RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA NO PROCESSO

apresentado no processo C-143/88 ( *1 )

Sumário

 

I — Matéria de facto e tramitação processual

 

A — Regulamentação comunitária

 

1. Regulamento de base

 

2. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção

 

3. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

 

4. Regulamentos posteriores

 

B — Matéria de facto e processo principal

 

1. Matéria de facto e tramitação processual

 

2. Questões prejudiciais

 

a) No que respeita à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, decidindo em processo de medidas provisórias, para suspender a execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário

 

b) No que respeita aos requisitos para a concessão da suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário

 

c) No que respeita à validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

 

— Quanto à acusação de violação do procedimento instituído pelo artigo 201.° do Tratado CEE

 

— Quanto à acusação de desrespeito pelo princípio da não rectroactividade

 

C — Tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

 

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

 

A — Quanto à primeira parte da primeira questão (competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, decidindo em processo de medidas provisórias, para suspender a execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário)

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Governo italiano

 

3. Posição do Governo do Reino Unido

 

4. Posição do Conselho

 

5. Posição da Comissão

 

B — Quanto à segunda parte da primeira questão (requisitos para a concessão da suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário)

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Governo italiano

 

3. Posição da Comissão

 

C — Quanto à segunda questão (validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

a) Violação do procedimento instituído pelo artigo 201.° do Tratado CEE

 

b) Incompatibilidade do Regulamento n.° 1914/87 com o regulamento de base

 

c) Proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos alheios à organização de mercado que lhe respeita ou com encargos financeiros desproporcionados

 

d) Desrespeito pelo princípio da não retroactividade

 

e) Prática de uma discriminação

 

f) Violação do direito de propriedade e desrespeito pelo livre exercício das actividades económicas

 

g) Desvio de poder

 

h) Violação dos princípios fundamentais do direito público alemão em matéria de cobrança de impostos

 

2. Posição do Governo do Reino Unido

 

a) No que respeita à acusação de violação do procedimento instituído pelo artigo 201.° do Tratado CEE

 

b) No que respeita à acusação de desrespeito pelo princípio da não retroactividade

 

3. Posição do Conselho

 

4. Posição da Comissão

 

III — Respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça

 

A — Questões colocadas à Zuckerfabrik Süderdithmarschen

 

B — Questão colocada ao Governo do Reino Unido

 

C — Questões colocadas ao Conselho

 

D — Questão colocada à Comissão

I — Materia de facto e tramitação processual

A — Regulamentação comunitária

1. Regulamento de base

A organização comum de mercado no sector do açúcar é disciplinada pelo Regulamento (CEE) n.° 1785/81 do Conselho, de 30 de Junho de 1981JO L 177, p. 4; EE 03 F22 p. 80, a seguir «regulamento de base»).

A situação da Comunidade em matèria de açúcar caracteriza-se por excedentes estruturais. Com vista a suster a produção de açúcar, o regulamento de base prevê a atribuição de quotas de produção aos fabricantes de açúcar.

Para tanto, o artigo 24.° do regulamento de base fixa, para cada região de produção (que coincidem, no essencial, com o território dos Estados-membros), uma quantidade de base A e uma quantidade de base B.

Essas quantidades de base são fixadas para cada campanha de comercialização anual, as quais se prolongam de 1 de Julho a 30 de Junho do ano seguinte.

As quantidades de base A e as quantidades de base B atribuídas às diferentes regiões de produção são o resultado de negociações políticas.

Os Estados-membros repartem a sua quantidade A entre as empresas, sob a forma de quotas A e a sua quantidade B, sob a forma de quotas B.

O conjunto das quotas A atribuídas por campanha de comercialização corresponde aproximadamente ao consumo humano de açúcar na Comunidade durante a campanha. Para determinar a quota A de uma determinada empresa toma-se em consideração, designadamente, a produção anual média que tenha registado durante determinadas campanhas anteriores. A quota B das empresas é calculada de acordo com a média das produções mais elevadas que tenham registado durante três das campanhas 1975/1976 a 1979/1980, não podendo ser inferior a 10 % da sua quota A (artigo 24.° do regulamento de base).

O açúcar produzido dentro dos limites das quotas A (açúcar A) e o produzido através das quotas B (açúcar B) constituem o mesmo produto. No entanto, o regime jurídico varia nalguns aspectos consoante a produção tenha lugar no âmbito das quotas A ou das quotas B.

O açúcar A e o açúcar B podem ser livremente comercializados na Comunidade. Beneficiam nesse caso de uma garantia de preços e de escoamento graças a um sistema de intervenção. Podem igualmente ser exportados. Se o preço de intervenção for superior ao preço do açúcar no mercado mundial, a diferença é coberta por uma restituição à exportação. Por cada quilo de açúcar que exportem, os fabricantes recebem uma importância igual à diferença entre os dois preços. Se o preço de intervenção for inferior ao preço do açúcar no mercado mundial, é cobrado um direito nivelador. Por cada quilo de açúcar que exportem, os fabricantes devem então pagar uma importância igual à diferença entre o preço de intervenção e o preço do mercado mundial, por hipótese superior.

O açúcar produzido para além das quotas A e B de uma empresa (denominado «açúcar C») não beneficia do sistema de intervenção. Deve ser exportado para fora da Comunidade e não beneficia de nenhuma restituição à exportação.

Efectivamente, o preço de intervenção é sempre superior ao preço do açúcar no mercado mundial. Dado que é possível produzir, dentro do limite das quotas B, quantidades de açúcar excedendo o consumo comunitário que beneficiam de restituições à exportação, a Comunidade deve suportar importantes encargos em restituições à exportação.

Estas são financiadas, num primeiro momento, por créditos do orçamento comunitário. O regulamento de base prevê, todavia, um sistema de quotizações à produção que deve permitir repercutir integralmente no sector de actividade em causa os encargos que da exportação de açúcar resultam para a Comunidade. A este propósito, o décimo primeiro considerando do regulamento de base menciona que o objectivo é «assegurar de forma justa mas eficaz o financiamento integral pelos próprios produtores dos encargos de escoamento dos excedentes resultantes da diferença entre a produção da Comunidade e o seu consumo».

O artigo 28.° do regulamento de base define o regime das quotizações destinadas a alcançar esse objectivo. Essas quotizações incidem, em diferente medida, sobre a produção de açúcar A e de açúcar B.

Antes do final de cada campanha de comercialização procede-se a uma estimativa da perda global previsível, a qual será igual à diferença previsível entre o montante total das restituições a pagar e o dos direitos niveladores a receber durante a campanha em causa.

A fim de cobrir a perda global previsível, são exigidas duas quotizações aos fabricantes de açúcar: uma quotização à produção de base e uma quotização B.

A quotização à produção de base será cobrada sobre o fabrico de açúcar A e de açúcar B e não pode exceder 2 % do preço de intervenção do açúcar branco.

Se a quotização à produção de base não bastar para cobrir a perda global previsível, cobra-se uma quotização B. Esta quotização não pode, em princípio, ultrapassar 30 % do preço de intervenção do açúcar branco. Tal percentagem pode atingir, no máximo, 37,5 % no caso de a quotização à produção de base e a quotização B, limitada a 30 %, não permitirem cobrir integralmente a perda global previsível.

O regulamento de base prevê uma certa repercussão das duas quotizações sobre os produtores de beterraba. Essa repercussão processa-se através da fixação do preço-base da beterraba, bem como de uma redução do preço mínimo da beterraba que os fabricantes de açúcar devem pagar aos produtores de beterraba (artigos 4.° e 5.° do regulamento de base).

2. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção

Por força do artigo 23.° do regulamento de base, o sistema de quotas e de quotizações acima descrito funcionou para as campanhas de comercialização 1981/1982 a 1985/1986.

Após esse período, as quotizações criadas pelo regulamento de base revelaram-se largamente insuficientes para assegurar o autofinanciamento integral do sector. De facto, embora as quotizações tenham sido aplicadas às taxas máximas autorizadas pelo regulamento de base, designadamente através do aumento do limite máximo da quotização B de 30 % para 37,5 %, verificou-se um défice de 400 milhões de ecus no termo do período 1981/1982 a 1985/1986.

Em 24 de Março de 1986, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 934/86, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1785/81 que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 87, p. 1, a seguir «regulamento que instaura a quotização de reabsorção»).

Este regulamento tornou o sistema de quotas e de quotizações instituído pelo regulamento de base extensivo às campanhas de comercialização 1986/1987 a 1990/1991. Os fabricantes de açúcar tiveram, assim, que pagar quotizações à produção de base e quotizações B durante mais cinco campanhas.

Por outro lado, o novo regulamento introduziu no regulamento de base um artigo 32.°-A que cria, a par das duas quotizações já existentes, uma quotização suplementar denominada «quotização de reabsorção». Destina-se esta a reabsorver, à razão de 80 milhões de ecus por campanha durante o período 1986/1987 a 1990/1991, o défice de 400 milhões de ecus registado no final do período 1981/1982 a 1985/1986.

Como resulta do oitavo considerando do regulamento que instaura a quotização de reabsorção, revelou-se materialmente impossível diferenciar o montante da nova quotização em função da participação dos produtores agrícolas e das empresas de transformação na criação do défice registado, atendendo à evolução que a estrutura de produção do sector conheceu em cinco anos (trata-se de uma alusão ao desaparecimento de certos produtores em consequência de falências, falecimentos, etc). Só uma aplicação diferenciada da quotização de reabsorção consoante as regiões de produção se afigurou possível.

O artigo 32.°-A fixou, assim, por região de produção, montantes a pagar pelos fabricantes de açúcar, a título de quotização de reabsorção, pela produção de 100 quilos de açúcar branco. Não se operou qualquer distinção consoante a produção se tivesse efectuado no âmbito da quota A ou da quota B da empresa.

O artigo 32.°-A previa que os fabricantes de açúcar pudessem exigir aos vendedores de beterraba o reembolso da quotização de reabsorção à razão de 60 % desta.

3. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

A campanha de comercialização de 1986/1987 terminou em 30 de Junho de 1987. Verificou-se que, só ao longo desta campanha, se registou um défice suplementar da ordem dos 227 milhões de ecus, só por si superior a metade do défice registado ao longo das cinco campanhas anteriores.

Em 2 de Julho de 1987, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 (JO L 183, p. 5, a seguir «regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial»). É a validade deste regulamento que é discutida nos presentes processos prejudiciais.

Tal como o regulamento de base e o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial foi adoptado com base no artigo 43.° do Tratado. Esta disposição prevê que o Conselho delibera por maioria qualificada sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu.

Contrariamente ao que acontecia com o Regulamento n.° 934/86 que instaura a quotização de reabsorção, o novo regulamento não altera o regulamento de base. Contém, todavia, numerosas referências a este último, quer nos seus considerandos quer nas suas disposições.

A quotização de reabsorção especial destina-se a reabsorver integralmente a parte da perda global resultante da campanha de produção de 1986/1987 não coberta pelas receitas provenientes das quotizações instauradas pelo regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B).

É calculada, para cada fabricante de açúcar, multiplicando a verba devida por este em relação à campanha de comercialização de 1986/1987, a título das quotizações instauradas pelo regulamento de base, por um determinado coeficiente, idêntico para toda a Comunidade e que é fixado de modo a que a parte da perda por reabsorver para a campanha em causa seja integralmente coberta. Foi fixado em 0,38873 pelo Regulamento (CEE) n.° 3061/87 da Comissão, de 13 de Outubro de 1987, que fixa o coeficiente de cálculo da quotização de reabsorção especial para a campanha de comercialização de 1986/1987 no sector do açúcar JO L 290, p. 10).

Tal como o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial dispõe que os fabricantes de açúcar podem exigir dos vendedores de beterraba o reembolso de 60% da quotização por ele criada. Esse reembolso pode ser obtido através de uma diminuição correspondente do preço pago pela beterraba fornecida, quer a título da campanha de comercialização de 1986/1987, quer a título da campanha seguinte.

Verifica-se, portanto, que os fabricantes de açúcar suportaram quotizações de três tipos sobre a produção da campanha de comercialização de 1986/1987: as quotizações criadas pelo regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B), a quotização de reabsorção, destinada a reabsorver, nessa campanha, 80 milhões de ecus, correspondentes a parte da perda acumulada nò período 1981/1982 a 1985/1986 e, finalmente, a quotização de reabsorção especial que deveria cobrir uma perda de 227 milhões de ecus, resultante da produção durante a campanha de 1986/1987, não reabsorvida pelas quotizações instauradas pelo regulamento de base.

4. Regulamentos posteriores

Posteriormente aos factos que suscitaram os presentes processos prejudiciais, o Conselho adoptou, também com base no artigo 43.° do Tratado, dois outros regulamentos relativos ao regime das quotizações no sector do açúcar.

Num desses regulamentos [Regulamento (CEE) n.° 1108/88, de 25 de Abril de 1988, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1987/1988 JO L 110, p. 25)], o Conselho instaurou, para a campanha de comercialização de 1987/1988, uma quotização de reabsorção especial idêntica à criada pelo regulamento em causa para a campanha de 1986/1987.

Noutro regulamento [Regulamento (CEE) n.° 1107/88, de 25 de Abril de 1988, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1785/81 que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar JO L 110, p. 20)], o Conselho inseriu no regulamento de base um artigo 28.°-A, através do qual instaurou, para as campanhas de 1988/1989, 1989/1990 e 1990/1991, uma quotização denominada «quotização complementar». Trata-se de uma quotização idêntica, quanto às suas finalidades e ao seu mecanismo, à quotização de reabsorção especial. Destina-se, portanto, a cobrir integralmente, em relação a cada uma das campanhas de comercialização em causa, os défices não cobertos pelas outras quotizações instauradas pelo regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B).

B — Matéria de facto e processo principal

1. Matéria de facto e tramitação processual

Por decisão de 19 de Outubro de 1987, o Hauptzollamt Itzehoe (organismo principal das alfândegas de Itzehoe), recorrido no processo principal, exigiu à Zuckerfabrik Süderdithmarschen, recorrente no processo principal, o pagamento de 1982942,66 DM a título de quotização de reabsorção especial relativa à campanha de comercialização de 1986/1987.

A Zuckerfabrik Süderdithmarschen reclamou desta decisão, tendo a reclamação sido indeferida.

A Zuckerfabrik apresentou então ao Finanzgericht Hamburg um pedido de suspensão da execução da decisão do Hauptzollamt. Interpôs igualmente recurso de anulação da referida decisão para o mesmo órgão jurisdicional. Em apoio de ambos os pedidos, a Zuckerfabrik alegou que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial, no qual se baseava a decisão do Hauptzollamt, era inválido.

Por despacho de 31 de Março de 1988, o Finanzgericht Hamburg deferiu o pedido de suspensão da execução da decisão do Hauptzollamt e colocou ao Tribunal de Justiça diversas questões prejudiciais, infra reproduzidas. Noutro despacho, o Finanzgericht decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronunciasse sobre as questões prejudiciais.

2. Questões prejudiciais

As questões sobre que o Finanzgericht solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse a título prejudicial, no âmbito do processo de suspensão da execução, são as seguintes:

«1)

a)

Deve interpretar-se o segundo parágrafo do artigo 189.° do Tratado CEE no sentido de que a aplicabilidade geral dos regulamentos nos Estados-membros não exclui a possibilidade de os tribunais nacionais suspenderem a execução de um acto administrativo baseado num regulamento até ser proferida decisão no processo principal, como medida de tutela provisória de direitos?

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão 1, alínea a): em que condições podem os tribunais nacionais garantir uma tutela provisória de direitos? Existe quanto a este ponto algum critério jurídico próprio do direito comunitário e, em caso afirmativo, qual? Ou a tutela provisória rege-se pelo direito nacional?

2)

O Regulamento n.° 1914/87, do Conselho, de 2 de Julho de 1987, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987, é válido? E, mais concretamente, é o citado regulamento inválido por violar o princípio da não retroactividade dos regulamentos criadores de encargos?»

Para explicar estas questões, o Finanzgericht desenvolveu, no despacho de reenvio, as seguintes considerações.

a)

No que respeita à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, decidindo em processo de medidas provisórias, para suspender a execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário

No que respeita à primeira parte da primeira questão, o Finanzgericht afirma que é obrigado, por força do direito nacional, a decretar a suspensão da execução de uma decisão nacional sempre que tiver sérias dúvidas acerca da sua validade. Interroga-se, no entanto, sobre se poderá agir da mesma forma no caso de ser a validade de um regulamento comunitário, no qual a decisão nacional se baseia, que se lhe afigura duvidosa.

A favor da existência de tal competência, o Finanzgericht afirma que a suspensão da execução não afecta a decisão nacional na sua essência, mais não fazendo do que diferir a sua eventual aplicação. Além disso, a adopção de medidas provisórias não põe em causa a validade substancial do regulamento comunitário.

Contra a competência de decretar a suspensão de um acto nacional baseado num regulamento comunitário, o Finanzgericht chama a atenção para o facto de tal medida de suspensão ser eventualmente incompatível com a aplicabilidade directa dos regulamentos em todos os Estados-membros, consagrada no artigo 189.°, segundo parágrafo, do Tratado. O Finanzgericht sublinha igualmente que a concessão da suspensão da execução nos termos do artigo 185.° do Tratado ou de medidas provisórias nos termos do artigo 186.° obedece a regras diferentes das do direito alemão.

b)

No que respeita aos requisitos para a concessão da suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário

Quanto à segunda parte da primeira questão, o Finanzgericht entende que a remissão para os requisitos estabelecidos pelos respectivos direitos nacionais poderia ser uma fonte de discriminação entre os operadores dos diferentes Estados-membros. Em contrapartida, a aplicação, por analogia, do artigo 83.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça poderia revelar-se uma solução apta a garantir a igualdade de tratamento.

c)

No que respeita à validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

Para esclarecer o alcance da segunda questão, o Finanzgericht analisa dois dos fundamentos de invalidade perante si invocados pela Zuckerfabrik.

— Quanto à acusação de violação do procedimento instituído pelo artigo 201.° do Tratado CEE

Em primeiro lugar, a Zuckerfabrik defendeu que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial deveria ter-se fundado no artigo 201.° do Tratado e não no artigo 43.° do Tratado. A quotização de reabsorção especial é, na realidade, uma taxa de financiamento e, portanto, um recurso próprio na acepção do artigo 201.° do Tratado. Ora, segundo esta disposição, a instituição de recursos próprios exige uma decisão do Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu, bem como uma actuação dos Estados-membros, em conformidade com as respectivas normas constitucionais.

O Finanzgericht não pensa que este primeiro argumento seja procedente. Em seu entender, a quotização de reabsorção especial faz parte da organização comum de mercado no sector agrícola, tendo, portanto, sido validamente instaurada com base no artigo 43.° do Tratado. O procedimento do artigo 201.° do Tratado só deve ser seguido, no entender do Finanzgericht, quando se trata de inscrever no orçamento das Comunidades Europeias uma contribuição financeira enquanto recurso próprio. Pelo contrário, a instauração de uma quotização destinada a regularizar um mercado agrícola não exige o recurso ao artigo 201.° do Tratado.

— Quanto à acusação de desrespeito pelo princípio da não rectroactividade

Em segundo lugar, a Zuckerfabrik invocou perante o Finanzgericht que o regulamento que instaura uma quotização de reabsorção especial era contrário ao princípio da não retroactividade. O Finanzgericht comunga desta opinião e manifesta sérias dúvidas acerca da validade do regulamento em questão.

A este propósito, sublinha, em primeiro lugar, que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial foi adoptado após o termo da campanha de comercialização cujas perdas se destina a reabsorver. Além disso, este regulamento relaciona o pagamento da quotização com factos passados, como é o caso, por exemplo, do fabrico de açúcar durante a referida campanha de comercialização. Neste último ponto, o tribunal a quo entende que o referido regulamento se distingue do Regulamento n.° 934/86, de 24 de Março de 1986, que instaura a quotização de reabsorção. Este último relacionou o pagamento da quotização de reabsorção com factos futuros, ou seja, com o fabrico de açúcar a decorrer durante as campanhas 1986/1987 a 1990/1991. O regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial tem, por seu lado, um efeito verdadeiramente retroactivo.

O Finanzgericht recorda, em seguida, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um acto comunitário só pode excepcionalmente produzir efeitos numa data anterior à da sua publicação desde que o objectivo a alcançar o exija e desde que a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (ver, designadamente, acórdão de 30 de Setembro de 1982, Amylum, n.° 4, 108/81, Recueil, p. 3107).

O Finanzgericht não considera que seja necessário examinar se o primeiro destes requisitos se encontra preenchido, ou seja, se o objectivo do financiamento integral do sector do açúcar exigia que a quotização de reabsorção especial fosse aplicada retroactivamente. Efectivamente, em seu entender, o segundo requisito, relativo ao respeito pela confiança legítima dos interessados, não está preenchido no caso em apreço. Duas considerações justificam, no entender do tribunal a quo, esta última apreciação.

Em primeiro lugar, o regulamento de base limitou a contribuição financeira dos fabricantes de açúcar para a reabsorção das perdas a certas percentagens máximas do preço de intervenção do açúcar. Os interessados esperavam, legitimamente, que tais percentagens não fossem ultrapassadas.

Além disso, o regulamento de base instituiu quotizações que, embora devidas pelos fabricantes de açúcar, poderiam ser integralmente repercutidas por estes sobre os produtores de beterraba através de uma redução correspondente do preço mínimo da beterraba (artigo 5.°, n.° 2, do regulamento de base). Em contrapartida, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial só autoriza a repercussão da nova quotização sobre os produtores de beterrabas até ao limite de 60 % (artigo 1.°, n.° 3, do referido regulamento). Tendo em conta o disposto no regulamento de base, é legítimo que os fabricantes de açúcar tenham contado pagar apenas quotizações inteiramente repercutíveis sobre os produtores de beterraba.

C — Tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

O despacho do Finanzgericht Hamburg foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Maio de 1988.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça CEE, foram apresentadas observações escritas em 2 de Setembro de 1988 pelo Conselho das Comunidades Europeias, representado por A. Bräutigam, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, em 6 de Setembro de 1988 pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico, D. Booß, na qualidade de agente, em 7 de Setembro de 1988 pela Zuckerfabrik Süderdithmarschen, recorrente no processo principal, representada pelos advogados Ehle, Schiller e sócios, do foro de Colónia, em 15 de Setembro de 1988 pelo Governo italiano, representado pelo professor Luigi Ferrari Bravo, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por I. M. Braguglia, avvocato dello Stato, e em 15 de Setembro de 1988 pelo Governo do Reino Unido, representado por J. A. Gensmantel, Treasury Solicitor, na qualidade de agente.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No entanto, decidiu colocar algumas questões à Zuckerfabrik Süderdithmarschen, ao Governo do Reino Unido, ao Conselho e à Comissão. Foi dada satisfação a estas questões no prazo fixado.

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

A — Quanto à primeira parte da primeira questão (competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, decidindo em processo de medidas provisórias, para suspender a execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Süderdithmarschen defende que as autoridades nacionais podem decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário.

Em primeiro lugar, uma medida de suspensão de um acto administrativo nacional, cujo fundamento seja um regulamento comunitário, produz apenas efeitos limitados. Tal medida não põe em causa a validade do regulamento comunitário nem a do acto administrativo nacional. Apenas tem por efeito suspender a exigibilidade do montante a cobrar por força do acto administrativo nacional.

Em seguida, o poder dos órgãos jurisdicionais nacionais alemães de decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional faz parte das garantias de tutela jurisdicional consagradas no artigo 19.°, n.° 4, da lei fundamental alemã. A necessidade de garantir o alcance geral e a aplicabilidade directa de um regulamento comunitário em que se baseia um acto administrativo nacional não pode justificar a criação de qualquer restrição a essa tutela.

Além disso, a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para decretarem a suspensão de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário faz parte do sistema de tutela jurisdicional instaurado pela própria ordem jurídica comunitária. Neste sistema, a tutela jurisdicional é assegurada quer pelo Tribunal de Justiça, quer pelos órgãos jurisdicionais nacionais, consoante o acto em questão tenha sido da autoria de uma instituição comunitária ou de uma autoridade nacional. No entender da recorrente, a possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto nacional baseado num acto comunitário cuja validade lhes parece duvidosa é compatível com esta repartição de competências.

Finalmente, já resulta do citado acórdão de 22 de Outubro de 1987, Foto-Frost, n.° 19 (314/85, Colect., p. 4199), que os órgãos jurisdicionais nacionais, decidindo em processos de medidas provisórias, são competentes para declarar a invalidade dos actos comunitários, sob certas condições. Deste modo, o Tribunal admitiu que lhes é lícito suspender a execução de um acto nacional baseado num acto comunitário que julguem ilegal.

2. Posição do Governo italiano

O Governo italiano defende igualmente a ideia de que um órgão jurisdicional nacional pode suspender, a título cautelar, a execução de um acto administrativo praticado em aplicação de um regulamento comunitário, mesmo que este ainda não tenha sido declarado inválido pelo Tribunal de Justiça.

Invoca, a este propósito, a repartição das competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Entre as competências destes últimos figura seguramente a competência de decretar, provisoriamente, a suspensão da execução de um acto administrativo nacional a fim de evitar aos particulares um prejuízo grave e irreparável. A suspensão da execução de um acto nacional deve, portanto, no entender do Governo italiano, ser possível, mesmo que esse acto se baseie num regulamento comunitário : a suspensão não põe em causa a validade do regulamento, apenas atrasa a sua eventual aplicação até à decisão de mérito sobre o litígio.

O Governo italiano sublinha igualmente que, se os órgãos jurisdicionais nacionais não pudessem decretar a suspensão da execução de um acto nacional baseado num regulamento comunitário, os particulares ficariam privados de qualquer tutela jurisdicional provisória. Eles não podem, em princípio, impugnar o regulamento comunitário para o Tribunal de Justiça nem, consequentemente, pedir a este que decrete a suspensão da execução desse regulamento ou que ordene medidas provisórias.

3. Posição do Governo do Reino Unido

O Governo do Reino Unido pronuncia-se contra a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para suspenderem provisoriamente a execução de um acto nacional praticado com base num regulamento comunitário.

Recorda que, no acórdão de 22 de Outubro de 1987, Foto-Frost, acima citado (n.° 15), o Tribunal de Justiça reservou-se a competência para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias, com o fundamento de que as divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros quanto à validade dos actos comunitários seriam susceptíveis de comprometer a unidade da ordem jurídica comunitária e de prejudicar a exigência fundamental da segurança jurídica.

Estas considerações deveriam, no entender do Governo britânico, levar a negar aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência de declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias no âmbito dos processos de medidas provisórias. As normas que regulam a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais em matéria de concessão de medidas provisórias variam, de facto, de um Estado-membro para outro. A existência de divergências de apreciação acerca da validade de um mesmo acto comunitário poderia assim verificar-se se os órgãos jurisdicionais nacionais tivessem competência para se pronunciar sobre a invalidade dos actos comunitarios no âmbito dos processos de medidas provisorias.

4. Posição do Conselho

O Conselho limita-se a indicar que, em seu entender, a questão deve ser resolvida à luz do princípio do primado do direito comunitàrio, consagrado na jurisprudencia do Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 21 de Maio de 1987, Albako (249/85, Colect., p. 2345). No entanto, não esclarece qual a resposta que, em seu entender, deve ser dada à questão prejudicial.

5. Posição da Comissão

A Comissão entende que há que reconhecer aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência para suspenderem a execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário enquanto se aguarda uma decisão quanto à validade desse acto nacional.

Efectivamente, ao decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário, os órgãos jurisdicionais nacionais não se pronunciam sobre a validade do regulamento. Apenas examinam se, no caso concreto, interesses particulares dignos de tutela justificam que a execução do acto administrativo nacional seja diferida até ser proferida uma decisão de mérito.

Além disso, é desejável que aos órgãos jurisdicionais nacionais seja reconhecida competência para suspender um acto nacional baseado num regulamento comunitário, a fim de que possam oferecer rapidamente uma tutela jurisdicional eficaz aos particulares.

B — Quanto à segunda parte da primeira questão (requisitos para a concessão da suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Süderdithmarschen recorda que não existe harmonização das regras processuais nacionais a nível comunitário. Por outro lado, a separação dos sistemas judiciais, nacionais, por um lado, e comunitário, por outro, obsta a que o Tribunal de Justiça uniformize, por sua própria iniciativa, as regras processuais nacionais. A concessão da suspensão da execução de um acto administrativo nacional, mesmo que baseado num regulamento comunitário, rege-se, assim, exclusivamente pelo direito nacional.

2. Posição do Governo italiano

O Governo italiano considera igualmente que a competência de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário se rege pelo direito nacional. Sublinha que, por força da repartição das competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, só estes últimos têm competência para decretar a suspensão da execução dos actos administrativos nacionais. Na falta de uma harmonização das regras processuais nacionais, há que considerar que o exercício desta competência pelos órgãos jurisdicionais nacionais se rege pelo direito nacional. No entanto, o direito comunitário proíbe que os Estados-membros tornem a tutela das situações por ele garantidas mais difícil do que a das situações garantidas pelo direito nacional.

3. Posição da Comissão

A Comissão considera igualmente que é o direito nacional que regula a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para decretarem a suspensão de um acto administrativo baseado num regulamento comunitário.

A este propósito, recorda que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o sistema de tutela jurídica instituído pelo Tratado, consagrado sobretudo no artigo 177.°, implica que qualquer tipo de acção previsto pelo direito nacional pode ser utilizado para garantir o respeito pelas regras comunitárias de efeito directo, obedecendo aos mesmos requisitos de admissibilidade e processuais que os exigidos quando está em causa o respeito pelo direito nacional (ver acórdão de 7 de Julho de 1981, Rewe, n.° 44, 158/80, p. 1805).

No entender da Comissão, resulta desta jurisprudência que a necessidade de garantir o respeito pelo direito comunitário não pode levar a que se exija qualquer tipo de alteração às regras processuais nacionais. Por conseguinte, não é possível impor aos órgãos jurisdicionais nacionais a aplicação, por analogia, dos requisitos constantes do artigo 83.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, relativo à concessão da suspensão da execução ou de medidas provisórias pelo Tribunal de Justiça.

A Comissão sugere, porém, que se sujeite a acção dos órgãos jurisdicionais a certos requisitos que, em seu entender, em nada alteram as regras processuais nacionais, mas que são susceptíveis de reduzir, na medida do possível, as intromissões na competência exclusiva que o Tribunal de Justiça tem de declarar a invalidade dos actos comunitários. São três esses requisitos.

Em primeiro lugar, ao examinar se existem dúvidas sérias acerca da legalidade do acto comunitário que está na base do acto administrativo nacional, o órgão jurisdicional nacional deveria ter plenamente em conta o interesse comunitário.

Em segundo lugar, ao decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num acto comunitário, um órgão jurisdicional nacional deveria simultaneamente recorrer ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, para que este se pronunciasse sobre a validade desse acto comunitário. A competência exclusiva que tem o Tribunal de Justiça para declarar a invalidade dos actos comunitários seria, desse modo, plenamente respeitada. A obrigação de recorrer ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, logo na fase de medidas provisórias permitiria, além disso, reduzir a duração do período de incerteza acerca da validade do acto comunitário. Finalmente, tal obrigação permitiria acelerar a tramitação posterior do processo principal, no qual já não seria necessário um novo reenvio prejudicial.

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional nacional deveria suspender a instância no processo relativo à validade do acto administrativo nacional, na expectativa de que o Tribunal de Justiça se pronunciasse, a título prejudicial, sobre a validade do acto comunitário no âmbito do processo de medidas provisórias. Esta condição seria necessária para assegurar que o reenvio prejudicial ainda na fase de medidas provisórias tivesse um efeito útil.

Estes diferentes requisitos poderiam ser impostos sem que, com isso, se verificasse qualquer espécie de ingerência nas regras processuais nacionais. Efectivamente, mais não fariam do que «concretizar, numa dada situação», o processo de reenvio prejudicial previsto pelo direito comunitário.

Por conseguinte, a Comissão propõe que se responda que «os órgãos jurisdicionais nacionais têm competência para suspender, recorrendo às medidas provisórias previstas nas regras processuais internas, os efeitos de um acto administrativo de direito interno praticado com base num diploma de direito comunitário, na condição de o interesse comunitário ser plenamente acautelado, de os referidos órgãos jurisdicionais submeterem simultaneamente ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 177.° do Tratado, a questão da validade do diploma comunitário e de, no processo principal, não se pronunciarem sobre tal questão antes de o Tribunal de Justiça conhecer da questão prejudicial».

C — Quanto à segunda questão (validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial)

1. Posição da recorrente no processo principal

Considerando que, na segunda questão, o Finanzgericht suscita, em termos genéricos, o problema da validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial, a Zuckerfabrik Süderditbmarschen invoca oito fundamentos que, em seu entender, demonstram que o regulamento é ilegal.

a) Violação do procedimento instituído pelo artigo 201.° do Tratado

Em primeiro lugar, a Zuckerfabrik considera que a base legal adequada para a adopção do regulamento em questão não era o artigo 43.° do Tratado, mas sim o artigo 201.° Efectivamente, a quotização de reabsorção especial é, na realidade, uma taxa de financiamento e não uma medida de regulação do mercado do açúcar.

A este propósito, a Zuckerfabrik afirma, em primeiro lugar, que uma medida de regulação de um mercado agrícola só pode respeitar ao presente ou ao futuro, não ao passado. Sublinha, em seguida, que o regulamento em causa se refere expressamente, no seu terceiro considerando, às «sérias limitações orçamentais que a Comunidade enfrenta». Salienta, finalmente, que só os fabricantes de açúcar são legalmente obrigados ao pagamento da quotização de reabsorção especial, quando é certo que a organização do mercado do açúcar foi criada no interesse exclusivo dos produtores de beterraba. Sobre este ponto, cita o terceiro considerando do regulamento de base, que dispõe que «para assegurar aos produtores de beterraba... da Comunidade a manutenção das garantias necessárias no que diz respeito ao seu emprego e nível de vida, convém prever medidas tendentes a estabilizar o mercado do açúcar».

Dado que a quotização de reabsorção especial foi instaurada fora da organização de mercado do açúcar, não foi inscrita nos recursos próprios nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Decisão 85/257/CEE do Conselho, de 7 de Maio de 1985, relativa ao sistema dos recursos próprios da Comunidade (JO L 128, p. 15; EE Ol F4 p. 99, a seguir «decisão sobre os recursos próprios»). Nos termos desta disposição, constituem recursos próprios as «quotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum dos mercados para o sector do açúcar».

Não constituindo uma medida de regulação de um mercado agrícola e não figurando como recurso próprio nos termos da decisão sobre os recurso próprios, a quotização de reabsorção especial só poderia ter sido validamente adoptada com base no artigo 201.° do Tratado. Assim, dado que o procedimento estabelecido nessa disposição não foi seguido, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é, no entender da recorrente, inválido.

b) Incompatibilidade do Regulamento n.° 1914/87 com o regulamento de base

Em segundo lugar, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen alega que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é incompatível com o regulamento de base. Afirma que, em razão dessa incompatibilidade, o regulamento em causa é contrário ao regime jurídico do autofinanciamento e ao princípio da segurança jurídica.

A este propósito, a Zuckerfabrik recorda, em primeiro lugar, que o artigo 28.° do regulamento de base limita a quotização à produção de base a 2 % do preço de intervenção do açúcar e a quotização B a 30 % ou, sendo caso disso, a 37,5 % desse mesmo preço. Tal limitação foi confirmada para a campanha em causa pelo regulamento que instaura a quotização de reabsorção.

Ao regular exaustivamente, no artigo 28.° do regulamento de base, o sistema de autofinanciamento do sector do açúcar, o Conselho excluiu implicitamente a instauração posterior, fora da organização de mercado em causa, da quotização de reabsorção especial, cuja cobrança leva a que sejam ultrapassados os limites fixados no regulamento de base.

O sistema normativo do direito comunitário opõe-se, com efeito, na opinião da recorrente, a que o Conselho, servindo-se da regra da habilitação geral do artigo 43.° do Tratado, adopte um regulamento prevendo medidas especiais incompatíveis com o regulamento geral que regula a matéria. A Zuckerfabrik cita, a este propósito, o acórdão de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company, n.° 21 (113/77, Recueil, p. 1185), no qual o Tribunal declarou que o Conselho, após ter adoptado um regulamento geral destinado a alcançar um dos objectivos do artigo 113.° do Tratado, não pode derrogar essas regras, ao aplicá-las a casos particulares, sem perturbar o sistema legislativo da Comunidade e pôr em causa a igualdade das pessoas perante a lei.

O autofinanciamento do sector do açúcar só poderia, portanto, ter sido assegurado na medida autorizada pelo artigo 28.° do regulamento de base. Efectivamente, o princípio do autofinanciamento deste sector tem como único fundamento jurídico o regulamento de base e a sua aplicação deveria conter-se dentro dos limites por este traçados.

A Zuckerfabrik sublinha igualmente que a adopção de uma regra especial incompatível com a regra geral aplicável constitui uma violação da segurança jurídica, bem como da confiança legítima dos interessados.

O regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é, assim, inválido, uma vez que é incompatível com o sistema normativo do direito comunitário e põe em causa, desse modo, a segurança jurídica bem como a confiança legítima dos interessados.

c) Proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos alheios à organização de mercado que lhe respeita ou com encargos financeiros desproporcionados

Em terceiro lugar, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen defende que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial viola os princípios de proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos que lhe são alheios bem como com encargos financeiros desproporcionados.

No entender da recorrente, as causas do défice que a quotização em causa se destinava a apurar eram alheias ao comportamento dos operadores que actuam no mercado do açúcar. Essas causas prendem-se, essencialmente, com a persistência de um preço do açúcar no mercado mundial pouco elevado e com a queda do curso do dólar. Estes dois factores obrigaram a Comunidade a pagar, durante a campanha de 1986/1987, verbas particularmente elevadas a título de restituições à exportação.

A Zuckerfabrik entende que o aparecimento de um défice resultante de tal tipo de factores externos constitui um risco inerente ao próprio sistema da organização de mercado e que deveria, por conseguinte, ser suportado pelo orçamento da Comunidade, pelo menos na parte que ultrapassa o nível habitual. Noutros domínios da organização de mercado, os riscos em causa são, aliás, exclusivamente financiados pelo FEOGA.

Além disso, o objectivo de assegurar o autofinanciamento de um sector agrícola não pode ter como consequência impor aos operadores que actuam nesse sector encargos financeiros desproporcionados. A quotização de reabsorção especial impõe aos fabricantes de açúcar encargos desproporcionados em razão do seu montante e do facto de acrescer a quotizações já existentes.

d) Desrespeito pelo princípio da não rec-troactividade

Em quarto lugar, a Zuckerfabrik alega que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é contrário ao princípio da não retroactividade. Recorda que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, um acto comunitário só pode produzir efeitos numa data anterior à da sua publicação se o objectivo a alcançar o exigir e se a confiança legítima dos interessados for devidamente respeitada. Nenhum destes dois requisitos se encontram preenchidos no caso em apreço.

Quanto ao objectivo a alcançar, a Zuckerfabrik defende que o Conselho admitiu implicitamente que nenhum interesse geral superior justificava a instauração de uma quotização suplementar destinada a reabsorver as perdas da campanha de comercialização de 1986/1987. Com efeito, quando adoptou, em 24 de Março de 1986, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, o Conselho absteve-se de prever medidas nesse sentido, isto num momento em que o défice acumulado ao longo das campanhas anteriores já deixava prever novas perdas para a campanha de 1986/1987.

Quanto à confiança legítima dos fabricantes de açúcar, entende a recorrente que foi posta em causa com a instauração retroactiva da quotização de reabsorção especial. O regulamento de base fixava limites para a quotização à produção de base e para a quotização B. O regulamento que instaura a quotização de reabsorção confirmou esses limites no que respeita à campanha de 1986/1987. Nada fazia prever que uma quotização ultrapassando esses limites seria cobrada sobre a produção dessa campanha. A proposta da Comissão de instaurar tal quotização foi efectivamente apresentada no mês de Fevereiro de 1987 (JO C 89 de 3.4.1987, p. 18) mas, nesse momento, era já demasiado tarde para que os fabricantes de açúcar pudessem adaptar o seu comportamento em função desse dado. Nos termos das disposições-tipo que regulam os contratos de compra e venda de beterraba, os contratos entre fabricantes de açúcar e produtores de beterraba para a campanha de 1986/1987 deveriam, de facto, ter sido celebrados antes de 1 de Maio de 1986 [Regulamento (CEE) n.° 206/68 do Conselho, de 20 de Fevereiro de 1968, que estabelece as disposições-tipo para os contratos e acordos interprofissionais relativos à compra de beterrabas (JO L 47, p. 1; EE 03 F2 p. 86)].

e) Pràtica de uma discriminação

Em quinto lugar, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen alega que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial viola o princípio da não discriminação.

Recorda que a quotização de reabsorção especial incide bastante mais fortemente sobre a produção de açúcar B do que sobre a de açúcar A. Isso resulta do facto de a quotização em causa ser calculada através da aplicação de um determinado coeficiente às quotizações devidas pelos fabricantes de açúcar por força do regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B) e de, mesmo estas, onerarem bastante mais a produção de açúcar B do que a de açúcar A.

Para determinar se o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial comporta uma discriminação proibida em detrimento dos produtores de açúcar B, im-por-se-ia examinar se os produtores de açúcar A e os produtores de açúcar B se encontram em situações comparáveis. Em caso afirmativo, haveria que averiguar se a diferença de tratamento se justifica objectivamente.

Segundo a Zuckerfabrik, os fabricantes que produzem açúcar A e os que produzem açúcar B encontram-se em situações comparáveis. Efectivamente, o açúcar fabricado no âmbito da quota A constitui o mesmo produto que o fabricado no âmbito da quota B. Por outro lado, quer o açúcar A quer o açúcar B podem ser vendidos no interior da Comunidade ou exportados para países terceiros.

Além disso, nenhuma razão objectiva justifica que a quotização de reabsorção especial onere o açúcar B mais fortemente do que o açúcar A.

Em primeiro lugar, não se pode defender que seja o fabrico de açúcar B, mais do que o de açúcar A, que está na origem da situação excedentária do mercado em causa, uma vez que se trata do mesmo produto. Os encargos resultantes para a Comunidade do pagamento das restituições à exportação têm, assim, origem indistintamente na produção de açúcar A e na de açúcar B.

Em seguida, a quotização de reabsorção especial constitui uma taxa de financiamento instaurada fora da organização comum de mercado do açúcar. Por essa razão, não é admissível que a diferenciação que é feita entre o açúcar A e o açúcar B para efeitos das quotizações instauradas pelo regulamento de base se reflita na quotização de reabsorção especial. Para ser justa, esta última deveria incidir do mesmo modo sobre a produção de açúcar A e de açúcar B.

A Zuckerfabrik assinala ainda que, na hipótese de terem existido circunstâncias excepcionais que tenham justificado um tratamento diferente da produção de açúcar A e de açúcar B, tais circunstâncias deveriam ter sido explicadas na fundamentação do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial. Todavia, tal regulamento só menciona, no seu quinto considerando, que a quotização de reabsorção especial devida por uma empresa se calcula em função da quotização à produção de base e da quotização B por esta devidas, sem esclarecer o porquê da escolha de tal método de cálculo.

A Zuckerfabrik sublinha, por outro lado, que os fabricantes alemães de açúcar devem pagar, em média, uma quotização de reabsorção especial equivalente a 4,2 % do preço de intervenção do açúcar, ao passo que os fabricantes dos outros Estados-membros só suportam, em média, uma quotização equivalente a 3,3 % desse mesmo preço. Essa situação deve-se ao facto de as empresas alemãs terem quotas B mais elevadas do que os seus concorrentes dos outros Esta-dos-membros. Ora, a determinação das quantidades de base A e B atribuídas aos Estados-membros (e que estes redistribuem, em seguida, entre os fabricantes de açúcar sob a forma de quotas A e B) não se faz de acordo com critérios objectivos, mas em função de considerações de ordem política. A diferença de imposição entre os fabricantes de açúcar alemães e os dos outros Estados-membros não tem, assim, qualquer justificação objectiva.

Em conclusão, a Zuckerfabrik entende que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é duplamente contrário ao princípio da não discriminação, em primeiro lugar porque a produção de açúcar B é bastante mais onerada do que a de açúcar A, e, em seguida, porque os fabricantes de açúcar alemães são obrigados a pagar, em média, uma quotização claramente mais elevada do que os seus concorrentes dos outros Estados-membros.

f) Violação do direito de propriedade e desrespeito pelo livre exercício das actividades económicas

Em sexto lugar, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen alega que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial viola os direitos fundamentais da protecção do direito de propriedade e do direito ao livre exercício das actividades económicas.

Sublinha que, nos acórdãos de 14 de Maio de 1974, Nold (4/73, Recueil, p. 491), e de 13 de Dezembro de 1979, Hauer (44/79, Recueil, p. 3727), o Tribunal de Justiça afirmou que o direito de propriedade e o direito ao livre exercício das actividades profissionais fazem parte dos direitos fundamentais, cujo respeito cabe ao Tribunal assegurar. A Zuckerfabrik pede ao Tribunal que declare que uma quotização como a que aqui está em causa, que acresce retroactivamente a outras quotizações, que além disso, é excessivamente elevada, e que não pode ser paga com lucros da campanha em causa, viola esses direitos fundamentais. A este propósito, sublinha que uma quotização que os fabricantes de açúcar não podem pagar com os seus lucros tem como efeito uma redução das respectivas produções, nomeadamente a de açúcar B, a qual sofre uma imposição particularmente forte. Além disso, ao obrigar os fabricantes de açúcar a esgotarem as suas reservas, tal quotização põe em causa a própria existência dessas empresas.

A Zuckerfabrik assinala ainda que a circunstância de os fabricantes de açúcar poderem repercutir a quotização de reabsorção especial sobre os produtores de beterraba à razão de 60 % não pode ser invocada a favor da compatibilidade do regulamento em questão com os direitos fundamentais em causa. Com efeito, os fabricantes de açúcar são legalmente obrigados ao pagamento da totalidade da quotização, a qual só parcialmente podem repercutir sobre os produtores de beterraba através de um processo de direito privado cujo resultado é sempre aleatório.

g) Desvio de poder

Em sétimo lugar, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen considera que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial incorreu em desvio de poder. O verdadeiro objectivo do regulamento não é apurar as perdas da campanha de 1986/1987, mas sim levar os fabricantes de açúcar a renunciarem a qualquer produção no âmbito das quotas B. Foi com este objectivo que o regulamento onerou a produção de açúcar B com uma quotização que provoca um efeito de estrangulamento.

h) Violação dos princípios fundamentais do direito público alemão em matéria de cobrança de impostos

Em oitavo lugar, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen alega que o mecanismo de cobrança da quotização de reabsorção especial viola os princípios fundamentais do direito público alemão em matéria de cobrança de impostos.

Esses princípios opõem-se, designadamente, a tornar determinadas pessoas (neste caso, os fabricantes de açúcar) devedoras da totalidade de uma taxa, quando é certo que uma parte dessa taxa (60 %) deve finalmente ser suportada por outras pessoas (os produtores de beterraba). Resulta de um estudo do Professor Arndt, que a Zuckerfabrik juntou em anexo às suas observações, que tais modalidades de cobrança de uma taxa são contrárias ao direito constitucional alemão.

Os princípios fundamentais do direito público alemão exigem igualmente que os contribuintes possam conhecer antecipadamente, com precisão, o montante do imposto que virão a suportar. Esse imposto deve, além disso, ser cobrado de acordo com modalidades que garantam a igualdade de tratamento entre os contribuintes. Estas duas exigências não estão preenchidas no caso em apreço, uma vez que a repercussão da quotização de reabsorção especial sobre os produtores de beterraba, dentro do limite autorizado de 60 %, pode revelar-se total ou parcialmente irrealizável na prática.

Uma vez que o direito comunitário garante a protecção dos princípios fundamentais reconhecidos pelas ordens jurídicas nacionais, as incompatibilidades com o direito público alemão acima reveladas afectam a validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial.

2. Posição do Governo do Reino Unido

O Governo do Reino Unido procede a uma análise dos dois fundamentos de invalidade analisados no despacho de reenvio e conclui que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é válido.

a) No que respeita à acusação de violação do procedimento instituído pelo artigo 201.° do Tratado CEE

No que respeita, em primeiro lugar, ao problema da base jurídica adequada para a adopção do regulamento, o Governo do Reino Unido recorda os critérios adoptados pelo Tribunal de Justiça para apreciar se uma determinada quotização poderia ser validamente adoptada com base nas disposições que regulam a política agrícola comum. Assim, no acórdão de 21 de Fevereiro de 1979, Stölting, n.° 7 (138/78, Recueil, p. 713), o Tribunal sublinhou que a taxa de co-responsabilidade no sector dos produtos lácteos se destinava a conter a produção dos excedentes a que se vinha assistindo. O Tribunal considerou que essa taxa contribuía, por isso, para alcançar o objectivo de estabilização dos mercados, consagrado no artigo 39.° do Tratado. No acórdão de 30 de Setembro de 1982, Amylum, acima citado (n.° 30), o Tribunal de Justiça considerou que a quotização à produção de isoglucose fora validamente instaurada no âmbito da organização comum de mercados agrícolas, dado que fazia participar os fabricantes de isoglucose nas perdas resultantes para a Comunidade do escoamento da quantidade produzida que ultrapassava o consumo humano.

Segundo o Governo do Reino Unido, a quotização de reabsorção especial obedece aos critérios acima recordados, dado que tem como objectivo garantir que os operadores económicos que actuam no sector do açúcar suportem integralmente o custo do escoamento dos excedentes. O regulamento que instaura a quotização em questão foi, assim, validamente adoptado com base no artigo 43.° do Tratado.

Uma vez que a quotização de reabsorção especial foi validamente instaurada com base no artigo 43.° do Tratado, o recurso ao artigo 201.° do Tratado ter-se-ia revelado inútil. De qualquer modo, a quotização em causa faz parte dos recursos próprios por força do artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea a), da decisão sobre os recursos próprios, que refere expressamente os direitos estabelecidos no âmbito da política agrícola comum.

b) No que respeita à acusação de desrespeito pelo princípio da não retroactividade

No que respeita, em segundo lugar, ao problema da retroactividade, o Governo do Reino Unido entende que o objectivo a alcançar exigia que o regulamento se aplicasse com efeito retroactivo e, por outro lado, que a confiança legítima dos interessados foi devidamente respeitada.

O objectivo era estabilizar o mercado do açúcar, fazendo os operadores económicos em causa suportar integralmente as perdas da campanha de 1986/1987 que não tivessem sido já reabsorvidas por outras quotizações. Tal objectivo era suficientemente importante para justificar uma derrogação ao princípio da não retroactividade, e só poderia ser alcançado graças a uma quotização imposta retroactivamente, dado que só no fim de uma campanha de comercialização é que se pode conhecer o montante total das perdas resultantes dessa campanha.

Além disso, o Governo do Reino Unido entende que a confiança legítima dos interessados foi devidamente respeitada.

Em primeiro lugar, os interessados deveriam ter previsto, tendo em conta os diversos elementos disponíveis, que lhes seria reclamado o pagamento de uma quotização que ultrapassaria os limites fixados no regulamento de base. Assim, a Comissão tinha publicado em 9 de Setembro de 1986 um balanço que revelava claramente a existência de um provável défice para a campanha de 1986/1987. Dado que o sector do açúcar estava sujeito, desde a adopção do regulamento de base, a um sistema de autofinanciamento, os operadores em causa deveriam ter-se consciencializado de que o défice iria ser por eles suportado. No mês de Fevereiro de 1987 surgiu a proposta da Comissão relativa à instauração da quotização de reabsorção especial. A imprensa especializada deu imediatamente notícia dessa proposta. Os fabricantes de açúcar não podem, por isso, afirmar que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial os apanhou desprevenidos.

Em seguida, a quotização de reabsorção especial foi instaurada segundo modalidades que reduziram, na medida do possível, a possibilidade da existência de ofensas à confiança legítima dos interessados. O Governo do Reino Unido sublinha que o regulamento que instaura a quotização em questão entrou em vigor apenas três dias depois do termo da campanha à qual a quotização se aplicou. Por outro lado, a quotização de reabsorção especial só incide sobre os operadores económicos que tenham estado na origem do défice a reabsorver, uma vez que é calculada aplicando um dado coeficiente à quotização à produção de base e à quotização B devidas por esses operadores em relação à campanha em causa.

Finalmente, o Governo do Reino Unido afirma discordar da crítica do Finanzgericht segundo a qual a quotização de reabsorção especial só poderia ser repercutida à razão de 60 % sobre os produtores de beterraba. O Finanzgericht descortina nesta limitação uma ofensa da confiança legítima dos fabricantes de açúcar, uma vez que o regulamento de base só prevê encargos que possam ser integralmente repercutidos sobre os produtores de beterraba. Por conseguinte, no entender do Finanzgericht, os fabricantes de açúcar não esperariam a instauração de uma quotização que seria por eles parcialmente suportada.

O Governo do Reino Unido considera que o Finanzgericht parte de um pressuposto errado quando considera que o regulamento de base só prevê encargos inteiramente repercutíveis sobre os produtores de beterraba. É certo que, nos termos dos artigos 5.°, n.° 2 e 28.°, n.° 5, do regulamento de base, o preço mínimo que os fabricantes de açúcar devem pagar aos produtores de beterraba é de apenas 98 % do preço-base da beterraba A (beterraba destinada à produção de açúcar A) e de 68 % ou 60,5 % do preço-base da beterraba B (beterraba destinada à produção de açúcar B), consoante a quotização B esteja fixada a 30 % ou 37,5 % do preço de intervenção do açúcar. Para pagar a quotização à produção de base e a quotização B, os fabricantes de açúcar retêm, assim, no preço que pagam aos produtores de beterraba, uma percentagem igual à percentagem das quotizações que incidem sobre o açúcar A (2 %) e sobre o açúcar B (2 % + 30 % ou, sendo caso disso, 2 % + 37,5 %).

Todavia, o preço-base da beterraba não representa mais do que cerca de 60 % do preço de intervenção do açúcar. Tal percentagem não resulta de uma disposição expressa do regulamento de base, mas é visível por ocasião da fixação anual do preço-base da beterraba. Assim, para a campanha de comercialização de 1986/1987, o Regulamento (CEE) n.° 1452/86 do Conselho, de 13 de Maio de 1986, que fixa, para a campanha de comercialização de 1986/1987, certos preços no sector do açúcar e a quali-dade-tipo das beterrabas (JO L 133, p. 4), fixou o preço-base da beterraba (expresso por referência a uma quantidade correspondente de açúcar) em 58 % do preço de intervenção do açúcar.

Os cerca de 40 % restantes do preço de intervenção do açúcar cobrem as despesas de transformação, de transporte, etc, suportadas pelos fabricantes de açúcar. Dessa parte do preço de intervenção que recebem, os fabricantes de açúcar devem pagar 2 % pela produção de açúcar A e 32 % (2 % + 30%) ou 39,5% (2% + 37,5%) pela produção de açúcar B.

O regulamento de base divide, assim, o encargo com as quotizações que instaura entre os produtores de beterraba e os fabricantes de açúcar, à razão, aproximadamente, de 60 % e 40 %. O regulamento em causa previu uma repartição análoga do encargo com a quotização de reabsorção especial. A crítica formulada sobre este ponto pelo Finanzgericht não tem, deste modo, qualquer fundamento.

3. Posição do Conselho

O Conselho apenas analisa o fundamento de invalidade que o Finanzgericht considerou procedente, ou seja, a violação do princípio da não retroactividade. Contrariamente ao Finanzgericht, o Conselho entende que o regulamento em causa respeita o princípio da não retroactividade e que é válido.

Assinala, em primeiro lugar, que não é seguro que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial seja verdadeiramente retroactivo. O regulamento foi adoptado apenas alguns dias depois do termo da campanha de comercialização em causa. A quotização por ele instaurada apenas incidiu sobre os operadores económicos que estiveram na origem do défice da referida campanha e unicamente em função da respectiva participação na criação desse défice. Deste modo, trata-se, no entender do Conselho, de um sistema semelhante ao mecanismo normal de cobrança das quotizações no sector do açúcar, dado que mesmo as quotizações instauradas pelo regulamento de base são calculadas e cobradas após o termo da campanha à qual se reportam.

De qualquer modo, embora o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial relacione o seu pagamento com a produção de uma campanha passada, constitui uma disciplina mais justa do que a contida no regulamento que instaura a quotização de reabsorção, que o Finanzgericht Hamburg invoca para criticar o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial. O Conselho recorda que, segundo o Finanzgericht, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial deveria, como fez o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, relacionar o pagamento da quotização à produção de campanhas futuras. O Conselho responde a esta crítica afirmando que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção só relacionou a reabsorção do défice de 400 milhões de ecus com a produção de cinco campanhas futuras porque já não era materialmente possível determinar as empresas responsáveis pela criação do défice em causa. Em contrapartida, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial podia repercutir esta sobre as empresas em função da respectiva participação no défice, uma vez que foi adoptado apenas dois dias depois do termo da campanha de comercialização em causa. O facto de o regulamento ter relacionado o pagamento da quotização de reabsorção especial com a produção de uma campanha acabada de terminar não é, portanto, criticável: tal mecanismo permitiu, pelo contrário, uma justa repartição do encargo criado pelo regulamento.

O Conselho recorda, em seguida, que, segundo a jurisprudência do Tribunal, um acto comunitário pode produzir efeitos retroactivos se a isso obrigar o objectivo que se pretende alcançar e se a confiança legítima dos interessados for devidamente respeitada. No presente caso, ambos os requisitos estão, no entender do Conselho, preenchidos.

O objectivo que se pretendia alcançar com a quotização de reabsorção especial era duplo.

Em primeiro lugar, impunha-se evitar que a Comunidade fosse obrigada a disponibilizar antecipadamente, ou mesmo definitivamente, importantes verbas a título de restituições à exportação.

Em segundo lugar, a instauração da quotização em causa evitou o recurso a uma medida mais radical que teria permitido restabelecer o equilíbrio financeiro no mercado do açúcar, ou seja, a redução das quotas de produção. Esta última solução seria contrária aos interesses dos operadores que actuam no mercado do açúcar, dado que provocaria uma diminuição das respectivas quotas de mercado no plano mundial. Teria igualmente sido contrária aos interesses da Comunidade, uma vez que acarretaria uma diminuição das áreas consagradas à cultura de beterraba e um correspondente aumento das áreas afectas a outros sectores agrícolas, cujo financiamento ameaçaria onerar fortemente as finanças comunitárias.

A importância do duplo objectivo prosseguido pelo regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial, ou seja, assegurar o autofinanciamento do sector do açúcar, mantendo o nível das quotas inalterado, justifica, no entender do Conselho, a instauração retroactiva da quotização de reabsorção especial.

No que toca, por outro lado, ao respeito pela confiança legítima dos interessados, o Conselho defende, em primeiro lugar, que estes últimos deveriam ter previsto que os limites fixados no regulamento de base seriam ultrapassados e, em seguida, que o Finanzgericht se equivoca ao considerar que o regulamento de base só criou quotizações integralmente repercutíveis sobre os produtores de beterraba. Os argumentos que o Conselho invoca sobre estes dois pontos reconduzem-se ao que o Governo do Reino Unido afirmou sobre a matéria.

4. Posição da Comissão

Também a Comissão só analisa a acusação de violação do princípio da não retroactividade. Afirma que se trata de uma acusação sem fundamento e que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é válido.

O objectivo prosseguido com a instauração da quotização de reabsorção especial foi garantir o autofinanciamento do sector do açúcar. O orçamento da Comunidade não permitiu cobrir o défice de mais de 200 milhões de ecus criado durante a campanha de 1986/1987. Dada a importância desse défice, que, numa só campanha, se cifrou em mais de metade do défice acumulado ao longo das cinco campanhas precedentes, impunha-se a adopção de medidas rápidas.

Como indica o quarto considerando do regulamento em discussão, a alternativa seria entre instaurar uma quotização de reabsorção especial ou reduzir as quotas de produção. Entendeu-se que esta última solução não seria a mais indicada. Em primeiro lugar, teria provocado uma diminuição das quotas de mercado detidas pelos fabricantes de açúcar comunitários no mercado mundial. Depois, porque se consubstanciaria numa solução mais gravosa para os operadores económicos do que a instauração de uma quotização financeira. Finalmente, a redução das quotas não seria a solução para reabsorver o défice da campanha de 1986/1987, dado que tal défice só foi conhecido num momento em que as quotas atribuídas para essa campanha já tinham sido gastas. Segundo a Comissão, a solução não era, portanto, reduzir as quotas, mas instaurar a quotização ora em discussão.

A confiança legítima dos operadores económicos em causa foi, de resto, respeitada.

A este propósito, a Comissão assinala, em primeiro lugar, que a regulamentação do mercado do açúcar está sujeita a constantes alterações, resultantes das condições de produção e de venda existentes neste mercado. De uma maneira geral, os operadores não podem, assim, invocar a existência de uma expectativa legítima na manutenção de uma situação existente num dado momento.

No que respeita, mais concretamente, à instauração da quotização de reabsorção especial, os operadores em causa estavam alertados, devido a uma série de indícios, de que tal quotização seria instaurada: o princípio do autofinanciamento do sector do açúcar constava do regulamento de base desde 1981; a instauração da quotização de reabsorção pelo Regulamento n.° 934/86 demonstrou que os limites fixados no regulamento de base poderiam ser ultrapassados; a proposta da Comissão relativa à instauração da quotização de reabsorção especial foi tornada pública em Fevereiro de 1987 numa nota informativa do porta-voz da Comissão; a imprensa especializada fez imediatamente eco de tal proposta; em 7 de Março de 1987, o representante da Comissão prestou esclarecimentos sobre a proposta durante uma reunião do Comité Consultivo do Açúcar; finalmente, em 3 de Abril de 1987, a proposta foi publicada no Jornal Oficial.

Segundo a Comissão, este conjunto de informações terá permitido aos produtores de beterraba e aos fabricantes de açúcar tomarem medidas em tempo útil, designadamente no que respeita às quantidades que iriam produzir e aos preços que iriam praticar durante a campanha em causa.

A Comissão assinala, finalmente, que o Finanzgericht se engana quando considera que o regulamento de base só instaurou, em relação aos fabricantes de açúcar, quotizações integralmente repercutíveis sobre os produtores de beterraba. Desenvolve, quanto a esta questão, o mesmo raciocínio que o Governo do Reino Unido e o Conselho.

III — Respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça

A — Questões colocadas à Zuckerfabrik Süderdithmarschen

Questão 1 — Não existe um erro material no ponto 13 das observações da Zuckerfabrik Süderdithmarschen, na parte em que sugere que se responda negativamente à questão 1, alínea a), e não afirmativamente como parece depreender-se das suas considerações?

Resposta — Existe efectivamente um erro no ponto 13 das observações da Zuckerfabrik Süderdithmarschen AG. A resposta que sugere que se dê à questão 1, alínea a) é afirmativa.

Questão 2 — Em que disposição regulamentar precisa é que a Zuckerfabrik Süderdithmarschen se baseia para afirmar que os contratos de cultura de beterraba para a campanha de comercialização de 1986/1987 deveriam ser celebrados antes de 1 de Maio de 1986 (ponto 92 das suas observações)?

Resposta — Nos contratos de fornecimento de beterraba sacarina opera-se uma distinção consoante as quantidades de açúcar fabricadas a partir das beterrabas sejam açúcar A, açúcar B ou outros açúcares (artigo 30.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1785/81). Os fabricantes de açúcar que não tenham celebrado, antes das sementeiras, contratos de fornecimento para uma quantidade de beterrabas correspondente à quota A ao preço mínimo da beterraba A serão obrigados a pagar, por qualquer quantidade de beterraba transformada em açúcar na empresa em causa, pelo menos o referido preço mínimo (para a beterraba A) (artigo 30.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1785/81).

Nos termos do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 246/68 (JO L 53 de 1.3.1968, p. 37; EE 03 F2 p. 92), só são considerados, na Alemanha, como tendo sido celebrados antes das sementeiras, os celebrados antes de 1 de Maio. Não foi prevista qualquer derrogação na Alemanha através de acordo interprofissional (artigo 30.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1785/81).

Questão 3 — A Zuckerfabrik Süderdithmarschen é convidada a comentar a afirmação, constante da página 19 das observações do Conselho, de que a instauração da quotização de reabsorção especial era o único meio de assegurar o autofinanciamento do sector do açúcar sem proceder a uma redução das quotas de produção.

Resposta — Se se partir do princípio do autofinanciamento, tal como concebido pelo Conselho (mas não pela recorrente), a cobrança de uma quotização constituía — para além da redução das quotas de produção — o único meio de garantir o autofinanciamento, sem prejuízo das questões relativas ao fundamento jurídico, à natureza, ao método de cálculo e à data da exigibilidade de tal quotização, já tratadas nas nossas observações escritas.

B — Questão colocada ao Governo do Reino Unido

Questão — O Governo do Reino Unido é convidado a fornecer a referência do balanço publicado pela Comissão em 9 de Setembro de 1986 e que é mencionado no ponto 22 das suas observações.

Resposta — O Governo do Reino Unido respondeu que essa referência era a seguinte: VI PC2-408.

C — Questões colocadas ao Conselho

Questão 1 — Por que razão o sector do açúcar é o único que está sujeito ao princípio do autofinanciamento?

Resposta — O financiamento integral — que cabe aos produtores (cultivadores de beterraba) e à indústria de'transformação (fabricantes de açúcar) — dos encargos resultantes da exportação, para países terceiros, dos excedentes do açúcar assenta essencialmente nos seguintes fundamentos.

Em primeiro lugar, há que ter presente que a organização comum de mercado do sector do açúcar prevê desde 1968 [aplicação do primeiro Regulamento n.° 1009/67/CEE que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 308, p. 1)] medidas de participação dos produtores e da indústria de transformação nos encargos de financiamento da organização comum de mercado (ver artigo 27.° do referido regulamento). Essas medidas tinham, e ainda têm hoje, uma estreita ligação com a regulamentação das quotas, com o nível de preços relativamente elevado que a Comunidade garante aos produtores e à indústria de transformação para a produção que não ultrapasse as quotas globais (quotas A + quotas B), e com o facto de, desde há vários anos, a produção no âmbito das quotas globais ultrapassar o consumo na Comunidade. A este propósito, é verdade que se pode imaginar que o nível dos preços na Comunidade seria inferior em 15 % a 20 % se não fosse a existência de uma regulamentação prevendo a existência de quotas. O sector do açúcar caracteriza-se, assim, por um lado, por um nível de preços relativamente elevado e, por outro, por uma sobreprodução estrutural. Nessas condições, só seria possível manter por muito tempo as garantias de preços e o nível das quotas atribuídas graças ao autofinanciamento integral, a fim de que os excedentes não constituíssem um encargo excessivo para o mercado comunitário e não onerassem exageradamente as finanças da Comunidade. Esse autofinanciamento, como é sobejadamente conhecido, é em princípio obtido pelo facto de os produtores e a indústria de transformação, no âmbito das quotas A, apenas nele participarem a um nível mínimo (2 % do preço de intevenção), representando essa participação, no interior das quotas B, um montante claramente superior (39,5 %, no máximo, desse preço).

Realmente, tal sistema de autofinanciamento dificilmente poderia ser imposto noutros sectores da agricultura nos quais os rendimentos dos produtores, com menores garantias de preços, não permitem prever tais encargos de financiamento. Nesta ordem de ideias, sublinhe-se que a cultura da beterraba é mais interessante do ponto de vista do preço para os produtores do que a cultura de outros produtos vegetais, por exemplo os cereais.

Questão 2 — Resultará de uma disposição regulamentar precisa que o conjunto das quotas A atribuídas por campanha de comercialização corresponde aproximadamente ao consumo humano de açúcar na Comunidade ao longo de uma campanha e, em caso afirmativo, qual é essa disposição?

Resposta — Não.

Embora seja verdade que o total das quotas A se aproxima do nível do consumo de açúcar na Comunidade, o certo é que não existe uma relação matemática entre as quotas A e o consumo de açúcar. Por conseguinte, não existe qualquer disposição especificamente aplicável a esta questão.

Além disso, recorde-se que, no início da organização comum de mercado do açúcar (Regulamento n.° 1009/67, acima citado), as quotas A foram fixadas para os diferentes fabricantes de açúcar tomando como referência a produção medida dessas empresas entre 1961 e 1965 (ver artigo 23.° do Regulamento n.° 1009/67, já referido). Isso explica que, em relação a determinados Esta-dos-membros, por exemplo a Itália, o total das quotas A dos fabricantes de açúcar e, por essa razão, também a quota nacional A, não correspondam ao consumo nacional: as quotas A para Itália eram inferiores ao consumo de açúcar nesse país.

D — Questão colocada à Comissão

Questão — A Comissão é convidada a explicar mais detalhadamente o que entende por necessidade de os órgãos jurisdicionais nacionais, ao suspenderem a execução de um acto administrativo nacional adoptado com base num acto comunitário, tomarem plenamente em consideração o interesse comunitário (pontos 8 e 9 das suas observações).

Resposta — a)

O Tribunal de Justiça convidou a Comissão a esclarecer o que entende por obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais tomarem plenamente em consideração o interesse da Comunidade em caso de suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num acto comunitário.

b)

No ponto 8 da parte II das suas observações, rubrica II, a Comissão explica que o juiz nacional deve tomar plenamente em consideração o interesse da Comunidade, quer quando aprecia o bem-fundado das suas dúvidas sobre a validade de um acto da Comunidade, quer quando se pronuncia sobre a questão de saber se, excepcionalmente, em razão das suas dúvidas, não se imporá ordenar a suspensão da execução do acto administrativo nacional fundado nesse acto comunitário.

Segundo as observações apresentadas pela Comissão no ponto 7 da parte II das suas observações, ao fazer essa apreciação e ao utilizar esse poder de apreciação, o juiz não deve atribuir menos importância aos interesses da Comunidade do que aos do Es-tado-membro, devendo, de resto, pronunciar-se, antes de tudo, em função das circunstâncias de cada caso concreto.

c)

Pretende a Comissão mencionar, apenas como exemplos, alguns critérios que mostram em que medida o juiz nacional deve esforçar-se por tomar plenamente em consideração o interesse da Comunidade.

No que respeita ao bem-fundado das suas dúvidas sobre a validade de um acto da Comunidade, o juiz não deve ater-se às afirmações das partes no processo, devendo verificar, com o auxílio da jurisprudência e da doutrina, se as suas dúvidas têm razão de ser.

Quando exerce o seu poder de apreciação, o juiz deve fazê-lo de modo a preservar, na medida do possível, a eficácia do direito comunitário (a este propósito, ver, designadamente, as explicações — relativas a uma situação completamente diferente — dadas pela Comissão nas observações que apresentou em 25 de Outubro de 1989 no processo C-213/89, Factortame, parte III, ponto 1, acórdão de 19 de Junho de 1990, Colect., p. I-2433), o seu «efeito útil». Assim, em caso de créditos em dinheiro dos poderes públicos, uma suspensão da execução só deve, em geral, ser encarada, se se afigurar que a solvência do devedor persistirá mesmo após o processo principal ou se ele tiver prestado caução.

Em contrapartida, a eficácia do direito comunitário pode exigir que actos administrativos que não imponham obrigações pecuniárias sejam imediatamente executados. A este propósito, pode mencionar-se, como exemplo típico, a distilação obrigatória do vinho de mesa prevista no artigo 39.° do Regulamento (CEE) n.° 822/87 (é o objecto do litígio que opõe a Comissão à República Federal da Alemanha no processo C-217/88, acórdão de 10 de Julho de 1990, Colect. p. I-2879), disposição essa cuja suspensão é impossível sem pôr em causa a realização do objectivo visado, isto é, aliviar imediatamente o mercado do vinho, desembaraçando-o dos seus excedentes. Pode-se pensar igualmente nas medidas que se destinam a resolver situações que constituem uma ameaça para a saúde pública, como o abate de gado contaminado ou a proibição de comercializar produtos nocivos para a saúde.

R. Joliét

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.


RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-92/89 ( *1 )

Sumário

 

I — Matéria de facto e tramitação processual

 

A — Regulamentação comunitária

 

1. Regulamento de base

 

2. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção

 

3. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

 

4. Regulamentos posteriores

 

B — Matéria de facto e processo principal

 

C — Tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

 

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

 

A — Quanto à primeira questão (base jurídica adequada para a instauração da quotização de reabsorção especial)

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Conselho

 

3. Posição da Comissão

 

B — Quanto à segunda questão (compatibilidade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial com o regulamento debase)

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Conselho

 

3. Posição da Comissão

 

C — Quanto à terceira questão (violação dos princípios da proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos que lhe são alheios, bem como com encargos financeiros desproporcionados)

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Conselho

 

3. Posição da Comissão

 

D — Quanto à quarta questão (violação do princípio da não discriminação

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Governo italiano

 

3. Posição do Governo do Reino Unido

 

4. Posição do Conselho

 

5. Posição da Comissão

 

E — Quanto à quinta questão (violação dos direitos fundamentais de protecção do direito de propriedade e do direito ao livre exercício das actividades económicas)

 

1. Posição da recorrente no processo principal

 

2. Posição do Governo do Reino Unido

 

3. Posição do Conselho

 

4. Posição da Comissão

 

III — Respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça

 

A — Questão colocada à Zuckerfabrik Soest

 

B — Questões colocadas ao Governo italiano

 

C — Questões colocadas ao Conselho

I — Matéria de facto e tramitação processual

A — Regulamentação comunitária

1. Regulamento de base

A organização comum de mercado no sector do açúcar é disciplinada pelo Regulamento (CEE) n.° 1785/81 do Conselho, de 30 de Junho de 1981 (JO L 177, p. 4; EE 03 F22 p. 80, a seguir «regulamento de base»).

A situação da Comunidade em matéria de açúcar caracteriza-se por excedentes estruturais. Com vista a suster a produção de açúcar, o regulamento de base prevê a atribuição de quotas de produção aos fabricantes de açúcar.

Para tanto, o artigo 24.° do regulamento de base fixa, para cada região de produção (que coincidem, no essencial, com o território dos Estados-membros), uma quantidade de base A e uma quantidade de base B.

Essas quantidades de base são fixadas para cada campanha de comercialização anual, as quais se prolongam de 1 de Julho a 30 de Junho do ano seguinte.

As quantidades de base A e as quantidades de base B atribuídas às diferentes regiões de produção são o resultado de negociações políticas.

Os Estados-membros repartem a sua quantidade A entre as empresas, sob a forma de quotas A e a sua quantidade B, sob a forma de quotas B.

O conjunto das quotas A atribuídas por campanha de comercialização corresponde aproximadamente ao consumo humano de açúcar na Comunidade durante a campanha. Para determinar a quota A de uma determinada empresa toma-se em consideração, designadamente, a produção anual média que tenha registado durante determinadas campanhas anteriores. A quota B das empresas é calculada de acordo com a média das produções mais elevadas que tenham registado durante três das campanhas 1975/1976 a 1979/1980, não podendo ser inferior a 10 % da sua quota A (artigo 24.° do regulamento de base).

O açúcar produzido dentro dos limites das quotas A (açúcar A) e o produzido através das quotas B (açúcar B) constituem o mesmo produto. No entanto, o regime jurídico varia nalguns aspectos consoante a produção tenha lugar no âmbito das quotas A ou das quotas B.

O açúcar A e o açúcar B podem ser livremente comercializados na Comunidade. Beneficiam nesse caso de uma garantia de preços e de escoamento graças a um sistema de intervenção. Podem igualmente ser exportados. Se o preço de intervenção for superior ao preço do açúcar no mercado mundial, a diferença é coberta por uma restituição à exportação. Por cada quilo de açúcar que exportem, os fabricantes recebem uma importância igual à diferença entre os dois preços. Se o preço de intervenção for inferior ao preço do açúcar no mercado mundial, é cobrado um direito nivelador. Por cada quilo de açúcar que exportem, os fabricantes devem então pagar uma importância igual à diferença entre o preço de intervenção e o preço do mercado mundial, por hipótese superior.

O açúcar produzido para além das quotas A e B de uma empresa (denominado «açúcar C») não beneficia do sistema de intervenção. Deve ser exportado para fora da Comunidade e não beneficia de nenhuma restituição à exportação.

Efectivamente, o preço de intervenção é sempre superior ao preço do açúcar no mercado mundial. Dado que é possível produzir, dentro do limite das quotas B, quantidades de açúcar excedendo o consumo comunitário que beneficiam de restituições à exportação, a Comunidade deve suportar importantes encargos em restituições à exportação.

Estas são financiadas, num primeiro momento, por créditos do orçamento comunitário. O regulamento de base prevê, todavia, um sistema de quotizações à produção que deve permitir repercutir integralmente no sector de actividade em causa os encargos que da exportação de açúcar resultam para a Comunidade. A este propósito, o décimo primeiro considerando do regulamento de base menciona que o objectivo é «assegurar de forma justa mas eficaz o financiamento integral pelos próprios produtores dos encargos de escoamento dos excedentes resultantes da diferença entre a produção da Comunidade e o seu consumo».

O artigo 28.° do regulamento de base define o regime das quotizações destinadas a alcançar esse objectivo. Essas quotizações incidem, em diferente medida, sobre a produção de açúcar A e de açúcar B.

Antes do final de cada campanha de comercialização procede-se a uma estimativa da perda global previsível, a qual será igual à diferença previsível entre o montante total das restituições a pagar e o dos direitos niveladores a receber durante a campanha em causa.

A fim de cobrir a perda global previsível, são exigidas duas quotizações aos fabricantes de açúcar: uma quotização à produção de base e uma quotização B.

A quotização à produção de base será cobrada sobre o fabrico de açúcar A e de açúcar B e não pode exceder 2 % do preço de intervenção do açúcar branco.

Se a quotização à produção de base não bastar para cobrir a perda global previsível, cobra-se uma quotização B. Esta quotização não pode, em princípio, ultrapassar 30 % do preço de intervenção do açúcar branco. Tal percentagem pode atingir, no máximo, 37,5 % no caso de a quotização à produção de base e a quotização B, limitada a 30 %, não permitirem cobrir integralmente a perda global previsível.

O regulamento de base prevê uma certa repercussão das duas quotizações sobre os produtores de beterraba. Essa repercussão processa-se através da fixação do preço-base da beterraba, bem como de uma redução do preço mínimo da beterraba que os fabricantes de açúcar devem pagar aos produtores de beterraba (artigos 4.° e 5.° do regulamento de base).

2. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção

Por força do artigo 23.° do regulamento de base, o sistema de quotas e de quotizações acima descrito funcionou para as campanhas de comercialização 1981/1982 a 1985/1986.

Após esse período, as quotizações criadas pelo regulamento de base revelaram-se largamente insuficientes para assegurar o autofinanciamento integral do sector. De facto, embora as quotizações tenham sido aplicadas às taxas máximas autorizadas pelo regulamento de base, designadamente através do aumento do limite máximo da quotização B de 30 % para 37,5 %, verificou-se um défice de 400 milhões de ecus no termo do período 1981/1982 a 1985/1986.

Em 24 de Março de 1986, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 934/86, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1785/81 que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar QO L 87, p. 1, a seguir «regulamento que instaura a quotização de reabsorção»).

Este regulamento tornou o sistema de quotas e de quotizações instituído pelo regulamento de base extensivo às campanhas de comercialização 1986/1987 a 1990/1991. Os fabricantes de açúcar tiveram, assim, que pagar quotizações à produção de base e quotizações B durante mais cinco campanhas.

Por outro lado, o novo regulamento introduziu no regulamento de base um artigo 32.° -A que cria, a par das duas quotizações já existentes, uma quotização suplementar denominada «quotização de reabsorção». Destina-se esta a reabsorver, à razão de 80 milhões de ecus por campanha durante o período 1986/1987 a 1990/1991, o défice de 400 milhões de ecus registado no final do período 1981/1982 a 1985/1986.

Como resulta do oitavo considerando do regulamento que instaura a quotização de reabsorção, revelou-se materialmente impossível diferenciar o montante da nova quotização em função da participação dos produtores agrícolas e das empresas de transformação na criação do défice registado, atendendo à evolução que a estrutura de produção do sector conheceu em cinco anos (trata-se de uma alusão ao desaparecimento de certos produtores em consequência de falências, falecimentos, etc). Só uma aplicação diferenciada da quotização de reabsorção consoante as regiões de produção se afigurou possível.

O artigo 32.°-A fixou, assim, por região de produção, montantes a pagar pelos fabricantes de açúcar, a título de quotização de reabsorção, pela produção de 100 quilos de açúcar branco. Não se operou qualquer distinção consoante a produção se tivesse efectuado no âmbito da quota A ou da quota B da empresa.

O artigo 32.°-A previa que os fabricantes de açúcar pudessem exigir aos vendedores de beterraba o reembolso da quotização de reabsorção à razão de 60 % desta.

3. Regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial

A campanha de comercialização de 1986/1987 terminou em 30 de Junho de 1987. Verificou-se que, só ao longo desta campanha, se registou um défice suplementar da ordem dos 227 milhões de ecus, só por si superior a metade do défice registado ao longo das cinco campanhas anteriores.

Em 2 de Julho de 1987, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 (JO L 183, p. 5, a seguir «regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial»). É a validade deste regulamento que é discutida nos presentes processos prejudiciais.

Tal como o regulamento de base e o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial foi adoptado com base no artigo 43.° do Tratado. Esta disposição prevê que o Conselho delibera por maioria qualificada sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu.

Contrariamente ao que acontecia com o Regulamento n.° 934/86 que instaura a quotização de reabsorção, o novo regulamento não altera o regulamento de base. Contém, todavia, numerosas referências a este último, quer nos seus considerandos quer nas suas disposições.

A quotização de reabsorção especial destina-se a reabsorver integralmente a parte da perda global resultante da campanha de produção de 1986/1987 não coberta pelas receitas provenientes das quotizações instauradas pelo regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B).

E calculada, para cada fabricante de açúcar, multiplicando a verba devida por este em relação à campanha de comercialização de 1986/1987, a título das quotizações instauradas pelo regulamento de base, por um determinado coeficiente, idêntico para toda a Comunidade e que é fixado de modo a que a parte da perda por reabsorver para a campanha em causa seja integralmente coberta. Foi fixado em 0,38873 pelo Regulamento (CEE) n.° 3061/87 da Comissão, de 13 de Outubro de 1987, que fixa o coeficiente de cálculo da quotização de reabsorção especial para a campanha de comercialização de 1986/1987 no sector do açúcar (JO L 290, p. 10).

Tal como o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial dispõe que os fabricantes de açúcar podem exigir dos vendedores de beterraba o reembolso de 60 % da quotização por ele criada. Esse reembolso pode ser obtido através de uma diminuição correspondente do preço pago pela beterraba fornecida, quer a título da campanha de comercialização de 1986/1987, quer a título da campanha seguinte.

Verifica-se, portanto, que os fabricantes de açúcar suportaram quotizações de três tipos sobre a produção da campanha de comercialização de 1986/1987: as quotizações criadas pelo regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B), a quotização de reabsorção, destinada a reabsorver, nessa campanha, 80 milhões de ecus, correspondentes a parte da perda acumulada no período 1981/1982 a 1985/1986 e, finalmente, a quotização de reabsorção especial que deveria cobrir uma perda de 227 milhões de ecus, resultante da produção durante a campanha de 1986/1987, não reabsorvida pelas quotizações instauradas pelo regulamento de base.

4. Regulamentos posteriores

Posteriormente aos factos que suscitaram os presentes processos prejudiciais, o Conselho adoptou, também com base no artigo 43.° do Tratado, dois outros regulamentos relativos ao regime das quotizações no sector do açúcar.

Num desses regulamentos [Regulamento (CEE) n.° 1108/88, de 25 de Abril de 1988, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1987/1988 (JO L 110, p. 25)], o Conselho instaurou, para a campanha de comercialização de 1987/1988, uma quotização de reabsorção especial idêntica à criada pelo regulamento em causa para a campanha de 1986/1987.

Noutro regulamento [Regulamento (CEE) n.° 1107/88, de 25 de Abril de 1988, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1785/81 que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 110, p. 20)], o Conselho inseriu no regulamento de base um artigo 28.°-A, através do qual instaurou, para as campanhas de 1988/1989,1989/1990 e 1990/1991, uma quotização denominada «quotização complementar». Trata-se de uma quotização idêntica, quanto às suas finalidades e ao seu mecanismo, à quotização de reabsorção especial. Destina-se, portanto, a cobrir integralmente, em relação a cada uma das campanhas de comercialização em causa, os défices não cobertos pelas outras quotizações instauradas pelo regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B).

B — Matéria de facto e processo principal

Por decisão de 20 de Outubro de 1987, o Hauptzollamt Paderborn (organismo principal das alfândegas de Paderborn, República Federal da Alemanha), recorrido no processo principal, exigiu à Zuckerfabrik Soest, recorrente no processo principal, o pagamento de 1675013,71 DM a título de quotização de reabsorção especial relativa à campanha de comercialização de 1986/1987. A Zuckerfabrik Soest reclamou desta decisão, tendo a reclamação sido indeferida.

A Zuckerfabrik apresentou então ao Finanzgericht Düsseldorf um pedido de suspensão da execução da decisão do Hauptzollamt. Interpôs igualmente recurso de anulação da referida decisão para o mesmo órgão jurisdicional. Em apoio de ambos os pedidos, a Zuckerfabrik alegou que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial, no qual se baseia a decisão do Hauptzollamt, era inválido.

Por despacho de 10 de Fevereiro de 1988, o Finanzgericht deferiu o pedido de suspensão da execução da decisão do Hauptozollamt por ter sérias dúvidas sobre a validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial.

Por despacho de 19 de Outubro de 1988, o Finanzgericht suspendeu a instância e pediu ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)

O Regulamento n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 QO L 183 de 3.7.1987, p. 5) é inválido, por a quotização de reabsorção especial constituir uma contribuição financeira, que apenas poderia ser criada com base no artigo 201.° do Tratado CEE?

Subsidiariamente

2)

A criação da quotização de reabsorção especial pelo Regulamento n.° 1914/87 do Conselho para a campanha de comercialização de 1986/1987 é compatível com a limitação do autofinanciamento consagrada no artigo 28.° do Regulamento n.° 1785/81, bem como com o princípio da estabilidade do sistema legislativo da Comunidade?

Subsidiariamente

3)

A criação da quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 é compatível com a proibição de sujeitar um sector económico a riscos estranhos a uma organização de mercado, e com o princípio da proibição de encargos financeiros excessivos?

Subsidiariamente

4)

O artigo 1.° do Regulamento n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 viola a proibição de discriminação (n.° 3, segundo parágrafo, do artigo 40.° do Tratado CEE) ao onerar o açúcar B com uma quotização substancialmente mais elevada do que a aplicável ao açúcar A?

Subsidiariamente

5)

O Regulamento n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 viola os princípios fundamentais de direito comunitário da protecção da propriedade e da liberdade económica, no caso de aquela quotização já não poder ser financiada com os lucros obtidos, mas apenas através da utilização de reservas, colocando deste modo em risco a própria existência das empresas?»

Para explicar estas questões, o Finanzgericht desenvolveu, no despacho de reenvio, as seguintes considerações.

No que respeita à primeira questão, relativa à base jurídica adequada para a instauração da quotização de reabsorção especial, o Finanzgericht sublinha que, para poder ser adoptada no âmbito da organização comum dos mercados agrícolas, uma quotização deve ter como objectivo regularizar o mercado em causa. O Finanzgericht duvida que tal aconteça neste caso, por duas razões : em primeiro lugar, uma medida de regulação do mercado só pode aplicar-se no presente ou no futuro; ora, a quotização de reabsorção especial tem como objectivo reabsorver as perdas de uma campanha de comercialização já passada. Além disso, só os fabricantes de açúcar são legalmente obrigados a pagar a quotização de reabsorção especial, quando é certo que uma medida de regulação do mercado do açúcar deveria incidir, em primeiro lugar, sobre os produtores de beterraba, cuja produção excedentária está na origem dos desequilíbrios no mercado. Por conseguinte, o Finanzgericht entende que a quotização de reabsorção especial tem o carácter de uma taxa de financiamento e só poderia, portanto, ter sido validamente instaurada com base no artigo 201.° do Tratado.

No que respeita à segunda questão, relativa à compatibilidade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial com o regulamento de base, o Finanzgericht cita o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company, n.° 21 (113/77, Recueil, p. 1185).

Nesse processo, fabricantes japoneses de rolamentos de esferas impugnavam uma disposição de um regulamento do Conselho por força da qual os direitos antidumping provisórios que tinham pago ficavam definitivamente adquiridos. Os recorrentes alegavam que tinham assinado compromissos, aceites pela Comissão, de eliminar a margem de dumping. Por conseguinte, a disposição impugnada era incompatível com o regulamento de base aplicável na matéria (fundado nos artigos 111.°, 113.° e 227.° do Tratado CEE), que previa que o processo seria concluído a partir do momento em que os produtores se comprometessem voluntariamente a pôr fim às práticas de dumping e que a Comissão aceitasse esse compromisso.

O Conselho defendia-se invocando que o regulamento impugnado se baseava não só no regulamento de base, mas igualmente no artigo 113.° do Tratado. Em seu entender, esta última disposição tinha-lhe permitido adoptar, independentemente das disposições do regulamento de base, um regulamento ad hoc.

O Tribunal de Justiça considerou que esta argumentação do Conselho ignorava que todo o processo em causa se desenrolara no âmbito das disposições estabelecidas pelo regulamento de base. Por conseguinte, decidiu que o Conselho, após adoptar um regulamento geral a fim de dar execução a um dos objectivos do artigo 113.° do Tratado, não pode afastar as regras assim estabelecidas, na aplicação destas aos particulares, sem perturbar o sistema legislativo da Comunidade e quebrar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

O Finanzgericht deduz desse acórdão que, a partir do momento em que o Conselho limitou, no artigo 28.° do regulamento de base, o montante das quotizações que podiam ser exigidas aos fabricantes de açúcar, excluiu implicitamente a possibilidade de instaurar, através de outro regulamento fundado directamente no artigo 43.° do Tratado, uma quotização que ultrapassasse esse limite. De resto, o próprio Conselho veio implicitamente a reconhecer que uma quotização que ultrapassasse o limite fixado pelo regulamento de base obrigava a uma alterção deste último. Efectivamente, para instaurar uma quotização análoga à quotização de reabsorção especial para as campanhas de 1988/1989, 1989/1990 e 1990/1991, o Conselho inseriu, através do Regulamento n.° 1107/88, acima citado, um artigo 28.°-A no regulamento de base.

No que respeita à terceira questão, relativa à violação dos princípios da proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos que lhe são alheios ou com encargos financeiros desproporcionados, o Finanzgericht sublinha que o défice registado durante a campanha de 1986/1987 se ficou essencialmente a dever ao reduzido preço do açúcar no mercado mundial e à queda do curso do dólar. Por estas razões, a Comunidade foi obrigada a pagar, durante a campanha em causa, restituições à exportação particularmente elevadas. Ora, o nível do preço do açúcar no mercado mundial e o curso do dólar são elementos alheios ao comportamento dos operadores que actuam no mercado comunitário do açúcar. As consequências das flutuações desses factores não deveriam, portanto, onerar estes últimos. De resto, noutras organizações de mercado (por exemplo, as dos cereais, da carne de bovino, dos produtos lácteos), os riscos inerentes às flutuações dos preços dos produtos em causa no mercado mundial, bem como os atinentes às variações do curso do dólar, são exclusivamente suportados pelo FEOGA.

No que respeita à quarta questão, relativa à violação do princípio da não discriminação, o Finanzgericht afirma que o açúcar fabricado no âmbito das quotas A (açúcar A) e no âmbito das quotas B (açúcar B) constituem, de facto, produtos idênticos. Acresce que tanto o açúcar A como o açúcar B podem ser comercializados no interior da Comunidade ou exportados. Nenhuma razão objectiva justifica, por isso, que a quotização de reabsorção especial onere mais fortemente o açúcar B do que o açúcar A. Esta diferença de nível de imposição tem como justificação técnica que a quotização de reabsorção especial é calculada aplicando um determinado coeficiente às quotizações devidas pelos fabricantes por força do regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B) e que estas últimas também oneram mais fortemente o açúcar B (39,5 %) do que o açúcar A (2 %). Segundo o Finanzgericht, não se justifica transpor essa diferença de tratamento para a quotização de reabsorção especial, uma vez que esta foi criada fora da organização de mercado do açúcar. De resto, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, adoptado no âmbito dessa organização de mercado, incide uniformemente sobre a produção de açúcar A e de açúcar B. Essa igualdade de tratamento deveria, a fortiori, existir para a quotização de reabsorção especial, instaurada fora da organização de mercado em causa.

No que respeita à quinta questão, relativa à violação dos direitos fundamentais de protecção do direito de propriedade e do direito ao livre exercício das actividades económicas, o Finanzgericht afirma que esses direitos fundamentais são violados quando a acumulação de sucessivas quotizações leva a impor às empresas encargos financeiros desproporcionados. E o que acontece com as empresas que não tenham tido possibilidade de pagar uma quotização relativa a uma dada campanha com os lucros ao longo dela realizados, devendo, para esse efeito, disponibilizar as suas reservas. Um regulamento que impõe tal quotização é ilegal por violação dos direitos fundamentais acima enunciados.

Finalmente, o Finanzgericht afirma partilhar a opinião da Zuckerfabrik Soest segundo a qual o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é contrário ao princípio da não retroactividade. Remete, a este propósito, para o despacho de reenvio do Finanzgericht Hamburg no processo C-143/88.

C — Tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

O despacho do Finanzgericht Düsseldorf foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Março de 1989.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça CEE, foram apresentadas observações escritas em 22 de Junho de 1989 pelo Conselho das Comunidades Europeias, representado por A. Bräutigam, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, em 23 de Junho de 1989 pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelos seus consultores jurídicos, D. Booß e G. zur Hausen, na qualidade de agentes, em 26 de Junho de 1989 pela Zuckerfabrik Soest, recorrente no processo principal, representada pelos advogados Ehle, Schiller e sócios, do foro de Colónia, em 27 de Junho de 1989 pelo Governo do Reino Unido, representado por J. A. Gensmantel, Treasury Solicitor, na qualidade de agente e em 29 de Junho de 1989 pelo Governo da República Italiana, representado pelo professor Luigi Ferrari Bravo, chefe do Serviço do Contencioso Diplomàtico do Ministério dos Negocios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por I. M. Braguglia, avvocato dello Stato.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No entanto, decidiu colocar algumas questões à Zuckerfabrik Soest, ao Governo italiano e ao Conselho. Foi dada satisfação a estas questões no prazo fixado.

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

A — Quanto à primeira questão (base jurídica adequada para a instauração da quotização de reabsorção especial)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Soest considera que a base legal adequada para a adopção do regulamento em questão não era o artigo 43.° do Tratado mas sim o artigo 201.° Efectivamente, a quotização de reabsorção especial é uma taxa de financiamento e não uma medida de regulação do mercado do açúcar.

A este propósito, a Zuckerfabrik afirma, em primeiro lugar, que uma medida de regulação de um mercado agrícola só pode respeitar ao presente ou ao futuro, não ao passado. Sublinha, em seguida, que o regulamento em causa se refere expressamente, no seu terceiro considerando, às «sérias limitações orçamentais que a Comunidade enfrenta». Salienta, finalmente, que só os fabricantes de açúcar são legalmente obrigados ao pagamento da quotização de reabsorção especial, quando é certo que a organização do mercado do açúcar foi criada no interesse exclusivo dos produtores de beterraba. Sobre este ponto, cita o terceiro considerando do regulamento de base, que dispõe que «para assegurar aos produtores de beterraba... da Comunidade a manutenção das garantias necessárias no que diz respeito ao seu emprego e nível de vida, convém prever medidas tendentes a estabilizar o mercado do açúcar».

A quotização de reabsorção especial, ao ser instaurada fora da organização de mercado do açúcar, não foi inscrita nos recursos próprios nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Decisão 85/257/CEE do Conselho, de 7 de Maio de 1985, relativa ao sistema dos recursos próprios da Comunidade (JO L 128, p. 15; EE Ol F4 p. 99, a seguir «decisão sobre os recursos próprios»). Nos termos desta disposição, constituem recursos próprios as «cotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum dos mercados para o sector do açúcar».

Não constituindo uma medida de regulação de um mercado agrícola e não figurando como recurso próprio nos termos da decisão sobre os recurso próprios, a quotização de reabsorção especial só poderia ter sido validamente adoptada com base no artigo 201.° do Tratado. Assim, dado que o procedimento estabelecido nessa disposição não foi seguido, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é, no entender da recorrente, inválido.

2. Posição do Conselho

O Conselho sublinha que o Tribunal de Justiça já examinou o problema da base jurídica adequada para a instauração de uma quotização à produção no âmbito de diversos mercados agrícolas.

Assim, no que respeita à taxa de co-responsabilidade no sector do leite, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão de 21 de Fevereiro de 1979, Stölting, n.° 5 (138/78, Recueil, p. 713), que essa taxa fora validamente instaurada com base no artigo 43.° do Tratado, uma vez que contribuía para estabilizar o mercado em causa. No acórdão de 9 de Julho de 1985, Bozzetti, n.° 19 (179/84, Recueil, p. 2301), o Tribunal reafirmou que a taxa em questão tinha carácter essencialmente económico, uma vez que desempenhava o mesmo papel que as outras intervenções previstas pela organização comum de mercado dos produtos lácteos.

Por outro lado, a quotização à produção de isoglucose suscitou diversos recursos nos quais os produtores em causa alegaram, como aqui acontece, que a quotização em causa só poderia ter sido validamente instaurada com base no artigo 201.° do Tratado. Em dois acórdãos de 30 de Setembro de 1982, Amylum (108/81, Recueil, p. 3107) e Roquette (110/81, Recueil, p. 3159), o Tribunal declarou, em primeiro lugar, que o artigo 43.° do Tratado constituía uma base jurídica adequada para a instauração da quotização em questão. Examinou, em seguida, o argumento dos recorrentes segundo o qual o regulamento deveria ter sido adoptado com base no artigo 201.° do Tratado pelo facto de a quotização em causa não ter sido englobada nos recursos próprios nos termos da decisão sobre os recursos próprios em vigor na época [decisão do Conselho de 21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades QO L 94, p. 19)]. O Tribunal de Justiça rejeitou esse argumento, declarando que a decisão tinha como objecto a definição dos recursos próprios inscritos no orçamento da Comunidade e não as instituições comunitárias competentes para criar direitos, taxas, imposições, quotizações e outras formas de receitas. Medida de direito orçamental, tal decisão não obsta à criação pelo Conselho de uma quotização como a que incidiu sobre a produção de isoglucose, resultando a competência do Conselho para criar tal quotização, como acabou de se dizer, das disposições do Tratado relativas à política agrícola comum (respectivamente n.os 32 e 38 dos citados acórdãos).

Finalmente, a instauração de uma taxa de co-responsabilidade no sector dos cereais foi igualmente contestada com a alegação de que o regulamento que a criou se deveria ter baseado no artigo 201.° do Tratado. Nas conclusões que apresentou no processo Schräder (265/87, Colect., p. 2237), no qual este problema se colocou, o advogado-geral considerou que a taxa em questão apresentava um caracter essencialmente económico e que podia, portanto, ser validamente instaurada com base no artigo 43.° do Tratado. O recurso ao artigo 201.° teria sido, além de inútil, inapropriado: só receitas de carácter permanente podem constituir recursos próprios, ao passo que a taxa em causa é fixada em função do desequilíbrio existente, num dado momento, num determinado sector; além disso, o princípio da universalidade do orçamento obsta a que se inclua nos recursos próprios uma taxa destinada a financiar as despesas de um único sector agrícola.

Segundo o Conselho, resulta de quanto precede que, tendo uma taxa sido instaurada a fim de regularizar um mercado agrícola, o artigo 43.° do Tratado constitui a base jurídica adequada, não havendo que recorrer ao artigo 201.° do Tratado.

No caso vertente, a quotização de reabsorção especial destina-se a regularizar o mercado do açúcar.

A este propósito, o Conselho alega, em primeiro lugar, que a quotização em causa não produziu apenas efeitos em relação ao passado, tendo igualmente assegurado um efeito estabilizador ao longo da campanha de 1986/1987, cujas perdas se destinava a reabsorver. Ao longo da referida campanha, os produtores não podem ter deixado de se aperceber, pela avaliação de determinados elementos, que a quotização em causa seria instaurada. Esta perspectiva deveria tê-los levado a adaptar o respectivo comportamento em conformidade, antes mesmo do termo da campanha em questão.

Em segundo lugar, a quotização de reabsorção especial revelou-se indispensável para alcançar o autofinanciamento do sector, condição necessária para a manutenção das quotas A e B a um nível elevado, atendendo às importantes despesas que para a Comunidade representa o pagamento do preço de intervenção e das restituições à exportação de que beneficia o açúcar produzido no âmbito dessas quotas. Por conseguinte, a.instauração da quotização de reabsorção especial tornou-se necessária para assegurar o funcionamento do mercado do açúcar.

Finalmente, pouco importa que o défice que a quotização de reabsorção especial se destinava a reabsorver tenha sido originado pelo reduzido preço do açúcar no mercado mundial e pela queda do curso do dólar. Contrariamente ao que entende o Finanzgericht, estes elementos não são alheios ao mercado em causa. Dada a situação excedentária que permanentemente caracteriza o mercado comunitário do açúcar, uma parte do açúcar produzido na Comunidade destina-se necessariamente a ser exportada para fora desta. O preço do açúcar no mercado mundial e o curso do dólar não podem, assim, ser considerados dados alheios ao mercado comunitário do açúcar.

O Conselho conclui das alegações que precedem que a quotização de reabsorção especiał é uma medida de regularização do mercado do açúcar e que, por conseguinte, foi validamente instaurada unicamente com base no artigo 43.° do Tratado.

3. Posição da Comissão

A Comissão alega que o problema de determinar qual é a autoridade competente para instaurar uma quotização é diferente da questão de saber em que orçamento tal quotização deve ser inscrita.

No caso em discussão, a quotização de reabsorção especial foi instaurada no âmbito da organização comum de mercado do açúcar. Destina-se, com efeito, a estabilizar esse mercado, dado que visa reforçar o mecanismo do autofinanciamento.

Não se pode afirmar que o regulamento que instaura a quotização em causa seja exterior à organização de mercado do açúcar pelo facto de não ter sido adoptado sob a forma de uma alteração ao regulamento de base. Efectivamente, comporta numerosas referências a este último e só pode ser entendido em relação com a regulamentação geral que rege o mercado do açúcar.

Por outro lado, a natureza de medida de orientação agrícola da quotização em causa não pode igualmente ser posta em causa pelo facto de respeitar exclusivamente a uma campanha passada. Pelo contrário, a sua instauração alertou os operadores económicos em causa de que, no futuro, o legislador comunitário pretendia aplicar com todo o rigor o princípio do autofinanciamento do sector do açúcar. A instauração da quotização produziu igualmente efeitos no presente, uma vez que vinha sendo anunciada desde Fevereiro de 1987, tendo os produtores envolvidos podido, desse modo, adaptar o seu comportamento ao longo da campanha 1986/1987.

Assim, a quotização de reabsorção especial é uma quotização prevista no âmbito da organização comum de mercado do açúcar. Por conseguinte, foi validamente instaurada com base no artigo 43.° do Tratado.

A Comissão sublinha que a quotização em questão constitui igualmente um recurso próprio nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea a), da decisão sobre os recursos próprios, que visa precisamente as receitas provenientens das «cotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum de mercado para o sector do açúcar». Por conseguinte, é normal que as receitas provenientes dessa quotização sejam contabilizadas no orçamento geral das Comunidades [assim, para o exercício de 1989, a quotização de reabsorção especial foi inscrita no título 1 (recursos próprios), capítulo 11 (quotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum de mercado no sector do açúcar), artigo 116.° (JO L 26 de 30.1.1989, p. 20)].

Apesar da sua natureza de recurso próprio, a quotização de reabsorção especial foi validamente adoptada apenas com base no artigo 43.° do Tratado, dado que a decisão sobre os recuros próprios apenas define os recursos próprios inscritos no orçamento da Comunidade, não determinando quais as instituições comunitárias competentes para criar direitos, taxas, imposições, quotizações e outras formas de receitas (acórdãos de 30 de Setembro de 1982, Amylum e Roquette, acima citados).

B — Quanto à segunda questão (compatibilidade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial com o regulamento de base)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Soest recorda que o artigo 28.° do regulamento de base limita a quotização à produção de base a 2 % do preço de intervenção do açúcar, e a quotização B a 30 % ou, sendo caso disso, a 37,5 % desse mesmo preço. Tal limitação foi confirmada para a campanha em causa pelo regulamento que instaura a quotização de reabsorção.

Ao regular exaustivamente, no artigo 28.° do regulamento de base, o sistema de autofinaciamento do sector do açúcar, o Conselho excluiu implicitamente a instauração posterior, fora da organização de mercado em causa, da quotização de reabsorção especial, cuja cobrança leva a que sejam ultrapassados os limites fixados no regulamento de base.

O sistema normativo do direito comunitário opõe-se, com efeito, na opinião da recorrente, a que o Conselho, servindo-se da regra da habilitação geral do artigo 43.° do Tratado, adopte um regulamento prevendo medidas especiais incompatíveis com o regulamento geral que regula a matéria. A Zuckerfabrik cita, a este propósito, o acórdão de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company (acima citado), n.° 21, no qual o Tribunal declarou que o Conselho, após ter adoptado um regulamento geral destinado a alcançar um dos objectivos do artigo 113.° do Tratado, não pode derrogar essas regras, ao aplicá-las a casos particulares, sem perturbar o sistema legislativo da Comunidade e pôr em causa a igualdade das pessoas perante a lei.

O autofinanciamento do sector do açúcar só poderia, portanto, ter sido assegurado na medida autorizada pelo artigo 28.° do regulamento de base. Efectivamente, o princípio do autofinanciamento deste sector tem como único fundamento jurídico o regulamento de base e a sua aplicação deveria conter-se dentro dos limites por este traçados.

A Zuckerfabrik sublinha igualmente que a adopção de uma regra especial incompatível com a regra geral aplicável constitui uma violação da segurança jurídica, bem como da confiança legítima dos interessados.

O regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é, assim, inválido, uma vez que é incompatível com o sistema normativo do direito comunitário e põe em causa, desse modo, a segurança jurídica bem como a confiança legítima dos interessados.

2. Posição do Conselho

O Conselho entende que a presente questão prejudicial levanta dois problemas distintos. Em primeiro lugar, trata-se de saber se a quotização de reabsorção especial é compatível com a limitação das quotizações prevista no artigo 28.° do regulamento de base. Além disso, há que analisar se a instauração dessa quotização viola o princípio da segurança jurídica.

No que toca ao respeito pelos limites fixados no regulamento de base, o Conselho defende que a situação em causa é diferente da que deu lugar ao acórdão de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company, acima citado. Este último processo tratava da validade de uma regulamentação que derrogava, num caso excepcional, regras gerais que se mantinham aplicáveis a outras situações. No caso vertente, pelo contrário, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial alterou a própria regulamentação geral devido a novos desenvolvimentos verificados no mercado do açúcar.

Resulta da jurisprudência assente do Tribunal e, designadamente, do acórdão de 20 de Setembro de 1988, Espanha/Conselho, n.° 19 (203/86, Colect., p. 4563), que o campo de aplicação do princípio da confiança legítima não pode ser visto de forma a impedir, de modo geral, a aplicação de uma regulamentação nova aos efeitos futuros de situações surgidas durante a vigência da regulamentação anterior e isso, nomeadamente, num domínio como o das organizações comuns de mercados que, precisamente, sofre uma adaptação constante em função das variações da situação económica nos diferentes sectores agrícolas.

A circunstância de o regulamento de base prever, no momento da instauração da quotização em causa, limites que por esta foram ultrapassados, não afecta, portanto, o regulamento que instaurou a referida quotização.

Quanto ao respeito pelo princípio da segurança jurídica, o Conselho recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal, um acto comunitário pode produzir efeitos retroactivos se a isso obrigar o objectivo que se pretende alcançar e se a confiança legítima dos interessados for devidamente respeitada. No presente caso, ambos os requisitos estão, no entender do Conselho, preenchidos.

O objectivo que se pretendia alcançar com a quotização de reabsorção especial era duplo.

Em primeiro lugar, impunha-se evitar que a Comunidade fosse obrigada a disponibilizar antecipadamente, ou mesmo definitivamente, importantes verbas a título de restituições à exportação.

Em segundo lugar, a instauração da quotização em causa evitou o recurso a uma medida mais radical que teria permitido restabelecer o equilíbrio financeiro no mercado do açúcar, ou seja, a redução das quotas de produção. Esta última solução seria contrária aos interesses dos operadores que actuam no mercado do açúcar, dado que provocaria uma diminuição das respectivas quotas de mercado no plano mundial. Teria igualmente sido contrária aos interesses da Comunidade, uma vez que acarretaria uma diminuição das áreas consagradas à cultura de beterraba e um correspondente aumento das áreas afectas a outros sectores agrícolas, cujo financiamento ameaçaria onerar fortemente as finanças comunitárias.

A importância do duplo objectivo prosseguido pelo regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial, ou seja, assegurar o autofinanciamento do sector do açúcar, mantendo o nível das quotas inalterado, justifica, no entender do Conselho, a instauração retroactiva da quotização de reabsorção especial.

No que toca, por outro lado, ao respeito pela confiança legítima dos interessados, o Conselho sustenta, em primeiro lugar, que não é seguro que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial seja verdadeiramente retroactivo. O regulamento foi adoptado apenas alguns dias depois do termo da campanha de comercialização em causa. A quotização por ele instaurada apenas incidiu sobre os operadores económicos que estiveram na origem do défice da referida campanha e unicamente em função da respectiva participação na criação desse défice. Deste modo, trata-se, no entender do Conselho, de um sistema semelhante ao mecanismo normal de cobrança das quotizações no sector do açúcar, dado que mesmo as quotizações instauradas pelo regulamento de base são calculadas e cobradas após o termo da campanha à qual se reportam.

De qualquer modo, embora o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial relacione o seu pagamento com a produção de uma campanha passada, constitui uma disciplina mais justa do que a contida no regulamento que instaura a quotização de reabsorção. Este último só relacionou a reabsorção do défice de 400 milhões de ecus com a produção de cinco campanhas futuras porque já não era materialmente possível determinar as empresas responsáveis pela criação do défice em causa. Em contrapartida, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial podia repercutir esta sobre as empresas em função da respectiva participação na criação do défice, uma vez que foi adoptado apenas dois dias depois do termo da campanha de comercialização em causa. O facto de o regulamento ter relacionado o pagamento da quotização de reabsorção especial com a produção de uma campanha acabada de terminar não é, portanto, criticável: tal mecanismo permitiu, pelo contrário, uma justa repartição do encargo criado pelo regulamento.

Seja como for, os interessados deveriam contar, tendo em atenção diversos elementos, que uma quotização ultrapassando o limite fixado no regulamento de base lhes seria exigida. O princípio do autofinanciamento integral do sector do açúcar está consagrado no regulamento de base desde 1981. A instauração da quotização de reabsorção pelo Regulamento n.° 934/86 do Conselho, de 24 de Março de 1986, demonstrou que os limites fixados no regulamento de base poderiam ser ultrapassados. A proposta da Comissão relativa à instauração da quotização ora em discussão foi objecto de uma nota informativa do porta-voz da Comissão em Fevereiro de 1987. Foi anunciada no Comité Consultivo do Açúcar da Comissão em 27 de Março de 1987. Deste modo, os fabricantes tiveram bastante tempo para tomar as suas medidas.

O Conselho conclui de quanto precede que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial respeita o princípio da segurança jurídica.

3. Posição da Comissão

A Comissão contesta formalmente a concepção do Finanzgericht segundo a qual, por força do sistema normativo do direito comunitário, uma disposição contida num regulamento do Conselho só pode ser completada através de uma alteração desse mesmo regulamento. Tal concepção não encontra fundamento no Tratado nem na jurisprudência do Tribunal de Justiça ou na prática seguida pelas instituições.

O acórdão de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company, atrás citado, considerou ilegal uma regulamentação que derrogava regras gerais, devido ao modo como aplicava estas a casos especiais. Em contrapartida, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial não é aplicável a operadores especiais, mas a todos os produtores de beterraba e a todos os fabricantes de açúcar aos quais se aplica o regulamento de base. Por conseguinte, é erradamente que o Finanzgericht invoca o acórdão acabado de citar para criticar o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial.

A validade deste regulamento não pode, em nenhuma circunstância, ser posta em causa devido à ultrapassagem dos limites fixados no regulamento de base.

C — Quanto à terceira questão (violação dos princípios da proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos que lhe são alheios, bem como com encargos financeiros desproporcionados)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Soest alega que as causas do défice que a quotização em causa se destinava a apurar eram alheias ao comportamento dos operadores que actuam no mercado do açúcar. Essas causas prendem-se, essencialmente, com a persistência de um preço do açúcar no mercado mundial pouco elevado e com a queda do curso do dólar. Estes dois factores obrigaram a Comunidade a pagar, durante a campanha de 1986/1987, verbas particularmente elevadas a título de restituições à exportação. A Zuckerfabrik entende que o aparecimento de um défice resultante de tal tipo de factores externos constitui um risco inerente ao próprio sistema da organização de mercado e que deveria, por conseguinte, ser suportado pelo orçamento da Comunidade, pelo menos na parte que ultrapassa o nível habitual. Noutros domínios da organização de mercado, os riscos em causa são, aliás, exclusivamente financiados pelo FEOGA.

Além disso, o objectivo de assegurar o autofinanciamento de um sector agrícola não pode ter como consequência impor aos operadores que actuam nesse sector encargos financeiros desproporcionados. A quotização de reabsorção especial impõe aos fabricantes de açúcar encargos desproporcionados em razão do seu montante e do facto de acrescer a quotizações já existentes. No que respeita mais concretamente à Zuckerfabrik Soest, é a sua pròpria existência que, segundo afirma, está ameaçada com a instauração da quotização de reabsorção especial, dado tratar-se de uma empresa de fracos recursos económicos.

A Zuckerfabrik Soest conclui das afirmações que precedem que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é inválido porque sobrecarrega os operadores económicos em causa com riscos alheios ao sector do açúcar e porque lhes impõe encargos financeiros desproporcionados.

2. Posição do Conselho

Segundo o Conselho, os princípios de «proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos que lhe são alheios, bem como com encargos financeiros desproporcionados», evocados na terceira questão prejudicial, não existem, enquanto tais, em direito comunitário. Por conseguinte, o Conselho interpreta a terceira questão como pretendendo saber se existe compatibilidade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial com o princípio da proporcionalidade.

Recorda que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma medida comunitária é conforme com o princípio da proporcionalidade se for apta a alcançar o objectivo prosseguido e se não ultrapassar o que for estritamente necessario para esse efeito. Com esta dupla reserva, o legislador comunitário dispõe de um amplo poder de apreciação quanto à natureza e ao alcance das medidas a tomar, especialmente em domínios que exigem a avaliação de uma realidade económica complexa.

A instauração da quotização de reabsorção especial não é uma medida manifestamente inadequada para alcançar o objectivo de estabilização do mercado do açúcar, não ultrapassando igualmente aquilo que é estritamente necessário para assegurar o autofinanciamento integral deste sector.

O regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial está, portanto, no entender do Conselho, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

3. Posição da Comissão

A Comissão defende que o objectivo de estabilização dos mercados, consagrado no artigo 39.°, n.° 1, alínea c), do Tratado, implica que se possam tomar em consideração elementos alheios à Comunidade. Efectivamente, no entender desta instituição, não é possível estabilizar os mercados agrícolas comunitários se não se tomar em linha de conta a situação existente nos mercados dos países terceiros, dadas as influências recíprocas que se exercem entre todos os mercados.

O legislador comunitário tinha, portanto, perfeita legitimidade para instaurar a quotização de reabsorção especial, mesmo destinando-se esta a solucionar uma situação cujas causas são alheias à Comunidade.

Por outro lado, não resulta de qualquer disposição do Tratado que os riscos com origem nos mercados estrangeiros sejam necessariamente financiados pelo FEOGA. Por conseguinte, é perfeitamente lícito fazer incidir tais encargos sobre os operadores económicos interessados.

D — Quanto à quarta questão (violação do princípio da não discriminação)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Soest recorda que a quotização de reabsorção especial incide bastante mais fortemente sobre a produção de açúcar B do que sobre a de açúcar A. Isso resulta do facto de a quotização em causa ser calculada através da aplicação de um determinado coeficiente às quotizações devidas pelos fabricantes de açúcar por força do regulamento de base (quotização à produção de base e quotização B) e de, mesmo estas, onerarem bastante mais a produção de açúcar B do que a de açúcar A.

Para determinar se o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial comporta uma discriminação proibida em detrimento dos produtores de açúcar B, impor-se-ia examinar se os produtores de açúcar A e os produtores de açúcar B se encontram em situações comparáveis. Em caso afirmativo, haveria que averiguar se a diferença de tratamento se justifica objectivamente.

Segundo a Zuckerfabrik, os fabricantes que produzem açúcar A e os que produzem açúcar B encontram-se em situações comparáveis. Efectivamente, o açúcar fabricado no âmbito da quota A constitui o mesmo produto que o fabricado no âmbito da quota B. Por outro lado, quer o açúcar A quer o açúcar B podem ser vendidos no interior da Comunidade ou exportados para países terceiros.

Além disso, nenhuma razão objectiva justifica que a quotização de reabsorção especial onere o açúcar B mais fortemente do que o açúcar A.

Em primeiro lugar, não se pode defender que seja o fabrico de açúcar B, mais do que o de açúcar A, que está na origem da situação excedentária do mercado em causa, uma vez que se trata do mesmo produto. Os encargos resultantes para a Comunidade do pagamento das restituições à exportação têm, assim, origem indistintamente na produção de açúcar A e na de açúcar B.

Em seguida, a determinação das quantidades de base A e B atribuídas aos Estados-membros (e que estes redistribuem, em seguida, entre os fabricantes de açúcar sob a forma de quotas A e B) não se faz de acordo com critérios objectivos, mas em função de considerações de ordem política. Por conseguinte, não existe qualquer justificação objectiva para que a produção de açúcar seja diferentemente onerada consoante se processe no âmbito da quota A ou da quota B de uma empresa.

Finalmente, como justamente sublinhou o Finanzgericht, a quotização de reabsorção especial constitui uma taxa de financiamento instaurada fora da organização comum de mercado do açúcar. Por essa razão, não é admissível que a diferenciação que é feita entre o açúcar A e o açúcar B para efeitos das quotizações instauradas pelo regulamento de base se reflita na quotização de reabsorção especial. Para ser justa, esta última deveria incidir do mesmo modo sobre a produção de açúcar A e de açúcar B.

A Zuckerfabrik assinala ainda que, na hipótese de terem existido circunstâncias excepcionais que tenham justificado um tratamento diferente da produção de açúcar A e de açúcar B, tais circunstâncias deveriam ter sido explicadas na fundamentação do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial. Todavia, tal regulamento só menciona, no seu quinto considerando, que a quotização de reabsorção especial devida por uma empresa se calcula em função da quotização à produção de base e da quotização B por esta devidas, sem esclarecer o porquê da escolha de tal método de cálculo.

Em conclusão, a Zuckerfabrik considera que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial é contrário ao princípio da não discriminação, pelo menos na medida em que incide mais fortemente sobre a produção de açúcar B do que sobre a de açúcar A.

2. Posição do Governo italiano

O Governo italiano afirma que as produções de açúcar A e de açúcar B se distinguem sob dois pontos de vista.

Em primeiro lugar, o conjunto das quotas A atribuídas aos fabricantes de açúcar correspondia aproximadamente ao volume do consumo de açúcar na Comunidade. A produção de açúcar B é, assim, necessariamente geradora de excedentes, os quais são exportados para países terceiros, o que dá lugar ao pagamento de restituições à exportação a pagar pela Comunidade. Por conseguinte, a produção de açúcar B está na origem do défice que a quotização de reabsorção especial se destina a reabsorver.

Em segundo lugar, os fabricantes de açúcar cobrem integralmente as suas despesas fixas de fabrico através da produção de açúcar A. Como resulta de diversos regulamentos que estabeleceram os preços aplicáveis durante várias campanhas de comercialização, as despesas fixas da indústria do açúcar elevam-se acerca de 45 % a 50 % da margem de transformação, correspondendo esta ao preço de intervenção do açúcar diminuído do preço de compra da beterraba e de certos encargos acessórios [ver, por exemplo, o décimo primeiro considerando do Regulamento (CEE) n.° 432/68 do Conselho, de 9 de Abril de 1968, que fixa, para a campanha do açúcar de 1968/1969, os preços de intervenção derivados, os preços mínimos da beterraba, os preços-limiar e a quantidade garantida, bem como a quotização à produção (JO L 89, p. 4)]. Se as produções de açúcar A e de açúcar B fossem objecto da mesma imposição, a produção de açúcar B facultaria aos fabricantes de açúcar maiores lucros do que a produção de açúcar A, equivalentes acerca de 45 % a 50 % da margem de transformação. Os fabricantes de açúcar seriam então levados a utilizar ao máximo as suas quotas B, o que apenas contribuiria para provocar excedentes suplementares e, portanto, encargos financeiros acrescidos para a Comunidade.

Nestas condições, existe uma justificação objectiva para onerar mais fortemente a produção de açúcar B do que a de açúcar A. O regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial não é, portanto, contrário ao princípio da não discriminação.

O Governo italiano considera mesmo que, se houvesse uma crítica a fazer ao regulamento em causa, seria a de que a produção de açúcar A é onerada sem se ter previamente esgotado a totalidade do lucro que os fabricantes retiram da produção de açúcar B.

Remete, a este propósito, para um quadro anexo às suas observações e do qual resulta que, desde que existe a organização comum de mercado do açúcar, as diversas quotizações que incidem sobre a produção de açúcar B jamais atingiram 50 % das margens de transformação do açúcar. Por conseguinte, nunca essas quotizações suprimiram totalmente o benefício que a produção de açúcar B faculta aos fabricantes pelo facto de, ao contrário do que acontece com a produção de açúcar A, aquela não ser onerada por despesas fixas que representam cerca de 50 % da margem de transformação.

Segundo o Governo italiano, o objectivo teria sido que a quotização de reabsorção especial incidisse sobre a produção de açúcar B de modo a suprimir integralmente o benefício em questão, eliminando-se, desse modo, um incentivo à produção de açúcar B, necessariamente geradora de excedentes.

3. Posição do Governo do Reino Unido

O Governo do Reino Unido emende que o fabrico de açúcar A e o de açúcar B podem ser tratados desigualmente, uma vez que as quotas A e B correspondem a dados bastante diferentes.

Recorda, em primeiro lugar, que a diferenciação entre a imposição aplicada ao açúcar A e ao açúcar B é, desde o início, uma constante da organização de mercado do açúcar.

Já o primeiro regulamento de base [Regulamento n.° 1009/67/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1967, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO 308, p. 1)], estabelecia uma distinção entre uma quota de base, correspondente, basicamente, à actual quota A, e uma quota suplementar, correspondente à actual quota B. Esse regulamento previa igualmente a fixação, para cada campanha, de uma quantidade garantida equivalente a 105 % do consumo humano previsível na Comunidade durante a campanha em causa (artigo 26.° do Regulamento n.° 1009/67). As despesas relacionadas com o escoamento da parte da quantidade produzida que ultrapassasse a quantidade garantida seriam repercutidas, sob a forma de uma quotização à produção, exclusivamente sobre a produção ocorrida no âmbito da quota suplementar (artigo 27.° do Regulamento n.° 1009/67).

O segundo regulamento de base [Regulamento (CEE) n.° 3330/74 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1974, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 359, p. 1)] manteve a distinção entre a quota de base e a quota suplementar. Como acontecia na vigência do primeiro regulamento, só esta última quota suportava uma quotização à produção, em função das despesas resultantes do escoamento da parte da quantidade produzida que ultrapassasse a quantidade garantida. Esta última era definida como «igual ao consumo humano na Comunidade, expresso numa quantidade de açúcar branco durante um período a determinar, diminuída da quantidade expressa em açúcar branco importada em condições preferenciais durante o mesmo período» (artigo 27.° do Regulamento n.° 3330/74).

O regulamento de base em vigor no momento da instauração da quotização de reabsorção especial (Regulamento n.° 1785/81, atrás citado) introduziu algumas modificações no sistema anterior, ao criar o princípio do autofinanciamento integral do sector e ao impor, pela primeira vez, uma quotização sobre a produção de açúcar A. Ao prever níveis de imposição diferentes para a produção de açúcar A (2 %) e para a produção de açúcar B (2 % + 30 % ou 2 % + 37,5 %), o regulamento de base actual mais não fez, no entanto, segundo o Governo do Reino Unido, do que manter uma diferença de tratamento que existia desde o início.

Mesmo o regulamento que instaura a quotização de reabsorção, que, aparentemente, fixa os montantes a pagar pelos fabricantes de açúcar apenas com base no critério da região de produção a que estes pertencem, leva em linha de conta as quotas A e B de que os fabricantes dispõem. O oitavo considerando deste regulamento menciona, com efeito, que, para determinar os montantes a pagar como quotização de reabsorção nas diferentes regiões de produção, é necessário ter em conta «por um lado, as contribuições anteriormente pagas pelo conjunto dos plantadores de beterraba... e dos produtores de açúcar». Ora, as quotizações anteriormente pagas pelos operadores de uma dada região dependem, necessariamente, das quotas A e B de que esses produtores dispusessem.

Segundo o Governo do Reino Unido, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial não comporta qualquer inovação no que respeita à diferenciação entre a imposição do açúcar A e a do açúcar B, dado que é calculada aplicando um dado coeficiente às quotizações devidas por força do regulamento de base.

Segundo o mesmo governo, a diferença de tratamento entre o açúcar A e o açúcar B, que desde o início caracteriza a organização comum de mercado do açúcar, justifica-se pelo facto de as quotas A e B serem atribuídas em função de dados bastante diferentes. A soma das quotas A corresponde aproximadamente ao consumo de açúcar na Comunidade. Quanto às quotas B, são atribuídas na medida em que o legislador comunitário esteja disposto a suportar uma produção excedentária. Os fabricantes de açúcar não se encontram, portanto, em situações comparáveis consoante produzam açúcar A ou açúcar B. A imposição do açúcar B pode, por conseguinte, ser superior à do açúcar A sem que, por isso, se verifique uma violação do princípio da não discriminação.

No entanto, mesmo admitindo que as situações sejam julgadas comparáveis, a diferença de tratamento justifica-se objectivamente. A imposição mais gravosa sobre o açúcar B do que sobre o açúcar A visa limitar a produção num mercado excedentário. Constitui a contrapartida do benefício que representa, para os fabricantes de açúcar, a possibilidade de auferirem das garantias do sistema de intervenção para as quantidades que ultrapassam o consumo comunitário. Finalmente, a atribuição de quotas de dois tipos diferentes e uma imposição distinta de ambas permitem promover a especialização regional do sector do açúcar (nono considerando do Regulamento de base n.° 1009/67, atrás citado).

Segundo o Governo do Reino Unido, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial não viola, portanto, o princípio da não discriminação.

4. Posição do Conselho

O Conselho recorda que, no acórdão de 22 de Janeiro de 1986, Eridania (250/84, Colect., p. 117), o Tribunal de Justiça analisou a validade do regulamento de base sob a perspectiva do princípio da não discriminação. Nesse processo, fabricantes de açúcar italianos contestavam o facto de, contrariamente aos outros Estados-membros, a Itália ter uma quantidade de base A inferior ao seu consumo interno. Por essa razão, os fabricantes de açúcar italianos apenas podiam exportar açúcar B, o que dava lugar ao pagamento de pesadas quotizações (39,5 %). Os fabricantes italianos entendiam que, deste modo, financiavam parcialmente a exportação de açúcar A a que procediam os fabricantes dos outros Estados-membros, pagando uma quotização bastante inferior (2 %).

O Conselho assinala que, nos n.os 19 e 20 do citado acórdão, o Tribunal rejeitou essa argumentação nos seguintes termos:

«... Nos termos em que este esquema está organizado, sobre a quota A, que representa o consumo interno, incide apenas urna cotização mínima, enquanto a quota B, essencialmente destinada à exportação, está sujeita a uma cotização muito mais elevada, de forma a permitir o financiamento das restituições necessárias e, simultaneamente, criar um efeito dissuasivo sobre os produtores.

Nestas circunstâncias, razão teve o Conselho ao distribuir as quotas fixadas a cada uma das empresa em função da sua produção efectiva. Tal critério, com efeito, está em conformidade com o princípio da especialização regional, principio-base do mercado comum, o qual exige que a produção possa realizar-se no local mais adequado, do ponto de vista económico. Além disso, a referida distribuição está em conformidade com o princípio da solidariedade dos produtores, dado que a produção constitui um critério legítimo para avaliar, simultaneamente, a importância económica dos produtores e os benefícios que extraem do sistema.»

Deste modo, o Tribunal considerou que a cobrança de uma quotização mais elevada sobre o açúcar B do que sobre o açúcar A não violava o princípio da não discriminação.

5. Posição da Comissão

A Comissão descortina no despacho de reenvio três razões que terão levado o Finanzgericht Düsseldorf a duvidar da compatibilidade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial com o princípio da não discriminação.

Em primeiro lugar, o Finanzgericht considerou que a diferente imposição do açúcar A e do açúcar B, que caracterizava as quotizações instauradas pelo regulamento de base, não podia ser transposta para a quotização de reabsorção especial, dado tratar-se esta de uma taxa de financiamento exterior à organização comum de mercado do açúcar.

A este propósito, a Comissão remete para as suas observações relativas à primeira questão prejudicial, que, em seu entender, demonstram que a quotização de reabsorção especial foi realmente instaurada no âmbito da organização comum de mercado do açúcar. Por conseguinte, tal quotização pode validademente incidir sobre a produção de açúcar A e de açúcar B de acordo com os diferentes níveis de imposição constantes do regulamento de base, cuja validade não foi contestada. Por conseguinte, a primeira objecção do Finanzgericht não colhe.

Em segundo lugar, o Finanzgericht fez notar que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção incide uniformemente sobre a produção de açúcar A e de açúcar B. Segundo o Finanzgericht, essa igualdade de tratamento deveria igualmente existir no que respeita à quotização de reabsorção especial.

Segundo a Comissão, a circunstância de o regulamento que instaura a quotização de reabsorção incidir uniformemente sobre a produção de açúcar A e de açúcar B não permite concluir que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial deveria proceder da mesma maneira. No momento em que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção foi adoptado, já não era materialmente possível repercutir a quotização de reabsorção sobre as empresas em função da respectiva participação na criação do défice em causa: este tinha-se formado ao longo das cinco campanhãs de comercialização anteriores, e a estrutura de produção do sector alterara-se profundamente durante esse período. Em contrapartida, o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial pôde repercutir esta sobre as empresas em função da respectiva participação na criação do défice, e isto porque foi adoptado apenas dois dias depois do termo da campanha de comercialização em causa. O regulamento impugnado é, portanto, no entender da Comissão, mais justo do que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção. A objecção levantada pelo Finanzgericht com base neste último regulamento deve, assim, segundo a Comissão, ser afastada.

Em terceiro lugar, o Finanzgericht considera existir uma discriminação pelo facto de as quotas A e B de que dispõem os fabricantes de açúcar dependerem das quantidades de base A e B atribuídas aos Estados-membros em que estão instalados esses fabricantes.

A este propósito, a Comissão recorda que, segundo o acórdão de 9 de Julho de 1985, Bozzetti, atrás citado, n.° 34, a instauração de uma taxa de co-responsabilidade pode ter diferentes repercussões para certos produtores, consoante a orientação individual da sua produção ou as condições locais, uma vez que a determinação da taxa se baseia em critérios objectivos. No caso vertente, nada indica que a atribuição das quantidades de base A e B aos Estados-membros, operada pelo regulamento de base, não tenha tido lugar segundo tais critérios. A terceira objecção do Finanzgericht é também, portanto, no entender da Comissão, destituída de fundamento.

A Comissão conclui, assim, que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial respeita o princípio da não discriminação.

E — Quanto à quinta questão (violação dos direitos fundamentais de protecção do direito de propriedade e do direito ao livre exercício das actividades económicas)

1. Posição da recorrente no processo principal

A Zuckerfabrik Soest sublinha que, nos acórdãos de 14 de Maio de 1974, Nold (4/73, Recueil, p. 491), e de 13 de Dezembro de 1979, Hauer (44/79, Recueil, p. 3727), o Tribunal de Justiça afirmou que o direito de propriedade e o direito ao livre exercício das actividades profissionais fazem parte dos direitos fundamentais, cujo respeito cabe ao Tribunal assegurar. A Zuckerfabrik pede ao Tribunal que declare que uma quotização, como a que aqui está em causa, que acresce retroactivamente a outras quotizações, que além disso, é excessivamente elevada e que não pode ser paga com lucros da campanha em causa, viola esses direitos fundamentais. A este propósito, sublinha que uma quotização, que os fabricantes de açúcar não podem pagar com os seus lucros, tem como efeito uma redução das respectivas produções, nomeadamente a de açúcar B, a qual sofre uma imposição particularmente forte. Além disso, ao obrigar os fabricantes de açúcar a esgotarem as suas reservas, tal quotização põe em causa a própria existência dessas empresas.

No que respeita ao seu caso específico, a Zuckerfabrik propõe-se fazer prova, perante o órgão jurisdicional nacional, de que não está em condições de pagar a quotização de reabsorção especial sem ser obrigada a esgotar as suas reservas.

A Zuckerfabrik assinala ainda que a circunstância de os fabricantes de açúcar poderem repercutir a quotização de reabsorção especial sobre os produtores de beterraba à razão de 60 % não pode ser invocada a favor da compatibilidade do regulamento em questão com os direitos fundamentais em causa. Com efeito, os fabricantes de açúcar são legalmente obrigados ao pagamento da totalidade da quotização, a qual só parcialmente podem repercutir sobre os produtores de beterraba através de um processo de direito privado cujo resultado é sempre aleatório. Um regime de cobrança como o que aqui está em causa, que responsabiliza certos particulares pelo pagamento de verbas que deveriam ser suportadas por outros contribuintes, é, de resto, segundo a recorrente, contrário tanto ao direito comunitário como ao direito constitucional alemão. A Zuckerfabrik remete, quanto a este ponto, para um estudo do professor Arndt, que junta em anexo às suas alegações.

2. Posição do Governo do Reino Unido

O Governo do Reino Unido entende que a obrigação de pagar uma quotização financeira não pode, em circunstância alguma, ser analisada como uma violação do direito de propriedade. Só o direito ao livre exercício das actividades económicas poderia, eventualmente, ser posto em causa no presente processo. O Governo do Reino Unido sublinha, todavia, que, nos acórdãos de 14 de Maio de 1974, Nold, atrás citado, n.° 14, e de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, já citado, n.° 23, o Tribunal de Justiça declarou que o direito ao livre exercício das actividades profissionais não constituía uma prerrogativa absoluta, mas que conhecia limites justificados pelos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade.

No caso em apreço, o interesse geral que representa para a Comunidade a gestão eficaz do mercado do açúcar prevalece sobre o inconveniente que para os fabricantes de açúcar constitui a instauração da quotização de reabsorção especial, a qual representa, para este Governo, um risco comercial previsível pelos operadores económicos, uma vez que o sector estava, desde há anos, sujeito a um princípio de autofinanciamento. Não constitui, em caso algum, um obstáculo ao prosseguimento da actividade económica dos fabricantes de açúcar.

O regulamento em causa não viola, portanto, nem o direito de propriedade, nem o direito ao livre exercício das actividades económicas.

3. Posição do Conselho

Segundo o Conselho, a instauração da quotização de reabsorção especial constitui uma adaptação perfeitamente legítima da regulamentação que rege o sector do açúcar, uma vez que se destina a assegurar o autofinanciamento desse sector. A quotização em causa representa, portanto, um encargo normal inerente à actividade económica em causa e não uma violação do direito de propriedade ou do direito ao livre exercício das actividades económicas dos fabricantes de açúcar.

Mesmo admitindo que nos encontrássemos perante tal violação, esta não afectaria, no entanto, a própria essência desses direitos, mantendo-se dentro dos limites considerados admissíveis pelo Tribunal no acórdão de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, atrás citado, n.° 23.

Deste modo, não pode aceitar-se a afirmação constante da questão prejudicial de que houve violação dos direitos fundamentais.

4. Posição da Comissão

A Comissão afirma que a queda do preço do açúcar no mercado mundial provocou um aumento dos encargos que o pagamento das restituições à exportação representa para a Comunidade. Existiam duas possibilidades de restabelecer o equilíbrio financeiro no mercado em causa: ou diminuir a oferta, reduzindo, portanto, as quotas de produção; ou aumentar as quotizações a cargo dos produtores em causa, na medida necessária para assegurar o autofinanciamento do sector.

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma redução das quotas não constituiria uma ofensa de um direito fundamental. De facto, as empresas não adquiriram qualquer direito à manutenção de um benefício, decorrente da organização comum de mercado, de que usufruíram até um dado momento (acórdão de 27 de Setembro de 1979, Eridania, n.° 22, 230/78, Recueil, p. 2749). A fortiori, o legislador comunitario pôde instaurar a quotização de reabsorção especial, medida que constituí uma intervenção na situação dos operadores em causa menos gravosa do que uma redução das quotas: continua a deixar a esses produtores a plena exploração futura das quotas, mantidas inalteradas.

Por conseguinte, o regulamento em causa não comporta qualquer violação dos direitos fundamentais de protecção do direito de propriedade e do direito ao livre exercício das actividades económicas, uma vez que os fabricantes de açúcar conservam o direito e a possibilidade de prosseguirem a sua produção.

III — Respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça

A — Questão colocada à Zuckerfabrik Soest

Questão — A Zuckerfabrik Soest é convidada a comentar a afirmação constante da página 32 das observações do Conselho de que a instauração da quotização de reabsorção especial era o único meio de assegurar o autofinanciamento do sector do açúcar sem proceder a uma redução das quotas de produção.

Resposta — Se se partir do princípio do autofinanciamento, tal como concebido pelo Conselho (mas não pela recorrente), a cobrança de uma quotização constituía — para além da redução das quotas de produção — o único meio de garantir o autofinanciamento, sem prejuízo das questões relativas ao fundamento jurídico, à natureza, ao método de cálculo e à data da exigibilidade de tal quotização, já tratadas nas nossas observações escritas.

B — Questões colocadas ao Governo italiano

Questão 1 — A afirmação contida no ponto 5 das observações da República Italiana, segundo a qual a soma das quotas A atribuídas aos Estados-membros corresponde, mais ou menos, ao volume de consumo da Comunidade, funda-se nalguma disposição regulamentar precisa e, em caso afirmativo, em qual?

Resposta — Na audiência, o agente do Governo italiano apresentou um documento que contém dados estatísticos e do qual resulta que o montante total das quotas A atribuídas aos Estados-membros por campanha açucareira corresponde, mais ou menos, ao volume do consumo humano na Comunidade durante o mesmo período.

Chamou igualmente a atenção para o facto de que, nos termos do artigo 26.° do primeiro regulamento de base (Regulamento n.° 1009/67 do Conselho, atrás citado), o Conselho deveria fixar anualmente uma quantidade garantida válida para toda a Comunidade, que fosse igual «a 105 % do consumo humano, expresso em açúcar branco, previsível na Comunidade durante a campanha açucareira para a qual a quantidade é fixada». O segundo regulamento de base dispunha, por seu turno, que «a quantidade garantida é igual ao consumo humano na Comunidade expresso em quantidade de açúcar branco durante um período a determinar (...)» (artigo 27.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3330/74 do Conselho, atrás mencionado). O regulamento de base de 1981 não introduziu, nesta matéria, qualquer inovação. Segundo o agente do Governo italiano, resulta das disposições citadas que a soma das quotas A atribuídas corresponde aproximadamente ao consumo humano de açúcar na Comunidade.

Questão 2 — A afirmação contida no ponto 5 das observações da República Italiana, segundo a qual os fabricantes de açúcar cobrem as suas despesas gerais de produção graças à produção de açúcar A será sempre exacta, nomeadamente se um fabricante de açúcar tiver uma quota A pouco elevada e uma quota B elevada?

Resposta 2 — O agente do Governo italiano afirmou na audiência que, na vigência do primeiro regulamento de base, a quota correspondente à actual quota B se elevava, no máximo, a 35 % da quota correspondente à actual quota A (artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1009/67 do Conselho, acima citado), e que, com o segundo regulamento de base, essa percentagam passou para 45 % (artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3330/74 do Conselho, já citado). Actualmente, o conjunto das quotas B atribuídas aos Estados-membros corresponde, de facto, a 21,7 % do conjunto das quotas A que lhes são atribuídas. Nestas condições, seria irrealista supor que um Estado-membro poderia atribuir a uma dada empresa uma quota B mais elevada do que a sua quota A. Os fabricantes de açúcar dispõem, assim, da efectiva possibilidade de cobrir as suas despesas fixas de fabrico graças à produção de açúcar A, o que justifica que o açúcar B sofra uma imposição mais forte do que o açúcar A.

C — Questões colocadas ao Conselho

Questão 1 — Por que razão o sector do açúcar é o único que está sujeito ao princípio do autofinanciamento?

Resposta — O financiamento integral — que cabe aos produtores (cultivadores de beterraba) e à indústria de transformação (fabricantes de açúcar) — dos encargos resultantes da exportação, para países terceiros, dos excedentes do açúcar assenta essencialmente nos seguintes fundamentos.

Em primeiro lugar, há que ter presente que a organização comum de mercado do sector do açúcar prevê desde 1968 (aplicação do primeiro Regulamento n.° 1009/67/CEE, atrás citado) medidas de participação dos produtores e da indústria de transformação nos encargos de financiamento da organização comum de mercado (ver artigo 27.° do referido regulamento). Essas medidas tinham, e ainda têm hoje, uma estreita ligação com a regulamentação das quotas, com o nível de preços relativamente elevado que a Comunidade garante aos produtores e à indústria de transformação para a produção que não ultrapasse as quotas globais (quotas A + quotas B), e com o facto de, desde há vários anos, a produção no âmbito das quotas globais ultrapassar o consumo na Comunidade. A este propósito, é verdade que se pode imaginar que o nível dos preços na Comunidade seria inferior em 15 % a 20 % se não fosse a existência de uma regulamentação prevendo a existência de quotas. O sector do açúcar caracteriza-se, assim, por um lado, por um nível de preços relativamente elevado e, por outro, por uma sobreprodução estrutural. Nessas condições, só seria possível manter por muito tempo as garantias de preços e o nível das quotas atribuídas graças ao autofinanciamento integral, a fim de que os excedentes não constituíssem um encargo excessivo para o mercado comunitário e não onerassem exageradamente as finanças da Comunidade. Esse autofinanciamento, como é sobejadamente conhecido, é em princípio obtido pelo facto de os produtores e a indústria de transformação, no âmbito das quotas A, apenas nele participarem a um nível mínimo (2 % do preço de intervenção), representando essa participação, no interior das quotas B, um montante claramente superior (39,5 %, no máximo, desse preço).

Realmente, tal sistema de autofinanciamento dificilmente poderia ser imposto noutros sectores da agricultura nos quais os rendimentos dos produtores, com menores garantias de preços, não permitem prever tais encargos de financiamento. Nesta ordem de ideias, sublinhe-se que a cultura da beterraba é mais interessante do ponto de vista do preço para os produtores do que a cultura de outros produtos vegetais, por exemplo os cereais.

Questão 2 — Resultará de uma disposição regulamentar precisa que o conjunto das quotas A atribuídas por campanha de comercialização corresponde aproximadamente ao consumo humano de açúcar na Comunidade ao longo de uma campanha e, em caso afirmativo, qual é essa disposição?

Resposta — Não.

Embora seja verdade que o total das quotas A se aproxima do nível do consumo de açúcar na Comunidade, o certo é que não existe uma relação matemática entre as quotas A e o consumo de açúcar. Por conseguinte, não existe qualquer disposição especificamente aplicável a esta questão.

Além disso, recorde-se que, no início da organização comum de mercado do açúcar (Regulamento n.° 1009/67, acima citado), as quotas A foram fixadas para os diferentes fabricantes de açúcar tomando como referência a produção média dessas empresas entre 1961 e 1965 (ver artigo 23.° do Regulamento n.° 1009/67). Isso explica que, em relação a determinados Estados-membros, por exemplo a Itália, o total das quotas A dos fabricantes de açúcar e, por essa razão, também a quota nacional A, não correspondam ao consumo nacional: as quotas A para Itália eram inferiores ao consumo de açúcar nesse país.

R. Joliét

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

21 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

Nos processos apensos C-143/88 e C-92/89,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Finanzgericht Hamburg (República Federal da Alemanha) e pelo Finanzgericht Düsseldorf (República Federal da Alemanha) e destinados a obter, nos litígios pendentes nesses órgãos jurisdicionais entre

Zuckerfabrik Süderdithmarschen AG

e

Hauptzollamt Itzehoe

e entre

Zuckerfabrik Soest GmbH

e

Hauptzollamt Paderborn,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 189.° do Tratado (processo C-143/88), bem como sobre a validade do Regulamento (CEE) n.° 1914/87 do Conselho, de 2 de Julho de 1987, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 (JO L 183, p. 5) (processos C-143/88 e C-92/89),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz

secretario: H. A. Rühi, administrador principal

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Zuckerfabrik Süderdithmarschen e da Zuckerfabrik Soest, pelos advogados Ehle, Schiller e sócios, do foro de Colònia,

em representação do Governo italiano, pelo professor Luigi Ferrari Bravo, chefe do Serviço do Contencioso Diplomàtico do Ministério dos Negocios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por I. Braguglia, avvocato dello Stato,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. A. Gensmantel, Treasury Solicitor, na qualidade de agente,

em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por A. Bräutigam, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Booß e G. zur Hausen, consultores jurídicos, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Zuckerfabrik Süderdithmarschen e da Zuckerfabrik Soest, representadas pelos advogados D. Ehle e J. Sedemund, do foro de Colònia, do Governo italiano, do Governo do Reino Unido, representado por C. Bellamy, na qualidade de agente, do Conselho e da Comissão, na audiencia de 20 de Março de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Novembro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 31 de Março de 1988, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 20 de Maio do mesmo ano, o Finanzgericht Hamburg decidiu, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, submeter ao Tribunal de Justiça duas questões relativas, por um lado, à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, decidindo no âmbito de um processo de medidas provisórias, para suspenderem a execução de um acto nacional baseado num regulamento comunitário e, por outro, à validade dp Regulamento (CEE) n.° 1914/87 do Conselho, de 2 de Julho de 1987, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 (JO L 183, p. 5).

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Zuckerfabrik Süderdithmarschen, fabricante de açúcar, ao Hauptzollamt Itzehoe (organismo principal das alfândegas de Itzehoe). Por decisão de 19 de Outubro de 1987, o Hauptzollamt Itzehoe exigiu à Zuckerfabrik Süderdithmarschen o pagamento de 1982942,66 DM a título de quotização de reabsorção especial relativa à campanha de comercialização de açúcar de 1986/1987.

3

Esta quotização, instaurada pelo Regulamento n.° 1914/87, acima citado, adoptado com base no artigo 43.° do Tratado, destinava-se a reabsorver integralmente as perdas sofridas pela Comunidade no sector do açúcar durante a campanha que decorreu entre 1 de Julho de 1986 e 30 de Junho de 1987, perdas essas provocadas pelas restituições à exportação particularmente elevadas que a Comunidade teve que pagar durante essa campanha, a fim de assegurar o escoamento para países terceiros dos excedentes da produção comunitária de açúcar.

4

A Zuckerfabrik Süderdithmarschen reclamou desta decisão do Hauptzollamt Itzehoe, tendo a reclamação sido indeferida. A Zuckerfabrik apresentou então ao Finanzgericht Hamburg um pedido de suspensão da execução da decisão. Interpôs igualmente recurso de anulação da decisão para o mesmo órgão jurisdicional. Em apoio de ambos os pedidos, a Zuckerfabrik alegou que o Regulamento n.° 1914/87, com base no qual a decisão do Hauptzollamt foi tomada, era inválido.

5

O Finanzgericht Hamburg deferiu o pedido de suspensão da execução da decisão do Hauptzollamt Itzehoe e colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Deve interpretar-se o segundo parágrafo do artigo 189.° do Tratado CEE no sentido de que a aplicabilidade geral dos regulamentos nos Estados-membros não exclui a possibilidade de os tribunais nacionais suspenderem a execução de um acto administrativo baseado num regulamento até ser proferida decisão no processo principal, como medida de tutela provisória de direitos?

b)

Em caso de resposta afirmativa à questão 1, alínea a): em que condições podem os tribunais nacionais garantir uma tutela provisória de direitos? Existe quanto a este ponto algum critério jurídico próprio do direito comunitário e, em caso afirmativo, qual? Ou a tutela provisória rege-se pelo direito nacional?

2)

O Regulamento n.° 1914/87 do Conselho, de 2 de Julho de 1987, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 é válido? E, mais concretamente, é o citado regulamento inválido por violar o princípio da não retroactividade dos regulamentos criadores de encargos?»

6

Através de outro despacho, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronunciasse sobre as duas questões prejudiciais.

7

Por outro lado, por despacho de 19 de Outubro de 1988, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de Março de 1989, o Finanzgericht Düsseldorf decidiu, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, submeter ao Tribunal de Justiça cinco questões igualmente relativas à validade do Regulamento n.° 1914/87 do Conselho.

8

Essas cinco questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Zuckerfabrik Soest GmbH, também fabricante de açúcar, ao Hauptzollamt Paderborn (organismo principal das alfândegas de Paderborn). Por decisão de 20 de Outurbo de 1987, o Hauptzollamt Paderborn exigiu à Zuckerfabrik Soest o pagamento de 1675013,71 DM a título da referida quotização de reabsorção especial.

9

A Zuckerfabrik Soest reclamou desta decisão, tendo a reclamação sido indeferida. A Zuckerfabrik Soest apresentou então ao Finanzgericht Düsseldorf um pedido de suspensão da execução da decisão do Hauptzollamt Paderborn. Interpôs igualmente recurso de anulação da decisão para o mesmo órgão jurisdicional. Em apoio de ambos os pedidos, a Zuckerfabrik Soest, tal como, de resto, a Zuckerfabrik Süderdithmarschen, alegou que o regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial, com base no qual a decisão do Hauptzollamt Paderborn foi tomada, era invàlido.

10

Por despacho de 10 de Fevereiro de 1988, o Finanzgericht Düsseldorf, decidindo em processo de medidas provisórias, deferiu o pedido de suspensão da decisão do Hauptzollamt Paderborn por ter sérias dúvidas sobre a validade do regulamento que instaura a quotização de reabsorção especial.

11

Por despacho de 19 de Outubro de 1988, o mesmo Finanzgericht decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronunciasse a título prejudicial sobre as seguintes questões:

«1)

O Regulamento n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 (JO L 183 de 3.7.1987, p. 5) é inválido, por a quotização de reabsorção especial constitui uma contribuição financeira, que apenas poderia ser criada com base no artigo 201.° do Tratado CEE?

Subsidiariamente

2)

A criação da quotização de reabsorção especial pelo Regulamento n.° 1914/87 do Conselho para a campanha de comercialização de 1986/1987 é compatível com a limitação do autofinanciamento consagrada no artigo 28.° do Regulamento n.° 1785/81, bem como com o princípio da estabilidade do sistema legislativo da Comunidade?

Subsidiariamente

3)

A criação da quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 é compatível com a proibição de sujeitar um sector económico a riscos estranhos a uma organização de mercado, e com o princípio da proibição de encargos financeiros excessivos?

Subsidiariamente

4)

O artigo 1.° do Regulamento n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 viola a proibição de discriminação (n.° 3, segundo parágrafo, do artigo 40.° do Tratado CEE) ao onerar o açúcar B com uma quotização substancialmente mais elevada do que a aplicável ao açúcar A?

Subsidiariamente

5)

O Regulamento n.° 1914/87 que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987 viola os princípios fundamentais de direito comunitário da protecção da propriedade e da liberdade económica, no caso de aquela quotização já não poder ser financiada com os lucros obtidos, mas apenas através da disponibilização de reservas, colocando deste modo em risco a própria existência das empresas?»

12

Para mais ampla exposição da matéria de facto dos dois processos principais, das disposições comunitárias em causa, bem como da tramitação dos dois processos e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para os relatórios para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

13

Dada a identidade de objecto e a conexão entre ambos os processos, confirmadas nos debates, impõe-se, em conformidade com o artigo 43.° do Regulamento de Processo, apensá-los para efeitos do acórdão.

Quanto à questão da suspensão da execução de um acto nacional baseado num regulamento comunitário

Quanto ao princípio

14

O Finanzgericht Hamburg pergunta, em primeiro lugar, se o artigo 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, deve ser interpretado no sentido de que não reconhece aos órgãos jurisdicionais nacionais competência para decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário.

15

A favor da existência da competência para decretar a suspensão, o Finanzgericht Hamburg invoca que tal medida mais não faz do que diferir a eventual aplicação de uma medida nacional, não pondo em causa a validade do regulamento comunitário. Todavia, para explicar a razão de ser da sua questão, afirma que contra a competência do juiz nacional se pode dizer que a concessão da suspensão, a qual pode ter efeitos consideráveis, poderá eventualmente, em violação do segundo parágrafo do artigo 189.° do Tratado, criar obstáculos à plena execução dos regulamentos em todos os Estados-membros.

16

Sublinhe-se, em primeiro lugar, que o disposto no segundo parágrafo do artigo 189.°, do Tratado não pode obstar à existência da tutela judicial a que as pessoas têm direito ao abrigo do direito comunitário. Quando a execução administrativa de regulamentos comunitários incumbe às instâncias nacionais, a tutela judicial garantida pelo direito comunitário comporta o direito de as pessoas contestarem, de forma incidental, a legalidade desses regulamentos perante o juiz nacional e de levar este a submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

17

Esse direito ficaria comprometido se, na expectativa de um acórdão do Tribunal de Justiça, único competente para declarar a invalidade de um regulamento comunitàrio (ver acórdão de 22 de Outubro de 1987, Foto-Frost, n.° 20, 314/85, Colect., p. 4199), uma pessoa não pudesse, estando preenchidas determinadas condições, obter uma decisão de suspensão susceptível de paralisar, no que a essa pessoa respeita, os efeitos do regulamento em causa.

18

Como sublinhou o Tribunal no acórdão de 22 de Outubro de 1987, Foto-Frost, acima citado (n.° 16), o reenvio prejudicial de apreciação de validade constitui, tal como o recurso de anulação, uma modalidade de fiscalização da legalidade dos actos das instituições comunitárias. Ora, no âmbito do recurso de anulação, o artigo 185.° do Tratado CEE confere ao recorrente a faculdade de pedir a suspensão da execução do acto impugnado e ao Tribunal de Justiça a competência para decretá-la. A coerência do sistema de tutela provisória exige, portanto, que o juiz nacional possa igualmente decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário cuja legalidade é posta em causa.

19

Por outro lado, no acórdão de 19 de Junho de 1990, Factortame (C-213/89, Colect., p. I-2433), proferido num processo em que estava em causa a compatibilidade de uma lei nacional com o direito comunitário, o Tribunal declarou, reportando-se ao efeito útil do artigo 177.°, que o órgão jurisdicional nacional que lhe submetera questões prejudiciais de interpretação a fim de poder decidir a questão da compatibilidade, devia ter a possibilidade de decretar medidas provisórias e de suspender a aplicação da lei nacional em causa até que o Tribunal de Justiça fornecesse a sua interpretação ao abrigo do artigo 177.° do Tratado.

20

A tutela provisória assegurada perante os órgãos jurisdicionais nacionais pelo direito comunitário não pode variar consoante se discuta a compatibilidade de disposições do direito nacional com o direito comunitário ou a validade de actos comunitários de direito derivado, desde que, em ambos os casos, a impugnação se baseie no próprio direito comunitário.

21

Vistas as considerações que precedem, há que responder à primeira parte da primeira questão que o artigo 189.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não exclui o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional adoptado com base num regulamento comunitário.

Quanto aos requisitos da suspensão

22

O Finanzgericht Hamburg pergunta, em seguida, em que condições é que os órgãos jurisdicionais nacionais podem decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário em razão das dúvidas que possam ter acerca da validade desse regulamento.

23

Assinale-se, em primeiro lugar, que uma medida de suspensão da execução de um acto impugnado só pode ser tomada se as circunstâncias de facto e de direito invocadas pelos requerentes criarem no órgão jurisdicional nacional a convicção de que existem sérias dúvidas acerca da validade do regulamento comunitário em que se baseia o acto administrativo impugnado. Só a possibilidade de uma declaração de invalidade, reservada ao Tribunal de Justiça, pode, efectivamente, justificar a concessão da suspensão..

24

Tenha-se igualmente em atenção que a suspensão da execução deve manter carácter provisório. O órgão jurisdicional nacional, quando decide em processos de medidas provisórias, só pode, portanto, decretar a suspensão desde que o Tribunal de Justiça ainda não se tenha pronunciado sobre a questão da validade. Assim, incumbe-lhe remeter essa questão a este Tribunal, expondo os fundamentos de invalidade que lhe parece deverem ser acolhidos, excepto se ao Tribunal já tiver sido submetida a mesma questão.

25

Quanto aos outros requisitos relativos à suspensão da execução dos actos administrativos, diga-se desde já que as regras processuais são estabelecidas pelos direitos nacionais, os quais divergem quanto aos requisitos de concessão da suspensão, divergências essas que podem comprometer a aplicação uniforme do direito comunitário.

26

Ora, essa aplicação uniforme é uma exigência fundamental da ordem jurídica comunitária; implica, portanto, que a suspensão da execução de actos administrativos baseados num regulamento comunitário, embora sujeita às regras processuais nacionais, no que respeita, designadamente, à apresentação e à instrução do pedido, dependa, em todos os Estados-membros, pelo menos de requisitos de concessão uniformes.

27

Dado que o poder dos órgãos jurisdicionais para decretarem a suspensão corresponde à competência reservada ao Tribunal de Justiça pelo artigo 185.° no âmbito das acções ou recursos propostos com base no artigo 173.°, os referidos órgãos jurisdicionais só devem decretar a suspensão nas condições que estão estabelecidas para o Tribunal de Justiça no que respeita aos processos de medidas provisórias.

28

A este propósito, resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que as medidas de suspensão da execução de um acto impugnado só podem ser tomadas se forem urgentes, ou seja, se forem necessárias e se se pretender que produzam efeitos antes da decisão de mérito, a fim de evitar que a parte que as solicita sofra um prejuízo grave e irreparável.

29

No que respeita à urgência, esclareça-se que o prejuízo invocado pelo requerente deve ser susceptível de se concretizar antes de o Tribunal de Justiça poder pronunciar-se sobre a validade do acto comunitário impugnado. Quanto à natureza do prejuízo, como já por várias vezes foi decidido pelo Tribunal, um prejuízo puramente pecuniário não pode, em princípio, ser considerado irreparável. Todavia, compete ao órgão jurisdicional que deva conhecer das medidas provisórias examinar as circunstâncias de cada caso concreto. Para tanto, deve apreciar os elementos que lhe permitam determinar se a execução imediata do acto que é objecto do pedido de suspensão seria susceptível de provocar ao requerente prejuízos irreversíveis e impossíveis de ser reparados no caso de o acto comunitário ser declarado inválido.

30

Acrescente-se, por outro lado, que o juiz nacional encarregue de aplicar, dentro dos limites da sua competência, as disposições do direito comunitário, tem obrigação de assegurar a plena eficácia deste e, assim, em caso de dúvida acerca da validade dos regulamentos comunitários, deve tomar em conta o interesse da Comunidade em que esses regulamentos não sejam afastados sem garantias sérias.

31

A fim de cumprir essa obrigação, o órgão jurisdicional nacional, ao qual seja apresentado um pedido de suspensão, deve verificar, em primeiro lugar, se o acto comunitário em causa não ficaria, na falta de imediata aplicação, privado de qualquer efeito útil.

32

Quando a suspensão da execução for susceptível de provocar um risco financeiro para a Comunidade, o órgão jurisdicional nacional deve igualmente poder impor ao requerente a prestação de garantias suficientes, como a caução ou o depósito à ordem do tribunal.

33

Resulta das considerações que precedem que há que responder à segunda parte da primeira questão colocada pelo Finanzgericht Hamburg que a suspensão da execução de um acto nacional baseado num regulamento comunitário só pode ser decretada por um órgão jurisdicional nacional se :

esse órgão jurisdicional tiver sérias dúvidas acerca da validade do acto comunitário e se for o próprio órgão a submeter ao Tribunal de Justiça a questão da validade do acto impugnado, isto no caso de a questão ainda não ter sido submetida a este Tribunal;

se houver urgência e se o requerente correr o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável;

se o órgão jurisdicional nacional tomar devidamente em consideração o interesse da Comunidade.

Quanto à validade

34

O Finanzgericht Hamburg põe em causa a validade do Regulamento n.° 1914/87, acima citado, pelo facto de ele ser eventualmente contrário ao princípio da não retroactividade e de ignorar, por esse facto, o princípio da segurança jurídica.

35

O Finanzgericht Düsseldorf, por seu turno, manifestou as suas dúvidas sobre a validade do mesmo regulamento, colocando cinco questões que suscitam a eventual existência de inadequação da base jurídica para a instauração da quotização de reabsorção especial, de incompatibilidade do Regulamento n.° 1914/87 com o Regulamento de base (CEE) n.° 1785/81 do Conselho, de 30 de Junho de 1981, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 177, p. 4; EE 03 F22 p. 80), de violação dos princípios da proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos que lhe são alheios, bem como com encargos financeiros desproporcionados e de violação dos princípios da protecção do direito de propriedade e do direito ao livre exercício das actividades profissionais.

36

As questões colocadas em ambos os processos constituem apenas diferentes perspectivas sob as quais o mesmo acto poderia ser criticado, pelo que as analisaremos conjuntamente.

Quanto à violação do procedimento instituído pelo artigo 201. ° do Tratado CEE

37

O Finanzgericht Düsseldorf considera, em suma, que para poder ser adoptada com base no artigo 43.° do Tratado CEE, no àmbito da organização comum de mercados agrícolas, uma quotização deve visar a regulação do mercado em causa. Ora, tal medida só pode respeitar ao presente ou ao futuro. Em seu entender, não é esta a situação da quotização de reabsorção especial, dado que se destina a reabsorver as perdas de uma campanha de comercialização passada. Além disso, só os fabricantes de açúcar são obrigados a pagá-la, quando é certo que uma medida de regulação do mercado deveria, em primeiro lugar, incidir sobre os produtores de beterraba. Segundo o Finanzgericht Düsseldorf, a quotização em causa tem, assim, a natureza de uma taxa de financiamento que só poderia ter sido validamente instaurada com base no artigo 201.° do Tratado.

38

Para responder a esta afirmação, há que ter presente que o artigo 2.° da Decisão 85/257/CEE do Conselho, de 7 de Maio de 1985, relativa ao sistema dos recursos próprios da Comunidade (JO L 128, p. 15; EE 01 F4 p. 99), em vigor no momento da adopção do regulamento impugnado, distingue, por um lado, as «quotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum dos mercados para o sector do açúcar» que passam a constituir recursos próprios e, por outro, as «receitas provenientes de outras imposições que sejam instituídas no âmbito de uma política comum», em conformidade com as disposições dos tratados e que apenas serão recursos próprios desde que adoptadas com base no procedimento previsto no artigo 201.° do Tratado CEE e nos artigos correspondentes dos outros tratados.

39

Atendendo às evoluções que não poderiam deixar de se verificar na produção e no mercado comunitário do açúcar, a referida decisão de 7 de Maio de 1985 não terá certamente pretendido limitar, no artigo 2.°, primeiro parágrafo, alínea a), a sua aplicação às quotizações previstas no momento da adopção da decisão, ou seja, as quotizações instituídas pelo Regulamento n.° 1785/81 do Conselho, acima referido (a seguir «regulamento de base»). Dado o carácter complementar da quotização de reabsorção especial relativamente às quotizações que já existiam no momento da adopção da decisão de 7 de Maio de 1985, deve entender-se que ela se engloba nas «quotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum dos mercados para o sector do açúcar», na acepção da decisão.

40

Em qualquer caso, assinale-se que, como o Tribunal já decidiu no acórdão de 30 de Setembro de 1982, Amylum (108/81, Recueil, p. 3107), a propósito da decisão do Conselho de 21 de Abril de 1970, relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (JO L 94, p. 19), a decisão de 7 de Maio de 1985, como medida de direito orçamental, tem como objecto a definição dos recursos próprios inscritos no orçamento das Comunidades e não das instituições comunitárias competentes para fixar direitos, taxas, imposições, quotizações e outras formas de receitas.

41

Daqui resulta que não havia que recorrer ao procedimento do artigo 201.° para adoptar uma medida como a quotização de reabsorção especial prevista no Regulamento n.° 1914/87, mesmo que esta tivesse o carácter de uma taxa de financiamento.

42

Saber se o artigo 43.° do Tratado pode servir de base jurídica para a instauração de uma quotização que irá onerar operações económicas por uma situação passada traduz-se em determinar se uma quotização pode ser instaurada retroactivamente ao abrigo desse artigo. Esta acusação confunde-se, portanto, com a de violação do princípio da não retroactividade, que será analisado a seguir.

Quanto à alegação de incompatibilidade do Regulamento n.° 1914/87 com o regulamento de base

43

O Finanzgericht Düsseldorf, invocando o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company (113/77, Recueil, p. 1185), considera que, o Conselho ao limitar, no artigo 28.° do regulamento de base, o montante das quotizações que poderiam ser exigidas aos fabricantes de açúcar, admitiu implicitamente que não poderia instaurar, através de um regulamento directamente baseado no artigo 43.° do Tratado, uma quotização que ultrapassasse esse limite.

44

Recorde-se, a este respeito, que o regulamento de base e o Regulamento impugnado n.° 1914/87 foram ambos adoptados com base no artigo 43.° do Tratado. O Regulamento n.° 1914/87 não pode, portanto, ser considerado como um regulamento de execução do regulamento de base, como acontecia com o regulamento em causa no acórdão de 16 de Junho de 1987, Romkes (46/86, Colect., p. 2671).

45

O Conselho pode alterar, completar ou revogar um regulamento de base que tenha adoptado segundo o procedimento do artigo 43.° do Tratado, desde que as disposições de alteração, complementares ou revogatórias sejam adoptadas segundo o mesmo procedimento, não tendo que inserir essas disposições no regulamento de base.

46

No caso vertente, a situação é diferente da que esteve na origem do acórdão de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Company, acima citado. Neste último caso, o Conselho, após ter adoptado um regulamento geral a fim de dar execução a um dos objectivos do artigo 113.° do Tratado, derrogou as regras assim estabelecidas, num regulamento aplicável a um caso individual.

47

Nestas condições, há que considerar que o regulamento de base não proibia o Conselho de adoptar o Regulamento n.° 1914/87, desde que fosse seguido o procedimento do artigo 43.° do Tratado.

Quanto à alegação de violação do princípio da não retroactividade

48

O Finanzgericht Hamburg, tal como Finanzgericht Düsseldorf, considera que o Regulamento n.° 1914/87 é contrário ao princípio da não retroactividade pelo facto de ter sido adoptado no dia 2 de Julho de 1987, ou seja, após terminar a campanha de comercialização de 1986/1987, que acabou em 30 de Junho de 1987, e cujas perdas se destina a reabsorver. Assim, no entender daqueles órgãos jurisdicionais, o regulamento relaciona o pagamento da quotização com factos passados, ou seja, o fabrico de açúcar realizado durante a referida campanha de comercialização. Além disso, a confiança legítima dos produtores de açúcar não foi respeitada, dado que estes tinham uma legítima expectativa de que as quotizações previstas no regulamento de base não seriam aumentadas ou, mesmo que o fossem, de que poderiam ser inteiramente repercutidas sobre os produtores de beterraba.

49

O Tribunal de Justiça já declarou, nomeadamente nos acórdãos de 25 de Janeiro de 1979, Racke (98/78, Recueil, p. 69), e Decker (99/78, Recueil, p. 101), e de 30 de Setembro de 1982, Amylum (108/81, atrás citado), que se, geralmente, o princípio da segurança das situações jurídicas obsta a que a aplicação no tempo de um acto comunitàrio tenha um ponto de partida fixado em data anterior à da sua publicação, as coisas podem passar-se diversamente, a título excepcional, quando o objectivo a alcançar o exigir e a confiança legítima dos interessados for devidamente respeitada.

50

No que respeita à primeira destas duas condições, há que recordar aqui alguns elementos de facto e de direito. Os excedentes resultantes da relação entre a produção e o consumo de açúcar na Comunidade devem ser escoados para os mercados dos países terceiros. A diferença entre as cotações ou os preços no mercado mundial e os preços na Comunidade é coberta por uma restituição à exportação. O regulamento de base prevê que os encargos financeiros daí resultantes sejam integralmente financiados pelos próprios produtores.

51

A fim de melhor avaliar a realidade econòmica e de permitir estabilizar o mercado, que é um dos objectivos do artigo 39.° do Tratado, o artigo 28.° do regulamento de base prevê que, em princípio, as quotizações são devidas antes do final de cada campanha de comercialização e, consequentemente, com base nas perdas normalmente previsíveis em resultado dos compromissos à exportação a assumir com base na campanha em curso.

52

Todavia, a influência de alguns acontecimentos excepcionais, como, no presente caso, a queda brutal do dólar e das cotações mundiais do açúcar, que ocorreram durante a campanha em causa, pode não ter sido prevista com suficiente precisão no momento da fixação das quotizações. Nesse caso, justifica-se que só após se constatar a globalidade dos efeitos desses acontecimentos, e, eventualmente, no termo da campanha em que tais acontecimentos tiveram lugar, é que os encargos financeiros a pagar pelos produtores sejam fixados.

53

Se, após contabilizar o conjunto das perdas relativas à campanha de comercialização de 1986/1987, o Conselho não tivesse tomado qualquer medida para completar as quotizações já suportadas pelos produtores, o objectivo que se propunha alcançar, isto é, a estabilização no interesse comum do mercado do açúcar, através, designadamente, de restituições à exportação, só poderia ser atingido onerando o orçamento da Comunidade, quando é certo que o financiamento integral pelos produtores é um princípio da organização comum do mercado do açúcar.

54

Deste modo, o Conselho tinha perfeita legitimidade para considerar que o objectivo a alcançar no interesse geral, ou seja, a estabilização do mercado comunitário do açúcar, exigia que o regulamento impugnado se aplicasse à campanha de comercialização de 1986/1987. Consequentemente, a primeira condição a que está sujeita a aplicação de um acto comunitário numa data anterior à da sua publicação pode considerar-se preenchida.

55

Para determinar se a segunda condição está igualmente preenchida, há que averiguar se a acção do Conselho ofendeu a eventual confiança legítima que os interessados tenham tido na manutenção dos limites das quotizações estabelecidos no regulamento de base e que terá sido lograda com a publicação, em 2 de Julho de 1987, do Regulamento n.° 1914/87.

56

Nos processos principais, as partes no litígio não têm, porém, qualquer legitimidade para invocar uma confiança legítima digna de protecção.

57

Efectivamente, em primeiro lugar, os produtores de açúcar foram informados, através do décimo primeiro considerando do regulamento de base, que os encargos com o escoamento dos excedentes, resultantes da discrepância entre a produção da Comunidade e o respectivo consumo, deveriam ser por eles integralmente cobertos.

58

Em segundo lugar, a Comissão tinha publicado, em 9 de Setembro de 1986, um balanço, com a referência VI PC 2 — 408, que revelava claramente a provável existência de um défice na campanha de 1986/1987.

59

Em terceiro lugar, com a publicação da proposta no Jornal Oficial de 3 de Abril de 1987 (JO C 89, p. 18), ou seja, antes do fim da campanha, os produtores de açúcar tomaram conhecimento de que a Comissão apresentara ao Conselho uma proposta de regulamento de criação de uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987, nos mesmos moldes que os finalmente adoptados no Regulamento n.° 1914/87, ora impugnado.

60

Daqui resulta que a acusação de violação do princípio da não retroactividade não pode ser acolhida.

Quanto à alegação de proibição de sobrecarregar um sector da economia com riscos alheios à organização de mercado que lhe respeita ou com encargos financeiros desproporcionados

61

O Finanzgericht Düsseldorf considera que as perturbações do mercado que podem ser corrigidas através de medidas tomadas no quadro das organizações comuns de mercado são as que podem ser atribuídas a causas internas a esse mercado. Nas outras organizações de mercado, que não a do açúcar, os riscos resultantes da queda dos preços no mercado mundial, bem como da queda da cotação do dólar, são exclusivamente financidos pelo FEOGA. Isso prova, no entender daquele órgão jurisdicional, que o legislador os considera riscos que escapam ao controlo dos operadores económicos e que, por conseguinte, não os devem onerar.

62

Em primeiro lugar, assinale-se que é verdade que tais riscos são, a maior parte das vezes, financidos pelo FEOGA. Todavia, isso não é exigido pelo Tratado, que autoriza, no artigo 40.°, n.° 4, a criação de tal Fundo sem, no entanto, impor a sua participação em todas as medidas de organização de mercados. Se o sector do açúcar é o único que está sujeito ao princípio do autofinanciamento é porque, como declarou o Conselho em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal, noutros sectores agrícolas os produtores têm menores garantias de preços, o que explica que o financiamento não lhes incumba.

63

Sublinhe-se, em seguida, que graças ao sistema das restituições à exportação, os produtores de açúcar comunitário têm acesso ao mercado mundial para escoar parte da respectiva produção. É em relação a este mercado que há que apreciar os riscos corridos pelos produtores. Ora, circunstâncias como uma sobreprodução de açúcar ou variações entre as moedas europeias e o dólar são susceptíveis de modificar a oferta ou a procura e, consequentemente, o preço desse produto. Os riscos resultantes dessas circunstâncias não podem, portanto, ser considerados alheios ao mercado em causa.

64

Por outro lado, a quotização de reabsorção especial não provoca encargos financeiros desproporcionados para os produtores de açúcar. Efectivamente, por ura lado, constitui a contrapartida dos benefícios que para os produtores representou a possibilidade de receberem restituições à exportação para escoar as quantidades que tenham produzido para além do consumo comunitário. Por outro, por força do artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1914/87, os fabricantes de açúcar podem exigir aos vendedores de beterraba ou de cana produzidas na Comundiade, o reembolso da maior parte dessa quotização.

65

Atendendo às considerações que precedem, a alegação feita pelo órgão jurisdicional nacional não pode colher.

Quanto à alegação de prática de uma discriminação

66

O Finanzgericht Düsseldorf afirma que a circunstância de a quotização de reabsorção especial onerar mais fortemente os produtores de açúcar B do que os de açúcar A, tratando-se, como se trata, do mesmo produto, constitui uma discriminação proibida pelo artigo 40.°, n.° 3, do Tratado.

67

Recorde-se que o regulamento de base fixa, para cada campanha anual de comercialização de açúcar e para cada região de produção, uma quantidade de base A e uma quantidade de base B. Os Estados-membros repartem entre as empresas a sua quantidade de base A, sob a forma de quotas A, e a quantidade B sob a forma de quotas B. O conjunto das quotas A atribuídas por campanha de comercialização corresponde aproximadamente ao consumo de açúcar na Comunidade durante essa campanha. O açúcar produzido no âmbito das quotas A (açúcar A) e B (açúcar B) pode ser livremente comercializado na Comunidade, beneficiando de garantias de preço e de escomamento graças ao sistema da intervenção. Pode igualmente ser exportado para países terceiros, eventualmente acompanhado de uma restituição à exportação. Finalmente, todo o açúcar produzido par além das quotas A e B de uma empresa (designado por açúcar C) só pode ser comercializado para os países terceiros, não beneficiando de qualquer restituição à exportação.

68

Decorre deste regime que qualquer empresa que produza para além da sua quota A, ou seja, além da sua parte na produção de açúcar destinado ao consumo comunitário, produz necessariamente excedentes que só podem ter como destino normal a exportação para países terceiros.

69

Ora, como acima se disse, a quotização de reabsorção especial destina-se a reabsorver as perdas excepcionais provocadas pela concessão de restituições à exportação elevadas, destinadas a favorecer o escoamento dos excedentes comunitários para os países terceiros.

70

Por conseguinte, justificava-se que fossem aplicadas ao açúcar produzido para além da quota A imposições proporcionalmente mais elevadas.

71

Consequentemente, a alegação de uma eventual violação do artigo 40.°, n ° 3, segundo parágrafo, do Tratado, deve igualmente ser afastada.

Quanto à alegação de violação da propriedade e do direito ao livre exercício das actividades económicas

72

O Finanzgericht Düsseldorf entende que os direitos fundamentais que são a propriedade e a livre empresa são ilegalmente afectados quando uma empresa não consegue, com os lucros normais obtidos ao longo de uma campanha, pagar as sucessivas quotizações acumuladas ao longo dessa campanha, sendo obrigada a consumir as suas reservas, ou seja, a pôr em causa a sua própria existência.

73

A este propósito, recorde-se que o Tribunal já reconheceu (ver, designadamente, acórdão de 11 de Julho de 1989, Schräder, n.° 15, 265/87, Colect., p. 2237) que podem ser introduzidas restrições à utilização do direito de propriedade e ao livre exercício de uma actividade profissional, designadamente no âmbito de uma organização comum de mercado, desde que tais restrições respondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, à luz do objectivo visado, uma intervenção desproporcionada e intolerável que afecte a própria essência dos direitos desse modo garantidos.

74

Como justamente sublinhou o Governo do Reino Unido, a obrigação de pagar uma quotização não pode ser equiparada a uma medida restritiva do direito de propriedade.

75

Assim, há que declarar que a quotização de reabsorção especial não afecta minimamente o direito de propriedade dos fabricantes de açúcar.

76

No que respeita ao livre exercício das actividades económicas, já acima se declarou que a quotização de reabsorção especial responde a objectivos de interesse geral, uma vez que evita que as perdas sofridas por um sector da economia sejam suportadas pela Comunidade. Tal tipo de intervenção não pode considerar-se desproporcionado. A quotização, que, na verdade, pode ser parcialmente repercutida sobre os produtores de beterraba, foi instaurada com o objectivo essencial «de não voltar a pôr em causa, antes da data prevista, o regime das quotas de produção», como esclarece o quarto considerando do Regulamento n.° 1914/87. Ora, como justamente assinalou a Comissão, uma diminuição das quotas, que reduziria, a longo prazo, a parte da indústria de transformação de açúcar da Comunidade no mercado mundial, teria constituído uma violação bastante mais grave dos interesses dos produtores de açúcar e dos cultivadores de beterraba.

77

A alegação de violação do direito ao livre exercício das actividades económicas não pode, portanto, ser acolhida.

78

Resulta das considerações que precedem que há que responder ao Finanzgericht Hamburg e ao Finanzgericht Düsseldorf que a análise das questões colocadas não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade do Regulamento n.° 1914/87 do Conselho, de 2 de Julho de 1987, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987.

Quanto às despesas

79

As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pelo Governo do Reino Unido, bem como pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Dado que o processo reveste, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

decidindo sobre as questões que lhe foram submetidas por despachos, de 31 de Março de 1988 e de 19 de Outubro de 1988, respectivamente do Finanzgericht Hamburg e do Finanzgericht Düsseldorf, declara:

 

1)

O artigo 189.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não exclui o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional adoptado com base num regulamento comunitário.

 

2)

A suspensão da execução de um acto nacional adoptado em execução de um acto comunitario só pode ser concedida por um órgão jurisdicional nacional se esse órgão tiver sérias dúvidas quanto à validade do acto comunitário e se, no caso de a questão da validade do acto impugnado não ter sido ainda submetida à apreciação do Tribunal de Justiça, esse mesmo órgão lha reenviar, se houver urgência, se o requerente correr o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável e se esse órgão jurisdicional tomar em devida conta o interesse da Comunidade.

 

3)

O exame das questões apresentadas não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade do Regulamento (CEE) n.° 1914/87 do Conselho, de 2 de Julho de 1987, que instaura uma quotização de reabsorção especial no sector do açúcar para a campanha de comercialização de 1986/1987.

 

Due

Mancini

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Zuleeg

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 21 de Fevereiro de 1991.

O secretario

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: alemão.