61986J0089

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (QUINTA SECCAO) DE 7 DE JULHO DE 1987. - L'ETOILE COMMERCIALE E SOCIETE COMPTOIR NATIONAL TECHNIQUE AGRICOLE CNTA CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - AJUDAS RELATIVAS AS SEMENTES OLEAGINOSAS - ADMISSIBILIDADE. - PROCESSOS APENSOS 89 E 91/86.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 03005


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Recurso de anulação - Pessoas singulares ou colectivas - Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito- Decisão da Comissão que recusa a tomada a cargo pelo FEOGA de uma ajuda irregularmente concedida pelas autoridades nacionais - Recurso do beneficiário da ajuda obrigado à restituição face às autoridades nacionais - Inadmissibilidade

(Segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE)

2. Pedido de indemnização - Objecto - Pedido de indemnização com fundamento na ilegalidade de uma decisão tomada por um organismo nacional aquando da aplicação de regulamentação comunitária - Competência do Tribunal - Condições - Possibilidade de imputação da ilegalidade alegada a uma instituição comunitária

(Artigo 178.° e segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado CEE; Regulamento n.° 729/70 do Conselho)

Sumário


1. Uma decisão da Comissão dirigida a um Estado-membro, que recusa a tomada a cargo pelo FEOGA de ajudas irregularmente concedidas pelas autoridades nacionais a um operador económico não dizem directa e individualmente respeito a esse operador económico. Pouco importa a este respeito que essa decisão tenha tido por consequência que as autoridades nacionais tenham procedido ao reembolso das somas indevidamente concedidas, tal como inicialmente tinham previsto para essa eventualidade.

2. As disposições conjugadas dos artigos 178.° e 215.° do Tratado apenas conferem competência ao Tribunal para reparar os danos causados pelas instituições comunitárias ou pelos seus agentes que tenham agido no exercício das suas funções, isto é, para reparar os danos susceptíveis de pôr em jogo a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Em contrapartida, os danos causados pelas instituições nacionais apenas são susceptíveis de pôr em jogo a responsabilidade dessas instituições e só os tribunais nacionais são competentes para garantir a sua reparação.

Quando a decisão causadora do prejuízo foi tomada por um organismo nacional que actua para assegurar a execução de regulamentação comunitária, deve verificar-se, para fundamentar a competência do Tribunal, se o comportamento cuja ilegalidade é alegada como fundamento do pedido de indemnização emana realmente de uma instituição comunitária. Não é esse o caso quando um organismo nacional, na sequência de uma decisão da Comissão relativa ao apuramento das contas do FEOGA, decide, por sua própria iniciativa, proceder, por força da obrigação geral que lhe impõe o Regulamento n.° 729/70, relativo ao financiamento da política agrícola comum, ao reembolso das ajudas irregularmente concedidas.

Partes


Nos processos apensos 89 e 91/86,

L' Étoile commerciale, com sede em Paris, representada por Jean-René Gaud, advogado no foro de Paris, que escolheu domicílio no Luxemburgo no escritório de Jean Medernach, 11 A, boulevard Prince Henri,

e

Comptoir national technique agricole "CNTA", com sede em Paris, representada por Jean-François Pericaud, advogado no foro de Paris, que escolheu domicílio no Luxemburgo no escritório de Loesch e Wolter, 2, rue Goethe,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Jean-Claude Séché, na qualidade de agente, que escolheu domicílio no Luxemburgo junto de Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 85/456 da Comissão, de 28 de Agosto de 1985, relativa ao apuramento das contas apresentadas pela República Francesa a título de despesas financiadas pelo FEOGA para o exercício de 1981 relativamente a ajudas pagas ao CNTA para a transformação de sementes de girassol pela Société interprofessionnelle des oléagineux,

O TRIBUNAL (Quinta Secção),

constituído pelos Srs. Y. Galmot, presidente de secção, G. Bosco, U. Everling, R. Joliet e J. C. Moitinho de Almeida, juízes,

advogado-geral: J. L. da Cruz Vilaça

secretário: J. A. Pompe, secretário adjunto

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 20 de Janeiro de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Março de 1987,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal em 26 e 27 de Março de 1986, a sociedade l' Étoile commerciale e a sociedade Comptoir national technique agricole (CNTA) interpuseram, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 173.°, do artigo 178.° e do segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado CEE, recursos que visam:

- a anulação da Decisão 85/456 da Comissão, de 28 de Agosto de 1985, relativa ao apuramento das contas apresentadas pela República Francesa a título de despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (a seguir FEOGA), Secção Garantia, para o exercício financeiro de 1981 (JO L 267, p. 24) na medida em que esta não considerou a cargo do FEOGA um montante correspondente às ajudas relativas a determinados lotes de sementes oleaginosas esmagadas pelo CNTA em Outubro e Novembro de 1980;

- a reparação do prejuízo sofrido por, em virtude desta decisão, a Société interprofessionelle des oléagineux (SIDO), na qualidade de organismo francês encarregado da aplicação do regime de ajudas para as sementes oleaginosas, ter exigido das recorrentes a restituição dessas ajudas;

- bem como, subsidiariamente, a anulação do Regulamento n.° 1204/72 da Comissão, de 7 de Junho de 1972, que estabelece modalidades de aplicação do regime de ajuda às sementes oleaginosas (JO L 133, p. 1).

2 Resulta dos elementos do processo que, em Outubro e Novembro de 1980, o CNTA efectuou o esmagamento de vários lotes de sementes oleaginosas e pediu ao organismo competente para beneficiar, a esse título, das ajudas previstas no n.° 1 do artigo 27.° do Regulamento n.° 136/66 do Conselho, de 22 de Setembro de 1966, que estabelece uma organização comum de mercado no sector das matérias gordas (JO 172, p. 3025; EE 03 F1 p. 214). Tendo constatado que o CNTA não tinha observado certas disposições de natureza administrativa relativas ao controlo da transformação das sementes em questão e que essa inobservância podia pôr em causa a compatibilidade da concessão das ajudas com a regulamentação comunitária aplicável na altura, a SIDO fez depender a atribuição das ajudas da prestação pelo CNTA de uma caução que garantisse o reembolso, mediante simples pedido da SIDO, da soma de que o CNTA "seja devedora quando o FEOGA tiver decidido sobre a elegibilidade dos adiantamentos da ajuda concedidos". Esta caução, num montante de 8 586 278 FF, foi prestada pela l' Étoile commerciale a favor do CNTA

3 Seguidamente, na altura do apuramento das contas do FEOGA, Secção Garantia para o exercício de 1981, a Comissão, com a Decisão 85/456, de 28 de Agosto de 1985, dirigida à República Francesa, recusou considerar a cargo do FEOGA o montante das ajudas acima mencionadas.

4 Por carta de 27 de Janeiro de 1986, a SIDO informou a l' Étoile commerciale dessa decisão da Comissão e endereçou-lhe uma cópia do relatório de síntese relativo aos controlos efectuados pela Comissão. Ao mesmo tempo, interpelou-a a pagar o montante da caução prestada a favor do CNTA, que se encontrava em processo de falência (règlement judiciaire) desde 1983. A l' Étoile commerciale informou, por sua vez, o CNTA desse pedido e fez chegar à SIDO o montante de que esta tinha sido considerada devedora por força da Decisão 85/456 da Comissão.

5 Contra os presentes recursos, pelos quais a l' Étoile commerciale e o CNTA impugnam a recusa da Comissão em considerar a cargo do FEOGA a concessão das ajudas em questão e pedem indemnização do prejuízo sofrido, a Comissão suscita uma excepção de inadmissibilidade por acto separado apresentado nos termos do n.° 1 do artigo 91.° do Regulamento Processual.

6 Em apoio da excepção suscitada, a Comissão afirma fundamentalmente que:

- as recorrentes não respeitaram o prazo de recurso previsto no terceiro parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE e no n.° 1 do artigo 81.° do Regulamento Processual;

- a decisão impugnada não diz directamente respeito às recorrentes, na acepção do segundo parágrafo do artigo 173.°, dado que o apuramento das contas em causa incide apenas sobre a relação entre o Estado-membro e a Comissão;

- o Tribunal apenas é competente para decidir sobre a reparação dos danos causados pelas instituições comunitárias ou seus agentes.

7 Para uma mais ampla exposição dos factos, da tramitação do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão retomados a seguir na medida do necessário à fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto aos pedidos de anulação da Decisão 85/456

8 No que toca aos pedidos de anulação parcial da Decisão 85/456 da Comissão, convém recordar que, nos termos do segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado, uma pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa quando essa decisão lhe diga directa e individualmente respeito.

9 Para responder à questão de saber se a decisão em causa diz directa e individualmente respeito às recorrentes, há que constatar antes de mais que esta se limita a fixar o montante considerado a cargo do FEOGA no âmbito do apuramento das contas apresentadas pela República Francesa para o exercício financeiro de 1981. Resulta tanto da letra dessa decisão como do Regulamento n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220), ao abrigo do qual foi adoptada, que ela respeita apenas às relações financeiras entre a Comissão e a República Francesa.

10 As recorrentes afirmam que, no caso em apreço, a decisão em litígio teve, porém, repercussões directas na sua situação pelo facto de, na sequência dela, a SIDO ter feito uso da faculdade que se reservara na altura da concessão das ajudas de exigir a sua restituição.

11 Neste contexto, deve considerar-se que, de acordo com o sistema institucional da Comunidade e com as normas que regem as relações entre a Comunidade e os Estados-membros, cabe a estes, na falta de disposição em contrário do direito comunitário, assegurar no seu território a execução dos regulamentos comunitários, nomeadamente no quadro da política agrícola comum (ver acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor, 205 a 215/82, Recueil, p. 2633). No que toca, mais particularmente, às acções de financiamento adoptadas no âmbito dessa política, incumbe aos Estados-membros, de acordo com o artigo 8.° do referido Regulamento n.° 729/70, tomar as medidas necessárias à recuperação das somas perdidas na sequência de irregularidades ou de negligências.

12 No que respeita ao sistema de ajudas criado no âmbito da organização comum de mercado aqui em causa, cabe portanto às autoridades nacionais executar os regulamentos comunitários e adoptar, em relação aos operadores económicos em causa, as decisões individuais necessárias. Aquando dessa execução, os Estados-membros procederão de acordo com as disposições e modalidades previstas pela legislação nacional, dentro dos limites estabelecidos pelo direito comunitário (ver acórdãos de 6 de Junho de 1972, Schlueter, 94/71, Recueil, p. 307, e de 21 de Setembro de 1983, já referido).

13 É verdade que, no caso presente, a decisão da Comissão, dirigida à República Francesa, de não pôr a cargo do FEOGA as ajudas em litígio incitou a SIDO a proceder ao reembolso desses montantes. Todavia, esse reembolso não é consequência directa da própria decisão impugnada, mas do facto de a SIDO ter submetido a concessão definitiva das ajudas à condição de estas serem postas, no fim de contas, a cargo do FEOGA.

14 Donde resulta que a decisão impugnada não afecta directamente a situação jurídica das recorrentes. Deve recordar-se a este propósito que a protecção dos operadores económicos contra as decisões individuais dos organismos nacionais pode ser assegurada de uma forma eficaz pelas vias de recurso possíveis perante os tribunais nacionais.

15 Nestas condições, os recursos são inadmissíveis na medida em que visam a anulação parcial da Decisão 85/456 da Comissão, sem que exista necessidade de examinar se foram interpostos no prazo previsto no terceiro parágrafo do artigo 173.°

Quanto ao pedido de indemnização

16 Os recursos visam, além disso, obter, ao abrigo do artigo 178.° e do segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado CEE, a reparação do prejuízo resultante da decisão pela qual a SIDO exigiu das recorrentes a restituição das ajudas que tinham sido atribuídas ao CNTA.

17 Convém lembrar que as disposições conjugadas dos artigos 178.° e 215.° do Tratado conferem competência ao Tribunal apenas para reparar danos causados pelas instituições comunitárias ou pelos seus agentes que actuem no exercício das suas funções, isto é, para reparar danos susceptíveis de pôr em jogo a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Em contrapartida, os danos causados pelas instituições nacionais apenas são susceptíveis de pôr em jogo a responsabilidade dessas instituições e os tribunais nacionais são os únicos competentes para assegurar a sua reparação (ver o acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn, 175/84, Colectânea, p. 753, 763).

18 Quando, como no caso em consideração, a decisão lesiva foi adoptada por um organismo nacional que actua para assegurar a execução de regulamentação comunitária, deve verificar-se, para fundamentar a competência deste Tribunal, se o comportamento cuja ilegalidade é alegado como fundamento do pedido de indemnização emana realmente de uma instituição comunitária e não pode ser considerado como imputável ao organismo nacional.

19 No caso concreto, as recorrentes limitam-se a invocar, em apoio do seu pedido de indemnização, a ilegalidade da já citada Decisão 85/456, pela qual a Comissão fixou o montante considerado a cargo do FEOGA no âmbito do apuramento das contas apresentadas pela República Francesa para o exercício financeiro de 1981. Mas, como ficou dito supra, essa decisão, que respeita unicamente às relações financeiras internas entre a Comissão e a República Francesa, não teve por objecto e não podia ter por efeito dar à SIDO uma instrução no sentido de tomar a decisão que está na origem do prejuízo invocado. Essa decisão foi tomada unicamente pela SIDO, em execução da obrigação geral, que lhe é imposta pelo Regulamento n.° 729/70, de recuperar as ajudas indevidamente pagas.

20 Nestas condições, o dano alegado pelas recorrentes tem origem exclusivamente na decisão da SIDO, que é um organismo nacional, e o Tribunal de Justiça não é competente para assegurar a sua reparação com fundamento nos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE.

21 Os pedidos de indemnização devem, por isso, ser igualmente rejeitados por inadmissíveis.

Quanto aos pedidos de anulação do Regulamento n.° 1204/72

22 As recorrentes arguem, a título subsidiário, com fundamento no artigo 184.° do Tratado, a inaplicabilidade do Regulamento n.° 1204/72 da Comissão, relativo às modalidades de aplicação do regime de ajuda às sementes oleaginosas. Resulta da jurisprudência do Tribunal (ver acórdão de 16 de Julho de 1981, Albini/Conselho e Comissão, 33/80, Recueil, p. 2141) que a possibilidade de invocar a inaplicabilidade de um regulamento, prevista nesse artigo, não constitui um direito de acção autónomo e apenas pode ser exercido sob a forma de incidente. Em virtude da inadmissibilidade dos pedidos principais, as recorrentes não podem invocar o artigo 184.°

23 Por estas razões, há que rejeitar o conjunto dos pedidos por inadmissibilidade.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

24 Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Quinta Secção)

decide:

1) Os recursos são rejeitados por inadmissíveis.

2) As recorrentes são condenadas nas despesas do processo.