DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL

24 de Setembro de 1986 ( *1 )

No processo 213/86 R,

Montedipe SpA, sociedade de direito italiano, com sede social em Milão, representada pelos advogados G. Celona, P. M. Ferrari e G. Agnina, que escolheram domicílio no Luxemburgo no escritório do advogado Georges Margue, 20, rue Philippe-II,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico G. Marenco, na qualidade de agente, que escolheu domicílio no escritório de G. Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg, Luxemburgo,

requerida,

que tem por objecto um pedido de suspensão da execução da decisão da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV/31.149 — polipropileno), no que diz respeito à requerente,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

profere o presente

DESPACHO

1

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal a 6 de Agosto de 1986, a sociedade Montedipe SpA, doravante «Montedipe», interpôs, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 173.o, do Tratado CEE, um recurso de anulação da Decisão 86/398 da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (JO L 230, p. 1).

2

Nesta decisão, a Comissão aplicou à requerente uma multa de 11 milhões de ECU porque considerava que esta tinha violado o artigo 85.o, n.o 1, do Tratado CEE, ao participar, de meados do ano de 1977 até Novembro de 1983, num acordo e numa prática concertada que agrupavam os principais produtores de polipropileno que abastecem o território do mercado comum e que tinham por objectivo essencial fixar preços-«meta» ou preços mínimos para a venda deste produto em cada Estado-membro da Comunidade e conduzir a uma repartição do mercado atribuindo a cada produtor um objectivo ou quota anual de venda. Impôs-lhe, igualmente, que pusesse imediatamente fim às referidas infracções e que se abstivesse, no futuro, no sector do polipropileno, de qualquer acordo ou prática concertada susceptíveis de ter um objectivo ou efeito idêntico ou similar.

3

Os artigos 4.o e 5.o desta decisão prevêem, respectivamente, que esta multa é pagável no prazo de três meses, a contar da notificação da decisão e que esta constitui título executivo, nos termos do artigo 192.o do Tratado CEE.

4

Em carta de 22 de Maio de 1986, pela qual notificou, a 30 de Maio de 1986, a sua decisão de 23 de Abril, já referida, a Comissão informou a requerente de que, na hipótese de interpor recurso desta decisão para o Tribunal de Justiça, não procederia a nenhuma medida de cobrança enquanto o processo estivesse pendente no Tribunal, na dupla condição de aquela aceitar que o seu crédito vença juros, a contar da data do termo do prazo de pagamento, e de lhe prestar, o mais tardar nessa mesma data, garantia bancária que cubra tanto a dívida principal como os juros e o demais acrescido.

5

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, a requerente, ao abrigo do artigo 185.o do Tratado CEE e dos artigos 36.o do estatuto do Tribunal e 83.o do Regulamento Processual, pediu a suspensão da execução da Decisão 86/398 da Comissão, de 23 de Abril de 1986, já referida, na parte que lhe diz respeito.

6

Por telexes datados de 25 e 26 de Agosto de 1986, o Tribunal formulou perguntas à requerente e à Comissão. A primeira foi convidada a apresentar as suas respostas por escrito antes de 26 de Agosto de 1986, e a segunda antes de 27 de Agosto de 1986.

7

A requerida apresentou as suas observações escritas a 25 de Agosto de 1986. As partes foram ouvidas, nas suas alegações orais, a 22 de Setembro de 1986.

8

Antes de examinar o mérito do presente pedido em processo de medidas provisórias, considera-se útil relembrar, de maneira sucinta, as etapas que precederam a aprovação pela Comissão da sua decisão de 23 de Abril de 1986, já referida.

9

Em Outubro de 1983, a Comissão, actuando ao abrigo do n.o 3 do artigo 14.o do Regulamento n.o 17/62, do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, que versa sobre a execução dos artigos 85.o e 86.o do Tratado CEE (JO L 13, p. 204), procedeu a verificações junto da maior parte dos produtores de polipropileno termoplástico bruto que abastecem o mercado comur" e, designadamente, junto da sociedade Montedipe. No decurso destas verifica .es, a Comissão apreendeu documentos que provariam, segundo ela, que os prii ¡pais produtores de polipropileno instalados na CEE, entre os quais a requerente, praticaram as infracções descritas no n.o 2 deste despacho. Determinou, então, por decisão de 30 de Abril de 1984, o início do processo de averiguação. Este processo terminou com a aprovação da referida Decisão 86/398, relativamente à qual a requerente pretende a suspensão da execução nos termos expostos no n.o 5 deste despacho.

10

De acordo com o artigo 185.o do Tratado CEE, os recursos interpostos perante o Tribunal de Justiça não têm efeito suspensivo. Todavia, o Tribunal pode ordenar a suspensão da execução dos actos impugnados, se considerar que as circunstâncias o exigem.

11

Para que uma medida provisória como a requerida possa ser ordenada, o n.o 2 do artigo 83.o do Regulamento Processual prescreve que os requerimentos neste tipo de processo devem especificar os fundamentos de facto e de direito, que perfunctoriamente, justificam a concessão da medida provisória requerida, bem como as circunstâncias comprovativas da urgência.

12

Resulta da jurisprudência constante do Tribunal que o carácter urgente de um pedido em processo de medidas provisórias, referido no n.o 2 do artigo 83.o do Regulamento Processual, se deve apreciar face à necessidade que haja de decidir provisoriamente, a fim de evitar que seja causado um prejuízo grave e irreparável à parte que solicita a medida provisória.

13

A este propósito, a requerente invoca, em primeiro lugar, que o pagamento imediato de uma multa, cujo montante corresponde a mais de 60 % das suas despesas de investigação, agravaria de modo insuportável o seu passivo e obrigá-la-ia a recorrer a financiamentos onerosos. Acentua, em seguida, que apenas a suspensão da execução poderia pôr fim à má imagem, que a notícia de uma multa bastante elevada, lançou sobre a sociedade na opinião pública, dando a impressão de que a questão permanece em aberto e não está ainda resolvida.

14

Sublinha, por fim, que mesmo a concessão de uma suspensão da execução subordinada ao preenchimento das condições exigidas pela Comissão na sua carta de notificação de 22 de Maio de 1986 seria susceptível de lhe causar um prejuízo grave e irreparável. Faz notar, a este propósito, que a simples prestação, por um período de três anos, de uma garantia bancária de montante correspondente ao da multa aplicada, conduziria a impor-lhe de modo disfarçado uma multa de um montante não desprezível, dado que, segundo os seus cálculos, o custo que ela deveria suportar para a obter seria da ordem de 240 milhões de LIT. Na audiência, precisou que este custo se referia apenas a um ano e só abrangia a dívida principal, sem ter em conta os juros. Considera que o custo total dessa garantia, na hipótese provável de o Tribunal proferir o seu acórdão em 1988, seria da ordem de mil milhões de LIT.

15

A constituição de tal garantia bancária seria, aliás, inútil, dado que as dimensões do grupo ao qual a requerente pertence garantiriam à Comissão a cobrança total da multa que o Tribunal considerasse devida. A este propósito, apresentou na audiência, com autorização do Tribunal, um documento pelo qual Montedison SpA, sociedade holding do grupo a que pertence a Montedipe SpA, se compromete a garantir à Comissão o pagamento de qualquer montante em que a Montedipe SpA for condenada pelo acórdão que o Tribunal venha a proferir no processo 213/86. Considera que esta garantia seria superior à garantia bancária exigida pela Comissão, dado que emana da sociedade mais importante de Itália, depois da Fiat.

16

Sublinha, por outro lado, que seria igualmente supérfluo que se comprometesse a pagar os juros que o seu débito venceria a contar do termo do prazo para pagamento da multa, dado que o Tribunal, no seu acórdão de 25 de Outubro de 1983 (processo 107/82, AEG-Telefunken, Recueil p. 3151), reafirmou o princípio de que os juros são legalmente devidos sobre o montante da multa desde a data em que a mesma é exigida até ao pagamento efectivo.

17

Por seu lado, a Comissão entende que a requerente não conseguiu demonstrar que a execução da referida Decisão 86/398 lhe poderia causar um prejuízo grave e irreparável. Lembra a este propósito que, em conformidade com a prática geral, levou ao conhecimento da requerente que não procederia à cobrança imediata da multa, caso o Tribunal fosse chamado a intervir, desde que a empresa em causa fornecesse, o mais tardar até ao termo do prazo para pagamento, uma garantia bancária do pagamento eventual da multa, acrescida dos juros de mora. Considera, por isso, que o pedido de suspensão da execução carece de objecto pelo facto de a Comissão ter já oferecido à requerente o que esta pede ao Tribunal. É de parecer, por outro lado, que o princípio enunciado pelo presidente do Tribunal no seu despacho de 11 de Novembro de 1982 (processo 263/82 R, Klöckner-Werke/Comissão, Recueil, p. 3995), segundo o qual as conclusões desfavoráveis que parceiros comerciais ou entidades financiadoras poderão tirar da prestação de uma caução, quanto ao fundamento da acção principal, não são, em nenhum caso, susceptíveis de causar prejuízo grave e irreparável à empresa que prestar a garantia, se deveria aplicar, a fortiori, aos juízos da opinião pública.

18

Quanto ao pedido da requerente para ser também isenta da obrigação de prestar uma garantia bancária, a Comissão acentua que é evidente que o desembolsar de uma soma de 240 milhões de LIT não pode, em nenhum caso, criar um prejuízo grave e irreparável a uma sociedade da dimensão da requerente. Por outro lado, o argumento de que as dimensões do grupo a que a requerente pertence deveriam bastar para garantir à Comissão a cobrança total da multa que o Tribunal vier a considerar devida seria igualmente de considerar destituído de qualquer fundamento, face à jurisprudência constante que o Tribunal desenvolveu desde o despacho do presidente, de 11 de Novembro de 1982, no referido processo Klöckner--Werke/Comissão. Esta característica não poderia, em caso algum, ser considerada como uma circunstância particular que permitisse abrir uma excepção à exigência de caução bancária, de acordo com os critérios fixados pelo Tribunal nos despachos de 15 de Março de 1983 (processo 234/82 R, Ferrieri di Roe Volciano SpA/Comissão, Recueil p. 725) e de 7 de Março de 1986 (processo 392/85 R, Finsi-der/Comissão, Colect. 1986, p. 959). A Comissão afirma ainda que o único princípio que se pode deduzir do processo AEG-Telefunken/Comissão, já refendo, é que a Comissão pode exigir, como condição para a suspensão do pagamento da multa, um compromisso da empresa quanto ao pagamento dos juros e não que estes são devidos ipso iure.

19

Resulta de uma questão escrita colocada à requerente que o pedido neste processo, apesar do seu enunciado genérico, apenas visa, na realidade, obter a suspensão do pagamento da multa sem dar satisfação às condições colocadas pela Comissão. Este pedido não visa, em qualquer caso, obter a suspensão da execução do artigo 2.o da referida Decisão 86/398. A requerente precisou, por outro lado, que não tinha, até então, prestado qualquer garantia bancária do pagamento da multa e que não tinha a intenção de o fazer antes de o Tribunal ter decidido sobre o pedido de suspensão da execução.

20

Em resposta a uma pergunta escrita que lhe foi dirigida, a Comissão trouxe ao conhecimento do Tribunal que, na hipótese de não receber essa garantia bancária antes de 30 de Agosto de 1986, não tinha a intenção de realizar as diligências necessárias para a execução coactiva, nos termos do artigo 192.o do Tratado CEE, antes de ser proferido o despacho que decida o presente processo.

21

Embora solicite o indeferimento do pedido, resulta das observações escritas da Comissão que não se opõe à concessão da suspensão pedida, desde que a requerente aceite que o seu crédito vença juros a contar do termo do prazo do pagamento e que preste uma garantia bancária do pagamento eventual da multa, acrescida, dos juros de mora.

22

A exigência da prestação de uma caução bancária que garanta o pagamento eventual da multa, acrescida dos juros de mora, resulta de uma orientação geral adoptada pela Comissão em 1981 e que foi reconhecida como justificada, salvo circunstâncias excepcionais, tanto no âmbito do Tratado CECA, em matéria de aço, como no do Tratado CEE, para o direito da concorrência, pelo presidente do Tribunal, designadamente nos seus despachos de 6 e de 7 de Maio de 1982 (processo 107/82 R, AEG-Telefunken/Comissão, Recueil p. 1549, e processo 86/82 R, Hasselblad Ltd/Comissão, Recueil p. 1557), de 11 de Novembro de 1982 (processo 263/82 R, Klõckner-Werke/Comissão, Recueil p. 3995) e de 7 de Março de 1986 (processo 392/85 R, Finsider/Comissão, Colea. 1986, p. 959).

23

No caso concreto, deve reconhecer-se que nenhum dos argumentos avançados pela requerente é de natureza a demonstrar a existência de circunstâncias excepcionais, na acepção do despacho do presidente no referido processo AEG-Telefunken, que justifiquem uma derrogação das condições a que a Comissão entende ver subordinada a suspensão da execução de uma decisão que aplique uma multa. Os critérios relativos às circunstâncias excepcionais, considerados no despacho de 15 de Março de 1983 (processo 234/82 R, Ferrieri di Roe Volciano SpA/Comissão, Recueil, p. 725) e precisados pelo despacho de 7 de Março de 1986, proferido no processo Finsider, já refendo, não são aplicáveis no caso concreto. A requerente não é, com efeito, uma empresa de pequena dimensão ou de subcontratação que tenha dificuldades em obter uma garantia bancária. Revelou-se, aliás, incapaz de demonstrar em que é que o custo desta garantia bancária, a saber, cerca de mil milhões de LIT em três anos, poderia comprometer as suas actividades ou o seu desenvolvimento a ponto de envolver o risco de lhe causar prejuízo grave e irreparável. Não há, por isso, razão alguma para aceitar a substituição da garantia bancária, tradicionalmente pedida às sociedades em situações comparáveis, por uma garantia prestada pela bolding Montedison SpA.

24

Afigura-se, portanto, que a exigência da prestação de caução bancária do eventual pagamento da multa, acrescida, se for caso disso, dos juros de mora, é justificada. Esta caução não é, em qualquer caso, susceptível, quer pelas despesas que comporta quer pelas consequências sobre a situação financeira, de causar um prejuízo grave e irreparável à requerente.

 

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE,

decidindo provisoriamente,

determina:

 

1)

É suspensa a execução, do artigo 4.o da Decisão 86/398 da Comissão, de 23 de Abril de 1986, no que respeita à requerente, desde que preste uma garantia bancária, aceite pela Comissão, que garanta o pagamento da multa aplicada pelo artigo 3.o da decisão impugnada e dos eventuais juros de mora.

 

2)

É concedido à requerente um prazo máximo de quinze dias, a partir da data de notificação do presente despacho, para prestar à Comissão a referida garantia bancária. Durante este prazo, a Comissão não fará qualquer diligência para obter a execução coactiva nos termos do artigo 192.o do Tratado CEE.

 

3)

A decisão sobre as despesas será proferida no processo principal.

 

Luxemburgo, 24 de Setembro de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente

A. J. Mackenzie Stuart


( *1 ) Língua do processo: italiano.