CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JEAN MISCHO

apresentadas em 22 de Fevereiro de 1990 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

A Comissão solicita que o Tribunal declare

«que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do primeiro parágrafo do artigo 95.o do Tratado CEE ao estabelecer e manter sob a forma de imposto especial sobre o consumo e de imposto especial suplementar único, um sistema de tributação que é discriminatório relativamente aos carros novos e usados com cilindrada superior a 1800 cm3, importados de outros Estados-membros».

2. 

Tendo as características da regulamentação em causa sido detalhadamente descritas no relatório para audiência, apenas as referirei desde que isso se revele necessário para a compreensão do meu raciocínio.

3. 

Em apoio da sua acção, a Comissão invoca, sobretudo, o acórdão de 9 de Maio de 1985, Humblot (112/84, Recueil, p. 1367), no qual estava em causa um imposto especial francês que incidia anualmente sobre os veículos com uma potência fiscal superior a determinado valor num montante quase cinco vezes superior ao valor mais elevado do imposto progressivo a pagar relativamente aos veículos que não atingiam essa potência fiscal.

4. 

Nesse acórdão, o Tribunal sublinhou

«que no estado actual do direito comunitário os Estados-membros têm a liberdade de sujeitar produtos como os veículos automóveis a um sistema de imposto de circulação cujo valor aumenta progressivamente em função de um critério objectivo, como a potência fiscal, que pode ser determinado em diferentes modalidades. Um tal sistema de tributação interna só é, todavia, legal na perspectiva do artigo 95.o desde que seja desprovido de qualquer efeito discriminatório ou protector» (n.os 12 e 13).

Em seguida o Tribunal declarou o seguinte:

«Se não tivessem lugar considerações que têm a ver com o valor do imposto especial, os consumidores à procura de veículos comparáveis no plano, designadamente, da dimensão, conforto, potência real, custo de manutenção, longevidade, consumo e preço seriam naturalmente conduzidos a escolher entre os veículos que se situam a jusante e os veículos que se situam a montante do limiar crítico de potência fiscal fixado pela lei francesa. Todavia, a sujeição ao imposto especial conduz a um aumento do imposto que é muito maior do que o que resultaria da passagem de uma categoria de veículos a outra num sistema de tributação progressiva com escalões equilibrados, como aquele a que corresponde o imposto diferencial» (n.o 15).

5. 

Daqui o Tribunal concluiu que o artigo 95.o proibia a aplicação de tal imposto quando, como no caso em apreço, os únicos veículos sobre que este incidia eram importados, designadamente de outros Estados-membros.

6. 

No acórdão de 17 de Setembro de 1987, Feldain (433/85, Colect., p. 3521), o Tribunal declarou que uma regulamentação que, através do estabelecimento de escalões de tributação, conduza a que os veículos de fabrico nacional de topo de gama fiquem ao abrigo da progressão normal do imposto, tem efeitos discriminatórios ou protectores na acepção do artigo 95.o do Tratado, em favor desses veículos.

7. 

Nestes dois processos, os órgãos jurisdicionais nacionais interrogavam-se a propósito da compatibilidade dos sistemas de tributação em questão com o artigo 95.o no seu conjunto e o Tribunal respondeu nessa base. No presente processo, todavia, a Comissão solicita que o Tribunal declare uma violação do artigo 95.o, primeiro parágrafo. Sustenta designadamente que

«os veículos particulares, seja qual for a sua cilindrada, são produtos similares» (carta de interpelação citada no ponto I. 2 da petição).

8. 

Não posso partilhar esta opinião. De acordo com a jurisprudência do Tribunal, são similares os produtos

«que apresentam aos olhos dos consumidores, propriedades análogas e satisfazem as mesmas necessidades» ( 1 ).

Ora, em meu entender, não se pode afirmar que seja esse o caso dos veículos muito pequenos (por exemplo, de comprimento inferior a 3,7 m dotados de um motor de menos de 1 litro), por um lado, e dos veículos de topo de gama (comprimento superior a 4,7 m, motor de cilindrada superior a 2500 cm3), por outro.

9. 

No entanto, de um e de outro lado de um limiar de cilindrada determinado, por exemplo como aqui, 1800 cm3, podem muito bem existir veículos que, apesar de uma diferença de cilindrada considerável, se encontram suficientemente perto «no plano, designadamente, do comprimento, conforto, potência real, etc.» (ver acórdão Humblot) para poderem ser considerados como satisfazendo o critério acima referido. Designadamente, pode-se mesmo verificar que, apesar da diferença de cilindrada, o preço, excluído o imposto, desses veículos seja quase 0 mesmo. A Comissão pôde, por conseguinte, legitimamente basear o seu pedido no artigo 95.o, primeiro parágafo, na medida em que a acusação incide sobre a tributação de veículos cuja cilindrada se situa à volta de 1800 cm3.

10. 

Vejamos agora o que deve pensar-se acerca da diferenciação operada pelo sistema de tributação helénico no limiar de 1800 cm3. O Governo helénico alega que esta se justifica visto os veículos com cilindrada superior a essa serem «veículos de luxo».

11. 

A este respeito, pode apoiar-se no acórdão do Tribunal de 16 de Dezembro de 1986, Comissão/Itália (200/85, Colect., p. 3953), donde resulta que não é nem arbitrário nem desrazoável considerar como veículos de luxo veículos com uma cilindrada superior a um determinado valor e submetê-los à taxa agravada de IVA prevista pelo sistema fiscal de um Estado-membro no que se refere a essa categoria de produtos. Assim admiro-me que a Comissão alegue, ainda a nível da réplica (ponto II.7), que

«qualificar um veículo de 1800 cm3 de veículo de luxo por oposição a um veículo de 1799 cm3 — que não é assim considerado — é ... arbitrário.»

Com efeito, assim fazendo, não põe em causa apenas o limiar estabelecido pela República Helénica, mas, de um modo geral, o próprio princípio de uma diferenciação da tributação em virtude de um limiar determinado relacionado com a cilindrada. A mesma argumentação podia, com efeito, ser desenvolvida relativamente a qualquer limiar, por exemplo, 2000 ou 2500 cm3.

12. 

Ora, no processo 200/85, o Tribunal tinha afirmado,

«que a referência a uma determinada cilindrada como limiar diferencial entre duas taxas de imposto é um critério objectivo, independente da origem dos produtos» (n.o 10).

Em virtude do carácter demasiado geral desta declaração, parece-me pouco importante que os veículos que ultrapassem um determinado limiar sejam ou não qualificados de produtos de luxo.

13. 

Notemos, igualmente, que não parece de forma alguma necessário limitar o alcance do acórdão no processo 200/85 a esse caso nem, designadamente, ao âmbito do IVA, tal como pretende a Comissão (ver n.o 16 da sua petição), e isto tanto menos que, em valor relativo, o aumento, no limiar, respectivamente, de 2000 e 2500 cm3, da taxa do IVA no processo italiano foi muito maior do que o que se verifica nos dois impostos, gregos no limiar de 1800 cm3.

14. 

Se a Itália pôde, portanto, escolher a cilindrada de 2000 cm3 (ou 2500 cm3 para os veículos com motor diesel) como limiar de passagem para a categoria de tributação mais elevada, não se vê por que razão a Grécia não podia, para esse efeito, estabelecer validamente a cilindrada de 1800 cm3. Esse limiar não se situa no ponto onde termina o fabrico nacional visto nenhum veículo de cilindrada entre 1600 e 1800 cm3 ser montado na Grécia. Beneficiam ainda da menor tributação, se exportados para a Grécia, veículos tão confortáveis como o Audi 100 com motor 1781 cm3, o BMW 518i ( 1795 cm3), o Opel Omega 1.8i (1796 cm3), o Peugeot 505 SX 1.8 (1796 cm3), o Renaut 21 GTS (1721 cm3) ou o Volkswagen Passat (1781 cm3).

15. 

A escolha do segundo limiar parece-me tanto menos arbitrária ou desrazoável quanto é coerente com o conjunto do sistema de tributação grego em questão, que estabelece já uma primeira diferenciação da taxa de tributação ao nível de 1200 cm3. O Governo grego explicou que esses dois limiares pretendem reflectir

«a realidade social grega e, em certa medida, europeia: os veículos de cilindrada inferior ou igual a 1200 cm3 destinam-se às pessoas com pequenos rendimentos; os de cilindrada compreendida entre 1201 e 1800 cm3 são comprados por pessoas com rendimentos médios; os veículos cuja cilindrada ultrapassa 1800 cm3 estão reservados, sobretudo na Grécia, às pessoas detentoras de grandes rendimentos» (ver p. 1574 do relatório de audiência).

16. 

Ora, como a Comissão não contestou que o limiar de 1200 cm 3 permite separar os veículos destinados às pessoas de pequenos rendimentos dos destinados às pessoas de rendimentos médios, não se percebe porque é que contesta o de 1800 cm 3 enquanto linha de separação entre estes últimos e os veículos destinados aos maiores rendimentos.

17. 

E verdade que, contrariamente ao que se passa na categoria dos veículos superiores a 1800 cm 3, são fabricados na Grécia veículos de mais de 1200 cm 3. Por si só, todavia, este elemento não pode ser determinante. Com efeito, por força de uma jurisprudência constante ( 2 ),

«o direito comunitário não restringe, no estado actual da sua evolução, a liberdade de cada Estado-membro estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, mesmo similares na acepção do primeiro parágrafo do artigo 95.o, em função de critérios objectivos, tais como a natureza das matérias-primas utilizadas ou os processos de produção empregados. Tais diferenciações são compatíveis com o direito comunitário se prosseguem objectivos de política económica compatíveis, eles também, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se as suas modalidades são de forma a evitar toda a espécie de discriminação, directa ou indirecta, em relação a importações provenientes de outros Estados-membros, ou de proteccionismo em favor de produtos nacionais concorrentes».

18. 

Resulta da jurisprudência do Tribunal que estas diferenciações são igualmentes admissíveis se as vantagens fiscais concedidas, sob a forma de isenção ou de redução dos direitos, servirem fins sociais legítimos ( 3 ).

19. 

Admitir que uma tal diferenciação objectiva é incompatível com o artigo 95.o unicamente por a imposição mais pesada apenas incidir sobre produtos importados seria negar esta liberdade dos Estados-membros.

20. 

A este respeito, é significativo observar que, na grande maioria dos casos em que considerou uma tributação diferenciada como contrária ao artigo 95.o, o Tribunal tinha observado que o critério de diferenciação era tal que conduzia a excluir «antecipadamente» quer os produtos importados do benefício da taxa favorável quer os produtos nacionais do regime de tributação mais pesado ( 4 ).

21. 

Entendo, em consequência, que uma diferenciação fiscal estabelecida em função de um critério reconhecido como objectivo não perde — de repente — o seu carácter objectivo e se torna incompatível com o artigo 95.o exclusivamente por, de facto, não existirem produtos nacionais em condições de serem objecto de uma tributação mais pesada, desde que os produtos importados não sejam, por «definição», «hipótese» ou «natureza», os únicos a poderem estar nessas condições.

22. 

O Tribunal aplicou expressamente o que acaba de ser dito nos seus acórdãos de14 de Janeiro de 1981, «Regime fiscal do álcool desnaturado», Chemial Farmaceutici/DAF (140/79, Recueil, p. 1), e Vinal/Orbat (46/80, Recueil, p. 77), quando declarou que:

«A aplicação de um tal sistema de tributação (que consiste em tributar de forma mais pesada o alcool de síntese desnaturado do que o alcool de fermentação desnaturado) não pode ser considerada como constituindo uma protecção indirecta da produção nacional de álcool de fermentação, nos termos do artigo 95.o, segundo parágrafo, do Tratado CEE, pela simples razão de que conduz a que o produto tributado mais pesadamente seja, de facto, um produto exclusivamente importado dos outros Estados-membros da Comunidade se, em virtude da tributação do álcool de síntese, uma produção rentável desse tipo de álcool não se puder desenvolver no território nacional.»

23. 

Neste mesmo contexto, pode-se ainda assinalar, com o professor Everling ( 5 ), que resulta igualmente do acórdão de 3 de Março de 1988, Bergandi (252/86, Colect., p. 1343), que um sistema de tributação progressiva em função das diversas categorias de máquinas automáticas de jogos, que prossegue objectivos sociais legítimos, não é discriminatório ou protector pela simples razão de a quase totalidade dos produtos sobre que incidem as taxas mais pesadas serem produtos importados.

24. 

Com efeito, se fosse esse o caso, o Tribunal, em resposta a uma questão prejudicial pela qual se pretendia saber se o artigo 95.o do Tratado devia ser interpretado como proibindo a tributação, por um Es-tado-membro, das máquinas automáticas de jogos de origem maioritariamente estrangeira com um imposto três vezes mais elevado do que o que incide sobre os aparelhos similares de produção maioritariamente nacional, poder-se-ia ter limitado a recordar o seu acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/Dinamarca, «Regime fiscal das aguardentes», designadamente o n.o 36 (171/78, Recueil, p. 447), segundo o qual um sistema fiscal desse género comporta inegáveis traços discriminatórios ou protectores, ainda que uma fracção mínima dos produtos importados beneficie da taxa de tributação mais favorável e uma determinada percentagem da produção nacional pertença à mesma categoria de tributação que os produtos importados. Ora, não só recordou este acórdão (n.o 28), como expressamente lhe contrapôs a sua jurisprudência «tributação diferenciada» ao sublinhar que

«o Tribunal, no entanto, admitiu igualmente que, na fase actual da sua evolução e na falta de uma unificação ou harmonização das disposições aplicáveis, o direito comunitário não proíbe que os Estados-membros estabeleçam um sistema diferenciado de tributação em função de diversas categorias de produtos se as facilidades fiscais concedidas servirem para fins económicos ou sociais legítimos» (n.o 29).

Mais longe, o Tribunal acrescentou (n.o 31) que,

«no que toca à progressão do imposto entre as categorias dos produtos assim estabelecidas»,

quer dizer, estabelecidas em função desses fins,

«os Estados-membros são, em princípio, livres de sujeitar certos produtos a um sistema de imposto cujo montante aumente progressivamente em função de um critério objecivo, desde que não tenha qualquer efeito discriminatório ou proteccionista».

25. 

Neste momento, podemos, portanto, concluir que o sistema grego de tributação dos veículos automóveis, na medida em que toma a cilindrada por factor de diferenciação das taxas do imposto e fixou em 1800 cm3 o limiar a partir do qual passa a ser aplicada a taxa mais elevada, não é, em princípio, incompatível com o artigo 95.o, primeiro parágrafo, do Tratado, mesmo que, de facto, da categoria dos veículos mais pesadamente tributados apenas façam parte veículos importados.

26. 

Mas, para que tal sistema de tributação seja efectivamente legal face ao artigo 95.o, é necessário «que não tenha qualquer efeito discriminatório ou protector» ( 6 ). Resulta dos citados acórdãos Humblot e Feldain que não é esse o caso de um «imposto especial» que

«implica uma tributação muito mais elevada do que a que resultaria da passagem de uma categoria de automóveis para outra num sistema de tributação progressiva com intervalos equilibrados» ( 7 ).

Noutros termos, como já referi nas conclusões que apresentei no processo 200/85, um sistema de tributação progressivo, no âmbito do qual o imposto mais elevado incide apenas sobre produtos importados provenientes dos outros Estados-membros, apenas é discriminatório (ou protector) se a sua taxa for nitidamente mais elevada e

«constituir uma rotura ou descontinuidade em relação ao sistema geral de tributação a que está submetida a categoria dos produtos em questão» ( 8 ).

27. 

Para verificar se é este o caso do sistema grego impugnado, convém examinar separadamente os dois impostos em causa.

A — Imposto especial sobre o consumo

28.

O imposto especial sobre o consumo comporta dois elementos. O primeiro depende exclusivamente da cilindrada do veículo. Calcula-se da seguinte forma: 20 DR por cm3 para os veículos com uma cilindrada de 600 a 1200 cm3; 26 DR por cm3 para os veículos com uma cilindrada de 1201 a 1800 cm3; 38 DR por cm3 para os veículos de cilindrada superior a 1800 cm3. Este primeiro elemento tem um limite máximo de 100000 DR.

29.

O segundo elemento do imposto obtém-se efectuando o seguinte cálculo:

Formula

V é o preço de venda do veículo, excluído o imposto, diminuído de 25000 DR.

30.

A soma destes dois elementos conduz a resultados que correspondem a uma determinada percentagem do preço de venda do veículo, excluído o imposto. Em virtude da incidência do primeiro elemento do imposto, esta percentagem varia de cm3 em cm3. O mínimo de imposição é de 48 % para um veículo de 600 cm3, e o máximo é de 400 % para os veículos de cilindrada superior a 2632 cm3.

31.

Para simplificar o enunciado do problema, a Comissão compara sempre entre escalões de 100 cm3. No seu entender, a progressão da taxa do imposto especial não era equilibrada. Até 1800 cm3, só aumentava em média 11,6% por escalão de 100 cm3 ao nível dos 1801 cm3 dava logo um enorme salto de 86,5 %, para continuar a aumentar numa média de 15,2 % por escalão de 100 cm3.

32.

Todavia, esta representação da progressão do imposto, tal como é feita, não me parece aceitável, pois menospreza o facto de o sistema grego conter igualmente um limiar diferencial ao nível de 1200 cm3. Se se considerarem as três categorias de veículos assim estabelecidas, a progressão da taxa é a seguinte :

a partir de 48 % para um veículo de 600 cm3, aumenta 8 % por escalão de 100 cm3, para atingir 96 % ao nível de 1200 cm3;

neste primeiro limiar diferencial, dá um salto brusco de 28,9 % ao nível de 1201 cm3, para passar em seguida a 135,2 % ao nível de 1300 cm3, antes de começar de novo a aumentar regularmente de 10,4 % por escalão de 100 cm3, para atingir 187,2 % ao nível de 1800 cm3;

neste segundo limiar diferencial, dá então o grande salto assinalado pela Comissão (86,5 %); atinge 288,8 % ao nível de 1900 cm3, antes de começar a progredir, em seguida, de 15,2 % por escalão de 100 cm3, para alcançar finalmente uma taxa máxima de 400 % ao nível de 2632 cm3.

33.

A explicação deste grande aumento nos limiares de 1200 e 1800 cm3 reside no facto (que a Comissão referiu péla primeira vez na réplica — ponto II. 3) de os coeficientes de, respectivamente, 26 e 38 se aplicarem ao conjunto da cilindrada do veículo, quer dizer, igualmente à parte da cilindrada correspondente a uma ou às duas categorias inferiores. Isto constitui, aos olhos da Comissão, «uma rotura da progressividade», que não se verificaria num sistema em que os coeficientes elevados apenas fossem aplicados à parte da cilindrada superior aos limiares diferenciais em questão e no qual os escalões inferiores a esses limiares continuariam assim a ser tributados pelas taxas mais baixas normalmente aplicáveis a estes.

34.

O quadro seguinte ilustra o que acaba de ser dito ao opor as taxas calculadas de acordo com este método mais «equilibrado», preconizado pela Comissão, às aplicáveis no sistema actual.

Cilindrada (em cm3)

Sistema actual

*

Outro sistema

*

1 100

88 %

+ 8

88 %

+ 8

1 200

96 %

+ 39,2

96 %

+ 10,4

1 300

135,2 %

+ 10,4

106,4 %

+ 10,4

1 400

145,6 %

+ 10,4

116,8 %

+ 10,4

1 500

156 %

+ 10,4

127,2 %

+ 10,4

1 600

166,4 %

+ 10,4

137,6 %

+ 10,4

1 700

176,8 %

+ 10,4

148 %

+ 10,4

1 800

187,2%

+ 101,6

158,4 %

+ 15,2

1 900

288,8 %

+ 15,2

173,6 %

+ 15,2

2 000

304 %

+ 15,2

188,8 %

+ 15,2

2 100

319,2 %

+ 15,2

204 %

+ 15,2

2 200

334,4 %

+ 15,2

219,2 %

+ 15,2

2 300

349,6 %

+ 15,2

234,4 %

+ 15,2

2 400

364,8 %

+ 15,2

249,6 %

+ 15,2

2 500

380 %

+ 15,2

264,8 %

+ 15,2

2 600

395,2 %

/

280 %

/

2 632

400 %

 

284,8 %

 

35.

Como resulta da comparação entre as duas colunas assinaladas com asterisco, que reflectem o aumento da taxa por escalão de 100 cm3, este é idêntico nos dois sistemas, salvo aquando das passagens de 1200 a 1300 e de 1800 a 1900 cm3 no sistema preconizado pela Comissão, o aumento seria, nesses dois limiares, de uma ordem de grandeza exactamente idêntica à válida para os outros escalões de 100 cm3 na categoria em questão. Salta aos olhos que a progressão, no seu conjunto, seria deste modo mais equilibrada.

36.

No entanto, um sistema que comporte um aumento brusco da tributação em dois níveis diferentes deve necessariamente ser, em si mesmo, considerado incompatível com o artigo 95.o, primeiro parágrafo, do Tratado?

37.

Sublinhamos, antes de mais, que no processo Humblot estava em causa um «imposto especial», e era a sujeição a esse imposto especial que conduzia a uma «rotura» relativamente ao sistema de tributação aplicavável por outro lado. Como já sublinhei nas conclusões que apresentei do processo 200/85,

«o imposto francês (que apenas incidia sobre os veículos importados) era, por assim dizer, exterior ao sistema normal de tributação dos veículos, que se traduzia num imposto que aumentava progressivamente, consoante a potência dos automóveis» (Colect., 1986, p. 3966, último parágrafo).

No caso em apreço, o aumento do imposto grego a partir de 1800 cm3, nível a partir do qual apenas incide sobre veículos importados, inscreve-se na lógica do sistema grego onde, no limiar de 1200 cm3, se verifica já um aumento semelhante, que abrange igualmente veículos gregos.

38.

E igualmente verdade, como sublinhou o Governo helénico, que a relação entre as médias da terceira (337 %) e da segunda categorias (156 %), ou seja, 2,16, é idêntica à que existe entre as médias da segunda e da primeira categorias (72 %).

39.

Por último, seja-me permitido recordar mais uma vez que a diferenciação da tributação no limiar de 1800 cm3 não se faz apenas em benefício dos veículos gregos de cilindrada média mas também em benefício dos veículos importados e, designadamente, dos que têm uma cilindrada superior a 1600 cm3 e inferior a 1801 cm3, que não são actualmente fabricados na Grécia.

40.

Entendo, portanto, que a própria existência dos dois limiares de tributação não pode ser criticada. Além disso, contrariamente ao que se passou no processo Feldain, o modo como estes dois limiares se situam não permite concluir que foram escolhidos de forma a favorecer os veículos de produção nacional.

41.

Resta saber se se pode dizer a mesma coisa a propósito das percentagens de tributação que incidem sobre as três categorias de veículos. Sobre este ponto, o sistema em causa no processo Feldain não tinha suscitado qualquer crítica. Mas, no caso em apreço, é-se conduzido a observar o seguinte. O imposto que incide sobre os veículos de 1200 cm3 é de 96 %, e o que incide sobre os veículos de 1201 cm3 é de 124,9 %, o que dá uma relação de 1 a 1,30. O imposto que incide sobre os veículos de 1800 cm3 é de 187, 2 %, e o que incide sobre os veículos de 1801 cm3 é de 273,7 %. Neste último caso, a relação é de 1 a 1,46. Esta diferença decorre da progressão dos valores, expressos em dracmas por cm3, que se aplicam às três categorias de veículos (primeiro elemento do imposto). Recordo que, para os veículos cuja cilindrada é inferior a 1200 cm3 se torna necessario contabilizar 20 DR por cm3. Para os veículos de cilindrada inferior a 1800 cm3, o valor é de 26 DR por cm3 e, para os veículos de cilindrada superior a 1801 cm3, o valor é de 38 DR por cm3. As relações entre estas quantias são iguais às observadas para o conjunto do imposto, ou seja, respectivamente, 1 a 1,46 (38/26) e 1 a 1,30 (26/20). Se se aplicasse entre a segunda e a terceira categorias igualmente uma relação de 1 a 1,30, o montante para a terceira categoria devia ser de 33,8 DR em vez de 38 DR. Nesse caso, o «salto» no limiar de 1800 cm3 deixaria de ser de 86,5 pontos, para passar a ser de 56,2 pontos, e o imposto teria, em seguida, uma progressão de 13,52 pontos por 100 cm3 adicionais, em vez de 15,2 pontos.

42.

Ora, entendo que só se pode admitir um sistema com dois limiares em que a tributação aumenta bruscamente se, no segundo limiar, que incide apenas sobre veículos importados, não se verificar uma progressão superior à que incide, simultaneamente, sobre produtos importados e produtos nacionais. Com efeito, se uma relação de 1 a 1,46 podia ser tolerada, por que não uma relação de 1 a 2 ou de 1 a 3 ou de 1 a 5, como a que foi posta em causa no processo Humblot?

43.

Um sistema deste tipo deve ser coerente do princípio ao fim, quer dizer, deve ter uma lógica interna que não possa, a nenhum nível de tributação, ser apanhada em falta.

44.

Como, no caso em apreço, a taxa ou a percentagem de crescimento do imposto aplicável no limiar de 1800 cm3 não é idêntica à aplicável no limiar de 1200 cm3, proponho que o Tribunal declare que o imposto especial sobre o consumo é incompatível com o artigo 95.o, primeiro parágrafo, do Tratado.

B — Imposto especial suplementar único

45.

Debrucemo-nos agora sobre a situação no que se refere ao imposto especial suplementar único, pagável aquando da primeira matrícula do veículo.

46.

Para os veículos com uma cilindrada inferior ou igual a 1200 cm3, este imposto, é de 100 DR por cm3, progredindo, portanto, de 10000 DR por escalão de 100 cm3 e atingindo 120000 DR do limiar de 1200 cm3. Para os veículos com uma cilindrada compreendida entre 1201 e 1800 cm3, é de 100 DR por cm3 até 1200 cm3, passando a ser de 200 DR por cm3 a partir daí e até 1800 cm3; é assim de 140000 DR em 1300 cm3 e aumenta 20000 DR por escalão de 100 cm3 para atingir 240000 DR no limiar de 1800 cm3. A jusante e a montante do limiar de 1200 cm3, o imposto especial suplementar único aumenta, portanto, de forma regular, respectivamente, 100 e 200 DR por cm3. Para além disso, resulta das considerações que precedem que esta diferenciação das taxas, enquanto estabelecida em função de um critério objectivo, a cilindrada, é perfeitamente legítima na perspectiva do artigo 95.o, primeiro parágrafo, do Tratado, mesmo que a Grécia não fabrique veículos tributados à taxa mais elevada.

47.

Mas, tal como para o imposto especial sobre o consumo, a República Helénica estabeleceu uma segunda diferença no imposto especial suplementar único no limiar de 1800 cm3: para os veículos com uma cilindrada superior a 1800 cm3, com efeito, este é de 150 DR por cm3 para o primeiro escalão de 1200 cm3 e de 300 DR por cm3 acima de 1200 cm3. De 240000 DR em 1800 cm3 passa, assim, para 360300 DR nos 1801 cm3 e aumenta em seguida de 300 DR por cm3.

48.

Por um lado, portanto, à semelhança do que se passa a jusante e a montante de 1200 cm3, a progressão acima dos 1800 cm3 é perfeitamente regular. Além disso, o facto de ser de 300 DR por cm3 e, portanto, maior do que a aplicável nos escalões inferiores a 1800 cm3 constitui uma diferença estabelecida em função de um critério objectivo, que, em si, não é condenável, tanto mais que o aumento da taxa por cm3 acima do limiar de 1800 cm3, a partir do qual apenas existem veículos importados, é exactamente idêntico ao que se verifica no limiar de 1200 cm3, acima do qual existem igualmente veículos gregos, e que a progressão da taxa por cm3 no limiar de 1800 cm3 chega mesmo a ser inferior (1 a 1,5) à que se verifica no limiar de 1200 cm3 (1 a 2).

49.

Por outro lado, todavia, forçoso é observar que, para os veículos de cilindrada superior a 1800 cm3, as modalidades de cálculo do imposto deixam de ser as aplicáveis a montante do limiar de 1200 cm3. Enquanto, para um veículo de cilindrada superior a 1200 cm3 (mas inferior ou igual a 1800 cm3), a taxa mais elevada do imposto, ou seja, 200 DR por cm3, apenas se aplica à parte da cilindrada superior ao referido limiar, para um veículo de cilindrada superior a 1800 cm3, a taxa de 300 DR por cm3 não se aplica apenas à parte da cilindrada superior a 1800 cm3 mas também à parte da cilindrada situada entre 1200 e 1800 cm3. Além disso, para a parte da cilindrada inferior a 1200 cm3, a taxa não é de 100 DR por cm3, como para os veículos de cilindrada inferior a 1800 cm3 (quer a sua cilindrada seja inferior ou superior a 1200 cm3), mas de 150 DR por cm3.

50.

A consequência destas divergências entre os métodos de cálculo é a seguinte: enquanto, para um veículo de cilindrada inferior ou igual a 1800 cm3, o imposto aumenta 200 DR por cm3 a partir do limiar de 1200 cm3, para um veículo de cilindrada superior a 1800 cm3 só aumenta 300 DR por cm3 após ter dado um salto brutal de 240000 DR para 360000 no mesmo limiar de 1800 cm3. Noutros termos, enquanto sobre um veículo de 1201 cm3 incide um imposto de 120200 DR, que só é superior em 200 DR ao imposto que incide sobre um veículo de 1200 cm3, sobre um veículo de 1800 cm3 incide um imposto de 360300 DR que é superior em 120000 + 300 DR ao que incide sobre um veículo de 1800 cm3.

51.

O imposto especial suplementar único conhece, portanto, também no limiar de 1800 cm3 uma «rotura de progressividade», na medida em que os métodos de cálculo aplicáveis a partir desse limiar são de tal ordem que implicam um aumento de tributação que é muito maior do que o que resultaria da aplicação no referido limiar, a partir do qual só existem veículos importados, dos métodos de cálculo aplicáveis no limiar de 1200 cm3, a montante do qual existem igualmente veículos gregos. Com efeito, se fosse aplicado o mesmo método de cálculo, ou seja, 100 DR para os primeiros 1200 cm3, 200 DR para o escalão situado entre 1201 e 1800 cm3, e 300 DR para lá dessa cilindrada, sobre um veículo de 1801 cm3 incidiria um imposto de 240300 DR, em vez de 360300 DR. Este «salto» brusco no nível de tributação, que não existe no limiar de 1200 cm3, estabelece, assim, uma rotura ou uma descontinuidade relativamente ao sistema normal de tributação em causa. Como o imposto mais elevado incide apenas sobre veículos importados provenientes dos outros Estados-membros, o referido sistema de tributação não pode ser considerado como «não tendo um efeito discriminatório ou protector» nos termos dos acórdãos Humblot e Feldain e não é, portanto, legal na perspectiva do artigo 95.o do Tratado.

C — A questão da tributação dos veículos em segunda mão

52.

No seu pedido, a Comissão solicita ao Tribunal que declare o caracter discriminatório do regime fiscal helénico relativamente aos carros novos e usados. Quer isto dizer que, a propósito da tributação dos veículos usados, a Comissão utiliza as mesmas acusações e argumentos que utilizou a propósito dos veículos novos?

53.

O mínimo que se pode dizer é que, a este respeito, as pretensões da Comissão estão longe de ser claras.

54.

No n.o 22 da petição, a Comissão afirma de forma lapidar que

«as considerações que precedem são igualmente válidas, mutatis mutandis, para os veículos usados».

Conviria saber se, aos olhos da Comissão, são os veículos novos de fabrico nacional, ou os mesmos veículos no estado de usados ou ambos que gozam de vantagens quando comparados com os veículos usados importados. Forçoso é, no entanto, considerar que, a partir do momento em que os dois sistemas de tributação sofrem de um vício, ou seja, a progressão excessiva do imposto a partir de 1800 cm3, esse vício tem consequências sobre todos os veículos importados.

55.

Em seguida, convém observar que, durante o processo administrativo gracioso, a Comissão tinha igualmente criticado os métodos segundo os quais se determina o valor tributável que serve de base para o cálculo do imposto especial sobre o consumo que incide sobre os veículos usados aquando da sua importação. Este determina-se retirando ao preço dos veículos novos correspondentes 5 % por ano de idade do veículo em causa, não estando previsto qualquer abatimento para lá do quarto ano, de forma que o abatimento total não pode ultrapassar os 20 %. A Comissão considerou que destas regras decorre que o valor tributável dos veículos usados importados

«é sempre superior ao valor líquido do veículo nacional correspondente sobre que incidiu o imposto sobre o consumo no estado novo» (parecer fundamentado n.o 2 ponto 3).

Daqui resultaria uma tributação mais elevada dos produtos importados.

56.

A Comissão não voltou a formular expressamente esta acusação, nem na petição nem na réplica. Contentou-se, no n.o 22 da petição, em fazer a afirmação que acabo de citar. Na audiência, o agente da Comissão referiu-se a esta frase para afirmar que a sua instituição mantinha essa acusação.

57.

Ora, «as considerações que precedem» não se referem de forma alguma à questão da determinação da base tributável dos veículos mas apenas aos métodos de cálculo dos dois impostos. Também, em meu entender, a República Helénica, que, aquando do processo administrativo gracioso, chegou a contestar o bem-fundado da acusação relativa à base tributável, pôde legitimamente pensar que a Comissão a tinha abandonado, o que explica, aliás, que na contestação e na réplica não tenha tomado posição a este respeito. Esta acusação deve, portanto, ser considerada como inadmissível, porque não foi feita aquando do processo gracioso.

Conclusão

58.

Por todas as razões que acabo de expor, proponho que o Tribunal declare que, ao aplicar, através do imposto especial sobre o consumo e do imposto especial suplementar único, um regime discriminatório aos veículos de cilindrada superior a 1800 cm3 importados dos outros Estado-membros, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 95.o, primeiro parágrafo, do Tratado CEE.

59.

Embora a Comissão tenha sustentado, erradamente, durante a fase oral do processo, que o seu pedido incidia igualmente sobre o método de determinação do valor tributável dos veículos usados importados, entendo que isto não deve ter consequências quanto às despesas. Proponho, portanto, que a República Helénica seja condenada nas despesas.


( *1 ) Língua original: francês.

( 1 ) Ver, cm primeiro lugar, acórdão de 17 de Fevereiro de 1976, Rcwc/HZA Lindau, n.o 12 (45/75, Recueil 1976, p. 181).

( 2 ) Ver, designadamente, acórdãos de 4 de Março de 1986, Comissão/Dinamarca, n.o 20 (106/84, Colcct., p. 833), c de 7 de Abril de 1987, Comissão/França, n.o 6 (196/85, Colcct., p. 1597).

( 3 ) Ver, alem do acórdão Comissão/França, citado, n.o 7, designadamente, o acórdão de 10 de Outubro de 1978, Hansen &: Balle/HZA Flensburg, n.o 16 (148/77, Recueil, p. 1787).

( 4 ) Ver acórdão dc 7 de Maio de 1981, Rumliaus Hansen/HZA Flensburg (153/80, Recueil, p. 1165); acórdão de 27 de Maio de 1981, Administration des finances de l'État/Esscvi et Salcngo (142/80 e 143/80, Recueil, p. 1413); acórdão de 15 de Março de 1983, Comissão/Itália, «tributação das aguardentes» (319/81, Recueil, p. 601); acórdão dc 11 dc Julho de 1985, Comissäo/Ilälia, «ľVA — Tributação dos espumantes» (278/83, Recueil, p. 2503); acórdão dc 4 dc Março de 1986, Comissão/Dinamarca (106/84, Colcct., p. 833); acórdão dc 7 de Abril de 1987, Comissão/França (196/85, Colcct., p. 1597).

( 5 ) Prof. dr. Ulrich Everling: «Aktuelle Fragen der europäischen Steuergerichtsbarkeit», in Die Steuerberatimg, Bona, Setembro de 1988, p. 281, 286.

( 6 ) Ver acórdão Humblot, n.o 13 (Recueil 1985, p. 1378), acórdJo Feldain, n.o 11 (Colect. 1987, p. 3540), e acórdão Bcrgandi, n.o 31 (Colect. 1988, p. 1375).

( 7 ) Ver acórdão Humblot, n.o 15 (Recueil 1985, p. 1379), e acórdão Feldain, n.o 11 (Colect., 1987, p. 3540).

( 8 ) Colect. 1986, p. 3976 (coluna da direita).