61987C0101

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 4 de Maio de 1988. - P. BORK INTERNATIONAL A/S E OUTROS CONTRA FORENINGEN AF ARBEJDSLEDERE I DANMARK E JUNCKERS INDUSTRIER A/S. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO HOEJESTERET DINAMARQUES. - MANUTENCAO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES EM CASO DE TRANSFERENCIA DE EMPRESAS. - PROCESSO 101/87.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 03057


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. O Tribunal é mais uma vez chamado a pronunciar-se acerca de uma questão relativa à interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, "relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos" (1) (que a seguir designarei por "directiva"). A única novidade, como vamos ver, está na matéria de facto dos processos principais, e não se estende aos problemas que vos são submetidos e que considero que os vossos mais recentes acórdãos prejudiciais já solucionaram.

2. A P. Bork International A/S (a seguir "PBI"), que tomara de arrendamento uma empresa de folheados de faia pertencente à Orehoved Trae og Finerindustri A/S (a seguir "OTF"), denunciou o arrendamento no Outono de 1981, com efeitos a 22 de Dezembro do mesmo ano. Em 9 de Dezembro, a PBI declarou-se em situação de cessação de pagamentos e anunciou ao seu pessoal que abandonaria as instalações da empresa em 22 de Dezembro de 1981, que a OTF não se tinha comprometido a retomar a actividade da empresa após essa data e que todos os trabalhadores receberiam proximamente a comunicação do despedimento. Os despedimentos foram notificados aos interessados em meados de Dezembro, com o devido pré-aviso.

3. Cessada efectivamente a actividade da empresa em 22 de Dezembro de 1981, a OTF e a Junckers Industrier A/S (a seguir "JI") iniciaram negociações em finais de Dezembro de 1981, vindo a celebrar, em 30 de Dezembro do mesmo ano, um contrato escrito relativo à compra pela JI da empresa de folheados de faia bem como da central de fervura dela dependente. Este contrato transferia para a JI o terreno, os edifícios, as máquinas e as peças sobressalentes, com efeitos a 4 de Janeiro de 1982. Nessa data, a JI repôs a empresa em funcionamento com pessoal exclusivamente composto por uma parte dos trabalhadores da PBI, entretanto readmitidos. Posteriormente, em 8 de Fevereiro de 1982, era celebrado um acordo entre a PBI e a JI para a compra, por esta última, das existências de mercadorias, peças sobressalentes, ferramentas, material acessório e mobiliário deixados nas instalações. Em 9 de Julho de 1981, a PBI foi colocada em liquidação judicial.

4. É no âmbito de litígios relativos à determinação do devedor de salários e de subsídios de férias devidos aos assalariados da PBI em virtude do seu despedimento por esta última que o Hoejesteret coloca uma questão prejudicial. Com efeito, este órgão jurisdicional considerou que a determinação do devedor dependia da questão de saber se a cessação, pela PBI e, em seguida, a aquisição pela JI da empresa de folheados de faia constituía ou não uma transferência de empresa na acepção da directiva e da lei dinamarquesa de execução de 21 de Março de 1979. Dado que tal transferência implica a manutenção, na esfera do cessionário, dos direitos e deveres resultantes, para o cedente, de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existente à data da transferência, a questão de saber se o devedor é a massa falida da (PBI) ou o adquirente da empresa ( JI) apresenta-se conexa com a existência ou não de transferência da empresa em causa, na acepção da directiva.

5. A leitura dos fundamentos da decisão de reenvio evidencia que a discussão jurídica que determinou a apresentação da questão ao Tribunal incidiu sobretudo no facto de a operação que, após a cessação de actividades da PBI, terminou na aquisição pela JI, ter decorrido em duas fases: a PBI rescindiu o contrato de arrendamento com efeitos a 22 de Dezembro de 1981, tendo sido o proprietário, a OTF, que cedeu, em 30 de Dezembro de 1981, o terreno, os edifícios, as máquinas e as peças sobressalentes à JI. Esta última defendeu, perante o juiz nacional e, em seguida, perante este Tribunal, que não se pode considerar que tenha existido uma transferência na acepção da directiva quando a entidade patronal originária não participou nas operações que levaram à recuperação de uma empresa por outro empresário. A aplicação da directiva pressupõe que a anterior entidade patronal tenha sido parte no acordo relativo à transferência da empresa.

6. Esta discussão, na qual o Fundo de Garantia dos Assalariados e a Comissão sustentaram um ponto de vista oposto ao expresso pela JI, já não tem hoje razão de ser. Com efeito, no acórdão Tellerup, de 10 de Fevereiro de 1988, o Tribunal indicou claramente que

"o facto de... a transferência se efectuar em duas fases, ou seja, de a empresa ser, numa primeira fase, novamente transferida do locatário inicial para o proprietário, que a transfere em seguida para o novo locatário, não obsta à aplicabilidade da directiva desde que a entidade económica em causa mantenha a sua identidade..." (2).

Assim, o facto de aquele que tomou de arrendamento a empresa não ter, após a rescisão, participado no acordo entre o proprietário e o adquirente e que possibilitou o reinício das actividades da empresa não impede, por si só, que se possa falar de uma transferência na acepção da directiva.

7. A análise de uma situação jurídica como a que é exposta pelo juiz a quo não se limita, no entanto, à consideração das eventuais consequências da inexistência de relação jurídica entre o locatário de uma empresa e aquele que, após a rescisão do arrendamento, a compra ao seu proprietário. Uma resposta útil exige uma análise da questão de saber se a directiva se pode aplicar no caso de, entre a cessação das actividades por parte de uma firma e o seu reinício por outra, ter decorrido um certo lapso de tempo durante o qual a empresa não funcionou. Nas suas observações, a JI alegou que não pode existir transferência na acepção da directiva quando a actividade da empresa tenha cessado, entendendo-se essa cessação, no caso em apreço, como definitiva. Foi sobre este aspecto da questão que a Comissão apresentou o essencial da sua argumentação, no sentido da aplicabilidade da directiva.

8. Recorde-se, antes de mais, em que termos a jurisprudência do Tribunal define as condições de existência de uma transferência de empresa na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da directiva. Segundo o recente acórdão Ny Moelle Kro, de 17 de Dezembro de 1987, esta disposição

"refere-se à hipótese na qual a empresa conserva a sua identidade, no sentido de que é transferida uma unidade económica ainda existente, o que resulta nomeadamente do facto de a sua exploração ser efectivamente continuada ou reiniciada pelo novo empresário, com as mesmas actividades económicas ouactividades análogas" (3).

9. No acórdão Spijkers, de 18 de Março de 1986, o Tribunal indica o método que deve ser seguido para determinar se os requisitos para a transferência, assim definidos, se encontram preenchidos. Convém

"tomar em consideração o conjunto de circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, o emprego ou não por parte do novo empresário do essencial dos efectivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e da duração de uma eventual suspensão destas actividades".

Esclarece-se ainda que

"todos estes elementos não passam de aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente" (4).

10. Mas um aspecto da vossa jurisprudência, essencial, em meu entender, para a resposta que o Tribunal vai dar, é constituído pelo número, aliás idêntico nos acórdãos Spijkers e Ny Moelle Kro que, após a definição dos requisitos da transferência e da lista, não exaustiva, dos elementos de apreciação sobre se estão ou não reunidos, acrescenta:

"As apreciações de facto necessárias com vista à verificação da existência ou não da transferência, na acepção indicada, relevam da competência do órgão jurisdicional nacional, tendo em conta os elementos de interpretação acima especificados" (5).

11. O respeito pela distinção assim operada entre, por um lado, o papel que compete a este Tribunal no âmbito de um reenvio prejudicial relativo à directiva e que consiste em fornecer uma definição geral das condições de transferência da empresa, acompanhada de uma lista não exaustiva dos elementos de apreciação sobre se tais requisitos estão ou não preenchidos, e, por outro lado, o que compete ao juiz nacional, que consiste em aplicar essas normas de interpretação através das apreciações de facto necessárias para determinar a existência ou não de uma transferência, deve hoje inspirar a vossa resposta. E o Tribunal não pode, a menos que neste ponto ponha em causa a sua jurisprudência, proceder a apreciações de facto acerca da existência ou não de um dos elementos enumerados nos acórdãos Spijkers e Ny Moelle Kro.

12. A questão da cessação da actividade da empresa ilustra bem, em meu entender, esta necessidade de respeitar a repartição de competências entre este Tribunal e o juiz nacional. No acórdão Ny Moelle Kro o Tribunal evocou, entre as circunstâncias a apreciar pelo juiz nacional, o facto

"de a empresa... estar, no momento da transferência, temporariamente encerrada e não ter portanto empregados ao seu serviço"

esclarecendo que

"o encerramento temporário da empresa e a consecutiva ausência do pessoal no momento da transferência não é por si só de molde a excluir a existência de um transferência de empresa" (6).

Esta última conclusão é perfeitamente clara, no sentido de que considera que uma cessação temporária da actividade não impede, por si só, que exista uma transferência de empresa na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da directiva, e que os seus efeitos sobre a existência dessa transferência dependerão do conjunto das circunstâncias de facto que a acompanham e que cabe ao juiz nacional apreciar.

13. Permita-se-nos acrescentar que, em nosso entender, não cabe ao Tribunal examinar, consoante os diversos pedidos prejudiciais, as diferentes variantes possíveis de cessação temporária de actividades para distinguir as que excluem a aplicação da directiva das que a implicam. Essa apreciação cabe ao juiz nacional a quem tenha sido submetido o processo principal. Só no caso de se estar em presença de elementos suficientemente certos que permitam verificar que já não existe uma entidade económica é que o Tribunal pode tirar conclusões acerca de uma determinada cessação de actividade.

14. Ora, um exame da vossa jurisprudência leva-nos a concluir que os casos em que, a partir de uma dada situação, o Tribunal decide pela inaplicabilidade da directiva correspondem a hipóteses juridicamente bem delimitadas. Deste modo, os acórdãos de 7 de Fevereiro de 1985 Abels (7) e Botzen (8) declaram que

"o artigo 1.°, n.° 1, da directiva... não se aplica à transferência de uma empresa... no caso de o cedente ter sido declarado falido" (tradução provisória).

Mas, além de hipóteses deste tipo, encontram-se formulações extremamente matizadas, tendo as mais peculiares sido explanadas, como acabámos de ver, nos acórdãos Spijkers, Tellerup e Ny Moelle Kro. E o advogado-geral Mancini, nas conclusões que apresentou em 9 de Fevereiro de 1988 nos processos Berg e Busschers/Besselsen (9) resumiu correctamente o estado da vossa jurisprudência, assinalando:

"Em definitivo, os únicos casos a que o artigo 1.° (da directiva) é sempre e seguramente inaplicável são os da empresa falida e da sociedade em liquidação" (tradução provisória).

15. A situação que deu lugar à presente questão prejudicial enquadrar-se-á nalguma destas situações, permitindo ao Tribunal concluir peremptoriamente pela inaplicabilidade da directiva ? A empresa PBI foi, de facto, colocada em liquidação judicial, mas mais de sete meses após a transferência em causa. Esta circunstância não é, por conseguinte, relevante. Por outro lado, a vontade unilateral revelada pela PBI em Dezembro de 1981 de cessar a sua actividade não é equiparável a uma liquidação de empresa no sentido processual do termo, ou seja, a uma liquidação judicial.

16. Poder-se-á, no entanto, para além das estritas hipóteses de falência ou de liquidação, encontrar, na situação que levou o Hoejesteret a recorrer ao Tribunal, elementos que, em vosso entender, sejam igualmente incompatíveis com a existência de uma transferênciana acepção do artigo 1.°, n.° 1, da directiva? A JI alegou perante o Tribunal que, nas decisões da PBI de Dezembro de 1981, esta última tinha considerado definitiva a cessação da actividade da empresa de folheados de faia, não encarando, então, qualquer reinício de actividades, e que o despedimento do pessoal constituíra um despedimento imediato que pusera termo à relação de trabalho.

17. Estes elementos não se me afiguram, de modo algum, susceptíveis de permitir, nesta fase, uma resposta inequívoca e negativa quanto à aplicabilidade da directiva. Com efeito, não podem ser considerados isoladamente de outras circunstâncias, como o facto de não ter decorrido o prazo de pré-aviso, a curta duração da cessação da actividade da empresa, a sua coincidência com o período das festas de fim de ano que implicava, por definição, como expressamente assinalou o juiz a quo, uma redução muito sensível da actividade, a semelhança entre a actividade da PBI e a que veio a ser desenvolvida pela JI, utilizando exclusivamente pessoal antes empregado pela PBI.

18. Acresce que a curta duração da cessação da actividade e o rápido relançamento após as festas de fim de ano, de uma empresa de folheados de faia análoga à que se considerou ter desaparecido nas vésperas das referidas festas, poderiam eventualmente levar à conclusão de que fora perfeitamente respeitado o disposto no artigo 4.°, n.° 1, da directiva, que proíbe que a própria transferência seja fundamento para o despedimento. Uma vez que, no termo do contrato de arrendamento com a PBI, a OTF projectava ceder, o mais rapidamente possível, todos os móveis e imóveis, dando assim a um terceiro a possibilidade de reiniciar as actividades da empresa, poder-se-á admitir que a recusa do proprietário de continuar, por sua conta, a actividade desta após a cessação do arrendamento basta para que se considere o despedimento pela PBI dos seus empregados como despedimento imediato que faz cessar definitivamente a relação de trabalho? A partir do momento em que a continuação estivesse prevista, pela cessão da empresa, no momento do termo do contrato de arrendamento, mesmo que uma determinada cessão ainda não tivesse sido celebrada, pode-se considerar que o artigo 4.°, n.° 1, da directiva não permite encarar os despedimentos como despedimentos imediatos que fazem cessar a relação de trabalho.

19. Não pode, portanto, em nosso entender, ser evitado um certo número de questões e de discussões. Isso significa que a situação que conduziu à apresentação da questão ao Tribunal não revela qualquer elemento susceptível de vos permitir dar uma resposta peremptória no sentido da inaplicabilidade da directiva e de dispensar, desse modo, o juiz nacional de apreciar o conjunto das circunstâncias de facto a que o convidam os vossos recentes acórdãos Spijkers e Ny Moelle Kro.

20. Concluímos, portanto, propondo que o Tribunal declare que:

"O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 77/187/CEE deve ser interpretado no sentido de que é susceptível de se aplicar numa situação em que uma empresa dada de arrendamento seja, após a cessação deste, cedida pelo proprietário a um adquirente, na condição de que uma entidade económica ainda existente tenha sido transferida. Para apreciar se isso acontece, há que ter em consideração o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais podem figurar, eventualmente, um encerramento da empresa entre a cessação do arrendamento e a cessão a um adquirente e a consequente falta do pessoal, despedido antes desse encerramento, elementos que, no entanto - sobretudo na hipótese de um encerramento de curta duração que não impeça o reinício imediato de uma actividade análoga -, não são por si sós susceptíveis de afastar a aplicabilidade da directiva, cujo artigo 4.°, n.° 1, tem por efeito restringir a possibilidade de despedimentos se o reinício da actividade da empresa estivesse em princípio previsto."

(*) Tradução do francês.

(1) - JO L 61, p. 26, de 5.3.1977; EE 05 F2 p. 122.

(2) - 324/86, Colect., p. 739, n.° 10.

(3) - 287/86, Colect., p. 5465, 5484, n.° 18.

(4) - 24/85, Colect., p. 1119, n.° 13.

(5) - 24/85, já citado, n.° 14, e 287/86, já citado, n.° 21.

(6) - 287/86, já citado, n.° 19.

(7) - 135/83, Recueil, p. 469.

(8) - 186/83, Recueil, p. 519.

(9) - 144 e 145/87, Colect. 1988, p. 2559.