61986J0144

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (SEXTA SECCAO) DE 8 DE DEZEMBRO DE 1987. - GUBISCH MASCHINENFABRIK AG CONTRA GIULIO PALUMBO. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELA CORTE SUPREMA DI CASSAZIONE DE ROMA. - CONVENCAO DE BRUXELAS - NOCAO DE LITISPENDENCIA. - PROCESSO 144/86.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 04861
Edição especial sueca página 00271
Edição especial finlandesa página 00273


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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Convenção relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões - Litispendência - Noção - Interpretação autónoma - Acções com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir - Acção de anulação ou de resolução de um contrato e acção de execução do mesmo contrato

(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 21.°)

Sumário


As noções utilizadas no artigo 21.° da convenção de 27 de Setembro de 1968 para determinar a existência de uma situação de litispendência devem ser consideradas autónomas.Há litispendência na acepção do referido artigo quando uma parte propõe num tribunal de um Estado contratante uma acção com vista à anulação ou à resolução de um contrato de venda internacional, estando pendente num tribunal de outro Estado contratante uma acção de execução do mesmo contrato, proposta pela contraparte.

Partes


No processo 144/86,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, em aplicação do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação, pelo Tribunal de Justiça, da convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pela Corte suprema di cassazione de Roma, com vista a obter, no processo pendente neste tribunal entre

Gubisch Maschinenfabrik KG, com sede em Flensburg,

e

Giulio Palumbo, residente em Roma,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 21.° da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), O TRIBUNAL (Sexta Secção),

constituído pelos Srs. O. Due e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, K. Bahlmann e C. Kakouris, juízes,

advogado-geral: G. F. Mancini

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal

vistas as observações apresentadas:

- em representação da sociedade Gubisch, por E. Meissner, advogado, na fase escrita,

- em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Ch. Boehmer, na fase escrita,

- em representação do Governo da República Italiana, por O. Fiumara, na fase escrita,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Berardis, nas fases escrita e oral,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 19 de Março de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Junho de 1987,profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 9 de Janeiro de 1986, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Junho do mesmo ano, a Corte suprema di cassazione submeteu, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação, pelo Tribunal de Justiça, da convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (adiante designada por "convenção"), uma questão prejudicial respeitante à interpretação do artigo 21.° da convenção.

2 A questão foi suscitada no quadro de um litígio que opõe a sociedade Gubisch Maschinenfabrik KG, com sede em Flensburg (República Federal da Alemanha), a Giulio Palumbo, residente em Roma, em que se discute a validade de um contrato de venda. Giulio Palumbo propusera contra a Gubisch uma acção no Tribunal de Roma pedindo a declaração de nulidade deste contrato, devido ao facto de a sua proposta ter sido revogada antes de chegar ao conhecimento da destinatária para aceitação; a título subsidiário, pedia que o contrato fosse anulado por vício de vontade e, a título ainda mais subsidiário, que fosse decretada a resolução do contrato, dado que a Gubisch não tinha respeitado o prazo de entrega. 3 Esta última excepcionou a incompetência do Tribunal de Roma, nos termos e para os efeitos do artigo 21.° da convenção, alegando que tinha previamente intentado no Tribunal Comercial de Flensburg uma acção destinada a obter a execução da prestção devida por Giulio Palumbo nos termos do contrato, ou seja, o pagamento da máquina adquirida.

4 Tendo o Tribunal de Roma considerado improcedente a excepção de litispendência baseada no artigo 21.° da convenção, a Gubisch recorreu para a Corte suprema di cassazione, que suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

"A noção de litispendência referida no artigo 21.° da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 abrange a hipótese em que, relativamente ao mesmo contrato, uma parte intenta num tribunal de um Estado contratante uma acção destinada a obter a declaração de nulidade (ou, pelo menos, a resolução) do contrato, enquanto a outra parte intenta num tribunal de outro Estado contratante uma acção de execução do mesmo contrato?"

5 Para uma mais ampla exposição dos factos, da evolução do processo e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida em que se tornem necessários à fundamentação do Tribunal. 6 A fim de responder à questão colocada, é necessário determinar, previamente, se as expressões utilizadas no artigo 21.° da convenção para descrever os requisitos da "litispendência", termo que figura apenas na epígrafe da secção VIII do título II, devem ser interpretadas autonomamente, ou se deve considerar-se que remetem para o direito interno de cada um dos Estados participantes.

7 A este respeito, deve salientar-se, como já o fez o Tribunal de Justiça no acórdão de 6 de Outubro de 1976 (Tessili, 12/76, Recueil, p. 1473), que nenhuma destas possibilidades implica a exclusão da outra, já que a escolha adequada deve ser encontrada relativamente a cada uma das normas da convenção de modo, no entanto, a garantir a plena eficácia desta na perspectiva dos objectivos enunciados no artigo 220.° do Tratado CEE.

8 Neste contexto, cabe recordar que a convenção, de acordo com o seu preâmbulo, que retoma parcialmente o conteúdo do referido artigo 220.°, visa designadamente simplificar o reconhecimento e a execução das decisões judiciais, bem como reforçar na Comunidade a tutela jurídica das pessoas nela residentes. No que se refere mais especificamente ao artigo 21.°, este está inserido, juntamente com o artigo 22.°, relativo à conexão, na secção VIII do título II da convenção, secção que visa, no interesse de uma boa administração da justiça na Comunidade, evitar que em tribunais de diversos Estados contratantes estejam pendentes processos paralelos, bemcomo a disparidade de julgados que daí podia resultar. Assim, essa regulamentação tem em vista excluir à partida, na medida do possível, uma situação com a contemplada no n.° 3 do artigo 27.°, ou seja, o não reconhecimento de uma decisão por incompatibilidade com uma decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado requerido.

9 O Tribunal de Justiça reconheceu aliás, no acórdão de 30 de Novembro de 1976 (De Wolf, 42/76, Recueil, p. 1759), a importância destes objectivos da convenção, mesmo além do âmbito estrito da litispendência, salientando que seria contrária ao espírito dos artigos 26.° e seguintes, relativos ao reconhecimento de decisões judiciais, a admissão de uma acção idêntica, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao pedido, a uma outra já julgada por um tribunal de outro Estado contratante.

10 Por outro lado, há que notar que a noção de litispendência não é a mesma em todas as ordens jurídicas dos Estados contratantes e que, tal como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão de 7 de Junho de 1984 (Zelger, 129/83, Recueil, p. 2397), não é possível deduzir, de uma aproximação de várias disposições nacionaois aplicáveis, uma noção comum de litispendência. 11 Tendo em atenção os referidos objectivos prosseguidos pela convenção, bem como o facto de o artigo 21.°, em vez de se referir ao termo "litispendência" tal como é utilizado nas diversas ordens jurídicas nacionais dos Estados contratantes, enumerar vários pressupostos materiais como elementos de uma definição, há que concluir pela autonomia das noções utilizadas no artigo 21.° para determinar a existência de uma situação de litispendência.

12 Esta solução não contradiz o referido acórdão de 7 de Junho de 1984, no qual o Tribunal de Justiça salientou que a questão de saber em que momento uma acção está pendente, na acepção do artigo 21.° da convenção, deve ser analisada e resolvida, por cada tribunal, com base no respectivo direito nacional. Na verdade, este entendimento baseia-se no facto de este artigo não indicar a natureza das formalidades processuais correspondentes, dado que a convenção não visa a unificação das referidas formalidades, estreitamente ligadas à organização judicial dos diversos Estados-membros. Tal entendimento não prejudica assim a interpretação do conteúdo material os pressupostos da litispendência enunciados no artigo 21.°

13 É pois considerando os referidos objectivos e tendo em vista salvaguardar a coerência do disposto nos artigos 21.° e 27.°, n.° 3, que deve abordar-se a questão de saber se uma situação processual como a que se verifica no caso em apreço é contemplada pelo artigo 21.° Esta situação caracteriza-se pelo facto de uma parte tert proposto num tribunal de primeira instância uma acção de execução de uma prestação prevista num contrato e venda internacional, vendo-se ulteriormente confrontada com uma acção, intentada pela outra parte, noutro Estado contratante, em que é pedida a declaração de nulidade ou a resolução do mesmo contrato.

14 A este respeito, deve antes de mais observar-se que, nos termos do artigo 21.°, esta disposição é aplicada quando as partes em duas acções são as mesmas e quando aquelas têm a mesma causa de pedir e o mesmo pedido; não se exige qualquer outro requisito. Mesmo se a versão alemã do artigo 21.° não distingue expressamente as noções de "pedido" e de "causa de pedir", há que interpretar esta versão em sentido análogo ao das outras versões linguísticas, que consagram toda esta distinção.

15 A situação processual subjacente à presente questão prejudicial é caracterizada pelo facto de os mesmos sujeitos estarem envolvidos em dois processos pendentes em diversos Estados contratantes, baseados na mesma "causa de pedir", isto é, na mesma relação contratual. O problema que então se põe é o de saber se estas duas acções têm o mesmo "pedido" quando, no primeiro caso, opedido visa a execução do contrato e, no segundo, a sua nulidade ou resolução.

16 Quando se trata concretamente, como no caso em apreço, da venda internacional de bens móveis e corpóreos, parece que o pedido de execução do contrato se destina a torná-lo eficaz, e que o pedido de declaração da nulidade ou da resolução tem precisamente em vista privá-lo de qualquer eficácia. A força obrigatória do contrato encontra-se assim no centro da discussão em ambos os litígios. Se o pedido de declaração de nulidade ou de resolução for posterior pode mesmo ser considerado como mero meio de defesa contra o primeiro pedido apresentado sobre a forma de uma acção autónoma perante um tribunal de outro Estado contratante.

17 Nesta situação processual, é forçoso concluir que os dois processos têm o mesmo pedido, dado que esta noção não pode ser restringida à identidade formal das duas acções.

18 De facto, se num caso como o presente os litígios emergentes de um mesmo contrato de venda internacional não fossem decididos apenas pelo tribunal em que está pendente a acção de cumprimento do contrato, e que foi demandado em primeiro lugar, a parte que requer a execução do contrato correria o risco de não obter, nos termos do n.° 3 do artigo 27.°, o reconhecimento de uma decisão proferida a seu favor, e isto mesmo que a defesa eventualmenteapresentada pelo demandado, baseada no carácter não obrigatório do contrato, não tivesse sido considerada procedente. Não se pode, de facto, duvidar que o reconhecimento de uma decisão judicial, proferida num Estado contratante, de condenação no cumprimento de um contrato seria recusado no Estado requerido no caso de existir uma decisão de um tribunal deste último Estado que declarasse a nulidade ou a resolução do mesmo contrato. Tal resultado, implicando a limitação dos efeitos das decisões judiciais ao respectivo território nacional, violaria os objectivos da convenção, que tem em vista reforçar, em todo o espaço jurídico comunitário, a tutela jurídica das pessoas nele residentes, bem como facilitar o reconhecimento, em cada Estado contratante, das decisões judiciais proferidas em qualquer outro Estado contratante.

19 Deste modo, há que responder ao tribunal nacional que a noção de litispendência referida no artigo 21.° da convenção de 27 de Setembro de 1968 abrange o caso em que uma parte propõe num tribunal de um Estado contratante uma acção destinada a obter a declaração de nulidade ou a resolução de um contrato de venda internacional, estando pendente no tribunal de um outro Estado contratante uma acção proposta pela contraparte em que é pedida a execução do mesmo contrato.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

20 As despesas efectuadas pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo da República Italiana e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de um incidente suscitado perante o tribunal nacional, cabe a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pela Corte suprema di cassazione, por decisão de 9 de Janeiro de 1986, declara:

A noção de litispendência referida no artigo 21.° da convenção de 27 de Setembro de 1968 abrange o caso em que uma parte propõe num tribunal de um Estado contratante uma acção com vista à declaração de nulidade ou à resolução de um contrato de venda internacional, estando pendente numtribunal de outro Estado contratante uma acção de execução do mesmo contrato, proposta pela contraparte.