RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo 46/86 ( *1 )

I — Matéria de facto

a) Descrição da regulamentação comunitária sobre a conservação dos recursos da pesca

O Regulamento n.° 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983 (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56), institui um regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca.

Esse regulamento prevê, no artigo 3.°, que, sempre que se revele necessário assegurar a conservação de uma determinada espécie de peixe, o Conselho determinará o total admissível das capturas (doravante «TAC»). Os TAC são determinados ano por ano e espécie por espécie.

O artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento estabelece que «o volume das capturas disponíveis para a Comunidade é repartido entre os Estados-membros de modo a assegurar a cada Estado-membro uma estabilidade relativa das actividades exercidas em relação a cada uma das unidades populacionais (“stocks”) consideradas». Para assegurar o respeito por este princípio, é concedida a cada Estado, em cada ano, uma certa percentagem deste volume de capturas disponíveis. Essas percentagens não variaram desde 1983. O número total de peixes que podem ser capturados pelos pescadores de um Estado-membro não é, todavia, fixo, dado que os TAC, e portanto o volume das capturas disponíveis para a Comunidade, mudam em cada ano.

Sob reserva de prévia notificação à Comissão, o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83 permite, por fim, aos Estados-membros trocarem, no todo ou em parte, as quotas para uma espécie de peixe que lhes tenham sido atribuídas nos termos do artigo 4.°

Cada ano são adoptados regulamentos particulares, que fixam os TAC, bem como as condições nas quais as diversas espécies protegidas de peixe podem ser pescadas. O Regulamento n.° 1/85 do Conselho, «que fixa, para certos “stocks” ou grupos de “stocks” de peixes, os totais admissíveis provisórios de capturas para 1985 e certas condições nas quais podem ser pescados» (JO L 1985, p. 1) diz, designadamente, respeito à fixação e à repartição do TAC para o ano de 1985, no que respeita à solha, nas zonas CIEM II a e IV (quer dizer, no mar do Norte). Este regulamento permitia ao conjunto da frota comunitária pescar, nesse ano, 186000 toneladas de solha no mar do Norte. Desta quantidade, os Países Baixos receberam uma quota de 71540 toneladas.

b) A tramitação do processo principal

O Regulamento n.° 1/85 foi executado nos Países Baixos pelo «decreto que regulamenta a contingentação do linguado e da solha, no mar do Norte, em 1985». Nos termos desse decreto, a quota de solha atribuída aos Países Baixos é repartida entre os pescadores neerlandeses. Em 1985, esse decreto foi modificado para permitir a constituição de contingentes colectivos, geridos pelas associações de pescadores.

A. Romkes é um pescador profissional que reside em Urk. Faz parte da «Producentenorganisatie Oost» (doravante «PO Oost»), que, em 1985, recebeu um contingente de 20000 toneladas sobre a quota de solha concedida aos Países Baixos.

Como outros membros da PO Oost, A. Romkes tinha já esgotado, em 12 de Outubro de 1985, a parte do contingente da associação que lhe tinha sido atribuída. Continuou, no entanto, a pescar a solha após esta data.

A 2 de Novembro de 1985, foi notificado de um auto por infracção aos artigos 7°, n.° 1, e 8.°, n.° 2, do decreto que regulamenta a contingentação do linguado e da solha, no mar do Norte, para 1985. No entanto, prosseguiu a sua pesca e por isso, em 14 de Novembro de 1985, foi objecto de uma medida provisória tomada pelo Officier van Justitie de Zwolle, com base no artigo 28.° da lei sobre os delitos económicos, inti-mando-o a abster-se de pescar a solha no mar do Norte, no que restava do ano de 1985.

A 29 de Novembro de 1985, o total da quota atribuída aos Países Baixos foi esgotado. O encerramento da pesca da solha foi decretado a 30 de Novembro de 1985, para todos os pescadores neerlandeses.

A 5 de Dezembro de 1985, A. Romkes apresentou, no Arrondissementsrechtbank de Zwolle, um pedido de anulação da medida provisória de 14 de Novembro de 1985.

c) A questão prejudicial

O Arrondissementsrechtbank de Zwolle colocou ao Tribunal, por despacho registado na Secretaria a 18 de Fevereiro de 1986, a questão de saber se

«o Regulamento n.° 1/85 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1984, é válido, no que respeita à repartição entre os Estados-membros dos totais de captura de solha admissíveis nas zonas CIEM II a e IV».

No seu despacho, o tribunal nacional explica as razões pelas quais este regulamento poderia eventualmente ser considerado inválido.

Menciona, em primeiro lugar, o argumento de A. Romkes, que sustenta que o Regulamento n.° 1/85 é incompatível com a convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar assinada a 10 de Dezembro de 1982, e mais particularmente com o seu artigo 62.°, n.° 2, que prevê que um Estado que não possa explorar toda a quota de pesca que lhe foi atribuída autorize outros Estados a explorar o remanescente. Todavia, tendo em conta que o artigo 62.° não cria, em seu entender, qualquer obrigação incondicional para os Estados, o tribunal nacional não crê que o regulamento comunitário seja incompatível com esta disposição.

O tribunal nacional expõe, em seguida, que o Regulamento n.° 1/85 do Conselho poderia ser incompatível com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83 do Conselho, que prevê que os TAC são repartidos pelos Estados-membros de modo a assegurar a estabilidade relativa das actividades de pesca. A este respeito, o tribunal nacional pergunta, em primeiro lugar, se se deve manter de modo rigido a repartição das quotas entre os Estados, quando um certo número dos Estados-membros não esgotam as suas quotas. O tribunal nacional, que não pensa que a noção de estabilidade relativa implique a garantia para cada frota de dispor de uma quota suficiente, lembra que, segundo os considerandos do Regulamento n.° 170/83, a estabilidade se deve apreciar tendo em conta as necessidades particulares das regiões, face à situação biológica momentânea dos «stocks». Ora, a situação biológica mudou de tal forma que o TAC da solha foi fortemente aumentado em 1985. Nestas condições, o tribunal nacional pergunta se é oportuno manter a mesma chave da repartição para o volume das capturas disponíveis para a Comunidade, quando as necessidades dos Estados-membros variam.

Por fim, de modo mais geral, o tribunal nacional põe a questão de saber se não há uma incompatibilidade fundamental do Regulamento n.° 1/85 com os objectivos da política comum em matéria de agricultura e de pesca, bem como com o princípio da não discriminação. Com efeito, de há vários anos, a quota comunitária de solha não foi esgotada, enquanto que a parte desta quota atribuída aos Países Baixos o foi. Nestas condições, o tribunal pergunta se o Regulamento n.° 1/85 não comporta, relativamente aos pescadores neerlandeses, limitações que entravam o comércio e que não são indispensáveis à conservação das riquezas biológicas do mar.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das CEE, foram apresentadas observações escritas, a 23 de Maio de 1986, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico, C. Fischer, a 26 de Maio de 1986, pelo Conselho das Comunidades Europeias, representado por J. Delmoly, a 29 de Maio de 1986, por A. Romkes, autor no processo principal, representado pelo advogado H. J. Bronkhorst, a 30.de Maio de 1986, pelo Governo neerlandês, representado por G. Borchardt, e, a 30 de Maio de 1986, pelo Governo do Reino Unido, representado por S. Richards e R. N. Ricks.

Sob proposta do juiz relator e ouvido o ad-vogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem diligências de instrução prévias.

II — Observações apresentadas no Tribunal

O autor no processo principal sublinha, em primeiro lugar, que a convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar foi assinada pela Comunidade a 7 de Dezembro de 1984 e constitui, por consequência, uma regra jurídica vinculativa para esta. O Regulamento n.° 1/85 violaria esta convenção porque não prevê um mecanismo corrector eficaz que permita modificar a chave de repartição existente, quando era previsível que uma grande parte da quota de solha concedida à Comunidade ficaria por explorar. As quantidades não pescadas deveriam ter sido atribuídas aos Estados-membros aos quais tinha sido atribuída uma quota que se sabia insuficiente.

O autor no processo principal invoca também que o Regulamento n.° 1/85 é incompatível com o artigo 4.° do Regulamento n.° 170/83. Com efeito, a estabilidade das actividades de pesca nos Países Baixos estaria já afectada pelo facto de a quota atribuída aos Países Baixos estar totalmente esgotada em 30 de Novembro de 1985. Isto seria ainda mais verdade para uma região como a de Urk, onde o encerramento prematuro da pesca da solha, que representa para os pescadores desta região a única possibilidade de pesca, pode levar certos pescadores a pôr fim às suas actividades e a pôr em perigo outras actividades ligadas à captura de peixe.

Por fim, o autor no processo principal aduz que foram violadas diversas regras comunitárias. Tratar-se-ia, em primeiro lugar, do artigo 1.° do Regulamento n.° 170/83. Este prevê que o regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca deve ser estabelecido para garantir a protecção das reservas de pesca. Ora, a experiência dos anos precedentes teria mostrado que a situação biológica da solha não justificava a instauração de um TAC nem a atribuição aos Países Baixos de uma quota tão pouco importante. Em segundo lugar, haveria violação do artigo 7° do Tratado, na medida em que foi atribuída aos Países Baixos uma quota de solha insuficiente, enquanto outros Estados-membros receberam uma quota que ultrapassa as suas necessidades. Em terceiro lugar, teria sido violado o artigo 30.° do Tratado, porque o sistema instituído entrava o livre acesso dos pescadores neerlandeses aos «stocks» de peixe dos outros Estados-membros em medida maior do que o necessário. Por fim, o regime das quotas instituído não prosseguiria nenhum dos objectivos da política comum no sector da agricultura e da pesca, tal como definidos pelo artigo 39.° do Tratado.

O Governo neerlandês não aborda o problema da eventual incompatibilidade do Regulamento n.° 1/85 com a convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar.

No que respeita ao princípio da estabilidade relativa, o Governo neerlandês explica que esse princípio significa que cada Estado recebe uma percentagem idêntica do TAC para determinada espécie de peixe e obtém, por isso, uma certeza relativa quanto ao volume das suas capturas. Este princípio não implica, todavia, que as quotas que são atribuídas aos Estados-membros devam ser perfeitamente adaptadas à capacidade de captura da frota. O Regulamento n.° 1/85 seria, por isso, compatível com este princípio, já que confere aos Países Baixos a mesma parte no volume das capturas disponíveis para a solha que nos anos precedentes. O facto de os Estados não esgotarem a sua quota seria, por isso, irrelevante. A solução a este respeito consiste em se fazerem trocas de quotas, possíveis por força do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83.

Por fim, no que respeita à terceira eventual causa de invalidade do regulamento em questão mencionada pelo tribunal nacional, o Governo dos Países Baixos sublinha que sem limitação das possibilidades de captura não há conservação possível dos «stocks» de peixe e sem esta não há pesca assegurada no futuro. Por isso, mesmo se o Regulamento n.° 1/85 contivesse uma restrição à liberdade de produção, tal restrição seria compatível com os artigos 30.° a 34.° do Tratado, dado que, sem ela, seria impossível a conservação dos recursos biológicos do mar.

Em guisa de conclusão, o Governo neerlandês considera deplorável uma situação em que certos Estados-membros têm um excedente de quotas de pesca, enquanto que outros esgotam muito rapidamente as suas quotas; todavia, a solução para este problema é política e deve ser negociada no quadro do Conselho.

O Governo do Reino Unido começa por precisar que a convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar não entrou ainda em vigor e não pode, assim, vincular a Comunidade. De qualquer modo, esta, ao assinar essa convenção, formulou uma reserva da qual resulta que o artigo 62.° não se aplica ao regime comunitário de conservação e de gestão da pesca.

No que respeita à noção de «estabilidade relativa», o Governo do Reino Unido considera que um sistema de quotas representativas de uma percentagem fixa do TAC conduz a uma exploração equilibrada, sobre bases duradouras, da actividade da pesca em cada Estado, e é, portanto, compatível com o Regulamento n.° 170/83. Embora, o volume real das capturas possa variar de ano para ano segundo as flutuações da importância do «stock», este sistema é o único que conduz a um resultado satisfatório, ao mesmo tempo que não é completamente inflexível, já que prevê possibilidades de revisão e de troca de quotas. Quanto às percentagens específicas concedidas a cada Estado, são fixadas em função de critérios objectivos e, portanto, são também conformes com a regulamentação de base.

Por fim, no que respeita à incompatibilidade do sistema instituído com os artigos 7.° e 39.° do Tratado, o Governo do Reino Unido sublinha que o sistema se destina a assegurar a exploração equilibrada dos recursos marítimos numa base duradoura. Consequentemente, é preciso tomar em consideração o longo prazo e não a situação como se apresenta num dado momento: o que importa, portanto, é que a repartição da parte do peixe disponível entre os Estados contribua para uma produção máxima, a longo prazo.

O Conselho das Comunidades Europeias considera, em primeiro lugar, não ser necessário examinar a validade do regulamento em questão face ao artigo 62.°, n.° 2, da convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, porque as condições postas pela jurisprudência do Tribunal para que a validade dos actos praticados pelas instituições possa ser apreciada face a uma disposição de direito internacional não estão reunidas no caso concreto. Em primeiro lugar, esta convenção não entrou ainda em vigor. Em segundo lugar, o Conselho ainda não aprovou o acordo em nome da Comunidade. Por fim, o artigo 62.°, n.° 2, não tem efeito directo, quanto mais não seja porque não tem seguramente o carácter incondicional requerido, na medida em que subordina o acesso dos Estados estrangeiros ao território marítimo da Comunidade à celebração de acordos ou de outros compromissos, bem como ao respeito pelas leis e regulamentos do Estado costeiro.

No que respeita à incompatibilidade do Regulamento n.° 1/85 com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83, o Conselho acentua que a noção de estabilidade relativa é uma noção complexa de conteúdo variável, que não se deve interpretar de uma vez por todas. Em qualquer hipótese, ela não pode significar a garantia de cada frota poder sempre dispor de uma quota suficiente. Por outro lado, reportando-se à jurisprudência do Tribunal, e designadamente ao acórdão de 21 de Fevereiro de 1979 (138/78,, Stölting, Recueil, p. 713) e ao de 29 de Outubro de 1980 (138/79, Roquette Frères, Recueil, p. 3333), o Conselho considera que, quanto à matéria da conservação e gestão dos recursos da pesca, goza de um largo poder de apreciação, em razão da complexidade das situações económicas que deve tomar em consideração e da variedade dos objectivos, por vezes dificilmente coriciliáveis, que o artigo 39.° do Tratado lhe assinala. A validade de um acto do Conselho não pode, por isso, ser posta em causa neste domínio, a não ser em caso de erro manifesto ou de desvio de poder.

Por fim, no que respeita à pretensa violação dos artigos 7.° e 39.° do Tratado, o Conselho observa, de início, que as quotas concedidas aos Estados não devem necessariamente ser esgotadas. Sublinha, em seguida, que os Estados-membros têm a possibilidade de trocar as suas quotas, no todo ou em parte, e que esta possibilidade é utilizada na prática. Consequentemente, o sistema instituído é suficientemente elástico para evitar qualquer discriminação entre os Estados-membros.

A Comissão das Comunidades Europeias sublinha, em primeiro lugar, que a convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar ainda não entrou em vigor e que, portanto, não vincula ainda a Comunidade. De qualquer modo, esta convenção será apenas aplicável às relações entre a Comunidade no seu conjunto e os países terceiros e não às relações mútuas entre os Estados-membros, que continuam a reger-se pela política comum da pesca.

No que respeita à compatibilidade do Regulamento n.° 1/85 com o princípio da estabilidade relativa, a Comissão considera, em primeiro lugar, que este princípio da estabilidade relativa não pode ser interpretado como garantindo a cada frota poder sempre dispor de uma quota de pesca suficiente. Por outro lado, no que respeita ao ponto de saber se é oportuno manter a mesma repartição do TAC entre os Estados-membros, quando se revela que eles têm necessidades diferentes, a Comissão indica que, na fixação dos TAC, são também tomados em consideração critérios económicos e sociais. A diversidade das situações dos pescadores entra, pois, também em linha de conta. Por fim, a Comissão lembra que o regulamento de base não comporta qualquer disposição que obrigue o Conselho a modificar as quotas concedidas a um Estado se se verifica ou se é de prever que estas deixem de corresponder às necessidades actuais das diferentes frotas de pesca. A Comissão sublinha também que o TAC fixado para a solha em 1985 o foi a um nível muito superior àquele que se justificava do ponto de vista biológico, a fim de, designadamente, poder aumentar as possibilidades de captura para os pescadores neerlandeses, porque era totalmente previsível que certos Estados não esgotassem as suas quotas. A Comissão considera inexacto considerar que o completo esgotamento de um TAC, eventualmente por transferência de quotas inutilizadas, é neutro sob o ponto de vista da conservação dos «stocks» de peixe. Com efeito, intervêm na fixação do TAC «imperativos económicos e sociais», de tal modo que este é frequentemente fixado a um nível mais elevado do que se imporia do ponto de vista biológico.

Por fim, quanto à compatibilidade do sistema instituído com o Tratado CEE, a Comissão entende que as considerações precedentemente formuladas mostraram suficientemente que o sistema instituído pelo Regulamento n.° 170/83 não é incompatível com o Tratado CEE. Ao estabelecer este sistema, o legislador comunitário agiu nos limites do amplo poder discricionário de que dispõe por força dos artigos 39.° e seguintes do Tratado.

R. Joliet

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

16 de Junho de 1987 ( *1 )

No processo 46/86,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Arrondissementsrechtbank de Zwolle e que visa obter, no litígio que pende naquele órgão jurisdicional entre

Albert Romkes

e

Officier van Justitie de l'arrondissement de Zwolle,

uma decisão prejudicial sobre a validade do Regulamento n.° 1/85 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1984, que fixa, para certos «stocks» ou grupos de «stocks» de peixe, os totais admissíveis provisórios das capturas para 1985 e certas condições em que podem ser pescados (JO 1985, L 1, p. 1),

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, Y. Galmot, C. Kakouris, T. F. O'Higgins e F. Schockweiler, presidentes de secção, G. Bosco, T. Koopmans, O. Due, U. Everling, K. Bahlmann, R. Joliét, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz

secretario: H. A. Rühi, administrador principal

vistas as observações apresentadas:

por A. Romkes, autor no processo principal, representado por H. J. Bronkhorst, advogado no Hoge Raad,

pelo Governo neerlandês, representado pelo Sr. Borchardt, na qualidade de agente,

pelo Governo britânico, representado, no processo escrito, por S. Richards, barrister of Gray's Inn, e R. N. Ricks, Treasury Solicitor's Department, e, no processo oral, por H. R. Purse, na qualidade de agentes,

pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico R. C. Fischer,

pelo Conselho das Comunidades Europeias, representado por M. Delmoly, na qualidade de agente, assistido pelo Sr. Bräutigam, administrador principal no Serviço Jurídico do Conselho,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 12 de Março de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência do mesmo dia,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 17 de Dezembro de 1985, que deu entrada no Tribunal a 18 de Fevereiro de 1986, o Arrondissementsrechtbank de Zwolle (Países Baixos) colocou ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa a validade do Regulamento n.° 1/85 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1984, que fixa, para certos «stocks» ou grupos de «stocks» de peixes, os totais admissíveis provisórios das capturas para 1985 e certas condições nas quais podem ser pescados (JO 1985, L 1, p. 1).

2

Com fundamento no artigo 43.° do Tratado, o Conselho adoptou, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, o Regulamento n.° 170/83, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56). Este regime com- preende, designadamente, medidas de conservação que, segundo o artigo 2.° do Regulamento n.° 170/83, são elaboradas à luz dos pareceres científicos disponíveis e, em especial, do relatório elaborado pelo comité científico e técnico das pescas criado junto da Comissão. Nos termos desse mesmo artigo 2.°, estas medidas de conservação podem, nomeadamente, incluir a limitação do esforço de pesca, em especial através da limitação das capturas.

3

A este respeito, o artigo 3.° do Regulamento n.° 170/83 dispõe que sempre que, para uma espécie ou espécies afins, se revele necessário limitar o volume das capturas, serão determinados anualmente o total das capturas (TAC) por unidade populacional («stock») ou grupo de unidades populacionais («stocks»), a quota disponível para a Comunidade, bem como, se for caso disso, o total das capturas concedidas a países terceiros e as condições específicas em que devem ser efectuadas estas capturas.

4

Por outro lado, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83 prevê que «o volume das capturas disponíveis para a Comunidade referido no artigo 3.° é repartido entre os Estados-membros de modo a assegurar a cada Estado-membro uma estabilidade relativa das actividades exercidas em relação a cada uma das unidades populacionais (“stocks”) consideradas». O artigo 5.°, n.° 1, do mesmo regulamento dispõe que, «sob reserva de notificação prévia à Comissão, os Estados-membros podem trocar, no todo ou em parte, as quotas para uma espécie ou grupo de espécies que lhes tenham sido atribuídas com fundamento no artigo 4.°».

5

Por fim, o artigo 11.° do Regulamento n.° 170/83 estabelece que a escolha das medidas de conservação, a fixação dos TAC e do volume disponível para a Comunidade e a repartição desse volume entre os Estados-membros são decididas pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão.

6

Com este fundamento, foram adoptados todos os anos, desde 1983, regulamentos que determinam os TAC para as espécies de peixe cuja conservação deve ser assegurada e que repartem o volume das capturas disponíveis para a Comunidade entre os Estados-membros. Um deles é o Regulamento n.° 1/85, já citado, que respeita ao ano de 1985. A comparação destes diferentes regulamentos permite verificar que os Estados-membros receberam cada ano, para cada espécie de peixe, a mesma percentagem do volume das capturas disponíveis. Estas percentagens foram inicialmente fixadas no Regulamento n.° 172/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983 (JO L 24, p. 30), que determinou a posteriori a repartição do volume das capturas disponíveis para a Comunidade no ano de 1982. Resulta do processo que estas percentagens foram calculadas tendo em conta as quantidades pescadas, em média, pelas frotas dos diversos Estados-membros, durante o período de 1973-1978. Todavia, o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 170/83 estabelece que o Conselho, decidindo segundo o procedimento previsto pelo artigo 43.° do Tratado, determina as adaptações que se revelem necessárias antes de 31 de Dezembro de 1991, com base nos elementos apresentados no relatório referido noartigo 8.° do mesmo regulamento, a elaborar pela Comissão.

7

O Regulamento n.° 1/85 do Conselho determinou, para o ano de 1985, o volume disponível das capturas para a Comunidade para diferentes espécies de peixe e, no que respeita à solha, fixou este volume, no mar do Norte, em 186000 toneladas. Desta quantidade, foram concedidas aos Países Baixos 71540 toneladas (ou seja, 38,4%).

8

A quota neerlandesa foi repartida entre as diferentes associações neerlandesas de pescadores pelo «decreto que regulamenta a contingentação do linguado e da solha no mar do Norte em 1985»(Staatscourant de 31.12.1984, n.° 254), aprovado pelo secretário de Estado neerlandês para a Agricultura e Pesca. Esse decreto refere expressamente que foi adoptado «a fim de aplicar as disposições fixadas pelo ou por causa do Regulamento n.° 170/83». Uma das associações que tomaram parte nesta repartição foi a PO Oost, ä qual pertence A. Romkes.

9

Embora a sua parte do contingente atribuído à PO Oost tenha ficado esgotada em 12 de Outubro de 1985, A. Romkes continuou a pescar solha no mar do Norte. O Officier van Justitie de Zwolle considerou que A. Romkes tinha, assim, violado o artigo 7.°, n.° 1, e o artigo 8.°, n.° 2, do referido decreto. A 14 de Novembro de 1985, tomou, com base na lei sobre os delitos económicos, uma medida provisória, intimando A. Romkes a cessar a pesca da solha nas zonas CIEM II a e IV (quer dizer, no mar do Norte).

10

A 29 de Novembro de 1985, o conjunto da quota atribuída aos Países Baixos ficou esgotado. O encerramento da pesca da solha foi decretado a 30 de Novembro de 1985 para todos os pescadores neerlandeses.

11

A. Romkes interpôs, no Arrondissementsrechtbank de Zwolle, um recurso de anulação da medida provisória tomada pelo Officier van Justitie de Zwolle. Como fundamento do seu recurso, invocou que o referido decreto era inválido porque tomado para execução do Regulamento n.° 1/85, ele próprio também inválido.

12

E face a esta argumentação que o órgão jurisdicional nacional considerou necessário perguntar ao Tribunal se o Regulamento n.° 1/85 era válido, no que respeita a repartição entre os Estados-membros dos totais de captura admissíveis para a solha nas divisões CIEM II a e IV.

13

Para a exposição das considerações feitas pelo órgão jurisdicional nacional, bem como para a das observações escritas apresentadas ao Tribunal por A. Romkes, pelo Governo dos Países Baixos e pelo do Reino Unido, pelo Conselho e pela Comissão, remete-se para o relatório para audiência.

14

Na fundamentação do despacho em que coloca a questão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional acentua, em primeiro lugar, que a exigência de estabilidade relativa não pode significar a garantia para cada frota de dispor sempre de quotas que correspondam à sua capacidade. Lembra, todavia, que o sexto considerando do Regulamento n.° 170/83 prevê que a exigência de estabilidade relativa implica que, na fixação das quotas, seja tomada em consideração a situação biológica momentânea dos «stocks» de peixe. Ora, entre 1983 e 1986, o volume admissível das capturas da solha aumentou de 56000 toneladas. Para mais, aconteceu que, diversamente dos Países Baixos, outros Estados-membros não esgotaram as suas quotas. Nestas condições, o órgão jurisdicional nacional pergunta se a exigência de estabilidade relativa não é violada, na medida em que o Conselho manteve inalteradas as quotas dos Estados-membros, quando as suas necessidades são diferentes.

15

Deve-se sublinhar que esta questão pressupõe que possa ser apreciada a compatibilidade do Regulamento n.° 1/85 do Conselho e da prática que ele consagra relativamente aos princípios enunciados no Regulamento n.° 170/83 do mesmo Conselho.

16

A este respeito, convém lembrar que, como o Tribunal considerou no seu acórdão de 17 de Dezembro de 1970 (Koster, 25/70, Recueil, p. 1161), não se pode exigir que sejam estabelecidos pelo Conselho através do procedimento previsto no artigo 43.° do Tratado todos os detalhes dos regulamentos relativos à política agrícola comum; esta disposição é cumprida desde que os elementos essenciais da matéria a regular sejam decididos pelo procedimento que ela prevê, e ainda que as disposições de execução dos regulamentos de base podem ser decididas pelo Conselho segundo um procedimento diferente do do artigo 43.° do Tratado, como o previu o artigo 11.° do Regulamento n.° 170/83. Convém precisar, todavia, que um regulamento de execução como o Regulamento n.° 1/85, adoptado sem consulta do Parlamento Europeu, deve respeitar os elementos essenciais da matéria que foram fixados, após consulta ao Parlamento Europeu, no regulamento de base, a saber, no caso concreto, no Regulamento n.° 170/83.

17

Relativamente à compatibilidade da repartição decidida pelo Regulamento n.° 1/85 com a exigência de estabilidade relativa formulada pelo Regulamento n.° 170/83, há que acentuar, em primeiro lugar, que, no caso de limitação das capturas, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83 prevê que o volume das capturas disponíveis para a Comunidade é repartido entre os Estados-membros. Daqui resulta que a gestão deste volume é efectuada com base em quotas nacionais. O artigo 4.°, n.° 1, precisa, além disso, que essa repartição deve ser efectuada de modo «a assegurar a cada Estado-membro uma estabilidade relativa das actividades exercidas em relação a cada uma das unidades populacionais (“stocks”) consideradas». Esta exigência de estabilidade relativa deve-se entender como significando a manutenção de uma percentagem fixa para cada Estado-membro nesta repartição. Com efeito, ao prever que as adaptações que se revelem necessárias na repartição dos recursos entre os Estados-membros serão decididas pelo Conselho de acordo com o procedimento previsto no artigo 43.° do Tratado, o artigo 4.°, n.° 2, demonstra que a chave da repartição inicialmente fixada por força do artigo 4.°, n.° 1, e com base no artigo 11.°, continuará a aplicar-se enquanto não for adoptado um regulamento modificativo segundo o procedimento seguido para o Regulamento n.° 170/83.

18

Até essa revisão, o Conselho deu a esse sistema uma certa flexibilidade. Com efeito, o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 170/83 permite aos Estados-membros trocarem, no todo ou em parte, quotas que lhes tenham sido atribuídas. Esta possibilidade foi já utilizada. Assim, em 1985 e 1986, o Reino Unido cedeu aos Países Baixos uma parte da sua quota de solhas.

19

Por outro lado, importa notar que, segundo as indicações fornecidas ao Tribunal pela Comissão e que não foram contestadas, se os outros Estados-membros receberam quotas que excediam as suas necessidades e que eles não esgotaram, foi na realidade porque o TAC para a solha foi fixado em 1985 num nível superior ao que era desejável do ponto de vista biológico, e isto para que a aplicação da percentagem concedida aos Países Baixos por força da exigência de estabilidade relativa permitisse à frota de pesca neerlandesa dispor de quantidades suplementares.

20

Nestas condições, há que considerar que, ao conceder aos Estados-membros, no Regulamento n.° 1/85, a mesma percentagem do volume das capturas disponíveis para a Comunidade do que as previstas nos regulamentos n.° 172/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983 (JO L 24, p. 30), n.° 3624/83 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1983 (JO L 365, p. 10), e n.° 320/84 do Conselho, de 31 de Janeiro de 1984 (JO L 37, p. 11), o Conselho não violou a exigência de estabilidade relativa formulada pelo Regulamento n.° 170/83.

21

Em segundo lugar, o tribunal nacional, após ter exposto a argumentação de A. Romkes, segundo o qual o Regulamento n.° 1/85 violaria os artigos 39.°, 7.° e 30.° do Tratado CEE, pergunta, na fundamentação do seu despacho de reenvio, se a repartição fixada pelo Regulamento n.° 1/85 não comportará, relativamente aos pescadores neerlandeses, limitações que entravam o comércio e que não são indispensáveis à conservação das riquezas biológicas do mar.

22

Relativamente à compatibilidade do Regulamento n. 1/85 com o artigo 39.° do Tratado, há que sublinhar que, entre os objectivos da política agrícola comum enunciados no artigo 39.° do Tratado, figura a estabilização dos mercados. Limitando, a curto prazo, as quantidades de peixe que podem ser pescadas, a fixação de quotas de pesca permite conservar certas espécies de peixe e contribui, assim, para a estabilização, a longo do prazo, dos mercados. Tal regime é, além disso, susceptível de assegurar a utilização óptima dos factores de produção, que é outro objectivo mencionado no artigo 39.° do Tratado, dado que, na sua ausência, certos recursos do mar se esgotariam rapidamente e que a utilização óptima dos factores de produção se tornaria, assim, impossível de realizar a longo prazo.

23

No que respeita à compatibilidade do sistema instituído pelo Regulamento n.° 1/85 com o artigo 7° do Tratado, convém acentuar que resulta do processo que as percentagens concedidas aos diversos Estados-membros foram fixadas em função das quantidades pescadas pelas suas respectivas frotas dentro de um período de referência, quantidades que reflectiam a sua capacidade de pesca nessa época. Tal método não é contrário ao princípio de não discriminação que resulta do artigo 7° do Tratado, já que impõe aos pescadores de cada Estado-membro esforços de limitação proporcionais ao que eles pescavam antes da entrada em vigor do regime comunitário de conservação dos recursos da pesca.

24

Por fim, no que respeita à compatibilidade do Regulamento n.° 1/85 com o artigo 30.° do Tratado, importa lembrar que o Tribunal julgou, no seu acórdão de 14 de Julho de 1976 (Kramer, processos apensos 3, 4 e 6/76, Recueil, p. 1279), que medidas nacionais que restrinjam as quantidades pescadas não constituem medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas, porque estas medidas nacionais, mesmo que tenham por efeito diminuir, a curto prazo, as quantidades de peixe que podem ser trocadas entre os Estados-membros, visam, a longo prazo, assegurar um rendimento óptimo da pesca e, portanto, aumentar essas trocas. Em consequência, sem necessidade de indagar da aplicabilidade do artigo 30.° do Tratado a medidas tomadas por instituições comunitárias, basta verificar que, em qualquer hipótese, medidas como as que estão em causa no presente processo não cabem no âmbito de aplicação do artigo 30.° do Tratado.

25

Das considerações que precedem há que concluir que o exame da questão posta não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade do Regulamento n.° 1/85.

Quanto às despesas

26

As despesas em que incorreram o Governo neerlandês, o Governo do Reino Unido, o Conselho e a Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Dado que o processo, relativamente às partes no processo principal, tem a natureza de um incidente suscitado perante o tribunal nacional, compete a este decidir sobre as despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi posta pelo Arrondissementsrechtbank de Zwolle, por decisão de 17 de Dezembro de 1985, declara:

 

O exame da questão posta não revelou elementos susceptíveis de afectar a validade do Regulamento n.° 1/85 do Conselho.

 

Mackenzie Stuart

Galmot

Kakouris

O'Higgins

Schockweiler

Bosco

Koopmans

Due

Everling

Bahlmann

Joliet

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 16 de Junho de 1987.

O secretário

P. Heim

O presidente

A. J. Mackenzie Stuart


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.