CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

GIUSEPPE TESAURO

apresentadas em 6 de Junho de 1991 ( *1 )

Senbor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

No presente processo, o Sozialgericht Stuttgart solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a compatibilidade com o direito comunitário da regulamentação alemã relativa à concessão de pensões por invalidez profissional ou incapacidade para o trabalho, bem como sobre a validade do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade ( 1 ).

2. 

Resumirei brevemente os factos que estão na origem do litígio no processo principal. E. Paraschi, nacional grega, exerceu de 1965 a 1979 uma actividade sujeita à segurança social na Alemanha, tendo pago no total 102 mensalidades para o seguro de pensão. Em Julho de 1979, regressou ao seu país de origem, onde não pôde retomar uma actividade profissional em virtude do agravamento do seu estado de saúde, nem beneficiar de uma pensão de invalidez, em virtude do período demasiado curto de contribuição para o seguro de pensão grego.

Dois pedidos destinados a obter uma pensão alemã de invalidez, apresentados em 1978 e em 1980, foram indeferidos pela instituição competente em virtude de a capacidade para o trabalho de E. Paraschi não estar suficientemente diminuída, na acepção da regulamentação alemã.

Um terceiro pedido, apresentado em 1985, foi também indeferido, apesar de se ter verificado que a recorrente estava, pelo menos temporariamente, na impossibilidade, por razões de saúde, de retomar a sua actividade profissional. O indeferimento baseava-se, desta vez, numa regulamentação adoptada em 1984 a fim de tornar mais rigorosas as condições de concessão de pensões de invalidez, no sentido de que as pensões por diminuição da capacidade para o trabalho só podem ser concedidas quando: a) o beneficiário tiver exercido uma actividade sujeita ao seguro obrigatório; e b) tiver pago pelo menos 36 mensalidades durante o período de 60 meses (período de referência) anterior à ocorrência da invalidez.

3. 

Por outro lado, é necessário precisar, para efeitos do presente processo, que, para o cálculo do período de referência, a regulamentação em questão prevê que não se tomem em consideração certos períodos especiais, indicados de forma taxativa, que se acrescentam ao período de 60 de meses, prorrogando-o. Entre estes períodos especiais estão incluídos os períodos de interrupção, em particular em virtude de doença ou desemprego, que tenham dado lugar à concessão de prestações ou, em certas condições, que não tenham dado lugar a essa concessão, bem como os períodos de incapacidade para o trabalho, na medida em que os mesmos não devam ser já tomados em consideração como períodos de interrupção.

Além disso, foi previsto um período transitório, com base no qual as condições para a concessão de uma pensão de invalidez em vigor até 31 de Dezembro de 1983 continuavam a ser aplicáveis desde que tivessem sido pagas contribuições voluntárias no período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1984.

4. 

O Sozialgericht Stuttgart, para o qual E. Paraschi tinha recorrido em seguida a fim de obter o reconhecimento do seu direito a uma pensão de invalidez alemã, duvidando da conformidade desse regime com as disposições pertinentes do direito comunitário, decidiu suspender a instância e interrogar o Tribunal de Justiça quanto à compatibilidade das disposições do Regulamento n.° 1408/71, conjugadas com as disposições acima citadas, que alteram a lei sobre a segurança social, com o artigo 48.°, n.° 2, e o artigo 51.° do Tratado CEE.

5. 

Essa questão, formulada em termos gerais, necessita, todavia, de uma formulação mais precisa, tendo em conta, em especial, os factos do processo principal e os argumentos invocados no despacho de reenvio.

Com efeito, resulta destes elementos que o juiz a quo pretende, em substância, saber se o direito comunitário, e em particular os artigos 48.°, n.° 2, e 51.° do Tratado e o Regulamento n.° 1408/71, obstam à aplicação de uma regulamentação como a acima mencionada e se, eventualmente, o Regulamento n.° 1408/71 é válido à luz dos princípios estabelecidos pelas disposições acima referidas do Tratado CEE.

6. 

Para se responder à primeira destas questões, é também necessário fornecer uma outra precisão. Com efeito, dois aspectos da regulamentação alemã revestem importância para efeitos do presente processo: por um lado, a própria previsão de um período de referência durante o qual as contribuições devem ser pagas e, por outro lado, os possíveis efeitos discriminatórios devidos às modalidades de prorrogação desse período.

7. 

No que respeita ao primeiro ponto, deve observar-se que, de acordo com a jurisprudência constante, o artigo 51.° do Tratado e o Regulamento n.° 1408/71 prevêem apenas a totalização dos períodos de seguro cumpridos em diferentes Estados-membros e não regulam as condições de constituição desses períodos de seguro, visto que compete à legislação de cada Estado-membro determinar as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, com a condição, naturalmente, de que não seja feita qualquer discriminação a esse respeito entre nacionais do Estado de acolhimento e nacionais dos outros Estados-membros ( 2 ).

Daqui resulta que, em princípio, o direito comunitário não obsta à faculdade de o legislador nacional tornar eventualmente mais rigorosas as condições relativas à obtenção de uma pensão de invalidez, na medida em que as condições impostas não acarretem discriminação manifesta ou dissimulada entre cidadãos comunitários.

Ora, a condição imposta pelo legislador alemão para a obtenção de pensões por incapacidade para o trabalho, ou seja, que o trabalhador tenha estado anteriormente sujeito a um seguro obrigatório durante um período de referência que preceda a ocorrência da invalidez, constitui em si uma condição objectiva que se aplica indistintamente aos trabalhadores nacionais e aos dos outros Estados-membros e não é, por isso, criticável do ponto de vista do direito comunitário.

8. 

Quanto à referência feita pelo órgão jurisdicional de reenvio a eventuais violações do direito de propriedade e de direitos já existentes, em virtude da aplicação dessa legislação a situações pendentes e a direitos já adquiridos, deve sublinhar-se que esse prejuízo é de qualquer forma apenas a consequência da aplicação da legislação nacional e deve, por isso, ser apreciado exclusivamente no plano dos princípios constitucionais internos.

9. 

Pelo contrário, a apreciação do aspecto da legislação alemã relativo à possibilidade de prorrogar o período de referência é mais delicada e mais complexa.

A esse respeito, deve dizer-se antes de mais que, num primeiro tempo, a prática das autoridades alemãs consistia em só ter em conta, para a prorrogação, os períodos durante os quais tinham sido pagas prestações nos termos da legislação nacional.

Para obviar a essa prática, o legislador comunitário alterou, por isso, o Regulamento n.° 1408/71, aditando-lhe, com efeito retroactivo, um artigo 9.°-A ( 3 ) nos termos do qual:

«Se a legislação de um Estado-membro fizer depender o reconhecimento do direito a uma prestação do cumprimento de um período mínimo de seguro durante um período determinado anterior à ocorrência do facto segurado (período de referência) e determinar que os períodos durante os quais foram efectuadas prestações ao abrigo da legislação desse Estado-membro ou os períodos dedicados à educação dos filhos no território desse Estado-membro prorrogam esse período de referência, os períodos durante os quais tenham sido pagas pensões de invalidez ou de velhice ou prestações de doença, de desemprego ou de acidentes de trabalho (à excepção das rendas) ao abrigo da legislação de outro Estado-membro e os períodos dedicados à educação dos filhos no território de outro Estado-membro prorrogam igualmente o referido período de referência.»

10. 

Esta disposição não resolveu, porém, todos os problemas nem as potenciais discriminações originadas pela regulamentação e pela prática alemãs acima descritas.

Com efeito, na prática, podem ocorrer certas situações — e é esse o caso de E. Paraschi — nas quais, por motivos inerentes à diferente estrutura dos regimes de segurança social existentes nos diversos Estados-membros, determinados factos ou circunstâncias que no Estado da instituição competente dão direito ao pagamento de prestações, prorrogando por consequência o período de referência, não dão direito a prestações semelhantes no país de proveniência do trabalhador migrante, com a consequência de este último poder ver frustrada a sua expectativa de pensão por redução da sua capacidade para o trabalho apenas pelo facto de ter estado afastado do país em que havia adquirido os seus direitos, e isso apesar do pagamento regular das contribuições prescritas pela lei.

11. 

Ora, embora seja verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 51.° do Tratado visa a coordenação, e não a harmonização, das legislações e deixa, por isso, subsistir diferenças entre os regimes de segurança social dos Estados-membros e, por consequência, nos direitos das pessoas que neles trabalham ( 4 ), e que, por outro lado, ao proibirem a cada Estado-membro a aplicação do seu direito de forma diferente em razão da nacionalidade, os artigos 7.° e 48.° do Tratado não visam as eventuais disparidades de tratamento que possam resultar das divergências existentes entre as diferentes legislações, é. também verdade que o direito comunitário impõe que cada uma dessas legislações se aplique a todas as pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação segundo critérios objectivos e sem ter em conta a respectiva nacionalidade ( 5 ).

Nesta óptica, o Tribunal esclareceu que haveria discriminação se as condições de aquisição ou de manutenção do direito às prestações de segurança social fossem definidas de tal forma que, na realidade, apenas pudessem ser preenchidas pelos nacionais do Estado-membro interessado ou se as condições de perda ou suspensão desse direito fossem definidas de tal forma que, na realidade, seriam mais facilmente preenchidas pelos nacionais de outros Estados-membros do que pelos do Estado a que pertence a instituição competente ( 6 ).

Por outro lado, de acordo com a jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento proíbe não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, em aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, na realidade, ao mesmo resultado ( 7 ).

12. 

A luz do quadro jurisprudencial acima referido, não pode deixar de suscitar grande perplexidade uma prática que não tenha em conta, para prorrogação do período de referência, factos e circunstâncias ocorridos noutro Estado-membro e que correspondem a factos e circunstâncias que, no âmbito da ordem jurídica do Estado a que pertence a instituição competente, dão direito à prorrogação desse período, no caso de, em virtude da diferente estrutura dos regimes de segurança social, essa situação não ter dado direito, no país de residência, ao pagamento dę prestações.

Nesta hipótese, o trabalhador migrante ficaria, na realidade, na situação de ter de suportar não as consequências negativas inevitáveis que podem decorrer das divergências existentes entre as legislações dos diversos Estados-membros, mas os efeitos específicos de uma legislação nacional que, ao prever a possibilidade de prorrogação do período de referência, impõe uma condição que pode mais dificilmente ser satisfeita por um nacional de um Estado-membro diferente daquele a que pertence a instituição competente.

13. 

Com efeito, embora essa legislação se aplique, em princípio, sem qualquer distinção, ela é susceptível de prejudicar de forma muito mais importante os trabalhadores migrantes, que por várias e evidentes razões têm tendência para regressar ao seu país de origem em caso de doença ou desemprego, ficando, por consequência, sujeitos a um regime diferente de segurança social.

Essa regulamentação, ao aumentar os efeitos negativos que decorrem da diversidade dos sistemas de segurança social, tem, por isso, como efeito impor de facto, em numerosos casos, um ónus de residência aos trabalhadores migrantes e constitui um sério obstáculo à realização do princípio da livre circulação de trabalhadores.

14. 

Note-se, de passagem, que a previsão pelo legislador alemão de um regime transitório que concede, em determinadas condições, a possibilidade de obter a prorrogação do regime precedente não altera a essência do problema, mesmo sem ţer em conta as dificuldades de os trabalhadores migrantes regressados aos respectivos países serem convenientemente informados sobre esse regime.

15. 

Se, por consequência, como se disse, os artigos 48.° e 51.° do Tratado obstam à aplicação de uma regulamentação como a descrita acima, na medida em que a mesma não prevê uma possibilidade de prorrogação do período de referência para factos e circunstâncias ocorridos noutro Estado-membro, correspondentes a factos e circunstâncias que, na ordem jurídica em questão, permitem essa prorrogação, resta averiguar se o facto de não se ter previsto no Regulamento n.° 1408/71 uma disposição que impeça essa discriminação pode constituir um motivo de invalidade do próprio regulamento, e mais particularmente do seu artigo 9.°-A.

A esse respeito, deve esclarecer-se que, como resulta da argumentação acima desenvolvida e das próprias observações apresentadas pela Comissão, o artigo 9.°-A não constitui uma verdadeira regra de coordenação dos diferentes regimes de segurança social, mas antes uma disposição declarativa da obrigação de não discriminação prevista pelo Tratado.

Contudo, não pode deixar de se observar que, ao explicitar essa obrigação, o legislador comunitário reduziu de forma injustificada o seu alcance e que a aplicação da norma pelas administrações e pelos órgãos jurisdicionais nacionais deixa subsistir uma discriminação incompatível com o direito comunitário.

Deste ponto de vista, o artigo 9.°-A deve, por isso, ser declarado inválido na medida em que não prevê que se tenham em conta, para a prorrogação do período de referência, factos ou circunstâncias ocorridos noutro Estado-membro.

16. 

Quanto aos efeitos de uma eventual declaração de invalidade no sentido acima indicado, é preciso também ter em conta duas considerações: em primeiro lugar, nas circunstâncias particulares do caso dos autos, a discriminação deve-se mais ao silêncio da lei do que à sua letra e, em segundo lugar, o direito de os particulares obterem uma prorrogação do período de referência, por factos e circunstâncias ocorridos noutros Estados-membros, decorre directamente do Tratado e existe mesmo na ausência de uma previsão normativa específica.

Daqui resulta que, enquanto se aguarda uma nova regulamentação, as autoridades nacionais competentes são obrigadas a alargar no sentido acima indicado o alcance da obrigação imposta pelo artigo 9.°-A ( 8 ).

17. 

A luz das considerações acima desenvolvidas, sugerimos portanto que o Tribunal responda da forma seguinte às questões colocadas pelo Sozialgericht Stuttgart:

«1)

O direito comunitário não obsta à faculdade de o legislador nacional subordinar o reconhecimento de direito a uma prestação, ao cumprimento de um período mínimo de seguro segundo um período de referência que precede a ocorrência do risco seguro.

2)

Se a legislação de um Estado-membro subordinar o reconhecimento do direito a uma prestação ao cumprimento de um período mínimo de seguro no decurso de um período de referência que preceda a ocorrência do risco de seguro e dispuser que a superveniencia de determinados factos ou circunstâncias prorroga esse período de referência, o artigo 48.°, n.° 2, e o artigo 51.° do Tratado CEE opõem-se a uma aplicação dessa regulamentação que não têm em conta, para o cálculo do período de referência, factos e circunstâncias correspondentes ocorridos noutro Estado-membro.

3)

O artigo 9.°-A do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 é inválido na medida em que não prevê que, para prorrogação do período de referência que precede a ocorrência do risco seguro, se tem em conta factos e circunstâncias ocorridos noutro Estado-membro.

4)

Enquanto se espera uma nova regulamentação, as autoridades nacionais competentes são obrigadas a estender no sentido acima indicado o alcance da obrigação imposta pelo artigo 9.°-A do Regulamento (CEE) n.° 1408/71.»


( *1 ) Língua original: italiano.

( 1 ) JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53 [a referencia que aqui se faz é ao Regulamento n.° 2001/83, que altera e actualiza o Regulamento n.° 1408/71 (N7)j.

( 2 ) Acordaos de 28 de Fevereiro de 1989, Schmitt (29/88, Colect., p. 581); de 24 de Abril de 1980, Coonan, n.° 12 (110/79, Recueil, p. 1445); de 12 de Julho de 1979, Brunori, n.° 5 (266/78, Recueil, p. 2705).

( 3 ) Regulamento (CEE) n.° 2332/89 do Conselho, de 18 de Julho de 1989 (JO L 224, p. 1).

( 4 ) Acórdãos de 7 de Fevereiro de 1991, Rönfeld, n.° 12 (227/89, Colect., p. I-323); de 27 de Setembro de 1988, Lenoir, n.° 13 (313/86, Colect., p. 5391); de 15 de Janeiro de 1986, Pjnna, n.° 20 (41/84, Colect., p. 1).

( 5 ) Acórdão de 28 de Junho de 1978, Kenny, n.° 18 (1/78, Recueil, p. 1489). ,

( 6 ) Acórdão de 28 de Junho de 1978, Kenny, já referido, n.° 17.

( 7 ) Acórdãos de 15 de Janeiro de 1986, Pinna, já referido, n.° 23; de 12 de julho de 1979, Toia, n.° 12 (237/78, Recueil, p. 2645); de 15 de Janeiro de 1974, Sotgiu, n.° 11 (152/73, Recueil, p. 153).

( 8 ) Em sentido análogo, ver o acórdão de 29 de Junho de 1988, Van Landschoot, n.os 22 a 24 (300/86, Colect., p. 3443).