61986J0118

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (QUINTA SECCAO) DE 6 DE OUTUBRO DE 1987. - OPENBAAR MINISTERIE CONTRA NERTSVOEDERFABRIEK NEDERLAND BV. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO GERECHTSHOF DE ARNHEM. - LIVRE CIRCULACAO DE MERCADORIAS - MIUDEZAS DE AVES DE CAPOEIRA. - PROCESSO 118/86.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 03883


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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Livre circulação de mercadorias - Restrições quantitativas - Medidas de efeito equivalente - Obrigação de os produtores de miudezas de aves de capoeira as cederem às empresas de esquartejamento autorizadas - Compatibilidade com as diposições do Tratado e das organizações comuns de mercado - Condições - Proibição de exportação das miudezas - Medida desproporcionada

(Tratado CEE, artigos 30.°, 34.° e 36.°; regulamentos do Conselho n.os 827/68, artigo 4.° e 2777/75, artigo 11.°)

Sumário


Uma regulamentação nacional, promulgada no interesse da protecção da saúde e da vida das pessoas e animais, que reserva aos titulares de uma autorização administrativa de esquartejamento arecolha e o tratamento de todos os despojos de animais e que implica, para os produtores de miudezas de aves de capoeira, a obrigação de as ceder, enquanto despojos de animais, apenas às empresas de esquartejamento autorizadas, só é compatível com os artigos 30.° e 34.° do Tratado e disposições correspondentes dos regulamentos n.os 827/68 e 2777/75, que estabelecem a organização comum de mercado nos sectores susceptíveis de abranger essa actividade, na medida em que não provoca nas importações provenientes de e nas exportações destinadas a outros Estados-membros quaisquer entraves além dos justificados, ao abrigo do artigo 36.° do Tratado, pela preocupação de fazer respeitar, no território nacional, disposições sanitárias que regulam a recolha e o transporte dos produtos considerados nocivos à saúde. Nesta matéria, a proibição de exportação das miudezas não se mostra necessária, uma vez que estão preenchidas as condições exigidas pelas referidas disposições.

Partes


No processo 118/86,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado, pelo Gerechtshof (Tribunal de Segunda Instância) de Arnhem (Países Baixos), tendente a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Openbaar Ministerie,

e

Nertsvoederfabriek Nederland BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Veenendaal (Países Baixos),

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação dos artigos 30.°, 34.°, 36.° e 37.° do Tratado CEE, do Regulamento n.° 827/68 do Conselho, de 28 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado para certos produtos enumerados no anexo II do Tratado (JO L 151, p. 16; EE 03 F2 p. 170) e do Regulamento n.° 2777/75do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira (JO L 282, p. 77; EE 03 F9 p. 151),

O TRIBUNAL (Quinta Secção),

constituído pelos Srs. Y. Galmot, presidente de secção, F. Schockweiler, G. Bosco, U. Everling e R. Joliet, juízes,

advogado-geral: J. L. da Cruz Vilaça

secretário: D. Louterman, administradora

vistas as observações apresentadas:

- em representação da Nertsvoederfabriek Nederland BV, arguida no processo principal, por H. J. Bronkhorst, na fase escrita do processo e por D. J. Drijber, advogado no foro de Haia, na audiência,

- em representação do Governo do Reino dos Países Baixos, por E. F. Jacobs, na fase escrita do processo,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, pelo seu consultor jurídico R. C. Fischer, na fase escrita do processo e na audiência,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 17 de Março de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Maio de 1987,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 27 de Março de 1986, entrada no Tribunal em 21 de Maio seguinte, o Gerechtshof de Arnhem submeteu, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 30.°, 34.°, 36.° e 37.° do Tratado CEE e dos regulamentos n.° 827/68, do Conselho, de 28 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado para certos produtos enumerados no anexo II do Tratado (JO L 151, p. 16) e n.° 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira (JO L 282, p. 77).

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de uma acção penal movida contra a Nertsvoederfabriek Nederland BV, sociedade de direito neerlandês, acusada de, entre Janeiro de 1984 e 23 de Outubro do mesmo ano, em Veenendaal, ter mantido em funcionamento, sem autorização, em infracção ao artigo 5.° da "Destructiewet" (lei neerlandesa relativa à destruição de carcaças de gado e despojos de animais), de 21 de Fevereiro de 1957 (Staatsblad 1957/84, p. 155), uma instalação destinada principalmente a eliminar a nocividade dos despojos de proveniência animal, através da sua transformação emprodutos úteis e de, na referida instalação (esquartejadouro), ter transformado miudezas de aves de capoeira num produto acabado (pó acastanhado) apto a ser utilizado no fabrico de rações para animais através de um processo de aquecimento numa recicladora (instalação de secagem).

3 Considerando que o litígio suscitava uma questão de interpretação de direito comunitário, o Gerechtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal a questão seguinte:

"Admitindo:

- que a legislação de um Estado-membro entende por esquartejamento: o facto de tornar não nocivos os despojos de animais pela sua transformação em produtos úteis num esquartejadouro; por esquartejadouro: a instalação destinada exclusiva ou principalmente a tornar não nocivos os despojos de origem animal pela sua transformação em produtos úteis; por despojos de animais, entre outras coisas: as miudezas de peças de caça e de aves de capoeira que são manifestamente impróprias para consumo humano e que provêm de instalações em que o abate de peças de caça e de aves de capoeira seja efectuado a título profissional, com excepção das miudezas a que seja dado qualquer outro destino útil;

- que o abate das aves de capoeira implica a formação de despojos, que representam cerca de 18% da ave, e dos quais cerca de um quarto pode ter outro destino útil;

- que a lei proíbe a subtracção dos despojos de animais ao esquartejamento;

- que a lei proíbe a criação, a colocação ou manutenção em funcionamento, o aumento ou modificação de uma instalação de esquartejamento sem autorização e que essa autorização pode ser dada no interesse de uma execução eficaz do esquartejamento;

- que foram concedidas quatro autorizações no Estado-membro em causa;

- que o titular da autorização está obrigado a recolher e a esquartejar gratuitamente todos os despojos de animais na área que lhe foi atribuída;

- que o esquartejamento de miudezas de aves de capoeira - que é uma actividade rendível - é, assim, reservado aos titulares de uma autorização;

- que, segundo o Estado em questão, a lei proíbe a exportação de despojos de animais,

como devem então interpretar-se os artigos 30.° e/ou 34.° e/ou 36.° e/ou 37.° do Tratado CEE e/ou o Regulamento (CEE) n.° 827/68 do Conselho, de 28 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado para certos produtos enumerados no anexo II do Tratado, e/ou o Regulamento (CEE) n.° 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira, relativamente ao facto de o esquartejamento de miudezas de aves de capoeira estar reservado a um certo número de titulares de autorizações?"

4 No que se refere aos factos, à tramitação do processo e às observações apresentadas nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão retomados na medida do necessário à fundamentação da decisão do Tribunal.

5 Com esta questão, o juiz de reenvio quererá saber, em substância, se uma regulamentação nacional que reserva aos titulares de uma autorização administrativa de esquartejamento, encarregados da eliminação de todos os despojos de animais, o tratamento de miudezas de aves de capoeira e que obriga os produtores dessas miudezas a cedê-los apenas a essas empresas de esquartejamento autorizadas a troco de uma retribuição paga por estes últimos é compatível com as disposições do Tratado referentes às restrições quantitativas à importação e exportação ou medidas de efeito equivalente e com as referentes aos monopólios nacionais de natureza comercial, bem como com as disposições dos regulamentos que estabelecem a organização comum de mercado em que se incluem essas miudezas.

6 Deve-se, em primeiro lugar, determinar quais as disposições comunitárias de entre as enumeradas pelo juiz de reenvio que são susceptíveis de aplicação à situação descrita.

7 Quanto ao artigo 37.° do Tratado, verifica-se não ser aplicável no caso em apreço. Ao exigir uma autorização para exploração de uma instalação de esquartejamento e ao prescrever que a eliminação e o tratamento de despojos de animais, entre os quais figuram as miudezas de aves de capoeira, são reservados apenas aos possuidores dessa autorização, aos quais todos os despojos de animais devem ser obrigatoriamente cedidos, a regulamentação nacional descrita pelo juiz de reenvio não institui um monopólio nacional denatureza comercial, único visado por esta disposição. Com efeito, basta constatar ser pacífico que a regulamentação em causa permite a qualquer interessado que preencha as condições exigidas pela regulamentação e se submeta às obrigações da mesma resultantes, requerer e obter a autorização exigida.

8 No que concerne aos regulamentos que estabelecem a organização comum de mercado e sem que seja necessário determinar se, neste caso, as miudezas de aves de capoeira dependem da organização comum de mercado regida pelo Regulamento n.° 827/68 ou da regida pelo Regulamento n.° 2777/75, basta ter em consideração que as únicas normas susceptíveis de serem afectadas pela regulamentação em causa são as disposições do artigo 4.° do Regulamento n.° 827/68 e do artigo 11.° do Regulamento n.° 2777/75, que se limitam a proibir, nas trocas intracomunitárias, qualquer restrição quantitativa ou medida de efeito equivalente, apenas com as reservas previstas nestes regulamentos.

9 Uma vez que estas disposições reproduzem as proibições constantes dos artigos 30.° e 34.° do Tratado, é apenas sob o ponto de vista das disposições destes artigos, relativos à supressão das restrições quantitativas à importação e exportação e quaisquer medidas de efeito equivalente, consideradas como fazendo parte integrante das organizações comuns de mercado, que se deve apreciar a regulamentação descrita pelo juiz de reenvio.

10 No que respeita ao artigo 30.°, verifica-se que da regulamentação descrita não resulta qualquer proibição de importação, pelo que não há necessidade de o Tribunal se debruçar sobre esta disposição. A alegada circunstância de que as empresas de esquartejamento apenas pagam preços mínimos nas compras de miudezas de aves de capoeira não é susceptível de pôr em causa esta verificação, uma vez que se trata apenas de um comportamento das empresas.

11 Quanto ao artigo 34.°, ele tem aplicação na medida em que a regulamentação nacional, pelo facto de obrigar os produtores a ceder as miudezas ao munícipio do seu lugar de estabelecimento, comporta implicitamente uma proibição de exportação. Deve-se, portanto, examinar se essa restrição às trocas tem justificação face ao artigo 36.° do Tratado, invocado pelo Governo neerlandês ao afirmar que a regulamentação prossegue, tal como, de resto, resulta dos considerandos da lei, objectivos de ordem sanitária com a finalidade de prevenir a propagação de doenças de animais e de qualquer poluição susceptível de comprometer a qualidade de vida.

12 Na falta, no plano comunitário, de disposições que prevejam a harmonização de todas as medidas necessárias para assegurar, no domínio das miudezas de aves de capoeira, e nomeadamente das miudezas de aves de capoeira impróprias para consumo humano, a protecção da saúde e vida das pessoas e dosanimais, estabelecendo processos comunitários de controlo da sua observância, o artigo 36.° do Tratado pode ser invocado pelos Estados-membros para justificar certas restrições ao comércio intracomunitário de miudezas de aves de capoeira, nomeadamente das impróprias para consumo humano. Com efeito, o simples estabelecimento de uma organização comum de mercado não tem por efeito subtrair os produtores agrícolas a toda e qualquer regulamentação nacional que prossiga objectivos diversos dos visados pela organização comum de mercado, ainda que esta regulamentação possa ter alguma incidência no funcionamento do mercado no sector em questão (ver acórdão de 1 de Abril de 1982, Holdijk e outros, processos apensos 141 a 143/81, Recueil, p. 1299).

13 Porém, uma regulamentação nacional apenas beneficia da derrogação do artigo 36.° quando a saúde e a vida das pessoas e dos animais não possam ser protegidas de forma tão eficaz através de medidas menos restritivas das trocas intracomunitárias.

14 Deste ponto de vista, no que se refere, em primeiro lugar, à obrigação de ceder as miudezas de aves de capoeira apenas às empresas de esquartejamento autorizadas, com exclusão de qualquer outro operador que exerça a sua actividade no território nacional, o Governo neerlandês alega de forma convincente ser esta obrigação indispensável para preservar a eficácia do regime instituído pela "Destructiewet", com a finalidade de assegurar, com todas as garantias exigidas pelos interesses da saúde e da vida das

pessoas e dos animais, a recolha e eliminação de todos os despojos de animais.

15 Nestas condições, pouco importa que as miudezas de aves de capoeira possam, após transformação, dar origem a um produto susceptível de comercialização pelas empresas de esquartejamento e, deste modo, assegurar a sua rentabilidade. Com efeito, tal como o Tribunal admitiu no seu acórdão de 10 de Julho de 1984 (Campus Oil Ltd/Ministro da Indústria e Energia, 72/83, Recueil, p. 2727), a aplicação do artigo 36.° não fica excluída pelo mero facto de uma regulamentação nacional, justificada por circunstâncias objectivas que satisfazem as exigências dos interesses nele visados, permitir atingir acessoriamente outros objectivos de carácter económico. Assim sucede, por maioria de razão, quando o objectivo de carácter económico deve viabilizar a realização do objectivo sanitário.

16 No que respeita, em segundo lugar, à proibição implícita de exportar, deve assinalar-se que, para realizar o objectivo prosseguido por uma regulamentação que visa assegurar a eliminação dos despojos de animais com todas as garantias sanitárias requeridas, não é necessário proibir a exportação das miudezas de aves de capoeira, uma vez que estão preenchidas as condições sanitárias exigidas por essa regulamentação no que respeita à recolha e transporte no território nacional.

17 Consequentemente, deve responder-se à questão submetida pelo Gerechtshof de Arnhem que os regulamentos n.os 827/68 e 2777/75 não impedem que uma regulamentação nacional, publicada no interesse da protecção da saúde e da vida das pessoas e animais, reserve aos titulares de uma licença administrativa de esquartejamento a recolha e tratamento de todos os despojos de animais e implique, para os produtores de miudezas de aves de capoeira, a obrigação de as ceder, enquanto despojos de animais, apenas às empresas de esquartejamento autorizadas. Tal regulamentação, uma vez que afecta as trocas intracomunitárias, só é pois compatível com os artigos 30.°, 34.° e 36.° do Tratado, na medida em que não provoca nas importações e exportações provenientes ou destinadas a outros Estados-membros outros entraves além dos justificados, ao abrigo do artigo 36.° do Tratado, pela preocupação de fazer respeitar, no território nacional, disposições sanitárias que regulam a recolha e o transporte dos produtos considerados nocivos à saúde.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

18 As despesas em que incorreram o Governo do Reino dos Países Baixos e a Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser objecto de reembolso. Revestindo o processo, em relação às partesno processo principal, o carácter de incidente levantado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Quinta Secção)

pronunciando-se quanto à questão que lhe foi submetida pelo Gerechtshof de Arnhem, por decisão de 27 de Março de 1986, declara:

Os regulamentos n.° 827/68 do Conselho, de 28 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado para certos produtos enumerados no anexo II do Tratado, e n.° 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira, não impedem que uma regulamentação nacional, publicada no interesse da protecção da saúde e da vida das pessoas e animais, reserve aos titulares de uma licença administrativa de esquartejamento, a recolha e tratamento de todos os despojos de animais e implique, para os produtores de miudezas de aves, a obrigação de as ceder, enquanto despojos de animais, apenas às empresas de esquartejamento autorizadas. Tal regulamentação, uma vez que afecta as trocas intracomunitárias, só é, pois, compatível com os artigos 30.°, 34.° e 36.° do Tratado, na medida em que não provoca nas importações provenientes de, ou nas exportações destinadas a outros Estados-membros, quaisquer entraves além dos justificados, ao abrigo do artigo 36.° do Tratado, pela preocupação de fazer respeitar, no território nacional, disposições sanitárias que regulam a recolha e o transporte dos produtos considerados nocivos à saúde.