414/CEE, de 20 de Dezembro de 1968 (JO L 308, p. 14), relativa à manutenção de reservas de certos produtos petrolíferos com vista a poder fazer face a interrupções no abastecimento.

A WVA define as «obrigações de constituição de reservas». Aqueles que, nos Países Baixos, «colocam no mercado» (fabricam ou fazem fabricar, importam ou fazem importar) certos produtos petrolíferos são obrigados a manter uma reserva determinada, especificada na lei, desses produtos. O ministro dos Assuntos Económicos pode dispensar os produtores dessas obrigações se um terceiro se declarar disposto a assumi-las, a seu cargo. Neste caso, o ministro dos Assuntos Económicos pode declarar essas obrigações total ou parcialmente transmitidas a esse terceiro. A decisão do ministro pode igualmemte comportar disposições que o terceiro ao qual as obrigações são transmitidas será obrigado a respeitar.

Para esse efeito foi constituído, em 7 de Setembro de 1978, o Stichting ínterim Centraal Orgaan Voorraadvorming Aardolieprodukten (Organismo Central Provisório para a Constituição de Reservas de Produtos Petrolíferos, a seguir «ICOVA»), cujo objectivo é assumir as obrigações de constituição de reservas que incumbem aos seus filiados e executá-las por sua conta. Resulta dos estatutos do ICOVA que, entre outras coisas, o ministro dos Assuntos Económicos nomeia os membros do conselho de administração, pode dar instruções que devem ser respeitadas, decidir a sua extinção e deve aprovar o projecto de orçamento bem como as contas anuais.

As despesas efectuadas pelo ICOVA para a manutenção das reservas são cobertas por um direito cobrado às empresas participantes, contribuição essa chamada taxa. Esta taxa é designada pelo nome de «verplichte voorraadafdracht» (taxa obrigatória de constituição de reservas, a seguir «WA»). E calculada sobre a quantidade de produtos petrolíferos (HFL por 100 litros) postos em livre pràtica dentro do país. Antes do décimo quinto dia de cada mês, os filiados comunicam ao ICOVA o volume de produtos petrolíferos que colocaram no mercado interno ao longo do mês precedente. São obrigados a pagar ao ICOVA uma remuneração sobre essas últimas quantidades. As empresas filiadas repercutem geralmente essas taxas nos seus clientes, ainda que nem a WVA nem os regulamentos da fundação ICOVA estabeleçam obrigação quanto a esse ponto.

Não sendo os produtos petrolíferos exportados por conta própria tomados em conta para a determinação da extensão das obrigações de constituição de reserva, os filiados no ICOVA não devem declarar as quantidades exportadas ou postas em entreposto aduaneiro (entreposto fictício).

Sempre que negociantes em produtos petrolíferos estabelecidos nos Países Baixos e não filiados no ICOVA efectuem compras no mercado neerlandês junto de uma empresa nele filiada, o preço de compra compreende geralmente a taxa WA. Na hipótese de esses negociantes, na medida em que «coloquem no mercado» relativamente poucos produtos petrolíferos, ou até nenhum, desejarem exportar os produtos petrolíferos que compraram assim, encontram-se numa posição concorrencial desfavorável em relação às empresas filiadas no ICOVA, que não devem pagar WA sobre os produtos que exportam.

Em Setembro de 1981, o ICOVA editou uma regulamentação nos termos da qual os negociantes exportadores não filiados no ICOVA podiam, a partir de 1 de Janeiro de 1981, obter desta a restituição da taxa WA, na condição de preencher um certo número de requisitos, nomeadamente tratar-se de um lote de produtos petrolíferos comprado a uma empresa filiada no ICOVA que tenha sido directa e inteiramente exportado pelo negociante em causa. Em 25 de Fevereiro de 1982, o ICOVA alterou a regulamentação relativa à restituição quanto a certo número de aspectos para o exercício de 1982. A restituição podia doravante ser obtida em caso de exportação efectuada lote por lote. Em contrapartida, a regulamentação exigia, nomeadamente, uma declaração de compra trimestral autenticada por um perito em contabilidade estranho à empresa. Nova alteração da regulamentação de 1982 para as exportações efectuadas em 1981 permitiu aos exportadores fazer entrar a declaração do perito em contabilidade apenas uma vez só por ano.

A lei foi alterada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1987, de tal forma que a diferença de tratamento entre empresas filiadas e não filiadas foi suprimida. A lei de alteração instituiu um Stichting Centraal Orgaan Vooraadvorming Aardolieprodukten (Organismo Central de Constituição de Reservas de Produtos Petrolíferos, a seguir «COVA»), encarregado de constituir reservas de produtos petrolíferos. A constituição de reservas assegurada pelo COVA é financiada por uma imposição de constituição de reservas lançada em nome do ministro das Finanças e cobrada pela administração fiscal nacional. Essa imposição de constituição de reservas é restituída em caso de exportação.

II — Factos e tramitação do processo na causa principal

Hennen Olie é um comerciante de produtos petrolíferos com sede nos Países Baixos; compra-os no mercado neerlandês a empresas filiadas no ICOVA. Coloca em entreposto esses produtos, nos reservatórios que lhe pertencem, e entrega-os por lotes aos seus clientes estrangeiros. Não sendo filiado no ICOVA, não podia inicialmente beneficiar da restituição do WD, ao passo que de 1 de Janeiro de 1981 a 1 de Janeiro de 1987 podia beneficiar dela unicamente na condição de preencher certo número de condições, que implicam assim despesas significativas.

A Hennen Olie formulou um pedido de indemnização perante o Arrondissmentsrechtsbank de Roterdão em 1983. Em 1985, apelou para o Gerechtshof em Haia que, entendendo que a solução do litígio podia depender da interpretação do direito comunitário e, particularmente do artigo 34.° do Tratado CEE, decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado quanto às questões prejudiciais seguintes:

«1)

O artigo 34.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional tal como a descrita é incompatível com este artigo?

2)

A questão de saber se a diferença, acima mencionada, na posição concorrencial das empresas, pode ser total ou parcialmente compensada por regulamentações que permitem a restituição da taxa WA supramencionada, que não foram adoptadas pelo próprio Êstado-membro em causa, é relevante para a resposta a dar à questão 1 ?»

O acórdão de reenvio foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Outubro de 1988.

Em conformidade com o disposto no artigo 20.° do Protocolo Relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas pela recorrente na causa principal, representada por T. R. Ottervanger, advogado em Bruxelas, pela recorrida na causa principal, representada por A. J. Braakman e P. Glazener, advogados em Roterdão, pelo Governo neerlandês, representado pelo secretário-geral interino do ministro dos Negócios Estrangeiros, H. J. Heinemann, e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Barents, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente.

O Tribunal de Justiça, com base no relatório do juiz relator, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução previa e atribuir o processo à sexta secção. No entanto convidou, o Governo neerlandês a responder a ceno número de questões.

III — Observações escrita apresentadas perante o Tribunal de Justiça

1.

Segundo a Hennen Olie BV, o regime aplicável nos Países Baixos entre Outubro de 1980 e 1 de Janeiro de 1987 redundava numa restrição à exportação, no sentido de que um exportador independente não estava em condições de concorrer com os exportadores filiados no ICOVA que não deviam pagar WA à exportação. A ausência total, a princípio, de regras relativas à restituição, como a introdução posterior de regras muito complexas e onerosas, seria susceptível de constituir entrave e teria efectivamente constituído entrave às exportações.

Tratar-se-ia, no caso sub judice, de medidas que se aplicam de maneira especial aos exportadores e que caem por isso na alçada da proibição contida no artigo 34.° (ver os acórdãos de 16 de Março de 1977, Comissão/França, 68/76, Recueil, p. 51, e de 7 de Fevereiro de 1984, Jongeneel Kaas, 237/82, Recueil, p. 483). A Hennen Olie BV propõe, por isso, que se responda à primeira questão em sentido afirmativo.

2.

O recorrido na causa principal, o ICOVA, alega que não se trata, no caso vertente, de medidas nacionais que tenham por objecto ou efeito restringir especificamente as correntes de exportação e estabelecer assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um Estado-membro e o seu comércio de exportação, de forma a proporcionar uma vantagem especial no mercado interno do Estado interessado (ver, em particular, o acórdão de 17 de Maio de 1984, Denkavit, 15/83, Recueil, p. 2171). Em contrapartida, ainda que a WVA redundasse numa desigualdade de tratamento entre o comércio interno e as exportações, ela não teria lugar em detrimento das exportações. Com efeito, na concorrência interna, os custos da constituição de reservas seriam sempre repercutidos, ao passo que, para as exportações, não o seriam ou sê-lo-iam na mesma medida em que o tivessem sido nas trocas internas.

Na medida em que a WVA vai mais longe que a Directiva 68/414, não é incompatível com o disposto no artigo 34.° do Tratado.

O ICOVA propõe, por isso, resposta negativa à primeira questão.

Quanto à segunda questão, o ICOVA sugere que se responda, na hipótese de ter sido reconhecida uma infracção ao disposto no artigo 34.° do Tratado, que uma violação do referido artigo pode ser compensada por regulamentações que permitam a restituição de uma taxa e que não foram adoptadas pelo próprio Estado-membro em causa, na medida em que tenham por efeito que as eventuais consequências, que seriam incompatíveis com o artigo 34.° do Tratado, não se produzam.

3.

O Governo neerlandês mantém que a obrigação imposta pelo WVA àqueles que colocam produtos petrolíferos no mercado dos Países Baixos é uma medida de apreciação geral que não tem por objecto nem por efeito restringir especificamente as correntes de exportação, de maneira que não resulta daí qualquer entrave à exportação. Sublinha o facto de a obrigação de constituição de reservas instituída pela WVA apenas fazer com que se ligue uma certa obrigação ao facto de colocar produtos no mercado interno. Pelo contrário, os produtos petrolíferos exportados não são levados em conta para a determinação da extensão da obrigação de constituição de reservas. Todavia, sempre que uma empresa sujeita à obrigação de constituição de reservas venda produtos petrolíferos a um comprador estabelecido nos Países Baixos, essa transacção entra em linha de conta para a extensão a constituir, na medida em que os produtos são colocados no mercado interno. As despesas ligadas à constituição obrigatória de reservas são por isso efectuadas independentemente do destino que o comprador reserve para os produtos petrolíferos fornecidos pela empresa sujeita à obrigação de constituição de reservas.

O Governo neerlandês entende que o artigo 34.° do Tratado não implica que uma regulamentação como a enunciada na lei WVA seja com ele incompatível. Haveria por isso que responder em sentido negativo à primeira questão prejudicial; essa resposta de sentido negativo tornaria supérfluo todo o exame da segunda questão.

4.

A Comissão sustenta que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as imposições sobre os produtos tal como outros encargos (parafiscais) são abrangidos pelos artigos 12.° a 16.° e 95.° do Tratado (remete, quanto a isto, para os acórdãos de 4 de Abril de 1968, Fink-Frucht, 27/67, Recueil, p. 223, e de 22 de Março de 1977, Ianelli & Volpi, 74/76, Recueil, p. 557). Fornece, por isso, a resposta à questão apresentada no caso vertente, no que toca ao artigo 34.°, a título subsidiário. Remetendo para o acórdão de 8 de Novembro de 1979, Groenveld (15/79, Recueil, p. 3409), reconhece que o artigo 34.° do Tratado é aplicável sempre que uma medida afecte as exportações, de maneira discriminatória. Ora, o sistema da WA não implica discriminação em detrimento das exportações, pois as vendas no mercado interno são sempre agravadas com a taxa, quando as exportações o são apenas quando efectuadas por uma empresa não filiada no ICOVA. Neste último caso, a produção nacional e as exportações são tratadas de maneira idêntica. Tratar-se-ia, por isso, antes, de uma diferença de tratamento entre duas correntes de exportação: as exportações efectuadas por uma empresa filiada no ICOVA e as efectuadas por empresa nele não filiada. A Comissão conclui no sentido de que se o artigo 34.° fosse unicamente aplicável em caso de discriminação em detrimento das exportações, o sistema em causa não poderia ser considerado contrário a esta disposição.

No que toca à segunda questão, a Comissão entende que um organismo como o ICOVA pode ser assimilado ao Estado neerlandês (ver os acórdãos de 20 de Setembro de 1988, Beentjes, 31/87, Colect., p. 4635, e de 24 de Novembro de 1982, Comissão/Irlanda, 249/81, Recueil, p. 4005). Sublinha nomeadamente, a este propósito, o facto de o ICOVA desempenhar um papel central na observância das obrigações de constituição de reservas que incumbem aos Países Baixos bem como o estar inteiramente colocado sob controlo do Ministério dos Assuntos Económicos.

A Comissão sugere ao Tribunal de Justiça que responda em sentido negativo às questões apresentadas pelo órgão jurisdicional nacional.

No que toca ao artigo 95.°, a Comissão lembra que é aplicável às imposições discriminatórias que incidem sobre as exportações (ver o acórdão de 29 de Junho de 1978, Larsen, 142/77, Recueil, p. 1543). No caso vertente, não se trata de discriminação em detrimento das exportações. Salienta, todavia, que o sistema da VVA, tanto em caso de não restituição como no de restituição condicional da taxa, deve ser qualificado como entrave às trocas. Entende que pode justificar-se considerar que o artigo 95.° do Tratado é igualmente aplicável a imposições que, se bem que não discriminatórias, têm, no entanto, clara e especificamente por efeito constituir entrave às trocas (ver os acórdãos de 4 de Abril de 1968, Stier, 31/67, Recueil, p. 347, e de 5 de Maio de 1982, Schul I, 15/81, Recueil, p. 1409).

IV — Resposta às questões formuladas, por escrito, pelo Tribunal

O Tribunal de Justiça solicitou ao Governo neerlandês que respondesse às seguintes questões:

1)

Na prática, todos os importadores e produtores de produtos petrolíferos nos Países Baixos sujeitos a uma obrigação de constituição de reservas repercutem sobre os seus clientes as despesas ligadas a essa obrigação e em que medida? Será que cada operador continua totalmente livre para ele próprio escolher repercutir ou não tais despesas? Qual é o significado da data de 1 de Outubro de 1980?

2)

Quais as modalidades utilizadas de 1 de Outubro de 1981 a 1 de Janeiro de 1987 para calcular a restituição da taxa de constituição obrigatória de reservas com referência a quantidades de produtos petrolíferos fornecidos pelos filiados no ICOVA e exportados por negociantes não sujeitos à obrigação de constituição de reservas?

3)

Os negociantes em produtos petrolíferos não sujeitos à obrigação de constituição de reservas que compram produtos petrolíferos fornecidos por importadores ou produtores não filiados no ICOVA podiam igualmente, antes de 1 de Janeiro de 1987, beneficiar de uma restituição das despesas ligadas à referida obrigação de constituição de reservas e fazendo parte integrante do preço de venda?

O Governo neerlandês respondeu que até 1 de Janeiro de 1987, data em que a nova WVA entrou em vigor, a antiga WVA, que entrou em vigor em 1 de Abril de 1977, impunha aos produtores e importadores de produtos petrolíferos manter reservas correspondentes respectivamente a 90 e a 70 dias das suas vendas a compradores nacionais ao longo do ano civil precedente.

Existe a partir de 1 de Abril de 1977, para os produtores e importadores em causa, uma obrigação de constituição de reservas nas condições enunciadas na WVA. As despesas ligadas à obrigação de constituição de reservas fazem parte dos custos da empresa do titular sujeito àquela obrigação. A repercussão sobre os compradores dos custos ligados à obrigação de constituição de reservas é uma decisão de produtores ou de importadores em causa. Para o empresário, a situação no que toca a esse tipo de custos é, por isso, a mesma que em relação aos outros (por exemplo, as matérias-primas, as amortizações, as contribuições para organismos de Segurança Social). A questão de saber em que medida a margem de lucro dos produtores é suficiente para cobrir todas as despesas do empresário, ou em que medida as ultrapassa, depende das circunstâncias que afectam o mercado.

As regras aplicáveis nos Países Baixos não prevêem a obrigação de informar os poderes públicos da medida em que os custos ligados à obrigação de constituição de reservas são efectivamente repercutidos.

A partir de 1 de Outubro de 1980, as empresas sujeitas à obrigação de constituição de reservas foram autorizadas a confiar ao ICOVA a execução de uma parte destas. A partir dessa data, as despesas ligadas à constituição obrigatória de reservas podem, por isso, consistir igualmente em despesas (WA) facturadas pelo ICOVA ao filiado (o importador ou o produtor sujeito à obrigação de constituição de reservas). Neste sistema, igualmente, o produtor ou o importador, sujeitos à obrigação de constituição de reservas, podem, sem serem a isso obrigados, incluir esse tipo de custos no preço que facturarem ao seu comprador.

As condições nas quais a taxa de reserva obrigatória pode ser restituída pelo ICOVA são fixadas por este. A regulamentação aplicável em 1981 foi fixada em 10 de Setembro desse ano. Por parecer de 14 de Outubro de 1982, a regulamentação foi melhorada em dois aspectos para o exercício de 1982. Essa regulamentação era igualmente aplicável às exportações efectuadas em 1981. Salvo algumas alterações, esse texto era igualmente válido para o exercício de 1983. A nível do conteúdo, esse texto permaneceu aplicável até 1 de Janeiro de 1987.

O produtor ou o importador sujeito à obrigação de constituição de reservas pode facturar ao comprador as despesas ligadas à obrigação de constituição de reservas, mas não é obrigado a fazê-lo. As possibilidades neste aspecto são determinadas pelas circunstâncias que regem o mercado. Tudo isto tem por consequência que, após ter efectuado uma transacção, a empresa sujeita à obrigação de constituição de reservas pode conceder uma restituição relativamente às despesas de constituição obrigatória de reservas incluídas no preço de venda, mas não é obrigada a fazê-lo. Isto vale tanto para os produtores e importadores filiados no ICOVA como para as empresas sujeitas à obrigação de constituição de reservas que nele não estejam filiadas. A obrigação de constituição de reservas aplica-se às quantidades colocadas no mercado nos Países Baixos. Efectuar um fornecimento nos Países Baixos implica, por isso, consequências quanto à quantidade que deve ser armazenada e, por esse facto, igualmente despesas para o produtor ou importador sujeitos à obrigação de constituição de reservas. Só as quantidades exportadas pelo próprio produtor ou um importador não implicarão qualquer obrigação de constituição de reservas.

T. F. O'Higgins

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: neerlandês.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

12 de Dezembro de 1990 ( *1 )

No processo C-302/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Gerechtshof de Haia (Países Baixos) e destinado a obter, no processo pendente perante esse órgão jurisdicional entre

Hennen Olie BV, por um lado,

e

Stichting Interim Centraal Orgaan Voorraadvorming Aardolieprodukten e o Reino dos Países Baixos, por outro,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 34.° do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

constituído pelos Srs. G. F. Mancini, presidente de secção, T. F. O'Higgins e C. N. Kakouris, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretario: D. Louterman, administradora principal

vistas as observações apresentadas:

em representação da Hennen Olie BV, por T. R. Ottervanger, advogado no foro de Bruxelas,

em representação do Governo neerlandês, por H. J. Heinemann, secretário-geral interino no Ministério dos Negocios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação da Stichting ínterim Centraal Orgaan Voorraadvorming Aardolieprodukten, por A. J. Braakman e P. Glazener, advogados no foro de Roterdão,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Barents, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para a audiência,

ouvidas as observações orais do Governo neerlandês, representado por M. A. Fierstra, na qualidade de agente, da Hennen Olie BV, da Stichting Interim Centraal Orgaan Voorraadvorming Aardolieprodukten e da Comissão, na audiência de 8 de Novembro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 6 de Junho de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por acórdão de 6 de Outubro de 1988, chegado ao Tribunal de Justiça em 14 de Outubro seguinte, o Gerechtshof de Haia apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 34.° do Tratado CEE, com vista a determinar a compatibilidade com essa disposição de uma regulamentação nacional relativa à aplicação da Directiva 68/414/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1968, constituindo os Estados-membros da CEE na obrigação de manter um nível mínimo de reservas em petróleo bruto e/ou em produtos petrolíferos (JO L 308, p. 14, a seguir «directiva»).

2

Essas questões foram apresentadas no âmbito de um litígio que opõe a Hennen Olie BV, comerciante em produtos petrolíferos, estabelecida nos Países Baixos, e a Stichting ínterim Centraal Orgaan Voorraadvorming Aardolieprodukten (Organismo Central Provisório para a Constituição de Reservas de Produtos Petrolíferos, a seguir «ICOVA»).

3

O reino dos Países Baixos deu cumprimento ao disposto na Directiva 68/414 pela Wet Voorraadvorming Aardoileprodukten (lei relativa à constituição de reservas de produtos petrolíferos; Staatsblad 1976, 569, a seguir «lei»). Esta lei introduz uma obrigação de constituição de reservas para as empresas que colocam produtos petrolíferos no mercado dos Países Baixos. As reservas devem ser de nível equivalente a dada percentagem dos produtos petrolíferos postos em circulação no mercado interno neerlandês ao longo do ano precedente. Em contrapartida, as quantidades exportadas para outros países não são tomadas em consideração para efeitos da constituição de reservas.

4

A lei prevê que, em condições determinadas pelo ministro dos Assuntos Económicos, a obrigação de constituição de reservas em questão possa ser assumida por um terceiro, total ou parcialmente, com efeito exoneratório para o primeiro obrigado. O ICOVA foi constituído para esse efeito, em 7 de Setembro de 1978, tendo por objecto dar cumprimento à obrigação dos seus filiados relativa à constituição de reservas. A partir de 1 de Outubro de 1980, as empresas sujeitas à obrigação de constituição de reservas foram autorizadas a confiar ao ICOVA o respectivo cumprimento.

5

As empresas filiadas no ICOVA cobrem as despesas efectuadas por este para a manutenção das referidas reservas pagando uma contribuição, chamada taxa WA, cujo montante é calculado na base do volume de produtos petrolíferos que colocam no mercado interno. Ora, dado que os produtos petrolíferos exportados não entram em consideração para a determinação da extensão da obrigação de constituição de reservas, as empresas filiadas não são obrigadas a pagar a referida taxa sobre os produtos que exportam por sua própria conta.

6

Resulta dos autos que, mesmo se não existe qualquer obrigação legal quanto a isso, a referida taxa é, na prática, repercutida na respectiva clientela, pelas empresas filiadas no ICOVA, que a incluem no preço de venda.

7

Decorre dos fundamentos do acórdão de reenvio que, a partir de 1 de Outubro de 1980, negociantes em produtos petrolíferos estabelecidos nos Países Baixos que compravam produtos colocados no mercado neerlandês por empresas filiadas no ICOVA a um preço que incorporava o custo da constituição de reservas se encontravam, na altura da exportação dos referidos produtos, numa posição concorrencial desfavorável em relação às empresas filiadas no ICOVA. Com efeito, estas não estavam sujeitas, durante o referido período, a qualquer encargo em relação aos produtos exportados directamente por elas. Segundo o acórdão de reenvio, essa posição desvantajosa pode constituir um entrave à exportação para os negociantes em causa.

8

A partir de 1 de Janeiro de 1981, os negociantes exportadores não filiados no ICOVA puderam obter a restituição da taxa em causa, sob certo número de condições. Em 1 de Janeiro de 1987, na sequência de uma alteração da lei, o ICOVA foi substituído por um organismo permanente chamado COVA, de tal forma que as diferenças de tratamento entre empresas filiadas no ICOVA e empresas não filiadas foram suprimidas. Segundo esse novo regime, o financiamento da constituição de reservas é assegurado por uma taxa de constituição de reservas efectuada pela administração fiscal nacional, imposição que é restituída em caso de exportação do produto.

9

A Hennen Olie não fornece produtos petrolíferos para o mercado neerlandês e não está, por conseguinte, sujeita a qualquer obrigação de constituição de reservas. Comprando, para efeitos de exportação, produtos petrolíferos colocados no mercado neerlandês por empresas filiadas no ICOVA, não teve, como não filiado neste organismo, até 1 de Janeiro de 1981, qualquer possibilidade de obter, da sua parte, a restituição da taxa incluída no preço de compra dos produtos. Esta possibilidade foi-lhe em seguida concedida até 31 de Dezembro de 1986, mas sob certas condições.

10

A Hennen Olie apresentou um pedido de indemnização, contra o ICOVA, perante o Arrondissementsrechtsbank de Roterdão arguindo que o tratamento discriminatório que suportara enquanto não filiado no ICOVA violava, entre outras, a norma contida no artigo 34.° do Tratado. O pedido foi indeferido. Solicitado a intervir em recurso, o Gerechtshof em Haia decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado, a título prejudicial, quanto às seguintes questões:

1)

O artigo 34.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional como a descrita é incompatível com este artigo?

2)

A questão de saber se a diferença, acima mencionada, na posição concorrencial das empresas pode ser total ou parcialmente compensada por regulamentações que permitem a restituição da taxa WA supramencionada que não foram adoptadas pelo próprio Estado-membro em causa é relevante para a resposta a dar à questão 1 ?

11

Para mais ampla exposição dos factos do processo na causa principal, da respectiva tramitação e das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para a audiência. Esses elementos dos autos serão adiante retomados apenas na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

12

Pelas suas questões, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no fundo, se o artigo 34.° se opõe a que se negociantes não filiados no ICOVA, que pretendam exportar produtos petrolíferos comprados no mercado nacional, não tenham nenhuma possibilidade de obter a restituição das taxas pagas em benefício desse organismo ou vejam essa restituição sujeita a condições, uma vez que não existe qualquer diferença de tratamento entre os produtos destinados à exportação e os colocados no mercado interno do Estado-membro em causa.

13

Convém observar, a título preliminar, que o presente processo levanta o problema de saber se as medidas adoptadas por um organismo como o ICOVA são susceptíveis de cair na alçada da proibição do artigo 34.°

14

A este propósito deve salientar-se que o ICOVA, à época dos factos, era o único organismo terceiro na acepção da lei neerlandesa já referida e foi criado para executar tarefas que a lei lhe confere, isto é, a manutenção das reservas de produtos petrolíferos por conta dos seus filiados. Desempenhou, em consequência, um papel importante na gestão das reservas petrolíferas neerlandesas, dando assim cumprimento, em grande medida, à obrigação que incumbe aos Países Baixos por força da directiva.

15

Resulta dos autos que o ICOVA agiu sob o controlo e direcção dos poderes públicos, ainda que não estivesse formalmemte integrado na administração do Estado. Com efeito, os membros do conselho de administração eram nomeados pelo ministro dos Assuntos Económicos. Este tinha igualmente o poder de dar ao ICOVA instruções que deviam ser respeitadas, decidir a sua dissolução bem como aprovar o projecto do seu orçamento e as suas contas anuais.

16

Há que reconhecer que os actos de um organismo, qualquer que seja a sua forma jurídica, sujeitos a tal controlo do Estado podem, se forem susceptíveis de influenciar o comércio entre Estados-membros, constituir «medidas» na acepção do artigo 34.° do Tratado.

17

Deve recordar-se, em seguida, que o Tribunal julgou, por diversas ocasiões (ver, nomeadamente, o acórdão de 7 de Fevereiro de 1984, Jongeneel Kaas, 237/83, Recueil, p. 483), que o artigo 34.° tem em vista as medidas nacionais que tenham por objectivo ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação e estabelecer assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um Estado-membro e o seu comércio de exportação, de forma a proporcionar uma vantagem especial à produção nacional ou ao mercado interno do Estado interessado. Ora, no caso em apreço, a discriminação alegada pela Hennen Olie incide apenas entre as exportações de empresas filiadas no ICOVA e as de empresas nele não filiadas. Tal diferença de tratamento entre duas categorias de exportadores não poderia constituir atentado ao disposto no artigo 34.°, tratando-se de encargos especiais ligados à constituição de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos.

18

Há, por isso, que responder às questões apresentadas que o artigo 34.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que não proíbe que negociantes não filiados num organismo criado com o objectivo de dar cumprimento às obrigações legais dos seus membros no âmbito da lei de aplicação da Directiva 68/414 que pretendam exportar produtos comprados no mercado nacional não tenham possibilidade de obter a restituição das taxas pagas em benefício desse organismo ou vejam essa restituição sujeita a condições, desde que não exista qualquer diferença de tratamento entre os produtos destinados à exportação e os colocados no mercado interno do Estado-membro em causa.

19

A Comissão sustentou, além disso, que o artigo 95.° do Tratado pode eventualmente aplicar-se a imposições que, se bem que não dejam discriminatórias, podem, todavia, constituir entraves às trocas intracomunitárias.

20

Neste contexto, há que observar que o órgão jurisdicional nacional não apresentou questões relativas à aplicabilidade do artigo 95.° do Tratado e que também não resulta dos factos ou dos argumentos apresentados pelas partes ao longo do processo que a não restituição ou restituição condicional da taxa no caso em apreço fosse de considerar como uma imposição fiscal na acepção do artigo 95.° Em consequência, o Tribunal de Justiça entende que não é necessário examinar essa questão de princípio levantada pela Comissão.

Quanto às despesas

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As despesas efectuadas pela Comissão e pelo Governo neerlandês, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, em relação às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões apresentadas pelo Gerechtshof de Haia, por acórdão de 6 de Outubro de 1988, declara:

 

O artigo 34.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que não constitui obstáculo a que negociantes não filiados no organismo criado com a finalidade de dar cumprimento às obrigações legais dos seus membros, no âmbito da lei de aplicação no disposto na Directiva 68/414/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1968, que pretendam exportar produtos comprados no mercado nacional, não tenham possibilidade de obter a restituição das taxas pagas em benefício desse organismo ou vejam essa restituição sujeita a condições, desde que não exista qualquer diferença de tratamento entre os produtos destinados à exportação e os colocados no mercado interno do Estado-membro em causa.

 

Mancini

O'Higgins

Kakouris

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Sexta Secção

G. F. Mancini


( *1 ) Lingua do processo: neerlandês.