CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 13 de Dezembro de 1989 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

Os presentes processos chegaram ao Tribunal através de pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos processos apensos C-206/88 e C-207/88, pela Pretura di Asti, e, no processo C-359/88, pela Pretura di San Vito al Tagliamento. Sao todos relativos à interpretação das directivas 75/442/CEE, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 47; EE 15 Fl p. 129), e 78/319/CÈE, relativa aos resíduos tóxicos e perigosos (JO L 84, p. 43; EE 15 F2 p. 98), e ao efeito dessas directivas em processos crimes que correm nos tribunais nacionais. Face à similitude entre as questões colocadas, posso pronunciar-me sobre os três processos nas mesmas conclusões.

Os factos

2.

Nos processos C-206/88 e C-207/88, os arguidos são acusados de violar o artigo 25.° do Decreto presidencial n.° 915, de 10 de Setembro de 1982 (a seguir «decreto»), por terem eliminado resíduos urbanos e especiais procedendo à sua recolha, transporte e armazenamento sem terem sido previamente autorizados. Os arguidos alegam, em sua defesa, que não recolhiam nem armazenavam resíduos, e sim materiais diversos de recuperação susceptíveis de reutilização económica.

3.

Aparentemente, o órgão jurisdicional de reenvio julgou, no passado, numerosos casos semelhantes a este, em que os arguidos foram sempre considerados culpados. Todavia, outros órgãos jurisdicionais entenderam que materiais de recuperação susceptíveis de reutilização económica não constituíam resíduos para efeitos do decreto. O tribunal de reenvio refere que, em 1987, a Corte di cassazione proferiu um acórdão (Perino, acórdão de 14 de Abril de 1987), confirmando a perspectiva daquele órgão jurisdicional. Apesar disto, o tribunal de reenvio considera aconselhável submeter a questão ao Tribunal, visto o decreto ter sido adoptado com o objectivo de implementar três directivas comunitárias, incluindo as duas acima referidas. A questão prejudicial é idêntica nos dois processos:

«O artigo 1.° da Directiva 75/442 do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, e o artigo 1.° da Directiva 78/319 do Conselho, de 20 de Março de 1978, relativa aos resíduos tóxicos e perigosos, devem ser entendidos no sentido de que na noção jurídica de resíduo devem ser incluídas também as coisas de que o detentor se tenha desfeito, susceptíveis porém de reutilização económica, e devem ser entendidos no sentido de que a noção de resíduo postula a determinação da existência de animus dereliquendi no detentor da substância ou objecto?».

4.

O processo C-359/88 tem a sua origem no polimento (decapagem) de superfícies metálicas por galvanização. Esta operação envolve a limpeza química das partes oxidadas de forma a que as superfícies metálicas possam ser zincadas, o que é feito mergulhando o metal numa solução concentrada de ácido clorídrico. Ao fim de algum tempo, o ácido deixa de poder ser usado para este efeito e tem de ser deitado fora. Isto sai mais dispendioso do que a compra inicial do ácido. Todavia, o ácido deitado fora pode ser utilizado por empresas que se dedicam à produção de cloreto de ferro. O ácido é extremamente perigoso e é transportado para essas empresas em contentores selados.

5.

Os arguidos, que se encontram todos sediados na regiăo de Friuli Venezia-Giulia, dedicam-se ao transporte de ácido usado nessa região para outras regiões de Itália. Foi-lhes movido procedimento criminal, uma vez mais ao abrigo do decreto, por o terem feito sem terem sido devidamente autorizados pela administração da região de Friuli Venezia-Giulia.

6.

Durante o processo no tribunal nacional, verificou-se que um dos arguidos possuía uma autorização emitida pela administração provincial de Lucca e que a administração regional de Friuli Venezia-Giulia entendia que não era necessária qualquer autorização. O órgão jurisdicional nacional também tinha dúvidas sobre se a solução ácida podia ser considerada resíduo nos termos do decreto.

7.

Por conseguinte, submeteu as seguintes questões ao Tribunal:

«O legislador italiano, no artigo 2.°, primeiro parágrafo, do Decreto do presidente da República n.° 915 de 1982, adoptou uma definição da noção de resíduo conforme com as directivas 75/442 e 78/319?

O legislador, ao distinguir as obrigações de autorização apenas para as fases de eliminação dos resíduos tóxicos e perigosos e (artigo 16.° do DPR n.° 915/82) ao não prever autorizações específicas para as operações idênticas relativas a resíduos especiais, respeitou o artigo 10.° da Directiva 75/442?

O legislador italiano, ao prever autorizações regionais específicas para o transporte de resíduos, respeitou o disposto no artigo 5.° da directiva referida, na medida em que as autoridades encarregadas de as emitir parecem estar limitadas a uma “determinada zona”?»

8.

Assim, parece que a primeira questão é, em substância, idêntica à colocada nos processos C-206/88 e C-207/88, mas que as segunda e terceira questões colocam problemas diferentes. Estas questões, tal como estão colocadas, não podem, num processo nos termos do artigo 177.° do Tratado, ser respondidas directamente, visto exigirem uma avaliação da compatibilidade das disposições relevantes do diploma italiano com as duas directivas em causa. Ė uma questão da competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio. Todavia, este Tribunal pode retirar das questões submetidas os elementos relativos à interpretação da legislação comunitária com o objectivo de permitir ao tribunal de reenvio resolver o problema com que se vê confrontado.

A legislação nacional

9.

O artigo 2.°, primeiro parágrafo, do decreto, define resíduos como «qualquer substância ou objecto proveniente de actividades humanas ou de ciclos naturais, abandonado ou destinado a ser abandonado». Sublinho, de passagem, que o artigo l.° do decreto, que diz respeito aos «princípios gerais», se refere à reutilização e reciclagem dos resíduos na acepção do artigo 2.°, o que implica que uma substância não deixa de ser resíduo para efeitos do decreto simplesmente porque pode ser tratada dessa maneira.

10.

Nos termos do artigo 2.°, segundo parágrafo, do decreto, os resíduos dividem-se entre as categorias:

a)

resíduos urbanos, ou seja, essencialmente resíduos volumosos e resíduos abandonados em terrenos públicos;

b)

resíduos especiais, ou seja, resíduos derivados da laboração industrial e da actividade agrícola e comercial;

c)

resíduos tóxicos e perigosos, ou seja, resíduos que contêm substâncias enumeradas no anexo do decreto.

E pacificamente aceite no processo C-359/88 que, se o ácido clorídrico utilizado, em questão, constitui um resíduo, então é um resíduo especial para efeitos do decreto.

11.

O artigo 16.° do decreto dispõe que cada fase da eliminação dos resíduos tóxicos e perigosos deve ser autorizada e refere expressamente a recolha e transporte desses resíduos como duas das fases para que é exigida autorização. Os arguidos no processo C-359/88 alegam que, como não existe disposição análoga para os resíduos especiais, o transporte destes não necessita de ser autorizado.

12.

De acordo com a perspectiva oposta, a eliminação (e, por conseguinte, o transporte) de resíduos especiais encontra-se, tal como resulta dos artigos 6.°, alínea d), e 25.° do decreto, sempre sujeita a autorização no caso de resíduos produzidos por terceiros. O artigo 25.° do decreto prevê sanções penais para os responsáveis pela eliminação de resíduos urbanos e especiais produzidos por terceiros, sem terem sido devidamente autorizados, em conformidade com o artigo 6.°, alínea d). Esta disposição atribui às regiões competência para conceder autorizações às empresas para eliminarem os resíduos urbanos e especiais produzidos por terceiros.

As directivas

13.

Tal como resulta dos seus preâmbulos, os objectivos fundamentais das directivas 75/442 e 78/319 são dois. Em primeiro lugar, foram adoptadas com o objectivo de harmonizar as legislações nacionais em matéria de resíduos, a fim de evitar que eventuais disparidades entre essas legislações criem distorções da concorrência e entravem as trocas entre Estados-membros. Em segundo lugar, destinam-se a proteger a saúde humana e o ambiente contra os efeitos danosos causados pela recolha, transporte, tratamento, armazenamento e depósito dos resíduos. Estes objectivos teriam de ser alcançados através de meios que incluem a implementação de um sistema de autorizações para as empresas de tratamento de resíduos e a fiscalização pelas autoridades públicas das operações que implicam a produção e eliminação dos resíduos.

14.

O artigo l.°, alínea a), de ambas as directivas define como «“resíduo”: qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a obrigação de se desfazer por força das disposições nacionais em vigor». O artigo 1.°, alínea b), da Directiva 78/319 define como «resíduo tóxico e perigoso» qualquer resíduo que contenha ou esteja contaminado por substâncias ou matérias constantes do anexo da directiva de forma a representarem um risco para a saúde ou para o ambiente.

15.

O artigo 5.° da Directiva 75/442 dispõe: «os Estados-membros estabelecerão ou designarão a ou as autoridades competentes encarregadas, numa determinada zona, de planificar, organizar, autorizar e fiscalizar as operações de eliminação dos resíduos».

16.

O artigo 8.° da Directiva 75/442 dispõe: «... qualquer estabelecimento ou empresa que proceda ao tratamento, armazenamento ou depósito de resíduos por conta de outrem deve obter da autoridade competente referida no artigo 5° uma autorização respeitante, nomeadamente:

aos tipos e as quantidades de resíduos a tratar,

às prescrições técnicas gerais,

às precauções a tomar,

às indicações a apresentar, a pedido da autoridade competente, sobre a origem, o destino e o tratamento dos resíduos, assim como sobre os seus tipos e quantidades».

17.

O artigo 10.° da Directiva 75/442 dispõe: «as empresas que procedem ao transporte, recolha, armazenamento, depósito ou tratamento dos próprios resíduos, assim como as que recolhem ou transportam resíduos por conta de outrem, estão sujeitas à fiscalização da autoridade competente referida no artigo 5.°»

A jurisprudência do Tribunal

18.

Esta não é a primeira vez que o Tribunal se tem de debruçar sobre a legislação comunitária relativa aos resíduos. Nos processos apensos 372/85, 373/85 e 374/85, Ministério Público/Traen e outros (Colect. 1987, p. 2141), o Tribunal observou que a Directiva 75/442 tinha, como resultado da definição de «resíduo» dada no artigo 1.°, um largo alcance. Todavia, reconheceu que a directiva estabelecia uma distinção entre a autorização e a fiscalização, sublinhando que a obrigação de obter uma autorização estabelecida no artigo 8.° se refere apenas às empresas que tratam os resíduos por conta de terceiros. As empresas que eliminam os seus próprios resíduos apenas estão, de acordo com o artigo 10.°, sujeitas à «fiscalização da autoridade competente referida no artigo 5.°».

19.

No que se refere ao artigo 5.°, o Tribunal observou que não impõe quaisquer critérios restritivos relativamente às autoridades competentes a estabelecer ou a designar pelos Estados-membros. Por conseguinte, os Estados-membros são livres para escolher a autoridade. Do mesmo modo, o poder discricionário de que gozam os Estados-membros para organizar a fiscalização exigida pelo artigo 10.° apenas está limitado pela exigência de que sejam respeitados os objectivos da directiva, designadamente a protecção da saúde humana e do ambiente.

20.

A Directiva 75/442 também estava em causa, com mais três directivas, nos processos apensos 227/85 a 230/85, Comissão//Bélgica (Colea. 1988, p. 1). A Comissão tinha intentado uma acção, nos termos do artigo 171.° do Tratado, contra a Bélgica, por esta não ter executado anteriores acórdãos do Tribunal em que este tinha declarado que, ao não adoptar, no prazo estabelecido, as disposições necessárias para dar cumprimento a um determinado número de directivas, a Bélgica não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do Tratado. Um dos argumentos que a Bélgica apresentou na sua defesa foi que o atraso na implementação dos anteriores acórdãos do Tribunal se devia a dificuldades resultantes da transferência de um número substancial de poderes para novas instituições regionais. O Tribunal observou:

«Convém lembrar, como o Tribunal declarou nos seus acórdãos de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos (96/81 e 97/81, Recueil, p. 1791 e 1819, respectivamente), que cada Estado-membro é livre de repartir como julgar oportuno as competências a nível interno e de aplicar uma directiva através de medidas tomadas pelas autoridades regionais ou locais. Essa repartição de competências não pode, no entanto, dispensá-lo da obrigação de assegurar que as disposições da directiva sejam fielmente transpostas para o direito interno» (n.° 9).

As questões

21.

Nos três casos em que nos debruçamos, foram apresentadas observações, em larga medida concordantes, pelo Governo italiano e pela Comissão. Na interpretação de «resíduo», para efeitos das directivas, concordo com elas: a resposta às questões submetidas nos processos C-206/88 e C-207/88 e à primeira questão submetida no processo C-359/88 deve, na minha perspectiva, ser que «resíduo» abrange tudo o que seja susceptível de reutilização e que a intenção do detentor é irrelevante.

22.

Tal como o Tribunal sublinhou no processo Traen, a definição de resíduo estabelecida na Directiva 75/442 tem um alcance amplo e o mesmo é necessariamente válido para a definição equivalente contida na Directiva 78/319. Nenhuma das definições contém qualquer elemento de que se possa extrair a relevância da intenção do detentor. Fazê-lo estaria, na minha perspectiva, em contradição com os objectivos das directivas, pela razão de que a questão de saber se uma substância ou objecto constitui uma ameaça para a saúde humana ou para o ambiente é uma questão objectiva e não subjectiva. Não tem nada a ver com a intenção da pessoa que se desfaz da substância. Também a possibilidade dessa ameaça não é afectada pelo facto de o produto poder ser reciclado ou reutilizado. Ninguém nega que a solução ácida usada que está em causa no processo C-359/88 é extremamente perigosa, independentemente do facto de poder ser utilizada por determinadas empresas. Na verdade, na perspectiva dos objectivos das directivas, o Conselho tinha todas as razões para exigir que semelhante substância fosse sujeita aos processos de fiscalização previstos nas directivas. De qualquer modo, dos artigos 1.°, alínea b), e 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva 75/442, e dos artigos 1.°, alínea c), e 4.° da Directiva 78/319, os quais se referem todos por forma diversa à reutilização e reciclagem de «resíduos», resulta claramente que o facto de uma substância ou objecto poder ser tratado desta forma não afecta a questão de saber se constitui antes de mais um «resíduo» para efeitos das directivas.

23.

Em meu entender, uma substância ou um objecto podem constituir um resíduo na acepção das directivas mesmo que sejam susceptíveis de ser reutilizados e seja qual for a intenção ou propósito do detentor ao deles se desfazer. Mas penso ser necessário, neste caso, acrescentar um esclarecimento à resposta que dei à questão de interpretação.

24.

Parece presumir-se, na questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional e nas observações que foram apresentadas a este Tribunal, que o decreto italiano tem de ser interpretado em consonância com as directivas, sobretudo porque o decreto se lhes refere expressamente. Noutras circunstâncias, esta presunção seria decerto correcta. O Tribunal declarou que, ao aplicar a legislação nacional, e em especial as normas de um diploma nacional adoptado expressamente para implementar uma directiva, os órgãos jurisdicionais nacionais devem interpretar a legislação nacional à luz da letra e dos objectivos da directiva: ver processo 14/83, Von Colson e Kamman/Land Nordrhein-Westfalen (Recueil 1984, p. 1891). Esta regra de interpretação pode, por conseguinte, conduzir ao nascimento e executoriedade de obrigações em processos cíveis entre particulares que não resultariam de uma interpretação da legislação nacional considerada isoladamente.

25.

Mas esta regra deve, em meu entender, sofrer algumas restrições num processo-crimes, em que a interpretação, por esta forma, da legislação nacional conduziria a criar responsabilidade criminal em circunstâncias em que essa responsabilidade não existiria de acordo com a legislação nacional considerada isoladamente. A razão para esta restrição é que uma interpretação extensiva da legislação penal vai contra o princípio fundamental da legalidade (nullum crimen, nutta poena une lege).

26.

É certo que, caso não exista uma legislação de aplicação, uma directiva não pode, por si só, determinar ou agravar a responsabilidade criminal de pessoas que agiram em violação da directiva: ver processo 14/86, Pretore di Salò/X (Colect. 1987, p. 2545) e processo 89/86, Kolpinghuis Nijmegen (Colect. 1987, p. 3969). Em meu entender, semelhantes princípios aplicam-se quando um Estado-membro tenha aprovado legislação com o objectivo de implementar uma directiva, mas essa legislação, embora preveja sanções penais, não especifique clara e inequivocamente todas as circunstâncias em que é aplicável a sanção penal. Não penso que os órgãos jurisdicionais nacionais sejam obrigados, no plano do direito comunitário, a interpretar a legislação nacional à luz da letra e objectivos de directivas em que o resultado seria o de criar responsabilidade criminal que de outra forma não existiria. Compete aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar se a legislação nacional em causa pode ser interpretada em conformidade com as directivas relevantes, sem recurso a uma interpretação extensiva que seria contrária ao princípio da legalidade.

27.

No que se refere à segunda questão colocada no processo C-359/88, o Tribunal reconheceu, no processo Traen, que a Directiva 75/442 estabelecia uma distinção entre as operações que exigiam uma autorização prévia e as que apenas deviam ser sujeitas a uma fiscalização. O Tribunal reconheceu, todavia, que ao implementar a directiva os Estados-membros eram livres para exigirem autorizações em casos em que a directiva apenas exige a fiscalização.

28.

O transporte de resíduos na acepção do artigo 1.° da directiva não é referido no artigo 8.° como uma das operações para que as empresas têm de obter autorização prévia. O artigo 10.° da directiva exige que o transporte de resíduos por conta de outrem seja sujeito a fiscalização, mas não exige autorização prévia. Não existe qualquer razão, em meu entender, para que a estas normas se atribua outro sentido. Todavia, não considero que a directiva impeça os Estado-membros de exigir a obtenção de autorizações para o transporte de determinadas categorias de resíduos se considerarem isso aconselhável.

29.

A terceira questão colocada pelo Pretore no processo C-359/88 destina-se a obter esclarecimentos sobre as obrigações impostas aos Estados-membros pelo artigo 5.° da Directiva 75/442. O Pretore entende que os termos dessa norma sugerem que a validade das autorizações emitidas pela autoridade competente deve ser limitada à zona que fica sob a responsabilidade da referida autoridade. O resultado seria que, quando resíduos fossem transportados de uma zona para outra, seriam necessárias autorizações separadas para cada zona atravessada. Devido às dificuldades práticas que isto colocaria, o Pretore considera que a directiva pode, de acordo com a sua interpretação, impor que a concessão dessas autorizações seja cometida a autoridades com competência nacional.

30.

E possível, à luz do que até aqui disse, que não seja necessário responder à terceira questão colocada pelo Pretore no processo C-359/88. Todavia, se for necessária uma resposta, penso que o Tribunal deveria seguir a posição adoptada a este respeito nos processos Comissão/Bélgica e Traen. Todavia, gostaria de acrescentar, como a Comissão sugere, que o fraccionamento excessivo de competências para executar os deveres referidos no artigo 5.° da directiva pode pôr em causa a realização dos objectivos da directiva e não é, portanto, admissível.

31.

Entendo, portanto, que as questões submetidas nos processos apensos C-206/88 e C-207/88 e a primeira questão do processo C-359/88 devem obter a seguinte resposta:

«O artigo 1.°, alínea a), da Directiva 75/442 do Conselho, de 15 de Julho de 1975, e o artigo 1.°, alínea a), da Directiva 79/319 do Conselho, de 20 de Março de 1978, devem ser interpretados no sentido de que uma substância ou objecto podem constituir um resíduo para efeitos dessas disposições mesmo quando sejam susceptíveis de reutilização e independentemente da intenção ou propósito do detentor ao deles dispor.

Um órgão jurisdicional de um Estado-membro não tem de interpretar a legislação nacional à luz da letra e objectivos de uma directiva se o resultado conduzir à aplicação de uma sanção penal em circunstâncias em que de outra forma essa sanção não se aplicaria.»

32.

A segunda questão submetida no processo C-359/88 deveria obter a seguinte resposta:

«O artigo 10.° da Directiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que os Estados-membros não têm de sujeitar o transporte por conta de outrem de resíduos, na acepção do artigo 1.°, alínea a), a uma autorização prévia da autoridade competente referida no artigo 5.° Todavia, os Estados-membros não estão impedidos pela directiva de exigir nesses casos uma autorização prévia».

33.

A terceira questão submetida no processo C-359/88 deveria, se necessário, obter a seguinte resposta:

«Ao estabelecer ou designar a autoridade ou autoridades competentes para efeitos do artigo 5.° da Directiva 75/442, os Estados-membros apenas estão vinculados pela necessidade de assegurar o respeito pelos objectivos da directiva, concretamente a protecção da saúde humana e do ambiente. Por conseguinte, os Estados-membros não devem fraccionar as competências para a execução das obrigações referidas no artigo 5.° a ponto de pôr em causa a realização dos objectivos em questão.»


( *1 ) Língua original: inglés.