61986C0178

Conclusões do advogado-geral Vilaça apresentadas em 7 de Outubro de 1987. - MARIETTE TURNER CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIO - RELATORIO DE CLASSIFICACAO. - PROCESSO 178/86.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 05367


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. I - Prosseguindo um já longo e variado contencioso que a tem oposto, em várias ocasiões, à Comissão das Comunidades Europeias, a recorrente, Mariette Turner, pretende agora obter:

a) a anulação da decisão do director-geral do Pessoal e da Administração, datada de 19 de Setembro de 1985, que confirmou o seu relatório final de classificação para o período de 1981-1983;

b) uma indemnização pela elaboração tardia deste relatório bem como pela falta de relatórios de classificação entre 1977 e 1981;

c) a condenação simbólica da recorrida no pagamento de um franco, a título de indemnização pelo dano moral resultante da falta de resposta à reclamação com a qual a recorrente pretendia obter a revisão do relatório de classificação para o período de 1981-1983.

2. II - A recorrente é médica e funcionária da Comissão desde Abril de 1966.

3. De acordo com o disposto no artigo 43.° do estatuto dos funcionários, foi regularmente objecto de relatórios de classificação, até ao período compreendido entre 1 de Julho de 1975 e 30 de Junho de 1977.

4. O relatório de classificação relativo ao período de 1 de Julho de 1977 a 4 de Maio de 1979 foi anulado por vício de forma, na sequência de recurso interposto pela recorrente perante este Tribunal (acórdão de 21 de Março de 1985, processo n.° 263/83, Turner/Comissão, Recueil, p. 893), não tendo chegado a ser refeito até à data da apresentação do presente recurso.

5. Quanto ao período de 5 de Maio de 1979 a 30 de Junho de 1981, o respectivo relatório de classificação nunca chegou a ser elaborado, em consequência da decisão do Tribunal (acórdão de 9 de Julho de 1981, processos apensos nos. 59/80 e 120/80, Turner/Comissão, Recueil, p. 1883) que anulou, por desvio de poder, as decisões de 5 de Maio e de 20 de Maio de 1979, que atribuíram à recorrente uma nova colocação no quadro da reorganização do serviço médico e a transferiram para um lugar na DG XII.

6. Por decisão de 20 de Outubro de 1981, a recorrente foi afectada, como médica-conselheira, ao serviço liquidador das prestações da Caixa de Doença (DG IX). Interpôs um recurso de anulação de tal decisão, o qual foi rejeitado por acórdão de 12 de Janeiro de 1984 (processo n.° 266/82, Turner/Comissão, Recueil pág. 1).

7. III - Analisemos um a um os pedidos formulados pela recorrente, tendo em conta os argumentos de ambas as partes, que se acham sintetizados no relatório para a audiência.

Primeiro pedido: anulação da decisão de 19 de Setembro de 1985 que aprovou o relatório final de classificação da recorrente relativo ao período de 1981-1983

8. A - O primeiro fundamento invocado pela recorrente, em apoio do seu pedido de anulação, refere-se à extemporaneidade do relatório de classificação relativo ao período de 1981-1983.

9. A Comissão não teria respeitado nenhum dos prazos prescritos pelo "guia de classificação", adoptado em 1979, em execução do artigo 43.° do estatuto.

10. Na realidade, segundo os prazos estabelecidos no guia, a recorrente deveria ter recebido o projecto de relatório de classificação do notador até 30 de Novembro de 1983, só o tendo, contudo, recebido efectivamente no decurso do mês de Julho de 1984. Daí para diante, todos os actos que competiam à administração haveriam sido praticados com atraso, o que teria determinado que todo o processo estivesse encerrado (com a decisão final de 19 de Setembro de 1985) cerca de 9 meses após a data em que tal deveria ter acontecido de acordo com o "guia de classificação".

11. Na resposta à petição, a Comissão reconhece - tal como já havia feito o notador de recurso em carta de 25 de Março de 1985 - terem sido desrespeitados os prazos fixados no "guia de classificação".

12. Que consequências retirar deste facto?

13. Resulta da jurisprudência do Tribunal que tal vício não é susceptível de determinar, só por si, a anulação de um relatório de classificação, sobretudo se o recorrente não demonstrar que o atraso lhe foi prejudicial (1). O Tribunal admitiu mesmo que, em determinadas circunstâncias, o atraso pode até ter sido vantajoso para o funcionário (2).

14. No caso em apreço, a recorrente não trouxe ao processo qualquer elemento comprovativo de que tal atraso lhe tenha acarretado algum prejuízo.

15. A recorrente invoca, porém, em apoio do seu pedido, a posição expressa pelo Tribunal no acórdão Castille (3), segundo o qual "o atraso verificado na elaboração dos relatórios de classificação é, em si mesmo, de molde a causar prejuízo ao funcionário pelo simples facto de o prosseguimento da sua carreira poder ser afectado pela falta desse relatório num momento em que decisões relativas ao funcionário devam ser tomadas". Tendo em conta esta passagem, a recorrente basta-se com a afirmação de uma lesão potencial ao desenvolvimento normal da sua carreira para considerar fundamentado o seu pedido.

16. Parece-nos, todavia, que a invocação não tem aqui cabimento: o acórdão Castille abordou o problema no contexto da análise do pedido de indemnização formulado pelo recorrente, sem tirar daí qualquer ilação para o exame da validade do relatório de classificação.

17. Trataremos, por isso, do sentido com que, a nosso ver, deve ser entendido o acórdão Castille, quando, mais adiante, analisarmos o primeiro pedido de indemnização formulado pela recorrente.

18. B - Mas a recorrente invoca ainda um outro fundamento em apoio do seu pedido de anulação: a Comissão não teria justificado a alteração das apreciações analíticas relativamente ao anterior relatório de classificação (o de 1975-1977), tal como prescreve o artigo 5.°, segundo parágrafo, do "guia de classificação".

19. O mesmo vício foi assinalado pelo Comité Paritário de Classificação no parecer que, a pedido da recorrente, emitiu, em 29 de Julho de 1985, na sequência do relatório do notador de recurso, parcialmente diferente do do primeiro notador, sem contudo modificar as respectivas avaliações analíticas.

20. Segundo o Comité Paritário de Classificação, o relatório de 1975-1977 devia ser considerado como o último relatório válido, uma vez que o de 1977-1979 tinha sido anulado pelo Tribunal (processo 263/83) e ainda não fora reelaborado e o de 1979-1981 não chegara a ser organizado. Ora, sendo as observações analíticas constantes do relatório de 1981-1983 claramente menos favoráveis que as de 1975-1977, deveriam ser objecto de uma justificação explícita.

21. O notador de recurso limitou-se, contudo, a comunicar à recorrente (nota de 19 de Setembro de 1985) que tomara conhecimento do relatório de 1975-1977 mas que, na apreciação das classificações constantes do relatório de 1981-1983 relativamente às que haviam sido atribuídas naquele primeiro relatório, era necessário ter em conta que o sistema de classificação se alterara entretanto e que a recorrente havia mudado de funções depois de 20 de Outubro de 1981.

22. A Comissão entende que estas circuntâncias invocadas pelo notador de recurso constituem justificação suficiente para a modificação das avaliações analíticas da recorrente: os sistemas de classificação não seriam comparáveis, o notador a quem competia elaborar o novo relatório de classificação não era o mesmo e as funções exercidas seriam distintas.

23. Sobre isto, convém dizer o seguinte:

1) A modificação dos sistemas de classificação, no que toca às apreciações analíticas, não é, só por si, impeditiva da sua comparação e da justificação das alterações, tal como exigido pelo "guia de classificação".

No caso presente, torna-se evidente que as apreciações constantes do relatório para o período 1981-1983 são nitidamente inferiores às que foram adoptadas no relatório para 1975-1977. Com efeito, enquanto neste último relatório, numa escala de classificação a três níveis, a recorrente obteve duas notas correspondentes ao mais alto nível (nas rubricas competência e rendimento) e uma normal (conduta no serviço), no relatório para 1981-1983, numa escala a cinco níveis, foi-lhe atribuída apenas uma menção superior ao nível médio (muito bom - quarto escalão) e treze correspondentes ao nível médio (terceiro escalão).

2) O Tribunal já considerou, sem margem para dúvidas, no acórdão Castille (pontos 27 e 28) que a obrigação de justificação se impõe de modo peremptório aos notadores, mesmo no caso de alteração do sistema de classificação analítica, designadamente quando o contraste entre um relatório e os precedentes é importante (ver ponto 26, onde se referem diferenças de apreciações que são, quando muito, tão importantes como as constatadas no presente processo).

O Tribunal fez, aliás, questão de esclarecer expressamente que essa obrigação de justificação se impunha mesmo aos notadores para o período de 1977-1979, apesar de o guia de classificação conter uma nota de rodapé em que se indicava que a disposição do artigo 5.°, segundo parágrafo, não seria obrigatória para a classificação relativa àquele período quando comparada com a classificação precedente .

O Tribunal considerou, a justo título, que os notadores "não poderiam ficar dispensados da obrigação de justificação por uma nota de rodapé que figurava nas páginas do guia... destinadas a dar conselhos práticos aos notadores" (ponto 27).

3) No caso presente, nem sequer é possível encontrar indícios dessa justificação nas "apreciações de carácter geral" (modificadas pelo primeiro notador relativamente ao projecto inicial), as quais assumem um tom global e sintético, insusceptível de fornecer elementos para perceber as razões das diferenças relativamente ao relatório anterior.

4) A diferença de notadores e a mudança de funções do funcionário também não se afiguram, regra geral, impeditivas do cumprimento da obrigação de justificação. Se assim fosse, os funcionários ficariam seriamente prejudicados todas as vezes que fossem afectados a novas funções, passando a ter, consequentemente, un novo notador. A este é possível, em circunstâncias normais e se não houver grandes atrasos, obter as necessárias informações do notador precedente e dos anteriores superiores hierárquicos do funcionário.

No caso sub specie, trata-se, ainda por cima, de funções que, em processo anterior (ver síntese dos fundamentos e argumentos das partes no acórdão Turner de 12 de Janeiro de 1984), a Comissão considerou de natureza médica e correspondentes à sua especialização e experiência, características que nunca foi contestado serem igualmente as das funções exercidas pela recorrente no período 1975-1977, consideradas no respectivo relatório de classificação como correspondendo "à formação e às aptidões do funcionário".

5) Acresce que o facto de o último relatório relativamente ao qual a comparação deve ser estabelecida (o de 1975-1977) ter sido elaborado ainda sob o domínio do anterior sistema de classificação não pode ser imputado à recorrente, não obstante esta ter aceite que não fosse elaborado o de 1979-1981.

6) O argumento, invocado pela Comissão, de que a recorrente não demonstrou, como lhe conviria, que, na ausência da irregularidade, se encontraria numa situação mais favorável, também não colhe: a obrigação de justificação visa permitir ao funcionário conhecer e controlar as razões da mudança de apreciações sobre o seu trabalho, dando-lhe a oportunidade de formular as suas observações e, eventualmente, de corrigir o seu comportamento no serviço, pelo que o não cumprimento de tal obrigação retira ao funcionário uma garantia que lhe é concedida ao abrigo do estatuto.

24. Pelo que precede, não consideramos fundamentada a posição da Comissão: o relatório do notador de recurso não contém uma verdadeira justificação da mudança de apreciações analíticas, mas antes uma justificação para a ausência de justificação.

25. A nossa conclusão é, pois, a de que o relatório de classificação da recorrente para o período de 1981-1983 está viciado por uma irregularidade essencial, devendo, em consequência, ser anulado e corrigido em função de tal conclusão.

26. Só se se revelasse de todo em todo impossível proceder a essa correcção em termos adequados (dados o período já decorrido e o falecimento do primeiro notador, entretanto ocorrido) é que seríamos, porventura, levados a propor-vos que, em alternativa, fosse atribuída à recorrente uma indemnização a título de compensação pela persistência, no seu processo individual, de uma irregularidade susceptível de pesar definitivamente sobre a evolução da sua carreira.

27. Não parece, porém, que tal possa vir a constatar-se no caso presente. Por um lado, surpreendem-se nas alegações escritas e orais da recorrida considerações sobre a forma como a recorrente encarava as suas tarefas em 1975-1977 e em 1981-1983, as quais não foram expressas no seu relatório mas são susceptíveis de demonstrar que uma justificação cabal para as novas classificações está ao alcance da recorrida. Por outro lado, é de ter em conta que, encontrando-se em fase de elaboração o novo relatório para 1977-1979, a Comissão já deverá poder dispor dele na altura em que, em execução de um acórdão anulatório no presente processo, proceder à rectificação do relatório para 1981-1983, fazendo-se então a comparação entre os dois.

28. C - Dada a conclusão precedente, não se torna necessário aprofundar o exame de duas outras questões incidentalmente levantadas pela recorrente.

29. A primeira refere-se ao facto de, apesar das suas insistências, a AIPN não ter considerado necessário definir correctamente e de maneira precisa a sua situação administrativa na nova colocação. Para além de a alegação se achar formulada em termos muito vagos e não documentados, é de considerar que ela se acha prejudicada pela decisão do Tribunal no acórdão Turner de 12 de Janeiro de 1984.

30. Quanto à segunda questão, refere-se ao facto de a recorrente - médica - ser classificada por um funcionário não médico, a quem competirá apreciar, nomeadamente, a competência da primeira.

31. Sobre isso, basta dizer o seguinte:

a) nenhuma disposição do estatuto ou do Tratado obriga a que o superior hierárquico de um funcionário tenha a mesma especialidade ou formação académica do seu subordinado para poder classificá-lo de acordo com as normas aplicáveis;

b) a situação corrente em qualquer administração é a de um chefe ter sob as suas ordens funcionários de diversas especialidades universitárias ou não universitárias sem que, por isso, fique impedido de apreciar o seu trabalho de acordo com os respectivos resultados, no quadro dos objectivos prosseguidos pela administração;

c) tal como resulta da própria jurisprudência Turner (4) não deve confundir-se "a liberdade de apreciação que é necessário reconhecer ao médico, tanto no plano do diagnóstico como das decisões médicas", com "a posição particular do médico no caso em que exerce funções consultivas ou missões de controlo num quadro administrativo", cuja natureza e linhas de orientação compete à administração definir e apreciar, com ressalva apenas da independência de julgamento e de decisão dos médicos que emprega.

Segundo pedido: indemnização pela elaboração extemporânea do relatório de classificação de 1981-1983.

32. Baseando-se, também aqui, no ponto 36 do acórdão Castille, a recorrente considera não ter de concretizar a natureza do prejuízo sofrido, limitando-se a invocar o dano para o prosseguimento da sua carreira, dano esse que, segundo a recorrente, deveria ser apreciado, não apenas no quadro do presente recurso, mas no contexto do contencioso existente entre ambas as partes desde 1978.

33. Lembre-se que, no acórdão Castille, o Tribunal considerou o atraso então verificado na elaboração do relatório do recorrente incompatível com os "princípios de boa administração" e que, "sendo a Comissão responsável, no quadro do estatuto, pela regularidade dos processos de classificação dos seus funcionários, ela (deveria) suportar as consequências financeiras que decorrem de uma tal falta de serviço" (ponto 34).

34. A determinação do montante da indemnização exige, porém, em princípio, segundo o Tribunal (5) o estabelecimento de um nexo qualquer entre, por um lado, o facto lesivo dos interesses da carreira da recorrente e, por outro lado, a inexistência de relatório de classificação na altura em que as decisões susceptíveis de afectar essa carreira foram tomadas (ponto 35).

35. Resultará, todavia, do ponto 36 do acórdão Castille que o direito a uma indemnização fixada ex aequo e bono decorre pura e simplesmente do atraso no relatório, desde que imputável à administração, independentemente de quaisquer outras condições cuja verificação deva ser provada pelo funcionário?

36. A nosso ver, tal não é o caso.

37. Reconhecemos que resulta da passagem já citada do acórdão Castille que o funcionário está dispensado de demonstrar que tenha sido a falta do relatório a impedir a adopção de uma decisão favorável que, de outra maneira, teria sido tomada. Dito de outro modo: o funcionário não necessita de demonstrar a existência de um nexo de causalidade entre a falta do relatório, por um lado, e a adopção de uma decisão desfavorável ou a falta de uma decisão favorável, por outro.

38. Mas, em nosso entender - e seguindo a Comissão - o funcionário não está dispensado de demonstrar que, durante o período em que o relatório esteve em falta, foram ou deveriam ter sido tomadas decisões relacionadas com a sua carreira, sobre as quais a ausência de relatório fosse susceptível de exercer uma qualquer influência.

39. Assim aconteceu no caso Castille: na falta do relatório, cuja elaboração estava sensivelmente atrasada, foram tomadas decisões de promoção nas quais não foi incluído o recorrente Castille (pontos 9 e 31). Por isso o Tribunal entendeu que, "nas circunstâncias particulares do caso" (ponto 37) havia um prejuízo a avaliar ex aequo e bono.

40. Pelo contrário, no caso presente, a recorrente Turner não foi capaz de demonstrar que quaisquer decisões relativas ao prosseguimento da sua carreira tivessem ou devessem ter sido tomadas no decurso do período durante o qual o relatório não havia ainda sido definitivamente elaborado e sobre as quais a falta do relatório pudesse, hipoteticamente, vir a reflectir-se.

41. A referência à promoção de um outro médico ao grau A 3 como chefe do serviço médico da Comissão, em Bruxelas, aparece formulada em termos vagos, sendo pela recorrente relacionada com a sua "exclusão" do referido serviço médico e não com o atraso na elaboração do relatório de classificação. Aquela promoção foi, aliás, muito anterior ao período coberto pelo relatório agora impugnado e o Tribunal já a considerou regular e insusceptível de fundamentar a procedência dos recursos de anulação em cujo quadro foi invocada (6).

42. Tenha-se ainda em conta que, no caso Castille, a demora na aprovação final do relatório de classificação do recorrente foi nitidamente superior à do presente recurso, cifrando-se em cerca de quatro anos relativamente ao fim do período a que respeitava a classificação (ponto 33).

43. Enfim, tudo isto significa que, em nosso entender, o pedido de indemnização pela elaboração tardia do relatório para 1981-1983 deve ser rejeitado.

44. Esta conclusão impõe-se-nos ainda à luz da jurisprudência recente do Tribunal, expressa no acórdão Vincent, da Quarta Secção (7), que rejeitou um pedido de indemnização motivado pela elaboração tardia do relatório de classificação e pela sua falta inicial na altura em que foi decidido um processo de promoções em que o recorrente se achava envolvido. Não obstante a alegação de prejuízo moral e psicológico, o Tribunal considerou que, tendo sido o processo individual do recorrente posteriormente completado e as decisões sobre as promoções revistas e confirmadas à luz dos novos elementos, nenhum prejuízo tinha sido causado ao recorrente; por essas razões, o Tribunal entendeu (ponto 25) marcar bem as diferenças relativamente à jurisprudência definida no acórdão Geist, de 14 de Julho de 1977 (8), onde estava em causa a inexistência completa de vários relatórios de classificação relativos ao recorrente, cuja falta seria muito difícil e mesmo impossível preencher, "dado o tempo decorrido, a dispersão ou a ausência das autoridades de classificação" (9).

Terceiro pedido : indemnização pela falta de relatório de classificação entre 1977 e 1981

45. Analisemos, primeiro, o pedido no que diz respeito à falta de relatório para o período 1979-1981.

46. Durante este período, a recorrente exerceu novas funções para as quais tinha sido designada pela administração; as decisões correspondentes foram, porém, como sabemos, anuladas por acórdão de 9 de Julho de 1981, com base em desvio de poder. Em face disso, o director-geral do Pessoal e da Administração propôs à recorrente, que aceitou, a não elaboração do relatório 1979-1981, conforme os documentos juntos ao processo.

47. Embora se trate de uma proposta singular, explicável pelas circunstâncias do caso, não podemos deixar de concluir que, relativamente a este período, o pedido da recorrente não tem fundamento, dado não ser legítimo que aquela venha agora prevalecer-se do seu anterior consentimento para impugnar as consequências de tal consentimento.

48. Já quanto à falta de relatório para o período 1977-1979, o problema é algo mais delicado. Como sabemos, o primeiro relatório elaborado para esse período foi anulado pelo acórdão de 21 de Março de 1985 (processo 263/83).

49. Em execução desse acórdão e em conformidade com o artigo 176.°, n.° 1, do Tratado CEE, a Comissão deveria ter procedido à sua reelaboração tendo em conta os elementos anteriormente não considerados.

50. Contudo, tal não havia ainda acontecido até à data da audiência no presente processo (2 de Julho de 1987), isto é, mais de dois anos após o acórdão do Tribunal. Na referida audiência, o agente da Comissão limitou-se a comunicar que um projecto de relatório acabava de ser elaborado e que a recorrente iria recebê-lo dentro em breve.

51. O facto parece-nos frontalmente incompatível com as regras de boa administração que se impõem à Comissão quer nas relações com os seus funcionários quer na execução dos acórdãos do Tribunal.

52. Quanto a este último aspecto, o Tribunal já reconheceu (10) que "a execução de um acórdão de anulação, exigindo a adopção de um certo número de medidas administrativas, não pode efectuar-se, normalmente, de forma imediata". Daí que - à semelhança do que está expressamente previsto no artigo 34.°, segundo parágrafo, do Tratado CECA - seja de reconhecer à Comissão um "prazo razoável" para se conformar com um acórdão de anulação de uma decisão tomada no quadro do Tratado CEE.

53. No caso presente, deve reconhecer-se, todavia, que a demora na preparação do novo relatório excedeu muito largamente tudo o que possa considerar-se um "prazo razoável", sem que possa invocar-se como justificação a falta de pedido da recorrente nesse sentido, uma vez que se impunha à Comissão tomar, oficiosamente, as necessárias medidas de execução do acórdão.

54. No que respeita à posição da recorrente e ao seu pedido de indemnização, há que reconhecer fundamento à alegação de que a falta prolongada do novo relatório para 1977-1979 foi de molde a prejudicar o desenvolvimento regular da sua carreira. Com efeito, dado o teor dos elementos (a opinião favorável do anterior superior hierárquico da recorrente) cuja falta determinou a anulação do relatório de classificação pelo Tribunal, torna-se inevitável que o relatório substitutivo viesse a conter, no conjunto, uma avaliação da recorrente mais favorável que o anterior. Assim o reconheceu, expressamente, o acórdão Turner de 21 de Março de 1985 (ponto 21).

55. O relatório para 1981-1983 foi, assim, elaborado na ausência das apreciações favoráveis do primeiro superior hierárquico da recorrente que deveriam ter constado do relatório de 1977-1979: a inclusão de tais apreciações não só poderia contribuir para dar uma melhor imagem da carreira anterior da recorrente, como, além disso, permitiria dispor de um relatório válido já elaborado de acordo com o novo sistema de classificação, tornando impossível invocar a mudança de sistema para explicar que não se tenham justificado as alterações das apreciações analíticas.

56. Nestas condições e para este efeito, já nos parece perfeitamente transponível a orientação fixada no acórdão Castille, uma vez que o relatório estava em falta na altura em que foram tomadas decisões importantes para a carreira da recorrente (a elaboração do relatório 1981-1983).

57. Sendo assim - e tendo mais uma vez em conta o disposto no segundo parágrafo do artigo 34.° do Tratado CECA ("Se a Alta Autoridade se abstiver de tomar, em prazo razoável, as medidas exigidas pela execução de uma decisão de anulação, pode ser apresentado ao Tribunal um pedido de indemnização") - propomo-vos que condeneis a Comissão a pagar à recorrente uma indemnização fixada ex aequo e bono em 25 000 BFR.

Quarto pedido: condenação da Comissão ao pagamento simbólico de um franco a título de reparação do dano moral pela falta de resposta à reclamação com a qual a recorrente pretendia obter a revisão do relatório de classificação para o período de 1981-1983

58. Não obstante as diligências levadas a cabo pela recorrente, através do seu advogado, e os contactos que, por iniciativa da própria administração, a recorrente teve com a funcionária responsável pelo seu processo, a Comissão não achou necessário responder à reclamação por aquela apresentada em 20 de Dezembro de 1985. Não quis, assim, - ou não pôde - a Comissão utilizar a oportunidade de uma resposta na fase administrativa do processo previsto nos artigos 90.° e 91.° do estatuto, para evitar, eventualmente, o recurso ao Tribunal.

59. No plano da boa administração da justiça, não pode deixar de lamentar-se o facto.

60. Isso não implica, contudo, que o pedido deva ser considerado procedente: é a própria lei (artigo 90.°, n.° 2, segundo parágrafo) que prevê o indeferimento tácito no caso de expiração do prazo de resposta à reclamação, sem prever ou impor outra consequência para a falta de resposta. Equivalendo esta ao indeferimento tácito, susceptível de constituir objecto de recurso nos termos do artigo 91.°, os direitos de defesa dos recorrentes estão inteiramente salvaguardados e a sua posição não é mais afectada do que seria em caso de resposta negativa à reclamação.

61. IV - Dado o que precede, propomos ao Tribunal que:

a) anule a decisão de 19 de Setembro de 1985 que aprovou o relatório final de classificação da recorrente para o período de 1981-1983;

b) condene a Comissão no pagamento de uma indemnização de 25 000 BFR, a título de compensação ex aequo e bono pelos prejuízos que tenha acarretado à recorrente a falta prolongada do relatório de classificação para o período de 1977-1979;

c) declare o recurso improcedente quanto aos restantes pedidos;

d) condene a Comissão a pagar a totalidade das despesas, incluindo as da recorrente, dado esta ter obtido satisfação no essencial dos seus pedidos e, quanto àqueles que foram declarados improcedentes, estar na sua base um comportamento da Comissão não isento de reparos no plano da diligência devida e dos imperativos de boa administração.

(1) - Ver a jurisprudência mais recente, por exemplo: acórdão de 25 de Março de 1982, processo 98/81, Munk/Comissão (Recueil, p. 1155, especialmente ponto 8); acórdão de 1 de Junho de 1983, processos apensos 36, 37 e 218/81, Seton/Comissão (Recueil, p. 1789, ponto 13); acórdão de 21 de Março de 1985, processo 263/83, Turner/Comissão(Recueil, p. 893, ponto 16).

(2) - Ver acórdão Turner, já citado, ponto 16.

(3) - Acórdão de 6 de Fevereiro de 1986, processos apensos 173/82, 157/83 e 186/84, Castille/Comissão, Colect. p. 497, ponto 36.

(4) - Acórdão de 9 de Julho de 1981, processos apensos nos. 59 e 129/80, já citado, pontos 40, 41 e 46,.

(5) - Acórdão Castille, já citado, ponto 35.

(6) - Acórdão Turner de 9 de Julho de 1981, já citado, pontos 47 e 49.

(7) - Acórdão de 10 de Junho de1987, processo 7/86, Vincent/Parlamento Europeu, Colect. p. 2473, pontos 25 e 26. Ver também as nossas conclusões no mesmo processo apresentadas em 1 de Abril de 1987, ponto 62.

(8) - Processo 61/76, Geist/Comissão (Recueil 1977, p. 1419).

(9) - Acordão Geist, já citado, ponto 47.

(10) - Acórdão Turner de 12 de Janeiro de 1984, processo 266/82, citado, ponto 5.