CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 17 de Outubro de 1989 ( *1 )

Setibor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Os presentes processos foram apresentados ao Tribunal de Justiça pela via de pedidos de decisão prejudicial, no processo C-228/88, pelo Bayerisches Landessozialgericht (tribunal de primeira instância em matéria de segurança social da Baviera), e, no processo C-12/89, pelo Bundessozialgericht (tribunal federal competente em matéria de segurança social) da República Federal da Alemanha. Ainda que os factos de ambos os processos sejam ligeiramente diferentes, suscitam essencialmente o mesmo problema e, por isso, o Tribunal decidiu que fossem ambos tratados na audiência do mesmo dia. Os processos são considerados de significativa importância pelo Governo alemão e as respostas que o Tribunal der às questões apresentadas afectarão numerosos processos análogos. Alguns deles estão já pendentes neste Tribunal.

2. 

A questão apresentada em ambos os casos é, no fundo, saber se o trabalhador migrante tem direito a abono de família, no país de acolhimento, por um descendente desempregado residente no país de origem do trabalhador, quando o Estado torna a sua concessão dependente de prévia inscrição nos centros de emprego do Estado e o descendente em questão está, de facto, inscrito nos do segundo Estado.

3. 

O processo C-228/88 surge no seguinte contexto. Bronzino, cidadão italiano, esteve empregado durante vários anos em Augsburgo, República Federal da Alemanha. A sua mulher e sete descendentes residem em Ercolano, na província de Nápoles (Itália). Tem recebido prestações familiares da Kindergeldkasse (Caixa de Abono de Família) desde Janeiro de 1985, por quatro dos seus filhos. Em Março de 1985, requereu abonos de família pelos outros três, nascidos em 1964, 1966 e 1967, respectivamente. Apresentou vários atestados do centro de emprego de Ercolano, atestando que estes três filhos estavam nele inscritos como pessoas em formação profissional ou candidatos a emprego, isto é, desempregados.

4. 

O requerimento de Bronzino foi indeferido em 11 de Abril de 1985. Em 21 de Agosto de 1986, o Sozialgericht de Augsburgo (tribunal de primeira instância competente em matéria de segurança social) julgou o pedido procedente e ordenou que a recorrida lhe pagasse os abonos de família que tinha requerido. A recorrida apelou desta sentença para o Bayerisches Landessozialgericht (tribunal de segunda instância em matéria de segurança social, da Baviera) que suspendeu a instância e apresentou a este Tribunal, para decisão prejudicial, a seguinte questão:

«Os artigos 73.o, n.o 1, e 3.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, ou outras disposições de direito comunitário, devem interpretar-se no sentido de que um trabalhador migrante também tem direito às prestações familiares no Estado de emprego, quando um membro da sua família não possa iniciar ou prosseguir a sua formação profissional no país de residencia e nos termos da legislação deste, simplesmente por falta de lugar de formação, ou, enquanto desempregado, esteja à disposição dos centros de emprego do mesmo, apesar de a legislação do seu Estado de emprego exigir o preenchimento dessas condições no seu território?»

5. 

No processo C-12/89, os factos são semelhantes. Gatto é um nacional italiano que reside na República Federal da Alemanha. Ao contrário de Bronzino, todavia, está desempregado, e, desde 1976, tem sido beneficiário de subsídios de desemprego ou de assistência no desemprego. A sua esposa e três filhos residem em Itália. A sua filha Antonia, que nasceu em 1968, está desempregada, e os seus dois filhos andam ainda na escola. Em 6 de Maio de 1985, Gatto requereu à recorrida abonos de família alemães em relação a Antonia. Em apoio do pedido, apresentou um atestado do centro de emprego italiano competente, certificando que Antonia estava desempregada. O requerimento foi indeferido e ao recurso por ele interposto da decisão da recorrida para o Sozialgericht foi negado provimento. Ao recurso desta decisão, interposto por Gatto para o Landessozialgericht competente (tribunal de segunda instância competente em matéria de segurança social), foi também negado provimento. Gatto recorreu para o Bundessozialgericht (tribunal federal competente em matéria de segurança social), que decidiu apresentar a seguinte questão a este Tribunal:

«Além da ficção da residência, terá o n.o 1 do artigo 74.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 também por efeito que se deva considerar verificada a situação de desemprego do membro da família de um trabalhador, exigida para a concessão de prestações familiares, de acordo com a ordem jurídica do Estado em que este tenha exercido (até agora) a sua actividade, quando o membro da família em questão se encontrar à disposição dos serviços de emprego no Estado do seu domicílio?»

A legislação nacional

6.

A recusa das autoridades alemãs em conceder a Bronzino e a Gatto os benefícios requeridos foi baseada essencialmente no n.o 4 do artigo 2.o da Bundeskindergeldgesetz (lei federal do abono de família, a seguir «BKGG») cuja parte que aqui interessa estabelece o seguinte:

«Os descendentes que completaram dezasseis anos, mas ainda não atingiram vinte e um anos de idade, são também tomados em consideração quando, no âmbito de aplicação desta lei,

1)

por falta de lugares disponíveis, não puderem iniciar ou prosseguir um curso de formação profissional, ou

2)

quando estiverem à disposição do centro de emprego como desempregados...»

Assim, o abono só é concedido para descendentes desempregados, entre as idades de 16 e 21 anos, se residirem no território nacional em que se aplica a BKGG e não tiverem conseguido vaga num curso de formação profissional ou estiverem à disposição do Serviço de Emprego Federal. O problema que este Tribunal é chamado a decidir é o de saber se a inscrição nos centros de emprego de outro Estado-membro deve ser equiparada à inscrição nos da República Federal, no caso de descendentes de uma pessoa abrangidos no âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.o 1408/71.

Legislação comunitária

7.

O Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, na sua nova redacção, diz respeito à aplicação dos regimes de segurança social a trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade. A sua mais recente versão codificada vem publicada no JO 1983, L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53). O n.o 1 do artigo 73.o e o n.o 1 do artigo 74.o desse regulamento prevêem o seguinte:

N.o 1 do artigo 73.o : «O trabalhador assalariado sujeito à legislação de um Estado-membro que não seja a França tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado.»

N.o 1 do artigo 74.o : «O trabalhador assalariado em situação de desemprego, que beneficiar das prestações de desemprego nos termos da legislação de um Estado-membro que não seja a França, tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado.»

Note-se, de passagem, que no processo Pinna/Caisse d'allocations familiales de la Savoie, acórdão de 2 de Março de 1989 (359/87, Colect., p. 585), o Tribunal declarou que a expressão «que não seja a França», contida no n.o 1 do artigo 73.o, deve de ser considerada tacitamente declarada invàlida pelo acórdão proferido no processo 41/84, que envolveu as mesmas partes (ver Colect., 1986, p. 1). Em minha opinião, acontece o mesmo igualmente quanto às palavras equivalentes contidas no n.o 1 do artigo 74.o

8.

As «prestações familiares» são definidas na subalínea i) da alínea u) do artigo 1.o do regulamento como «quaisquer prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares no âmbito de uma das legislações previstas no n.o 1, alínea h), do artigo 4.o...». O n.o 1 do artigo 4.o especifica os ramos de segurança social que caem no âmbito de aplicação do regulamento. A alínea h) do n.o 1 do artigo 4.o fala simplesmente em «prestações familiares».

9.

Finalmente, o n.o 1 do artigo 3.o do regulamento prevê:

«As pessoas que residem no território de um dos Estados-membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento.»

As questões apresentadas

10.

As questões apresentadas levantam, no fundo, três problemas. Os primeiros dois consistem em saber se o benefício requerido por Bronzino e Gatto constitui uma prestação familiar na acepção dos artigos 73.o e 74.o, respectivamente, do regulamento, e, em caso de resposta afirmativa, saber se os pressupostos da existência do direito consagrados nesses artigos estão satisfeitos. A resposta a estas questões pode ser influenciada pelo terceiro problema suscitado, que consiste em saber se a recusa das autoridades alemãs em conceder os abonos de família a Bronzino e Gatto é contrària ao princípio de não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no n.o 1 do artigo 3.o do Regulamento n.o 1408/71, que é um afloramento especial do princípio mais geral consagrado nos artigos 7.o e 48.o, n.o 2, do Tratado.

11.

O Governo alemão, apoiado, no processo C-228/88, pelo Governo dos Países Baixos, propõe que estas questões sejam efectivamente respondidas em sentido negativo. Alega que a prestação requerida pelos recorrentes é, no fundo, uma medida para a promoção do emprego, aplicável independentemente de qualquer questão de livre circulação entre Estados-membros, a qualquer pessoa do grupo etário correspondente. Ainda que a medida seja classificada nos termos da legislação alemã pertinente como uma prestação familiar, tal é devido somente, em sua opinião, a razões de simplificação administrativa. A razão por que o n.o 4 do artigo 2.o da BKGG exige a presença na República Federal da Alemanha dos descendentes em relação aos quais o abono é concedido é que só assim as autoridades alemãs estão em condições de propiciar postos de trabalho ou lugares de formação profissional. Assim, a ligação entre a concessão da prestação e a presença no território nacional justifica-se pelo objectivo da legislação, a promoção do emprego.

12.

A Comissão, bem como Bronzino e os governos italiano e português, no processo C-222/88, e os governos belga e italiano, no processo C-12/89, defenderam opinião oposta. Na opinião da Comissão, o objectivo do disposto quer no artigo 73.o quer no artigo 74.o do Regulamento n.o 1408/71, consiste em proteger os trabalhadores e membros das suas famílias dos efeitos negativos que podem, de outra forma, decorrer do exercício do seu direito à livre circulação entre Estados-membros. A exigência de que o candidato a emprego deve estar inscrito num centro de emprego alemão como prévia condição do direito às prestações familiares que lhe respeitam equivale precisamente ao tipo de obstáculo que os artigos 73.o e 74.o visam afastar. Na opinião da Comissão, esse obstáculo só desaparecerá se a inscrição noutro Estado-membro equivaler à inscrição no Estado em que a prestação foi requerida.

13.

Em minha opinião, os beaefícios exigidos por Bronzino e Gatto constituem claramente «prestações familiares» para efeitos do disposto nos artigos 73.o e 74.o do regulamento. Dir-se-á, de imediato, que são classificados em termos idênticos não somente pela legislação alemã, mas também pelos tribunais a quo. Além disso, na declaração feita pelo Governo alemão sobre o artigo 5.o do regulamento, que exige dos Estados-membros que especifiquem, inter alia, a legislação e os regimes previstos no n.o 1 do artigo 4.o, é feita expressa menção da lei ao abrigo da qual esses benefícios são requeridos (ver JO 1980, C 139, p. 6, ponto 5).

14.

De qualquer forma, considero que a definição de «prestações familiares» consagrada na subalínea i) da alínea u) do artigo 1.o do regulamento é susceptível de abranger as prestações em causa, que podem realmente ser consideradas como «destinadas a compensar os encargos familiares». Tal como o próprio Governo alemão admite nas suas observações, o jovem desempregado que não tenha adquirido o direito a subsídio de desemprego vive, regra geral, em casa e a cargo dos seus pais. Cabe notar, a este propósito, que é aos pais, e não ao descendente, que é concedido o abono previsto na BKGG. Quer a natureza da prestação quer o modo corno é concedida, confirmam que é destinada a compensar as despesas suportadas pelos pais devido aos seus descendentes desempregados. O benefício cai, assim, decididamente no âmbito da definição de «prestações familiares» contida na subalínea i) da alínea u) do artigo l.o

15.

O Governo alemão apoia-se em numerosas decisões do Tribunal para mostrar que o Tribunal classifica as prestações em função dos seus objectivos e não da sua classificação formal. Cita, a este respeito, o processo 94/84, Office national de l'emploi/Deak (Recueil 1985, p. 1873), processo 378/85, Campana/Bundesanstalt für Arbeit (Colect. 1987, p. 2387) e processo 313/86, Lenoir/Caisse d'allocations familiales des Alpes-Maritimes (acórdão de 27 de Setembro de 1988, Colect., p. 5391). Ainda que aceite que o Tribunal não está vinculado pela classificação formal atribuida a uma prestação nos termos do direito nacional, não penso que estes processos forneçam qualquer apoio adicional ao argumento do Governo alemão.

16.

O processo Deak dizia respeito a um pedido de subsídio de desemprego especial para trabalhadores jovens nos termos da legislação belga apresentado por um nacional húngaro que vivia na Bélgica com sua mãe, nacional italiana, que aí tinha um emprego. O pedido do requerente foi indeferido pela instituição belga competente devido à sua nacionalidade húngara. O requerente alegou que tinha direito à prestação na qualidade de membro da família de um trabalhador, nacional de um outro Estado-membro de acordo com o Regulamento n.o 1408/71. O Tribunal declarou, todavia, aplicando o princípio adoptado no processo 40/76, Kermaschek/Bundesanstalt für Arbeit (Recueil 1976, p. 1669), que uma pessoa na situação do requerente não podia invocar o Regulamento n.o 1408/71. Isto acontecia porque os membros da família de um trabalhador migrante apenas tinham direito, nos termos do regulamento, a prestações concedidas ao abrigo do direito nacional por força do seu estatuto de membros da família, enquanto o subsídio de desemprego especial em causa se destinava a pessoas jovens em busca de emprego, não por serem membros da família do trabalhador, mas atenta a sua situação pessoal. Todavia, nos presentes processos, os direitos em causa são os de Bronzino e Gatto e não os dos seus descendentes, de forma que essas considerações são aqui descabidas.

17.

O processo Campana fornece outro exemplo da prontidão do Tribunal em examinar a substância da prestação decidindo como devia ser classificada para efeitos do Regulamento n.o 1408/71. Neste processo, o Tribunal foi solicitado quanto à questão de saber se uma prestação nacional adoptada para prevenir desemprego futuro e não para atenuar os efeitos do desemprego actual constituía uma prestação de desemprego na acepção do n.o 1 do artigo 67.o e da alínea g) do n.o 1 do artigo 4.o do regulamento. O Tribunal declarou que era contrário ao objectivo do artigo 51.o do Tratado excluir do âmbito destas disposições todas as prestações destinadas a prevenir desemprego futuro. Todavia, quando, como no caso pendente no tribunal a quo, a prestação assuma a forma de auxílio à formação profissional, apenas constitui uma prestação de desemprego para efeitos do regulamento no caso de pessoas já desempregadas ou realmente ameaçadas de desemprego.

18.

Não considero que o processo Campana ajude para determinar se as prestações em causa nos presentes processos constituem prestações familiares para efeitos do disposto nos artigos 73.o e 74.o do regulamento, para além da indicação de que a resposta a esta questão depende da sua substância e não da sua forma, asserção que, de qualquer forma, não contesto.

19.

Passo agora ao processo Lenoir, pensando que se distingue dos presentes processos por duas razões, uma de carácter técnico, e outra de carácter substancial. Em primeiro lugar, o processo Lenoir, girou à volta da definição especial de prestações contida no n.o 1 do artigo 77o do regulamento, que o Tribunal declarou corresponder à de «prestações familiares» consagrada na subalínea ii) da alínea u) do artigo 1.o do regulamento. E, de facto, a subalínea i) da alínea u) do artigo 1.o que aqui está em causa. Talvez mais fundamentalmente, todavia, o Tribunal, no acórdão Lenoir, estabeleceu uma distinção entre prestações pecuniárias concedidas exclusivamente em função do número ou idade dos membros da família e outras prestações, tais como a prevista para cobrir despesas ligadas com o início do ano lectivo. Enquanto a concessão das primeiras permanecia justificada onde quer que o destinatário e a sua família vivessem, a última estava rigorosamente vinculada ao ambiente social e, consequentemente, ao lugar de residência dos afectados. Era, por conseguinte, compatível com o artigo 77o que o Estado competente se recusasse a pagar o último tipo de prestação a um requerente que se mudou com a sua família para outro Estado-membro.

20.

Em minha opinião, os presentes processos não dizem respeito a uma prestação destinada a compensar uma necessidade sentida somente por aqueles cujas famílias residem na República Federal da Alemanha. Quando um jovem está desempregado é provavelmente um encargo financeiro para a família, independentemente do Estado-membro em que resida. Ainda que possa, eventualmente, ser mais fácil um jovem encontrar emprego na República Federal da Alemanha do que na Itália meridional, seria inconsistente com o bom funcionamento do mercado comum invocá-lo como razão para recusar a prestação aos requerentes em casos como o em apreço pois é um dos objectivos do Tratado permitir a trabalhadores, como Bronzino e Gatto, tirar partido das condições mais favoráveis existentes em Estados-membros diferentes do da nacionalidade.

21.

Na verdade, o princípio da livre circulação de trabalhadores, que o Regulamento n.o 1408/71 pretende tornar efectivo, é um dos fundamentos da Comunidade. Por esta razão, as suas disposições não deverão ser objecto de interpretação restrita, mas, ao contrário, extensiva, consentânea com os objectivos a ele subjacentes. Recusar a requerentes, como Bronzino e Gatto, prestações em circunstâncias como estas pode actuar como um considerável dissuasor do exercício do direito à liberdade de circulação e parece-me ser precisamente esta espécie de entraves que o disposto nos artigos 73.o e 74.o do regulamento visa evitar. Por conseguinte, em minha opinião, o conceito de «ficção de residência» consagrado nestes artigos não exige simplesmente dos Estados-membros que tratem os membros da família do trabalhador migrante como se fossem residentes no Estado em que este exerce actividade. Deve entender-se também no sentido de que exige dos Estados-membros considerar outros pressupostos do direito a prestações reunidas caso estejam satisfeitos no país em que os membros da família do trabalhador migrante residem. De outra forma, um Estado-membro podia esquivar-se à regra da ficção de residência adoptando pressupostos do direito que podem, na prática, apenas poder ser preenchidos pelos residentes no seu próprio território. Isto equivaleria a introduzir uma exigência de residência pelas portas traseiras, o que não pode ter sido a finalidade dos artigos 73.o e 74.o permitir.

22.

Sou confortado na minha opinião de que as prestações requeridas por Bronzino e Gatto constituem «prestações familiares» na acepção dos artigos 73.o e 74.o, respectivamente, do Regulamento n.o 1408/71, pelo facto de uma interpretação em sentido contrário conduzir indirectamente a uma discriminação contra eles em razão da sua nacionalidade. Ainda que o n.o 4 do artigo 2.o da BKGG não faça qualquer referência à nacionalidade da pessoa desempregada, consagra uma condição que nacionais alemães satisfarão com mais facilidade do que nacionais de outros Estados-membros. Tal como o Tribunal tornou claro no primeiro acórdão Pinna, já referido, «o princípio da igualdade de tratamento proíbe não apenas as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzem, de facto, ao mesmo resultado» (n.o 23). Para o caso de haver alguma dúvida em que o n.o 4 do artigo 2.o afecta mais penosamente os nacionais de outros Estados-membros que os alemães, a Comissão apresentou números oferecidos pelas autoridades alemãs que mostram que, no fim de 1984, mais de 17 % das crianças nacionais de outros Estados-membros a viver na Alemanha e com direito a prestações familiares na Alemanha viviam no estrangeiro, ao passo que os nacionais alemães cujos filhos residiam no estrangeiro não representavam mais do que 0,03 % do conjunto dos alemães que tinham direito às prestações familiares.

23.

Na opinião do Governo alemão, discriminação directa ou disfarçada em razão da nacionalidade surge exclusivamente quando a norma em questão, por princípio, afecta somente estrangeiros. A noção de discriminação indirecta não é, porém, de forma nenhuma, tão restrita como isso e não há necessidade de ir mais longe do que ao primeiro acórdão Pinna para ver que a opinião do Governo alemão não pode ser conciliada com a jurisprudência do Tribunal. Esse caso dizia respeito ao direito de um trabalhador, sujeito à legislação francesa, a prestações familiares em atenção aos membros da sua família residentes noutro Estado-membro. Em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 73.o do regulamento, na versão em vigor à época em causa, tal pessoa tinha direito a prestações familiares concedidas não em França, mas no Estado-membro em que a família residia. O Tribunal declarou que «se bem que, em regra, a legislação francesa aplique o mesmo critério para determinar o direito às prestações familiares de um trabalhador francês empregado no território francês, este critério não se reveste, de forma nenhuma, da mesma importância para esta categoria de trabalhadores, visto que é essencialmente para os trabalhadores migrantes que se coloca o problema da residência dos membros da família fora da França» (n.o 24). Assim, o facto de poucos nacionais franceses se poderem encontrar em posição semelhante à dos trabalhadores migrantes residentes em França, o n.o 2 do artigo 73.o não impede que seja indirectamente discriminatória dado que a maioria dos afectados por ela serão nacionais de outros Estados-membros.

24.

O Governo alemão refere que o Tribunal recusou adoptar um princípio geral no sentido de que factos ocorridos no estrangeiro possam ser tratados como se tivessem ocorrido no Estado competente. Cita, em apoio da sua posição, o processo 20/75, D'Amico (Recueil 1975, p. 891) e o processo266/78, Brunori (Recueil 1979, p. 2705).

25.

Os direitos de Bronzino e Gatto não dependem, porém, da existência de qualquer regra geral. Os presentes processos podem, em minha opinião, ser resolvidos somente com referência aos termos dos artigos 73.o e 74.o, interpretados à luz dos objectivos do regulamento. Nesta base, pelas razões acima expostas, a resposta às questões apresentadas deve ser, em substância, afirmativa. Quanto ao teor das respostas, ainda que as questões tenham formulação diferente nos dois casos, as respostas resultarão mais claras se forem formuladas em termos semelhantes em ambos os casos.

26.

Sou, consequentemente, de opinião de que a questão apresentada pelo Bayerisches Landessozialgericht no processo C-228/88 deve ser objecto da seguinte resposta:

«O n.o 1 do artigo 73.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador migrante tem direito a prestações familiares no Estado de emprego em atenção aos membros da família inscritos como desempregados e candidatos a um emprego noutro Estado-membro, mesmo que o direito nacional do Estado de emprego exija que esses pressupostos sejam preenchidos no seu próprio território.»

27.

A questão apresentada pelo Bundessozialgericht no processo C-12/89 deve ser respondida como se segue:

«O n.o 1 do artigo 74.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa desempregada tem direito a prestações familiares, no Estado em que exerceu a última actividade, em relação a membros da família inscritos como desempregados e candidatos a um emprego noutro Estado-membro, mesmo que o direito nacional do primeiro Estado exija que esses pressupostos sejam preenchidos no seu próprio território.»


( *1 ) Língua original: inglòs.