Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 8 de Março de 1988. - ANDRE HECQ CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIO - COLOCACAO NUM LUGAR INFERIOR AO GRAU. - PROCESSO 19/87.
Colectânea da Jurisprudência 1988 página 01681
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. Mediante recurso de anulação, André Hecq, funcionário da Comissão em Bruxelas, impugna a sua mudança de colocação no serviço "Gestão dos Imóveis e Equipamentos". Considera que as suas novas funções são inferiores ao seu grau e que a mudança constitui uma sanção disciplinar disfarçada. De acordo com os documentos emitidos pela Comissão, Hecq teria sido colocado noutro serviço para pôr termo a algumas quezílias no sector onde trabalhava.
2. São os seguintes os actos impugnados pelo recorrente:
a) a nota do director da Administração-Geral, de 3 de Janeiro de 1986, para o chefe do serviço "Gestão dos Imóveis e Equipamentos", contendo a decisão de princípio de "retirar o recorrente do sector 'Imóveis' e confiar-lhe a responsabilidade em matéria de termia sanitária, dos novos imóveis ocupados ou a ocupar pela Comissão a partir de Dezembro de 1984";
b) a decisão do chefe de serviço competente, de 23 de Janeiro de 1986, que aplica a decisão de princípio de 3 de Janeiro de 1986 e refere as novas funções do recorrente, bem como três notas ulteriores que explicitam mais exactamente a extensão daquelas funções e confirmam as decisões anteriores;
c) a decisão da Comissão de 30 de Outubro de 1986, de indeferimento tácito da reclamação do recorrente contra a globalidade das notas acima referidas.
3. Para mais detalhada exposição dos factos, tomamos a liberdade de nos reportar ao relatório para audiência. Propomo-nos examinar sucessivamente as três séries de fundamentos em que o recorrente apoia o seu recurso.
I - Quanto ao fundamento consistente na violação dos artigos 5.°, n.° 4, e 7.°, n.° 1, do estatuto dos funcionários e do princípio da igualdade de tratamento.
4. O artigo 5.°, n.° 4, do estatuto prevê que "a correspondência entre os lugares-tipo e as carreiras fica estabelecida na tabela constante do anexo I. Com base na referida tabela, cada instituição fixará... a descrição do conteúdo funcional e das atribuições de cada lugar-tipo".
5. Nos termos do n.° 1 do artigo 7.°, "a autoridade investida do poder de nomeação coloca cada funcionário, mediante nomeação ou transferência, no interesse exclusivo do serviço, e sem ter em conta a nacionalidade, num lugar da sua categoria ou do seu quadro e que corresponda ao seu grau".
6. O recorrente considera que as suas novas funções não correspondem ao seu grau. O facto de ter de trabalhar só, sem a responsabilidade de uma secção ou de uma unidade admnistrativa não estaria de acordo com a descrição das funções e atribuições do emprego-tipo de assistente técnico correspondente ao grau BT 3 que lhe compete. Seria assim discriminado relativamente aos seus colegas que trabalham em equipa.
7. a) Relativamente à acusação de violação da norma de equivalência entre o grau e as funções gostariamos de dizer o que se segue.
8. É jurisprudência constante que a hierarquia é a única responsável pela organização dos serviços, que pode alterar em função das respectivas necessidades, sem prejuízo, no entanto, dos direitos dos funcionários e agentes resultantes do respectivo estatuto (1). Resulta nomeadamente dos artigos 5.° e 7.° do estatuto que um funcionário tem direito a que as funções que lhe são confiadas estejam, no seu conjunto, em conformidade com o cargo correspondente ao grau que lhe compete na hierarquia (2). O facto de retirar a um funcionário parte dos serviços que antes assegurava é susceptível, em certas circunstâncias, de violar este direito (3). Se a diferença entre as atribuições dos diversos cargos de um mesmo grau pode justificar, da parte de um funcionário, uma preferência pessoal por um ou outro cargo, não viola, no entanto, a regra da equivalência entre o grau e o cargo que os funcionários têm o direito de exigir (4). Para que uma medida como a impugnada pelo requerente viole os seus direitos estatutários não basta que determine uma mudança e mesmo uma qualquer diminuição das suas funções, sendo necessário que, no seu conjunto, as novas funções estejam nitidamente abaixo das que correspondam ao seu grau e cargo, tendo em conta as suas natureza, importância e amplitude (5).
9. Importa, assim, verificar se as novas funções e atribuições confiadas ao recorrente são, no seu conjunto, nitidamente inferiores às de um assistente técnico classificado no grau BT 3/2 previstas na decisão da Comissão de 28 de Maio de 1973 (6), que descreve as funções e atribuições relativas aos lugares tipo previstos no artigo 5.°, n.° 4, do estatuto. Efectivamente, se o Tribunal reconheceu à autoridade investida do poder de nomeação (doravante "AIPN") competente para emitir o aviso de vacatura (ou de concurso) o poder de acrescentar às descrições estabelecidas pela instituição as especificações necessárias, tendo em conta as necessidades do serviço (7), decidiu igualmente que a regra da correspondência entre o grau e o cargo, expressa em especial pelo artigo 7.° do estatuto, implica, em caso de alteração das funções de um funcionário, não uma comparação entre as funções actuais e as anteriores mas entre as actuais e o seu grau na hierarquia (8).
10. Na decisão referida, a Comissão descreve as funções de assistente da seguinte maneira:
"B 2 e B 3: assistente - funcionário de execução:
- responsável por uma secção de uma unidade administrativa;
- encarregado da realização de actividades administrativas abrangendo, conforme os casos, a interpretação de regulamentos e de instruções gerais;
- encarregado de efectuar, no quadro de directivas gerais, trabalhos difíceis e complexos."
11. No aviso de vacatura COM/P/181/84 referente ao lugar do grau BT 3/2 a que Hecq se candidatou e para que foi nomeado em 1 de Fevereiro de 1984, a AIPN. descreveu da seguinte forma as funções a desempenhar:
"Funcionário de execução encarregado de efectuar - no quadro de directivas gerais - trabalhos técnicos difíceis e complexos no domínio do aquecimento, do condicionamento de ar e da regulação e nomeadamente:
- a supervisão dos trabalhos efectuados pelas empresas encarregadas do funcionamento e manutenção das instalações térmicas e sanitárias (9);
- o estudo, a preparação de pedidos de propostas e o controlo da execução dos trabalhos de remodelação relativos às referidas instalações;
- a coordenação dos trabalhos da equipa de técnicos da secção 'Termia e Sanitários' 9".
12. A descrição das tarefas atribuídas ao recorrente, após a sua recolocação, a partir de 1 de Fevereiro de 1986, é a seguinte:
"No domínio da climatização - aquecimento e sanitário:
- controlo da execução dos contratos com empresas externas para a manutenção e remodelação dos edifícios e respectivas instalações técnicas;
- controlo dos pedidos de intervenção, sua execução e recepção;
- participação nos estudos concluídos no âmbito do serviço, na elaboração dos processos de consulta das empresas, na análise das ofertas recebidas e na elaboração dos contratos dos fornecimentos;
- outros serviços administrativos e, nomeadamente, redacção de correspondência e relatórios de actividade sob a forma de síntese."
13. Resulta antes de mais da comparação destas diversas descrições que já no quadro do lugar B 3, para que tinha sido nomeado com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1984, lugar que aceitara sem a mínima reserva, o recorrente tinha sido encarregado dos sectores térmico e sanitário. É por isso difícil compreender porque razão, dois anos mais tarde, critica a circunstância de ter efectivamente de ocupar-se em simultâneo destes dois domínios.
14. Em segundo lugar, é incontestável que a descrição de funções do lugar tipo de assistente da carreira B 3/2 prevê a responsabilidade por uma "Secção de uma unidade administrativa". Resta saber se esta expressão significa necessariamente que o titular de tal cargo deve ter pessoas sob suas ordens ou estar encarregado da "coordenação dos trabalhos de uma equipa térmica", como se referiu no aviso de vacatura relativo ao lugar para que fora nomeado em 1984.
15. A nosso ver, o problema deve ser examinado à luz da natureza das funções concretas que tal funcionário tem a seu cargo. No caso em apreço, o recorrente trabalha numa unidade administrativa cuja actividade consiste não na direcção de pessoas nem na gestão de parte das actividades da Comissão mas em velar pelo bom estado de funcionamento dos edifícios ocupados pelos seus serviços. Resulta da nota do director da Administração-Geral, de 24 de Março de 1986 (anexo 4 do requerimento inicial) que "os edifícios de que Hecq é responsável nos domínios térmico e sanitário são os seguintes". Segue-se a enumeração de cinco edifícios. O recorrente assume, pois, isoladamente a responsabilidade pelo bom funcionamento de parte dos edifícios cuja gestão está confiada à unidade admnistrativa a que pertence. Entendemos por isso que é possível considerar que Hecq é responsável por uma "secção" desta unidade administrativa.
16. O problema de saber se deveria ou não ser apoiado nas suas funções por colaboradores depende da carga de trabalho que tal implique. Compete aos superiores hierárquicos decidir o número de edifícios de que uma pessoa só pode eficazmente ocupar-se simultaneamente, no plano do aquecimento e sanitário. Numa primeira altura, o director da Administração-Geral tinha confiado seis edifícios a Hecq (nota de 5 de Março de 1986). A partir de 24 de Março de 1986, este número foi reduzido para cinco. Enfim, quando, no final de 1986 ou princípios de 1987, a responsabilidade referente ao imóvel situado na square du Frère Orban foi retirada ao recorrente, apresentou este uma reclamação, nos termos do n.° 2 do artigo 90.° do estatuto (seguida de recurso contencioso, processo 280/87), sustentando o seguinte:
"Devo lembrar que este edifício me foi confiado no interesse do serviço, tendo em conta os problemas difíceis que coloca e a minha experiência neste domínio (térmico-sanitário) especializado".
17. O próprio Hecq entendeu assim que estas novas funções envolviam responsabilidades bastante importantes que lhe tinham sido confiadas no interesse do serviço e que lhe era possível ocupar-se só por si de vários imóveis.
18. Notemos finalmente, e de passagem, que se Hecq era assistente de secretariado do grau B 3 ou B 2, seria "responsável, no seio de uma unidade administrativa ou de um grupo de funcionários, no quadro de directivas gerais, por trabalhos de secretariado difíceis e complexos". A responsabilidade por uma secção de uma unidade administrativa não tem, assim, uma característica inerente ao grau B 3/2 mas à função de assitente.
19. O recorrente critica ainda o facto de, na descrição das novas funções, as suas responsabilidades, no que se refere aos estudos levados a cabo no quadro do serviço, terem sido reduzidas já que no aviso de vacatura de 1984 estava incluído "o estudo, a preparação dos pedidos de ofertas...", enquanto a descrição das suas novas funções menciona a "participação nos estudos levados a cabo no âmbito do serviço, na elaboração dos processos de consulta das empresas e na análise das ofertas recebidas e realização dos contratos de aquisição".
20. Ora, a leitura da descrição dos diferentes lugares-tipo evidencia que é o chefe de divisão o "responsável pelos estudos e controlos, sob a autoridade de um director-geral ou de um director".
21. É pois difícil conceber que o recorrente estivesse anteriormente encarregado, como afirma na página 11 da sua resposta, "de assumir por si e sob sua responsabilidade tarefas de concepção intelectual e administrativa para os pedidos de ofertas...".
22. A expressão anterior "estudo e preparação dos pedidos de ofertas" conduz especialmente à demonstração de que se tratava, também neste caso, do estudo de um problema, da preparação de um pedido de ofertas e da sua apresentação para aprovação ou alteração aos superiores hierárquicos, a quem incumbia a responsabilidade da decisão final. Dito de outra forma, também anteriormente se tratava de uma função de participação nos estudos e elaboração dos processos.
23. No que se refere à parte da nova descrição de funções do recorrente que lhe atribui o "controlo das execuções dos contratos concluídos com empresas externas para manutenção e remodelação dos edifícios e suas instalações técnicas", é forçoso constatar que corresponde exactamente à definição que figurava na descrição anterior, em que estava em causa a "supervisão dos trabalhos efectuadas pelas empresas encarregadas do funcionamento e manutenção das instalações técnicas e sanitárias... e o controlo da execução dos trabalhos de arranjo relativos às referidas instalações".
24. O facto de um funcionário de grau inferior (na circunstância D 3) ser encarregado, além do mais, de tais controlos, parece inevitável num serviço que não tem em si a tarefa de efectuar trabalhos de manutenção ou de arranjo mas de supervisionar a forma como tais trabalhos são executados por empresas privadas.
25. b) No quadro deste último fundamento, o recorrente invoca ainda a violação do princípio da igualdade de tratamento.
26. Sustenta que a Comissão tê-lo-ia
"tratado pior que os seus antigos colaboradores, já que o obrigou:
- a trabalhar só e não em equipa;
- a trabalhar unicamente nos novos edifícios, o que é muito mais complicado atenta a afinação de funcionamento de rodagem;
- a trabalhar em dois sectores conjuntamente (o sector térmico e sanitário), enquanto os seus colegas trabalham num ou noutro destes sectores".
27. Neste ponto temos dificuldade em compreender a fundamentação do recorrente uma vez que, no quadro desta acusação, pede, de facto, para ser tratado da mesma forma que os funcionários de grau inferior ao seu (a saber, dois B 4, um D 1 e três D 3). Ora, é certo que a igualdade de tratamento se deve apreciar relativamente às responsabilidades dos funcionários do mesmo grau. O facto de Hecq ser chamado a ocupar-se só de edifícios novos e no duplo aspecto térmico e sanitário demonstra, a nosso ver, que a Comissão procurou, pelo contrário, confiar-lhe tarefas de certa amplitude e de dificuldade correspondente à sua experiência profissional e das quais não teria podido encarregar funcionários de grau inferior. O recorrente reconheceu-o aliás na reclamação relativa ao edifício da square du Frère Orban que acima referimos.
28. Somos assim obrigados a concluir que a acusação consistente na violação do princípio da igualdade não tem fundamento.
II - Quanto ao fundamento da violação do artigo 25.° do estatuto e do princípio da boa administração
29. O recorrente considera que os actos impugnados ofendem gravemente os seus interesses materiais e morais dado terem sido praticados:
- sem fundamentação objectiva;
- sem lhe permitir dar a conhecer previamente o seu ponto de vista;
- sem tomar em consideração o seu interesse.
a) Acusação consistente na falta de fundamentação
30. O recorrente sustenta que a decisão tomada a seu respeito não estaria de acordo com a exigência de fundamentação do artigo 25.°, n.° 2, do estatuto dos funcionários.
31. O Tribunal reconheceu na sua jurisprudência que, porque a obrigação de fundamentar é simultaneamente a de permitir ao interessado ajuizar se a decisão está ferida de vício que lhe permita contestar a sua legalidade e de tornar possível o controlo jurisdicional, resulta que a amplitude desta obrigação deve, em cada caso, ser apreciada em função das circunstâncias concretas (10). É também jurisprudência que, para verificar se foi dada satisfação às exigências da fundamentação do artigo 25.°, deve ter-se em conta não apenas a decisão de mutação em si mas também as notas de serviço que lhe servem de base, levadas ao conhecimento do interessado, e que o informaram claramente sobre as razões em que se baseia a referida decisão" (11).
32. No caso em preço, a decisão formal de mudança de afectação foi precedida de uma nota do director da Administração-Geral, de 3 de Janeiro de 1986, dirigida ao chefe de serviço em causa e, mediante cópia, ao recorrente. Nesta nota, o director, atenta a perda de tempo devida à troca de notas no interior do sector "Imóveis" da DG IX. B.5, e desejando que as energias e qualidades indiscutíveis dos funcionários em causa se concentrassem na realização das tarefas do serviço, entende que a melhor forma de realizar tal objectivo é retirar o recorrente do sector "Imóveis" e confiar-lhe as funções que já conhecemos. Mediante esta nota, foi assim o recorrente informado das razões que estavam na base da sua recolocação iminente. Aliás, resulta dos elementos do processo e nomeadamente dos apresentados a pedido do Tribunal, que o recorrente é efectivamente o autor de uma boa parte das notas mediante as quais se exprimiam os desacordos persistentes que entravavam o bom funcionamento dos serviços.
33. O recorrente pôde por isso encontrar já no primeiro dos actos impugnados, a saber, a decisão de princípio de 3 de Janeiro de 1987, os elementos que nortearam a administração na sua decisão, elementos que não poderia ignorar (12).
34. A acusação de falta de fundamentação deve por isso ser desatendida.
b) A acusação de falta de audição prévia
35. Pode considerar-se como assente que o recorrente não foi ouvido nem antes da decisão de princípio, de 3 de Janeiro de 1986, nem antes da decisão formal de recolocação, de 23 do mesmo mês e ano.
36. Na sua nota de 3 de Janeiro de 1986, dirigida ao chefe dos serviços especializados "Gestão dos Imóveis e Equipamento", de Hoe, o director da Administração-Geral, Pratley, referira: "estou disposto, sem dúvida, a recebê-lo, bem como a Brusset e Hecq, na devida altura, todavia, neste momento, considero estar em poder de todos os elementos necessários para tomar a minha decisão". Não foi alegado que, não obstante, Hecq tenha insistido na obtenção de entrevista imediata e que tal pedido haja sido recusado. Pode portanto considerar-se também que o ponto de vista de Hecq relativamente ao fundo da questão era bem conhecido do director, uma vez que tivera lugar uma reunião em Julho de 1975 e o conjunto das notas dirigidas por Hecq a Brusset tinham sido por este transmitidas a Pratley.
37. Não é menos verdade que Hecq não teve ocasião de se pronunciar verbalmente a respeito da recolocação projectada. Ora, como o Tribunal sublinhou no acórdão Arning (13).
"Seria conforme à boa-fé e confiança mútua, que devem caracterizar as relações entre funcionários e administração, que esta, na medida do possível, desse ao funcionário a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista relativamente à decisão projectada. Tal prática seria igualmente susceptível de evitar conflitos" (tradução provisória).
38. Não pode portanto deixar de lamentar-se que Hecq não tenha sido ouvido Resta saber se houve, nas circunstâncias, violação de um dever. Ponderando o assunto, consideramos que, nas circunstâncias do caso, tal não aconteceu. Nos acórdãos Kuhner (14) e Arning, o Tribunal entendeu que a administração apenas tem o dever de possibilitar aos funcionários dar a conhecer o seu ponto de vista em casos que lesem gravemente os seus interesses. Nos outros, à falta de uma disposição expressa do estatuto, tal obrigação não existe e as formalidades previstas no seu artigo 90.° para protecção dos interesses dos funcionários devem ser consideradas bastantes, sem prejuízo de eventual controlo jurisdicional da parte do Tribunal.
39. Ora, nestes dois acórdãos, os recorrentes verberavam o facto de terem sido afastados das suas funções de chefe de divisão, respectivamente de chefe de um serviço especializado (15), para serem encarregados de tarefas específicas junto do director, respectivamente, no seio de outro serviço especializado. O Tribunal entendeu que estas decisões não podiam considerar-se gravemente lesivas dos interessados.
40. Como verificámos, a propósito da recolocação de Hecq, que não atentava nem contra o seu grau nem contra as responsabilidades resultantes do seu lugar-tipo, podemos da mesma maneira concluir que também não lesa gravemente os seus interesses e que por isso não era juridicamente necessário permitir-lhe a apresentação de observações.
c) Acusação consistente na não tomada em consideração do interesse do recorrente
41. O recorrente refere-se ainda à jurisprudência do Tribunal segundo a qual o dever de solicitude da administração relativamente aos seus agentes "reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocas que o estatuto criou entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este dever, bem como o princípio da boa administração, implica nomeadamente que, quando decidir sobre a situação de um funcionário, a autoridade deve tomar em conta o conjunto dos elementos susceptíveis de fundamentar a sua decisão e que, assim procedendo, considera não apenas o interesse do serviço mas também o do funcionário interessado" (tradução provisória) (16).
42. Se bem compreendemos Hecq, este não considera que, para atender ao seu interesse pessoal, a Comissão tivesse podido modificar a sua afectação.
43. Não há, no entanto, qualquer dúvida de que a persistência da situação acarretaria a continuidade das disputas e tensões no seio desta unidade administrativa com todas as repercussões negativas no serviço. O interesse pessoal do funcionário e o do serviço eram assim, na circunstância, manifestamente inconciliáveis.
44. Ora, nos acórdãos Arning, primeiro, e Delauche (17), depois, o Tribunal declarou claramente "que as exigências do dever de solicitude não poderiam impedir a autoridade de tomar as medidas que considere necessárias no interesse do serviço" (tradução provisória). Teve igualmente ocasião de afirmar, repetidamente, que o Tribunal não poderia substituir a sua apreciação do interesse do serviço à da autoridade investida do poder de nomeação, devendo o seu controlo limitar-se à questão de saber se, atentas as considerações que poderão ter conduzido a administração à respectiva apreciação, terá mantido dentro de limites razoáveis e não usou o seu poder de forma manifestamente errada (18). A propósito, mais especificamente, de mal entendidos entre funcionários, o Tribunal decidiu que, a partir do momento em que se verifique a impossibilidade de aplanar tensões surgidas entre um funcionário e o respectivo superior hierárquico, a instituição tem o direito de tomar todas as medidas aptas a restabelecer a serenidade no seio do serviço em causa (19).
45. Ora, como, no caso em apreço, existiam tensões, tanto nas relações do recorrente com o respectivo superior hierárquico como com os seus colaboradores (a Comissão juntou efectivamente ao processo um pedido de mutação de alguns deles), pode considerar-se que a decisão de recolocação tomada pelo director responsável constituia uma "reacção razoável à situação resultante da deterioração das relações de trabalho" (20) no serviço em causa.
46. Nenhum dos argumentos apresentados no quadro do segundo fundamento deverá assim ser atendido.
III - Quanto ao fundamento consistente na violação do artigo 87.° do estatuto e em desvio de poder
47. Hecq sustenta, finalmente, que teria sido "objecto de sanção disciplinar disfarçada, por um lado, com diminuição das suas funções e, por outro, com abaixamento da remuneração real recebida através do sistema das 'astreintes' (compensações) no local de trabalho, em virtude da sua qualidade de representante sindical". Teria, assim, havido violação do artigo 87.° do estatuto que estabelece o princípio de que as sanções mais graves, tais como a retrogradação, só podem ser aplicadas através do processo disciplinar detalhadamente regulado no anexo IX do estatuto.
48. Na sua resposta, Hecq invoca, em apoio da sua tese, uma série de factos posteriores à sua recolocação e que, por isso, poderiam ter estado na sua origem.
49. Aliás, chegámos assim à conclusão de que as funções do recorrente não foram verdadeiramente reduzidas por forma que não poderia estar em causa uma retrogradação disfarçada. Consideramos também que a decisão foi validamente fundamentada por referência à troca de notas entre Hecq e Brusset, que constitui a prova tangível das querelas a que a Comissão se ateve.
5O. Quanto à acusação consistente na diminuição da remuneração real do recorrente na sequência da perda do prémio da "astreinte" (compensação monetária), não nos parece juridicamente apoiado. Efectivamente, se o estatuto tem por objectivo garantir ao funcionário o grau obtido, bem como a ocupação do lugar correspondente a esse grau, não lhe concede qualquer direito a determinado cargo, deixando, ao invés, à autoridade investida do poder de nomeação a competência para colocar os funcionários no interesse do serviço, nos diversos cargos correspondentes ao respectivo grau (21). O funcionário não tem, portanto, o direito de ocupar determinado lugar cujo titular esteja regularmente sujeito ao regime das "astreintes" no local de trabalho ou no seu domicílio, fora do seu horário normal, e por isso beneficie de uma indemnização. É com razão que a Comissão lembra que a indemnização pelo regime de "astreintes" não constitui parte da remuneração devida pelo grau e escalão do funcionário, mas unicamente uma compensação da obrigação de se manter à disposição da instituição, e, no caso de desaparecimento desta obrigação, a sua contrapartida indemnizatória deixa de se justificar. Assim, também este fundamento carece de justificação.
51. Resta a acusação de desvio de poder. Como o Tribunal declarou por muitas vezes, uma decisão só está afectada de desvio de poder se se verificar, com bases em indícios objectivos pertinentes e concordantes, ter sido tomada para atingir fins diversos dos invocados como fundamento (22).
52. É na resposta que o recorrente afirma, pela primeira vez, ter sido sancionado por se dedicar às actividades sindicais. Ora, de duas uma. Ou a Comissão tem o hábito de "punir" os funcionários que se dediquem a tais actividades e, em tal caso, o recorrente não teria tido dificuldade em fazer prova de tal comportamento da instituição, o que não fez. Ou então Hecq singularizou-se entregando-se pessoalmente a actos, em si normais para um sindicalista mas que desagradaram muito particularmente à sua instituição, de tal forma que decidiu puni-lo individualmente. O recorrente, no entanto, nem sequer tentou provar a existência de tais actos, nem a fortiori a de um nexo de causalidade entre estes e a sua recolocação. Nestas condições, o fundamento consistente em desvio de poder não poderá considerar-se justificado.
53. Como nenhum dos fundamentos invocados pelo recorrente nos parece poder ser atendido, somos necessariamente levados a propor que seja negado provimento ao recurso no seu todo.
IV - Quanto às despesas
54. Segundo a Comissão, o recurso é temerário e vexatório nos termos do artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento Processual do Tribunal e as despesas deveriam, por conseguinte, ser colocadas a cargo do recorrente.
55. Quanto a isto, importa, no entanto, em nosso entender, ter em conta os seguintes elementos:
- o recurso não é nem manifestamente inadmissível nem manifestamente infundado (23);
- o recorrente não invocou, no desenvolvimento do conflito, fundamentos de ataque excessivos (24);
- o recurso não é manifestamente dilatório (25);
- o recorrente não pôde obter da Comissão, antes da introdução do procedimento judicial ou no seu decurso, revisão do acto impugnado (26);
- no quadro da decisão de colocação e das notas conexas, a administração da Comissão não tomou posição relativamente à parte da responsabilidade dos diversos protagonistas na génese e desenvolvimento das tensões;
- o recorrente não teve oportunidade de dar a conhecer o seu ponto de vista relativamente à medida projectada a seu respeito, o que teria sido preferível, ainda que não juridicamente exigido.
56. Nestas circunstâncias, não se poderá, em nosso entender, considerar o recurso como francamente abusivo.
57. Propomos, por conseguinte, se aplique o artigo 70.° do Regulamento Processual e se decida que cada parte suporte as respectivas despesas.
(*) Tradução do francês.
(1) Acórdão de 16 de Junho de 1971, G. Vistosi/Comissão, processo 61/70, Recueil, p. 535, n.° 14; ver, no mesmo sentido, acórdão de 21 de Junho de 1984, C. Lux/Tribunal de Contas, processo 69/83, Recueil, p. 2447, n.° 17.
(2) Ver acórdão de 16 de Junho de 1971, G. Vistosi/Comissão, já referido, n.° 15; ver, no mesmo sentido, acórdão de 15 de Dezembro de 1965, W. Klaer/Alta Autoridade CECA, processo 15/65, Recueil, p. 1296 1308, segundo considerando; ver também acórdão de 23 de Janeiro de 1986, Rasmussen/Comissão, processo 173/84, n.° 24.
(3) Ver acórdão de 16 de Junho de 1971, G. Vistosi/Comissão, já referido, n.° 16.
(4) Ver, neste sentido, e a propósito do cargo de director geral do grau A 1, acórdão de 28 de Maio de 1970, F. Peco/Comissão, processo 36/69, Recueil, p. 361, n.° 15, e, a propósito do cargo de director e de consultor principal, o acórdão de 13 de Maio de 1970, A. Reinarz/Comissão, processo 46/69, Recueil, p. 275 n.° 10.
(5) Ver neste sentido, acórdão de 2O de Maio de 1976, M. Macevicius/Parlamento Europeu, processo 66/75, Recueil, p. 593, n.° 16.
(6) Alterado seguidamente e publicado em versão coordenada no Correio do Pessoal IA, n.° 373, de 9.7.1982.
(7) Acórdão de 28 de Março de 1968, D. Kurrer/Conselho, processo 33/67, Recueil, p. 188, 200, segundo parágrafo.
(8) Acórdão de 20 de Maio de 1980, processos apensos 33 e 75/79, R. Kuhner/Comissão, Recueil, p. 1677, 1697, n.° 20.
(9) Sublinhado nosso.
(10) Acórdão de 14 de Julho de 1983, Th. Nebe/Comissão, processo 176/82, Recueil, p. 2475, n.° 21; ver, no mesmo sentido, acórdão de 21 de Junho de 1984, Ch. Lux/Tribunal de Contas, processo 69/83, Recueil, p. 2447, n.° 36.
(11) Acórdão de 12 de Outubro de 1978, K. Ditterich c/Comissão, processo 86/77, Rec. p. 1855, n.° 40; ver, no mesmo sentido, também o acórdão de 14 de Julho de 1977, J.-J. Geist/Comissão, processo 61/76, Recueil, p. 1419, n.° 23; acórdão de 14 de Julho de 1983, Th. Nebe/Comissão, processo 176/82, Recueil, p. 2475, n.° 21; acórdãos de 29 de Outubro de 1981, G. Arning/Comissão, Recueil, p. 2539, n.° 13 e de 28 de Maio de 1980, R. Kuhner/Comissão, 33 e 75/79, Recueil, p. 1677, n.° 15, segundo período.
(12) Acórdão de 12 de Outubro de 1978, K. Ditterich/Comissão, processo 86/77, Recueil, p. 1855, n.° 42; acórdão de 14 de Julho de 1977, J. J. Geist/Comissão, processo 61/76, Recueil, p. 1419, n.° 26.
(13) Acórdão de 29 de Outubro de 1981, processo 125/80, G. Arning/Comissão, Recueil, p. 2539, p. 2554, n.° 17.
(14) Acórdão de 20 de Maio de 1980, processos apensos 33 e 75/79, R. Kuhner/Comissão, Recueil, p. 1617, 1698, n.° 25.
(15) O serviço especializado equivale praticamente a uma divisão, salvo o facto de ser dirigido por um A 4 em vez de um A 3.
(16) Acórdão de 4 de Fevereiro de 1987, H. Maurissen/Tribunal de Contas, processo 417/85, Colect. p. 551, n.° 12; neste sentido, ver acórdão de 28 de Maio de 1980, R. Kuhner/Comissão, processos apensos 33 e 75/79, Recueil, p. 1677, n.° 22.
(17) Acórdão de 16 de Dezembro de 1987, processo 111/86, E. Delauche/Comissão, Colect. p. 5345, n.° 26.
(18) Neste sentido, acórdão de 12 de Fevereiro de 1987, A. Bonino/Comissão, 233/85, Colect. p. 739, n.° 5.
(19) Ver, neste sentido, acórdão de 12 de Julho de 1979, H. List/Comissão, 124/78, Recueil, p. 2499, n.° 13; ver também acórdão de 11 de Julho de 1968, H. Labeyrie, 16/67, Recueil p. 432 ,445, alínea a), primeiro e segundo parágrafos;.acórdão de 14 de Junho de 1979, V/Comissão, 18/78, Recueil, p. 2093, n.° 18.
(20) Ver acórdão H. List, já referido.
(21) Ver, neste sentido, acórdão de 6 de Maio de 1969, A. Huybrechts/Comissão, 21/68, Recueil, p. 85, n.° 8, e acórdão de 13 de Maio de 1970, A. Reinarz/Comissão, 46/69, Recueil, p. 275, n.° 5.
(22) Ver, por exemplo, acórdão de 21 de 1984, Ch. Lux/Tribunal de Contas, 69/83, Recueil, p. 2447, n.° 30; no mesmo sentido acórdão de 18 de Junho de 1987, A. Gavanas/Comité Económico e Social das Comunidades Europeias, 307/85, Colect. p. 2435, n.° 37.
(23) Relativamente aos recursos manifestamente infundados, veja-se, por exemplo, acórdão de 10 de Fevereiro de 1980, A. Bellitani/Comissão, 116/78 rév., Recueil, p. 23; despacho de 11 de Dezembro de 1986, B. Suss, 25/86, Colect. p. 3929. Quanto aos recursos manifestamente inadmissíveis, ver, por exemplo, acórdão de 17 de Março de 1983, M. Macevicius/Parlamento Europeu, 252/81, Recueil, p. 867, ou ainda acórdão de 6 de Outubro de 1983, M.G. Celant/Comissão, processos 118 a 123/82, Recueil, p. 2995; acórdão de 12 de Julho de 1984, S. Moussis/Comissão, 227/83, Recueil, p. 3133; acórdão de 21 de Janeiro de 1987, V. Stroghili/Tribunal de Contas, 204/85, Colect. p. 389.
(24) O recorrente é condenado nas despesas se, na prossecução do seu litígio, faz uso de fundamentos de ataque excessivos - ver, neste sentido, acórdão de 1 de Junho de 1983, P.W. Seton/Comissão, 36, 37 e 218/81, Recueil, p. 1789, n.° 59 - ou, se fizer alegações injuriosas, retiradas apenas no decurso da audiência - ver, neste sentido, por exemplo, acórdão de 17 de Maio de 1984, C. Albertini e M. Montagnani/Comissão, 338/82, Recueil, p. 2123.
(25) Ver, por exemplo, despachos de 9 de Junho de 1980, C.A.A. Broekhuyse/Parlamento, 123/80-R e 123/80, Recueil pp. 1793 e 1789, e o acórdão de 15 de Janeiro de 1981, C. A. A. Broekhuyse/Parlamento, 731/79, Recueil, p. 107.
(26) Acórdão de 3 de Julho de 1980, processos apensos 6 e 97/79, D. Grassi/Conselho, Recueil, p. 2141; acórdão de 19 de Fevereiro de 1981, processos apensos 122 e 123/79, M. Schiavo/Conselho, Recueil, p. 473.