apresentado no processo C-293/88 ( *1 )
I — Matéria de facto
A — Quadro normativo
1. A legislação nacional
1. |
A legislação neerlandesa sobre o seguro generalizado de velhice, a Algemene Ouderdomswet (de ora em diante «AOW»), instimi um regime de pensão no qual o montante da pensão de velhice é, em princípio, exclusivamente função do número de anos durante os quais se esteve segurado. Nos termos da AOW, estão obrigatoriamente segurados os residentes neerlandeses, bem como os que, em virtude de um trabalho assalariado efectuado nos Países Baixos, estejam sujeitos a imposto profissional. De igual modo, estão obrigatoriamente segurados ao abrigo da AOW os não residentes que recebam uma pensão, em aplicação da Wet op de Arbeidsongeschiktheidsverzekering, lei sobre o seguro contra a incapacidade de trabalho (de ora em diante «WAO»), em virtude de uma incapacidade de trabalho de, pelo menos, 45 %. O facto de se estar segurado ao abrigo da AOW implica a obrigação de pagar urna quotização. As pessoas seguradas ao abrigo da AOW têm direito a uma pensão de velhice aos 65 anos de idade. A pensão de velhice completa corresponde a um período de seguro de 50 anos; se o período de seguro for inferior a 50 anos, aplica-se uma redução de 2 % por cada ano em que não se tenha estado segurado. A AOW entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1957. Não era possível estar segurado antes dessa data. O legislador neerlandês previu medidas transitórias sem as quais ninguém poderia beneficiar de pensão de velhice completa antes do ano 2007. |
2. |
Essa regulamentação transitória (de ora em diante «vantagens transitórias»), que consta dos artigos 55.o e 56.o da AOW, assimila, sob certas condições, a anos de seguro os anos compreendidos entre a data em que o segurado tenha cumprido 15 anos e 1 de Janeiro de 1957 (data da entrada em vigor da lei). Em conformidade com essas disposições, não se aplica qualquer redução à pensão de velhice em virtude dos anos durante os quais não se tenha estado segurado que se situem antes de 1957 quando o interessado com direito à pensão satisfaça as seguintes três condições cumulativas: a) tenha residido nos Países Baixos entre as datas em que tenha cumprido os 59 e os 65 anos (artigo 55.o, n.o 1, da AOW, de ora em diante «condição dos seis anos»); b) tenha nacionalidade neerlandesa; c) continue a residir nos Países Baixos após os 65 anos de idade (artigo 56.o, n.o 6, da AOW, de ora em diante «condição da residência actual»). Para a aplicação da condição dos seis anos, o decreto real de 3 de Dezembro de 1985{Staatsblad 632) estipula que se tem por «residente nos Países Baixos» o segurado que «tenha residido fora dos Países Baixos» durante o período em que estava segurado ao abrigo da AOW. Em virtude do disposto no artigo 3.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, os nacionais dos outros Estados-membros são tratados do mesmo modo que os nacionais neerlandeses. A condição da residência actual foi atenuada pelo decreto real de 3 de Dezembro de 1985, já referido. É considerado como «residente nos Países Baixos» o segurado que tenha «residido fora dos Países Baixos» continuando, no entanto, segurado de forma ininterrupta entre 1 de Janeiro de 1957 e a data em que tenha completado 65 anos de idade. |
2. A legislação comunitária
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O primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p. 98), está redigido da seguinte forma : «Salvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações... de velhice... adquiridas ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados-membros não podem sofrer qualquer redução... pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.» |
4. |
O anexo VI, título J, n.o 2, alíneas a) e f), (de ora em diante «anexo VI») está redigido da seguinte forma:
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B — Antecedentes do litígio no processo principal
5. |
E. M. Winter-Lutzins (de ora em diante «recorrente») nasceu na Alemanha em 15 de Fevereiro de 1922. Residiu nesse país até Dezembro de 1965, com o seu marido, que nasceu em 16 de Setembro de 1917. De 1 de Janeiro de 1966 a 30 de Novembro de 1983, o casal, tendo ambos os cônjuges nacionalidade alemã, residiu nos Países Baixos, onde o marido da recorrente exerceu uma actividade assalariada até à idade de 65 anos. Em Dezembro de 1982, foi-lhe concedida uma pensão de velhice ao abrigo da AOW. A recorrente exerceu, também ela, de 1973 a 1980, uma actividade assalariada nos Países Baixos. Em 1980, foi-lhe concedida uma reforma por incapacidade para o trabalho ao abrigo da WAO. Com base nisso, continuou a estar segurada na AOW até à idade de 65 anos. Em 1 de Dezembro de 1983, a recorrente e o marido voltaram a mudar de residência para a República Federal da Alemanha. Quando, em 15 de Fevereiro de 1987, a recorrente atingiu a idade de 65 anos, passou a ter direito a uma pensão de velhice ao abrigo da AOW. A Sociale Verzekeringsbank (Caixa de Segurança Social, de ora em diante «recorrida») fixou o montante dessa pensão em 44 % do montante de uma pensão completa. A redução de 56 % corresponde aos 28 anos do período em que não esteve segurada, compreendido entre 15 de Fevereiro de 1937 (data em que completou 15 anos) e 1 de Janeiro de 1966 (data em que o casal foi residir para os Países Baixos). |
6. |
O litígio no processo principal versa sobre a questão de saber se a recorrida podia legalmente proceder a essa redução. |
C — A questão prejudicial
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Por decisão de 17 de Agosto de 1988, o Raad van Beroep decidiu suspender a instância e solicitar ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, que se pronuncie a título prejudicial sobre a seguinte questão prejudicial: «Deve interpretar-se o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 no sentido de que é com ele incompatível uma disposição nacional que permite recusar ao interessado o direito a benefícios transitórios derivados da legislação nacional pela única razão de não residir no território do Estado-membro em que se encontra a instituição devedora, apesar de o anexo VI do regulamento estabelecer, em relação às pessoas que preencham determinados requisitos, um regime específico em virtude do qual são considerados períodos de seguro os decorridos antes de 1 de Janeiro de 1957?» |
8. |
O Raad van Beroep entende que se conclui dos acórdãos do Tribunal de 7 de Novembro de 1973, Śmieja (51/73, Recueil, p. 1213), de 10 de Junho de 1982, Camera (92/81, Recueil, p. 2213), de 23 de Outubro de 1986, Van Roosmalen (300/84, Colea., p. 3097) e de 24 de Fevereiro de 1987, Giletti e ourtos (379/85, Colect., p. 955), que o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 implica, de forma geral, que o direito à concessão de prestações transitórias não pode ser recusado ao interessado pela simples razão de, no dia em que completou 65 anos, não residir nos Países Baixos, salvo se nos encontrarmos em presença de uma excepção a essa norma, excepção expressamente enunciada na regulamentação comunitária. |
9. |
O Raad van Beroep constata, seguidamente, que o anexo VI, ao mesmo tempo que regula as particularidades relativas à aplicação do Regulamento n.o 1408/71 à legislação neerlandesa em matéria de seguro de velhice, se limita a enunciar as disposições com base nas quais os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 podem ser considerados períodos de seguro em relação aos interessados que não satisfaçam as condições exigidas pelos artigos 55.o e 56.o da AOW para a concessão das vantagens transitórias. |
10. |
A questão será a de saber se, pela aplicação do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, a recorrente responde às condições que dão direito ao benefício das vantagens transitórias. Apenas quando esteja estabelecido que as não satisfaz se suscitará a questão de saber se os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 podem ainda eventualmente ser considerados como períodos de seguro com base no anexo VI. O Raad van Beroep parece sugerir que o anexo VI não constituirá uma derrogação expressa ao princípio do n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71. O órgão jurisdiconal nacional considera, de resto, que as vantagens transitórias e a regulamentação prevista pelo anexo VI são duas regulamentações autónomas. Em todo o caso, mesmo que as disposições do anexo VI constituam uma regulamentação especial em relação às vantagens transitórias, será ainda necessário perguntar-se se o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 não implicará simplesmente dever a recorrente beneficiar das vantagens transitórias. |
II — Tramitação processual
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A decisão de reenvio foi registada na Secretaria do Tribunal em 7 de Outubro de 1988. |
12. |
Em conformidade com o disposto no artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas por:
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13. |
O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do proceso sem instrução. |
14. |
O Tribunal, por decisão de 21 de Junho de 1989, em aplicação do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 95.o do Regulamento Processual, decidiu atribuir o processo à Segunda Secção. |
III — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal
15. |
A Sociale Verzekeringsbank propõe ao Tribunal de Justiça que responda pela negativa à questão prejudicial. Refere, antes de mais, que os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957, para os quais é concedida uma pensão de velhice ao abrigo dos artigos 55.o e 56.o da AOW, não são períodos de seguro efectivos, mas períodos de seguro fictícios, dado o interessado não ter pago qualquer quotização. Os direitos à pensão correspondentes a esses períodos serão direitos «gratuitos», para a concessão dos quais se exigirá uma especial conexão com os Países Baixos. O mesmo ocorrerá para os «períodos de seguro», na acepção do anexo VI. Com efeito, as condições previstas na alínea f) são o equivalente comunitário das condições de seis anos e da residência actual previstas na AOW. A recorrida entende, seguidamente, que a sugestão do Raad van Beroep segundo a qual o anexo VI não constituirá uma disposição derrogatória do artigo 10.o do mesmo regulamento é inexacta. A propósito das vantagens transitórias, não se poderá falar de direitos recusados à interessada pela única razão de não residir no território do Estado em que se encontra a instituição devedora. A jurisprudência do Tribunal (ver, designadamente, os acórdãos de 10 de Junho de 1982, Camera, e de 24 de Fevereiro de 1987, Giletti, antes citados), relativa ao artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, não se aplicará às vantagens transitórias. De todo o modo, a inaplicabilidade do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 resultará do acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1986, Spruyt (284/84, Colect., p. 685), em que o Tribunal de Justiça terá reconhecido que, tendo em conta a natureza particular da AOW, a norma do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 não pode ser aplicada pura e simplesmente à AOW. O mesmo valerá a fortiori para as vantagens transitórias. Será necessário, com base no direito interno neerlandês, decidir antes de mais se o interessado preenche as condições que lhe permitam beneficiar das vantagens transitórias. Em caso de resposta negativa, será seguidamente necessário analisar se as disposições comunitárias permitirão ao interessado obter outras prestações. Nesse contexto, o anexo VI aplicar-se-á por derrogação ao Regulamento n.o 1408/71. O ponto de partida da regulamentação contida no anexo VI será de que o interessado que não beneficie de vantagens transitórias deve ainda poder beneficiar de direitos à pensão para períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 e para os quais tenha uma conexão com os Países Baixos, quer no plano da residência do interessado quer a nível da sua actividade assalariada. Não existe qualquer razão para conceder ao trabalhador migrante um direito a pensão para períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 durante os quais não tenha tido qualquer conexão com os Países Baixos. A aceitar-se que o artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 se aplica pura e simplesmente à AOW, praticamente quem quer que tenha estado segurado ao abrigo da AOW, seja em que momento for após 1 de Janeiro de 1957, poderá invocar o direito às vantagens transitórias (gratuitas). Tal solução também não resulta do princípio da livre circulação dos trabalhadores. Nos acórdãos de 25 de Fevereiro de 1986, De Jong (254/84, Colect., p. 671), e Spruyt (antes referido), o Tribunal de Justiça decidiu que basta, à luz desse princípio, que os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 sejam considerados para o cálculo dos direitos à pensão ao abrigo da AOW unicamente na medida em que, durante esses períodos, os interessados tenham residido nos Países Baixos ou aí tenham exercido uma actividade assalariada. |
16. |
O Governo dos Países Baixos entende que nem o princípio da livre circulação das pessoas nem o artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 têm por efeito não se poder prever qualquer condição de residência para a concessão de vantagens atribuídas sem contrapartida da parte do interessado. O n.o 1 do artigo 10.o do regulamento antes referido diz respeito a direitos que tenham sido adquiridos ou a pretensões que possam ser reconhecidas no momento da ocorrência do risco em questão. As vantagens transitórias não podem ser consideradas abrangidas no âmbito do n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71. O Governo neerlandês considera que, no acórdão de 25 de Fevereiro de 1986, Spruyt (antes referido), o Tribunal de Justiça sancionou expressamente o princípio segundo o qual as condições de residência fixadas no âmbito da AOW, em conjunção com as regras inscritas no anexo VI, são conformes com o direito comunitário. O anexo VI não teria qualquer sentido se, por força do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, quem quer que residisse nos Estados-membros tivesse direito às vantagens transitórias. O Governo neerlandês propõe que se responda à questão prejudicial que o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 não deve ser interpretado no sentido de que uma disposição de direito nacional como a em questão no presente caso, que prevê que o direito às vantagens transitórias ao abrigo da legislação nacional pode ser recusado ao interessado apenas pela razão de este não residir no território do Estado em que se encontra o organismo devedor, é incompatível com o referido artigo, dado que se trata de um regime como o da AOW, no qual basta ser residente para se estar segurado, e o anexo VI conter uma regulamentação específica relativa à tomada em consideração, como anos de seguro, de períodos que se situam antes de 1 de Janeiro de 1957, para quem preencha certas condições. |
17. |
A Comissão entende que nem o artigo 51.o do Tratado CEE nem qualquer disposição do Regulamento n.o 1408/71 se opõem à exigência da condição da residência actual. Recorda os acórdãos do Tribunal de Justiça Śmieja, Giuliani, Camera, De Jong, Spruyt, Van Roosmalen, Giletti, antes referidos, e o de 23 de Setembro de 1987, De Rijke (43/86, Colect., p. 3611), para concluir que não se pode afirmar, no presente caso, ter sido recusado a um interessado «um direito adquirido» a uma prestação «pela única razão de não residir no território do Estado-membro em que se encontra a instituição devedora da prestação», como terá ocorrido nos processos citados. A resposta à questão prejudicial deverá ser encontrada no acórdão Spruyt. Segundo a Comissão, é preciso determinar, antes de mais, com base no direito nacional aplicável, se se trata do nascimento de um direito. Não se poderá contestar que a recorrente não satisfaz as condições previstas pelos artigos 55.o e 56.o da AOW para beneficiar das vantagens transitórias. Em direito nacional, não se pode, portanto, tratar de um «direito adquirido». E conveniente analisar se o Regulamento n.o 1408/71, em complemento ao direito nacional, dá direito às vantagens transitórias. Segundo a Comissão, tal não será o caso. Acrescenta que se o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 se opusesse à condição da residência actual, o anexo VI ficaria destituído de objecto. O regulamento visa promover a livre circulação dos trabalhadores, suprimindo os eventuais obstáculos que resultem dos regimes nacionais no domínio da segurança social, e não exige a atribuição de prestações para os períodos durante os quais o interessado não tenha residido ou trabalhado nos Países Baixos. As consequências da tese oposta são enormes. Os nacionais dos Estados-membros que tenham estado segurados pelo menos um dia ao abrigo da AOW poderiam, nesse caso, desde que tivessem residido durante seis anos após a data em que tenham completado 59 anos num dos Estados-membros e aí continuassem a residir, beneficiar gratuitamente de uma pensão de velhice para os anos compreendidos entre a data em que tenham completado quinze anos e 1 de Janeiro de 1957. A Comissão propõe ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma à questão submetida: «Nem o artigo 51.o do Tratado CEE nem qualquer disposição do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, em especial o n.o 1 do artigo 10.o, se opõem a que um Estado-membro, na aplicação de um regime legal como o da AOW neerlandesa, que prevê um seguro de velhice generalizado para todos os nacionais e pessoas assimiladas, não conceda, aos segurados que não satisfaçam as condições estabelecidas por esse regime legal para que os períodos anteriores à sua entrada em vigor sejam assimilados a períodos de seguro de pensão de velhice, essa equivalência para os primeiros dos referidos períodos, quando não tenham residido ou trabalhado no Estado-membro em questão durante os períodos considerados.» |
G. F. Mancini
Juiz relator
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Segunda Secção)
2 de Maio de 1990 ( *1 )
No processo C-293/88,
que tem por objecto um pedido apresentado ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Raad van Beroep de Amesterdão e destinado a obter, no litígio nele pendente entre
E. M. Winter-Lutzins, residente em Minden (República Federal da Alemanha)
e
Bestuur van de Sociale Verzekeringsbank, com sede em Amesterdão (Países Baixos),
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão dada pelo Regulamento (CEE) n.o 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), e, designadamente, do seu anexo VI, título I, Países Baixos, n.o 2, alínea a) e f),
O TRIBUNAL (Segunda Secção),
constituído pelos Srs. F. A. Schockweiler, presidente de secção, G. F. Mancini e T. F. O'Higgins, juízes,
advogado-geral: M. Darmon
secretário: H. A. Rühl, administrador principal
vistas as observações apresentadas:
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pela Sociale Verzekeringsbank, recorrida no processo principal, pelos advogados B. H. ter Kuile e E. H. Pijnacker Hordijk, respectivamente em Haia e em Bruxelas, |
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pelo Governo do Reino dos Países Baixos, por H. J. Heinemann, secretário-geral adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, |
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pela Comissão das Comunidades Europeias, por R. D. Gouloussis, consultor jurídico, e B. J. Drijber, membro do Serviço Jurídico da Comissão, na qualidade de agentes, |
visto o relatório para audiência,
ouvidas as observações orais da Sociale Verzekeringsbank, representada pelo advogado E. H. Pijnacker Hordijk, do Governo do Reino dos Países Baixos, representado por J. W. De Zwaan, e da Comissão, representada por B. J. Drijber, apresentadas na audiência de 9 de Novembro de 1989,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 7 de Fevereiro de 1990,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por decisão de 17 de Agosto de 1988, entrada na Secretaria do Tribunal em 7 de Outubro seguinte, o Raad van Beroep de Amesterdão submeteu, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.o 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), e designadamente do seu anexo VI, título I, Países Baixos, n.o 2, alíneas a) e f). |
2 |
Esta questão foi suscitada no âmbito do litígio nele pendente que opõe E. M. Winter-Lutzins, de nacionalidade alemã, à direcção da Sociale Verzekeringsbank (de ora em diante «SVB») relativamente à aplicação da lei neerlandesa sobre o seguro de velhice generalizado, a Algemene Ouderdomswet (de ora em diante «AOW») no cálculo da pensão de velhice a que tem direito E. M. Winter-Lutzins. |
3 |
A AOW instaurou um sistema de seguro de velhice generalizado de que são beneficiárias todas as pessoas que residam nos Países Baixos. O montante da pensão de velhice é função do número de anos de seguro cumpridos entre os 15 e os 65 anos. A AOW prevê um regime transitório segundo o qual, sob certas condições, os anos entre os 15 anos de idade do beneficiário e 1 de Janeiro de 1957, data da entrada em vigor da lei, são considerados como períodos de seguro (de ora em diante «regime transitório»). Sem esse regime, ninguém poderia obter uma pensão ao abrigo da AOW à taxa plena de 100 % antes do ano 2007, dado a pensão ser igual a 2 % do salário mínimo por ano de seguro. |
4 |
Entre as condições dessa assimilação constam, por força do n.o 1 do artigo 55.o da AOW, a residência do interessado, ininterrupta ou não, nos Países Baixos durante seis anos após a data em que tenha completado 59 anos (de ora em diante «condição dos seis anos») e, por força do n.o 6 do artigo 56.o da AOW, a residência do interessado nos Países Baixos após a data em que tenha completado 65 anos (de ora em diante «condição da residência actual»). |
5 |
Nos termos do artigo 10.o, n.o 1 do Regulamento n.o 1408/71: «Salvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações... de velhice... adquiridas ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados-membros não podem sofrer qualquer redução... pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.» |
6 |
O Regulamento n.o 1408/71 contém, no anexo VI, título I, Países Baixos, n.o 2, alíneas a) e f) (de ora em diante «anexo VI») as seguintes disposições sobre a aplicação da legislação neerlandesa sobre o seguro de velhice generalizado :
...
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7 |
Resulta da decisão de reenvio que E. M. Winter-Lutzins, nascida em 15 de Fevereiro de 1922, na Alemanha, residiu nos Países Baixos com o seu marido de 1 de Janeiro de 1966 até 30 de Novembro de 1983 e aí exerceu uma actividade assalariada de 1973 a 1980, ano em que foi reformada por incapacidade para o trabalho, nos termos da Wet op de Arbeidsongeschiktheidsverzekering (lei relativa ao seguro por incapacidade para o trabalho). A partir de 1 de Dezembro de 1983, E. M. Winter-Luzins passou a residir de novo na República Federal da Alemanha. Aos 65 anos de idade, passou a ter direito a uma pensão de velhice ao abrigo da AOW. |
8 |
Ao calcular essa pensão, a SVB aplicou uma redução de 56 %, correspondente aos 28 anos em que não esteve segurada, contados entre 15 de Fevereiro de 1937 (data em que E. M. Winter-Lutzins fez 15 anos) e 1 de Janeiro de 1966 (data a partir da qual o casal Winter-Lutzins passou a residir nos Países Baixos). A SVB operou essa redução com fundamento em que E. M. Winter-Lutzins não preenchia a condição de residência actual que dá direito à aplicação do regime transitório. |
9 |
O Raad van Beroep, para o qual E. M. Winter-Lutzins interpôs recurso, entende que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 resulta não poder ser recusada à interessada a concessão das vantagens previstas pelo regime transitório apenas por, à data em que completou 65 anos, não residir nos Países Baixos. Segundo o órgão jurisdicional nacional, o anexo VI, embora regule casos particulares de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 à legislação neerlandesa em matéria de seguro de velhice, contém apenas as disposições com base nas quais os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 podem ser considerados períodos de seguro em relação aos interessados que não satisfaçam as condições exigidas pelos artigos 55.o e 56.o da AOW para a concessão das vantagens previstas pelo regime transitório. |
10 |
O Raad van Beroep de Amesterdão submeteu, pois, ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Deve interpretar-se o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 no sentido de que é com ele incompatível uma disposição nacional que permite recusar ao interessado o direito a benefícios transitórios derivados da legislação nacional pela única razão de não residir no território do Estado-membro em que se encontra a instituição devedora, apesar do anexo VI do regulamento estabelecer, em relação às pessoas que preencham determinados requisitos, um regime específico em virtude do qual são considerados períodos de seguro os decorridos antes de 1 de Janeiro de 1957?» |
11 |
Para mais ampla exposição do quadro normativo e da matéria de facto do litígio na causa principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal. |
12 |
Há que observar, antes de mais, que as disposições do anexo VI do Regulamento n.o 1408/71, redigidas tendo especialmente em vista as disposições da AOW e destinadas a completá-las, devem ser consideradas tendo em conta o sistema e as disposições da legislação nacional. No âmbito do sistema da AOW, os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957, para os quais é concedida uma pensão de velhice ao abrigo dos artigos 55.o e 56.o da AOW, não são períodos de seguro efectivo, dado que o interessado não pagou qualquer quotização. A residência é o único critério constitutivo do seguro. |
13 |
Convém recordar, seguidamente, o acórdão de 25 de Fevereiro de 1986, Spruyt (284/84, Colect., p. 685), no qual o Tribunal de Justiça declarou que as disposições do Regulamento n.o 1408/71, e muito especialmente as do seu anexo VI, adoptadas em execução do artigo 51.o do Tratado, devem ser interpretadas à luz da finalidade deste artigo, que é a de contribuir para o estabelecimento de uma tão completa quanto possível liberdade de. circulação dos trabalhadores migrantes, princípio que se inscreve nos fundamentos da Comunidade. |
14 |
O artigo 51.o impõe, com efeito, ao Conselho, a adopção, no domínio da segurança social, das medidas necessárias para o estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores, especialmente pela instituição do pagamento de prestações às pessoas que residam nos territórios dos Estados-membros. O escopo dos artigos 48.o a 51.o não seria atingido se, por efeito do exercício do direito de livre circulação, os trabalhadores viessem a perder os benefícios de segurança social que lhes garanta a legislação de um Estado-membro. |
15 |
É assim que o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, respeitante à supressão das cláusulas de residência, tem como objectivo garantir ao interessado o direito de beneficiar das prestações de segurança social mesmo depois de ter fixado residência noutro Estado-membro, e favorecer a livre circulação de trabalhadores, ao proteger os interessados dos prejuízos que poderão resultar da mudança da sua residência de um Estado-membro para outro. Como o Tribunal já declarou no acórdão de 7 de Novembro de 1973, Smieja (51/73, Recueil, p. 1213), este objectivo exige que a protecção se estenda a um benefício que, embora previsto no quadro de um regime particular, como o regime transitòrio da AOW, se concretiza por um aumento do nível da pensão que, sem aquela mudança, caberia ao beneficiário. |
16 |
As modalidades particulares de aplicação deste princípio pela aplicação da legislação neerlandesa relativa ao seguro generalizado de velhice são regulamentadas pelo anexo VI, título I, Países Baixos, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71. Com efeito, a regra do artigo 10.o, afastando a aplicação das cláusulas de residência, não pode ser aplicada sem restrições a um sistema de seguro generalizado de velhice em que a simples circunstância de residir nos Países Baixos basta para estar segurado. |
17 |
A alínea a) do n.o 2 faz depender, pois, para as pessoas que tenham residido durante seis anos, após terem atingido os 59 anos de idade, noutro Estado-membro, em conformidade com o previsto na alínea f), a contagem de períodos anteriores à entrada em vigor da lei, do requisito suplementar de se tratar de períodos durante os quais o beneficiário tenha residido nos Países Baixos ou aí tenha exercido uma actividade assalariada. Tais períodos apresentam, com efeito, uma conexão suficiente com o regime neerlandês. |
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O jogo das cláusulas de residência não pode redundar em negar-se o direito à assimilação para os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957 durante os quais o interessado, com mais de 15 anos, tinha uma conexão com os Países Baixos. Os outros efeitos das cláusulas de residência, no que se refere ao regime transitório da AOW, são autorizados pelas disposições do anexo VI, que, nesse sentido, restringem o âmbito de aplicação do artigo 10.o |
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A aplicação do n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71, segundo as modalidades fixadas pelo anexo VI, permite, portanto, que às pessoas que não preencham a condição de residência actual e não tenham tido qualquer conexão com os Países Baixos durante o período compreendido entre a data em que completaram 15 anos e 1 de Janeiro de 1957 seja recusada a assimilação desse período a anos de seguro ao abrigo da AOW. |
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Há, portanto, que responder à questão submetida pelo Raad van Beroep de Amesterdão que o n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que não é com ele incompatível uma disposição nacional que permite recusar ao interessado o direito às prestações transitórias previstas pela legislação nacional pela única razão de não residir no território do Estado em que se encontra a instituição devedora, tendo em conta o facto de o anexo VI do regulamento conter uma regulamentação específica relativa à tomada em consideração, enquanto anos de seguro, para pessoas que preencham certas condições, dos períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957. |
Quanto às despesas
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As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL (Segunda Secção), pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Raad van Beroep de Amesterdão por decisão de 17 de Agosto de 1988, declara: |
O n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que não é com ele incompatível uma disposição nacional que permite recusar ao interessado o direito às prestações transitórias previstas pela legislação nacional pela única razão de não residir no território do Estado em que se encontra a instituição devedora, tendo em conta o facto de o anexo VI do regulamento conter uma regulamentação específica relativa à tomada em consideração, enquanto anos de seguro, para pessoas que preencham certas condições, dos períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1957. |
Schockweiler Mancini O'Higgins Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 2 de Maio de 1990. O secretário J.-G. Giraud O presidente da Segunda Secção F. A. Schockweiler |
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.