ACORDAO DO TRIBUNAL DE 27 DE SETEMBRO DE 1988. - PARLAMENTO EUROPEU CONTRA CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - LEGITIMIDADE DO PARLAMENTO EUROPEU PARA INTERPOR UM RECURSO DE ANULACAO. - PROCESSO 302/87.
Colectânea da Jurisprudência 1988 página 05615
Edição especial sueca página 00739
Edição especial finlandesa página 00589
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
Processo 302/87
Parlamento Europeu
contra
Conselho das Comunidades Europeias
"Legitimidade do Parlamento Europeu para interpor um recurso
de anulação"
Relatório para audiência 0000
Conclusões do advogado-geral Marco Darmon apresentadas em 26 de Maio de 1988 0000
Acórdão do Tribunal de 27 de Setembro de 1988 0000
Sumário do acórdão
1. Recurso de anulação - Direito de recurso reconhecido às pessoas singulares e colectivas pelo artigo 173.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE - Utilização pelo Parlamento - Exclusão
(Tratado CEE, artigo 4.° e 173.°, segundo parágrafo)
2. Acção por omissão - Direito de acção das instituições - Parlamento - Ligação com o recurso de anulação - Inexistência
(Tratado CEE, artigo 173.°, primeiro parágrafo e 175.°, primeiro parágrafo)
3. Acção por omissão - Interpelação da instituição - Recusa expressa de agir deixando subsistir a omissão - Admissibilidade da acção
(Tratado CEE, artigo 175.°)
4. Processo - Intervenção - Direito previsto para o Parlamento - Ligação com o recurso de anulação - Inexistência
(Tratado CEE, artigo 173.°, primeiro parágrafo; Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, artigo 37.°)
5. Recurso de anulação - Actos susceptíveis de recurso - Actos do Parlamento destinados a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros - Efeitos quanto ao direito do Parlamento interpor recurso de anulação contra os actos das outras instituições - Inexistência
(Tratado CECA, artigo 33.° e 38.°; Tratado CEE, artigo 173.°, primeiro parágrafo)
6. Recurso de anulação - Actos susceptíveis de recurso - Actos do Parlamento destinados a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros - Declaração pelo Presidente do Parlamento da aprovação definitiva do orçamento - Efeitos quanto ao direito do Parlamento interpor recurso de anulação contra os actos das outras instituições - Inexistência
(Tratado CEE, artigo 173.°, primeiro parágrafo, e 203.°)
7. Recurso de anulação - Direito de recurso do Parlamento - Inexistência
(Tratado CEE, artigo 173.°, primeiro parágrafo)
1. O Parlamento não tem legitimidade para interpor um recurso de anulação nos termos do artigo 173.°, segundo parágrafo, do Tratado.
Com efeito, o artigo 173.° opõe o direito de recurso das instituições, que regula no seu primeiro parágrafo, ao direito de recurso dos particulares, pessoas singulares e colectivas, cujas condições estabelece no seu segundo parágrafo. O Parlamento, que é uma das instituições da Comunidade enumeradas no artigo 4.° do Tratado, não é uma pessoa colectiva.
Além disso, o sistema do artigo 173.°, segundo parágrafo, seria completamente inadaptado ao recurso de anulação do Parlamento. Os recorrentes referidos no artigo 173.°, segundo parágrafo, devem, com efeito, ser directa e individualmente afectados pelo conteúdo do acto que impugnam. Ora, não é o conteúdo do acto que poderia afectar o Parlamento, mas o desrespeito das regras processuais que exigem a sua intervenção. Por outro lado, o artigo 173.°, segundo parágrafo, não visa senão uma categoria restrita de actos, a saber, os actos de âmbito individual, enquanto que o Parlamento pretende ver reconhecido um direito de recurso contra actos genéricos.
2. Ao Parlamento foi concedido, conforme resulta dos termos do artigo 175.°, primeiro parágrafo, do Tratado, o direito de fazer declarar uma omissão da Comissão ou do Conselho e de fazer, assim, cessar uma paralisia dos mecanismos de decisão que poderia impedi-lo de exercer os seus poderes. Deste direito de fazer declarar uma omissão não decorre que ao Parlamento deva ser reconhecida a possibilidade de interpor o recurso de anulação.
Não há uma ligação necessária entre o recurso de anulação e a acção por omissão. Isto resulta do facto de a acção por omissão permitir ao Parlamento provocar a adopção de actos que nem sempre podem ser objecto de um recurso de anulação. Assim, relativamente a um projecto de orçamento que não foi apresentado pelo Conselho, o Parlamento pode obter um acórdão declarando a omissão do Conselho, enquanto que o projecto, que constitui um acto preparatório, não poderia ser impugnado por força do disposto no artigo 173.°
3. Uma recusa de agir, ainda que seja expressa, na sequência de uma solicitação dirigida ao Conselho ou à Comissão nos termos do artigo 175.° do Tratado, pode ser submetida ao Tribunal com fundamento no referido artigo, uma vez que não põe fim à omissão.
4. O direito, conferido ao Parlamento pelo artigo 37.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, de intervir nos processos pendentes perante o Tribunal não implica que lhe seja reconhecido o direito de interpor recurso de anulação.
Com efeito, não há ligação necessária entre o direito de intervenção e a possibilidade de interpor um recurso. Por um lado, nos termos do segundo parágrafo do artigo citado, o direito de intervenção dos particulares supõe simplesmente um "interesse na solução dum litígio" submetido ao Tribunal, enquanto que a admissibilidade dum recurso de anulação está subordinada à condição de que eles sejam destinatários do acto cuja anulação pedem ou que sejam, pelo menos, directa e individualmente afectados por esse acto. Por outro lado, nos termos do primeiro parágrafo do mesmo artigo, o Parlamento tem o direito de intervir em litígios, tais como os que respeitam ao incumprimento pelos Estados, enquanto que a iniciativa de os submeter ao Tribunal é reservada à Comissão e aos Estados-membros.
5. Se, para respeitar o sistema do Tratado, que entendeu estabelecer um sistema de protecção jurisdicional completo em relação aos actos das instituições comunitárias susceptíveis de ter efeitos jurídicos, os actos do Parlamento que produzem tais efeitos para com terceiros devem poder ser objecto de recurso de anulação, isso não implica de modo algum que deva ser reconhecido ao Parlamento o direito de interpor recurso de anulação contra os actos do Conselho ou da Comissão.
Com efeito, no sistema dos tratados, e como o demonstra a comparação entre os artigos 33.° e 38.° do Tratado CECA, quando os actos do Parlamento foram submetidos a um controlo de legalidade, o Parlamento não foi, apesar disso, autorizado a tomar a iniciativa de um recurso directo contra os actos das outras instituições.
6. O processo orçamental, tal como está regulado pelo artigo 203.° do Tratado CEE, comporta uma série de actos preparatórios emanando dos dois ramos da autoridade orçamental e concorrendo para a elaboração do orçamento, adquirindo este o seu carácter jurídico imperativo apenas no termo do processo, isto é, quando o Presidente do Parlamento, na sua qualidade de órgão desta instituição, declara que o orçamento se encontra definitivamente aprovado.
Daqui resulta que, em matéria de aprovação do orçamento, o único acto susceptível de anulação emana de um órgão do Parlamento e deve, por isso, ser atribuído a esta instituição. Em consequência, o Parlamento não pode invocar o seu poder orçamental para ver reconhecido o direito de interpor recurso de anulação contra os actos praticados pela Comissão ou pelo Conselho.
7. O estado actual da legislação aplicável não permite ao Tribunal reconhecer ao Parlamento legitimidade para interpor um recurso de anulação.
No processo 302/87,
Parlamento Europeu, representado por F. Pasetti Bombardella, jurisconsulto do Parlamento, assistido por C. Pennera e J. Schoo, membros do Serviço Jurídico do Parlamento, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido junto do secretariado-geral do Parlamento Europeu, Plateau du Kirchberg, Luxemburgo,
recorrente,
contra
Conselho das Comunidades Europeias, representado por A. A. Dashwood, director, F. Van Craeyenest, administrador principal, e B. Lalou, membro do Serviço Jurídico do Conselho, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido junto de J. Kaeser, director do Serviço Jurídico do Banco Europeu de Investimentos, 100, boulevard Konrad Adenauer, Luxemburgo,
recorrido,
tendo por objecto a anulação da Decisão 87/373/CEE do Conselho, de 13 de Julho de 1987 que fixa as modalidades do exercício das competências de execução conferidas à Comissão,
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, G. Bosco, O. Due, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, K. Bahlmann, Y. Galmot, C. N. Kakouris, R. Joliet, T. F. O' Higgins, F. A. Schockweiler, juízes,
advogado-geral: M. Darmon
secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 24 de Março de 1988,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Maio de 1988,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição registada na Secretaria do Tribunal em 2 de Outubro de 1987, o Parlamento Europeu interpôs, com base no artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, um recurso com vista à anulação da decisão 87/373/CEE do Conselho, de 13 de Julho de 1987 (JO L 197, p. 33), que fixa as modalidades para o exercício das competências de execução conferidas à Comissão.
2 Através desta decisão, que se funda no artigo 145.° do Tratado CEE, na redacção dada pelo artigo 10.° do Acto Único Europeu, o Conselho definiu as modalidades a que pode subordinar o exercício das competências que delega à Comissão para a execução das regras que estabelece e adoptou as disposições que regem a composição, o funcionamento e o papel dos comités dos representantes dos Estados-membros chamados a intervir.
3 O Conselho levantou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso nos termos do artigo 91.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Processual do Tribunal e pediu a este que decidisse sobre esta questão antes da discussão sobre o mérito da causa.
4 Em apoio da inadmissibilidade, o Conselho sustenta que o artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado não prevê expressamente que o Parlamento Europeu possa interpor um recurso de anulação. Esta capacidade não poderia tão pouco ser-lhe reconhecida com base num raciocínio fundado na necessidade de assegurar a coerência das vias de recurso. Com efeito, a intervenção e a acção por omissão a que o Parlamento Europeu tem acesso, tal como o Tribunal decidiu nos seus acórdãos de 29 de Outubro de 1980 (Roquette frères/Conselho, 138/79, Recueil, p. 3333 e Maizena GmbH/Conselho, 139/79, Recueil, p. 3393) e de 29 de Maio de 1985 (Parlamento/Conselho, "Transportes", 13/83, Recueil, p. 1513), seriam independentes do recurso de anulação.
5 O Conselho sustenta, ainda, que nem o acórdão de 23 de Abril de 1986 (Partido Ecologista "Os Verdes"/Parlamento Europeu, 294/83, Colect., p. 1339) nem o acórdão de 3 de Julho de 1986 (Conselho/Parlamento Europeu "Orçamento", 34/86, Colect., p. 2155), permitem concluir que o Tribunal reconheceu implicitamente ao Parlamento Europeu legitimidade activa para interpor um recurso de anulação. O acórdão "Os Verdes", de 23 de Abril de 1986, já citado, basear-se-ia na necessidade de assegurar uma protecção jurisdicional contra todos os actos susceptíveis de produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros qualquer que seja a instituição autora do acto. Daí não resultaria que devesse existir um paralelismo entre a participação passiva e a participação activa do Parlamento no contencioso da legalidade. Este paralelismo não podia, além disso, deduzir-se do acórdão "Orçamento", de 3 de Julho de 1986, já citado, já que todos os actos adoptados pelo Conselho no âmbito do processo orçamental têm, em qualquer hipótese, um carácter preparatório.
6 Em 20 de Janeiro de 1988, o Tribunal decidiu conhecer da questão prévia suscitada pelo Conselho antes do julgamento do mérito da causa.
7 Para uma mais ampla exposição dos factos e do desenvolvimento do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
8 Há que salientar, liminarmente, que as partes situaram correctamente o debate no âmbito do primeiro parágrafo do artigo 173.° do Tratado.
9 Com efeito, o artigo 173.° opõe no seu primeiro parágrafo o direito de recurso das instituições, que regula, ao direito de recurso dos particulares, pessoas singulares e colectivas, cujas condições constam do segundo parágrafo. O Parlamento Europeu, que é uma das instituições da Comunidade enumeradas no artigo 4.° do Tratado, não é uma pessoa colectiva.
10 Por outro lado, pode-se observar que o dispositivo do artigo 173.°, segundo parágrafo, é totalmente inadaptado ao recurso de anulação interposto pelo Parlamento Europeu. Os recorrentes referidos no artigo 173.°, segundo parágrafo, devem, com efeito, ser directa e individualmente afectados pelo próprio conteúdo do acto que impugnam. Ora, não é o próprio conteúdo do acto que poderia afectar o Parlamento Europeu, mas sim o desrespeito das regras de processo que exigem a sua intervenção. Acresce que o artigo 173.°, segundo parágrafo, só visa uma categoria restrita de actos, a saber, os actos de natureza individual, enquanto que o Parlamento Europeu quer que lhe seja reconhecido um direito de recurso contra actos genéricos.
11 Convém pois examinar se pode ser reconhecido ao Parlamento Europeu, através da interpretação do artigo 173.°, primeiro parágrafo, a faculdade para interpor recurso de anulação contra os actos do Conselho ou da Comissão.
12 Conforme resulta dos artigos 143.° e 144.° do Tratado, o Parlamento Europeu dispõe do poder de controlar politicamente a Comissão que, nos termos do artigo 155.°, "vela pela aplicação das disposições do presente Tratado bem como das medidas tomadas pelas instituições, por força deste" e de a censurar, se necessário, caso ela não desempenhe devidamente esta tarefa. O controlo político do Parlamento Europeu exerce-se ainda através de debates que pode organizar sobre problemas particulares ou gerais e que lhe permitem adoptar moções sobre a política seguida pelo Conselho ou pela Comissão.
13 Além disso, independentemente dos poderes orçamentais que lhe foram reconhecidos pelos Tratados do Luxemburgo de 22 de Abril de 1970 e de Bruxelas de 22 de Julho de 1975, e do poder de co-decisão que detém a partir do Acto Único Europeu em matéria de adesão e de acordos de associação, o Parlamento Europeu está em posição de exercer influência sobre o conteúdo dos actos normativos adoptados pelo Conselho, quer através de pareceres emitidos no âmbito do processo de consulta, quer através das posições que adopta no âmbito do processo de cooperação.
14 Convém salientar que foi reconhecido ao Parlamento Europeu, como resulta dos termos do artigo 175.°, primeiro parágrafo do Tratado, o direito de fazer declarar a omissão da Comissão ou do Conselho e de pôr termo deste modo a uma paralisia dos mecanismos de decisão que poderiam impedi-lo de exercer os seus poderes. O Parlamento Europeu tem igualmente a possibilidade de se fazer ouvir pelo Tribunal, como interveniente, nos litígios que lhe são submetidos tal como resulta do artigo 37.° do estatuto do Tribunal.
15 Deste direito de fazer declarar uma omissão e de intervir nos litígios submetidos ao Tribunal, não decorre, contrariamente ao que sustenta o Parlamento Europeu, que lhe deva ser reconhecida a possibilidade de interpor um recurso de anulação.
16 Não há uma ligação necessária entre o recurso de anulação e a acção por omissão. Tal resulta do facto de a acção por omissão permitir ao Parlamento Europeu provocar a adopção de actos que nem sempre podem ser objecto do recurso de anulação. Como resulta do acórdão de 12 de Julho de 1988, (Parlamento Europeu/Conselho, 373/87, Colect., p. 4107) enquanto um projecto de orçamento não for apresentado pelo Conselho, o Parlamento Europeu pode obter um acórdão declarando a omissão do Conselho, enquanto o projecto, que constitui um acto preparatório, não poderá ser impugnado com base no artigo 173.°
17 Foi ainda avançado o argumento de que, se não pudesse interpor o recurso de anulação, o Parlamento Europeu ficaria na impossibilidade de impugnar, após ter convidado o Conselho ou a Comissão a agir nos termos do artigo 175.°, uma recusa expressa de agir que lhe fosse oposta. Todavia, este argumento funda-se
numa premissa inexacta. Com efeito, uma recusa de agir, mesmo expressa, pode ser submetida ao Tribunal com base no artigo 175.°, uma vez que não põe fim à omissão.
18 Não há igualmente uma ligação necessária entre o direito de intervenção e a possibilidade de interpor um recurso. Por um lado, nos termos do artigo 37.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça das CE, o direito de intervenção dos particulares supõe simplesmente um "interesse na resolução de um litígio" e submetido ao Tribunal, enquanto a admissibilidade de um recurso de anulação por eles interposto está subordinado à condição de que sejam destinatários do acto cuja anulação solicitam, ou que sejam, pelo menos, directa e individualmente afectados por esse acto. Por outro lado, nos termos do artigo 37.°, primeiro parágrafo, o Parlamento Europeu tem o direito de intervir em litígios, como os respeitantes a incumprimento pelos Estados, enquanto que a iniciativa de os submeter ao Tribunal está reservada à Comissão e aos Estados-membros.
19 O Parlamento Europeu afirma ainda que o artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado traduz um princípio de igualdade entre as instituições aí expressamente mencionadas, no sentido de que cada uma delas poderia interpor um recurso contra os actos da outra e, em sentido inverso, ver os seus próprios actos submetidos por outra instituição à censura do Tribunal. Desde que o Tribunal decidiu que os actos do Parlamento Europeu susceptíveis de produzirem efeitos jurídicos podiam ser objecto
de um recurso de anulação ele deveria, na preocupação de manter o equilíbrio institucional, decidir que o Parlamento Europeu tem legitimidade para impugnar os actos do Conselho e da Comissão.
20 A este respeito, importa recordar que, embora o Tribunal tenha decidido no seu acórdão de 23 de Abril de 1986 (Partido Ecologista "Os Verdes"/Parlamento Europeu, já citado), que os actos do Parlamento Europeu, que produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros, poderiam ser objecto de um recurso de anulação é porque uma interpretação que os excluísse do âmbito deste recurso conduziria a um resultado contrário ao sistema do Tratado que pretendeu pôr em funcionamento um sistema de protecção jurisdicional completa em relação aos actos das instituições comunitárias susceptíveis de produzirem efeitos jurídicos.
21 A comparação entre o artigo 38.° do Tratado CECA, ao qual o Tribunal se referiu expressamente no seu acórdão "Os Verdes", e o artigo 33.° do mesmo Tratado, demonstra todavia que no sistema dos Tratados, quando os actos do Parlamento Europeu foram submetidos a um controlo de legalidade, o Parlamento Europeu não foi autorizado, no entanto, a tomar iniciativa da interposição de um recurso directo contra os actos das outras instituições. O argumento deduzido pelo Parlamento Europeu de que deveria haver um paralelismo entre situação de recorrido e a de recorrente no contencioso da legalidade deve pois ser afastado.
22 O Parlamento Europeu sustenta, em seguida, que o Tribunal lhe teria reconhecido implicitamente legitimidade para interpôr um recurso de anulação no acórdão de 3 de Julho de 1986 (Conselho/Parlamento Europeu, "Orçamento" ,já citado).
23 A este respeito, convém observar que o procedimento orçamental descrito nos n.os 4, 5 e 6 do artigo 203.° do Tratado, é caracterizado por deliberações sucessivas dos dois ramos da autoridade orçamental, no decurso das quais cada uma das instituições pode, nas condições de voto fixadas pelo Tratado, reagir às tomadas de posição da outra. Estas deliberações constituem, porém, actos preparatórios que concorrem para a elaboração do orçamento. Este, tal como resulta do acórdão de 3 de Julho de 1986 (Conselho/Parlamento Europeu, "Orçamento", já citado), só adquire natureza jurídica imperativa no termo do processo, quer dizer, quando o presidente do Parlamento na sua qualidade de órgão desta instituição, declara verificado, de harmonia com o n.° 7 do artigo 203.° do Tratado, que o orçamento se encontra definitivamente aprovado.
24 Daqui resulta que, em matéria de aprovação do orçamento, o único acto susceptível de anulação emana de um órgão do Parlamento Europeu e deve, por conseguinte, ser atribuído a esta instituição. Consequentemente, o Parlamento Europeu não pode invocar os poderes orçamentais que lhe foram conferidos pelos Tratados do Luxemburgo e de Bruxelas, já citados, poderes que, aliás, não estão em causa no presente processo, para que lhe seja reconhecida legitimidade para interpor recurso de anulação contra os actos da Comissão e do Conselho.
25 O Parlamento Europeu afirmou ainda que, caso não pudesse interpôr um recurso de anulação, não estaria em posição de defender as suas prerrogativas próprias face às outras instituições.
26 Há que salientar, a este respeito, que desde o início o Parlamento Europeu foi dotado do poder de participar, a título consultivo, no processo de elaboração dos actos normativos, mas que não lhe foi atribuída, no entanto, a possibilidade de interpor um recurso de anulação. As prerrogativas do Parlamento Europeu foram aumentadas pelo Acto Único Europeu, que consagrou um poder de co-decisão do Parlamento em matéria de adesão e de acordos de associação e instituiu um processo de cooperação em certos casos determinados, sem que todavia tenham sido introduzidas alterações ao artigo 173.° do Tratado.
27 Para além dos direitos, acima recordados, que reconhece ao Parlamento Europeu no seu artigo 175.°, o Tratado contempla os meios de submeter à censura do Tribunal os actos do Conselho adoptados com violação das prerrogativas do Parlamento. Se o artigo 173.°, primeiro parágrafo, abre de forma geral o recurso de anulação contra tais actos a todos os Estados-membros, o artigo 155.° do Tratado atribui, especialmente, à Comissão a responsabilidade de velar pelo respeito das prerrogativas do Parlamento e de interpor para esse efeito os recursos de anulação que se afigurem necessários. Além disso, qualquer pessoa singular ou colectiva pode, em caso de violação das prerrogativas do Parlamento Europeu invocar o fundamento da violação de formalidades substanciais ou de violação do Tratado para obter a anulação do acto adoptado ou uma declaração incidental de inaplicabilidade desse acto com base no artigo 184.° do Tratado. De igual modo, a ilegalidade de um acto por violação das prerrogativas do Parlamento Europeu pode ser invocada perante uma jurisdição nacional e o acto em questão pode ser objecto de um reenvio prejudicial para a apreciação da sua validade pelo Tribunal.
28 Decorre do que precede que, no actual estado da legislação aplicável o Tribunal não pode reconhecer ao Parlamento Europeu legitimidade para interpor um recurso de anulação.
29 A questão prévia da inadmissibilidade do recurso deve, por conseguinte, ser julgada procedente e o recurso rejeitado por inadmissível.
Quanto às despesas
30 Nos termos do artigo 69.°, n.° 2 do Regulamento Processual toda a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o houver requerido. Tendo o Parlamento sido vencido há que condená-lo nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL
decide:
1) Julgar o recurso inadmissível.
2) Condenar o Parlamento Europeu nas despesas.