Conclusões do advogado-geral Vilaça apresentadas em 1 de Julho de 1987. - ARLETTE HOUYOUX E MARIE-CATHERINE GUERY CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIO : SUBSIDIO DE HABITACAO COM EFEITO RETROACTIVO. - PROCESSOS APENSOS 176 E 177/86.
Colectânea da Jurisprudência 1987 página 04333
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. I - Os presentes recursos são dirigidos contra duas decisões da Comissão que recusaram, na totalidade ou em parte, às recorrentes a concessão do subsídio de habitação previsto no artigo 14.° A do anexo VII do estatuto dos funcionários.
2. As recorrentes, Arlette Houyoux e Marie Catherine Guéry, funcionárias da Comissão, foram colocadas na delegação desta instituição junto da OCDE, em Paris, a primeira desde 1 de Julho de 1982 até 30 de Abril de 1985, como secretária de grau C 2, e a segunda entre 1 de Julho de 1981 e 31 de Agosto de 1985, como secretária de grau C 3.
3. A cidade de Paris figura entre os locais em que as condições de habitação são reconhecidas como particularmente difíceis, razão pela qual, nos termos do referido artigo 14.° A do anexo VII do estatuto dos funcionários e do artigo 2.° do Regulamento n.° 6/66 Euratom, 121/66 CEE do Conselho, de 28 de Julho de 1966, pode ser atribuído um subsídio para o efeito.
4. A primeira recorrente só requereu o subsídio em 21 de Outubro de 1985, portanto já depois de ter abandonado o lugar que ocupara em Paris; a segunda apresentou o seu pedido em 3 de Junho de 1985, portanto ainda durante a sua estada em Paris.
5. Ambos os pedidos se referem, explicita ou implicitamente, a todo o período de instalação decorrido desde o início das respectivas funções em Paris.
6. No primeiro caso, a Comissão recusou, na totalidade, a pretensão apresentada, alegando não poder o subsídio ser atribuído com efeito retroactivo; no segundo caso, atendeu-a com efeitos apenas a partir de 1 de Junho de 1985, estando implícita na recusa a mesma razão da anterior.
7. Ambas as interessadas reclamaram das decisões da administração, nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do estatuto, não tendo recebido qualquer resposta.
8. Pretendem agora as recorrentes que o Tribunal anule as decisões de rejeição, condenando a Comissão a pagar o subsídio relativo à totalidade do período em que estiveram colocadas em Paris, acrescido de juros de mora à taxa de 8% ao ano, a contar da data de vencimento de cada prestação até ao dia do pagamento efectivo.
9. As recorrentes baseiam os seus recursos em vários fundamentos e argumentos, que passamos a analisar.
10. II - O argumento principal das recorrentes é tirado da violação do estatuto e do Regulamento n.° 6/66/Euratom, 121/66/CEE do Conselho, de 28 de Julho de 1966 (que passaremos a designar "regulamento de 1966").
11. A - Segundo as recorrentes, nos termos do artigo 14.° A do anexo VII do estatuto e dos artigos 2.° e 4.° do regulamento de 1966, o subsídio de habitação seria automaticamente devido, desde que verificadas as condições objectivas ali exigidas, relativamente ao local de trabalho e à percentagem das remunerações destinada ao pagamento da renda. A existência do direito ao subsídio não dependeria, assim, da prévia apresentação de um pedido e a Comissão não disporia de qualquer margem de discricionaridade na apreciação daquelas condições.
Na tréplica, a Comissão veio a reconhecer o carácter vinculado da competência da AIPN; com efeito, apesar de os artigos 1.° e 2.° do regulamento de 1966 abrirem apenas a possibilidade de atribuição do subsídio ("pode beneficiar", "pode ser concedido") e de o artigo 3.° mencionar a eventualidade de limitação do montante da renda a considerar para o cálculo do subsídio, o certo é que os termos em que está redigido o artigo 4.° ("o subsídio de habitação é concedido...") não deixam dúvidas quanto aos direitos dos funcionários que preencham as condições nele mencionadas.
12. B - Esse facto não implica, porém, segundo a Comissão, que o subsídio de habitação possa ser concedido retroactivamente: nesse caso, à AIPN não seria possível proceder, antes de atribuir o subsídio, à análise das condições de concessão e ao cálculo do seu montante; além disso, admitir a concessão do subsídio com efeito retroactivo teria como consequência que os funcionários pudessem requerê-lo a qualquer momento, com desrespeito dos prazos estatutários.
13. Para as recorrentes, pelo contrário, nada obsta a que o subsídio seja concedido com efeito retroactivo, desde que se comprove que os respectivos pressupostos se verificaram no decurso do período em relação ao qual é feito o pedido. Por outro lado, como salientaram na audiência, não faria sentido invocar a violação de prazos, uma vez que nenhum prazo estaria fixado para este efeito.
14. C - Quanto ao primeiro aspecto do problema (o da retroactividade), é inegável que, nos termos do artigo 3.° do regulamento de 1966, a AIPN deve examinar as condições do alojamento, em relação com as necessidades do funcionário, "antes de qualquer atribuição do subsídio".
15. Da possibilidade de este ser atribuído relativamente a um período já decorrido não resulta, porém, que se torne impossível proceder àquelas averiguações e ao controlo prévio ali estipulado. Evidentemente, o subsídio não pode ser atribuído sem prévia verificação das condições, mas: a) nada impede que a comprovação dessas condições abranja um período passado; b) constatadas que sejam essas condições, nada impede que o subsídio a atribuir cubra esse período passado.
16. De resto, conforme informação do agente da Comissão, prestada na audiência, o controlo é, segundo parece, feito simplesmente com base no contrato de arrendamento, implicando outras verificações apenas no caso de dúvida.
17. Talvez possa, aliás, dizer-se que, em certa medida, a atribuição do subsídio de habitação será sempre, como norma, um acto de eficácia retroactiva. Só assim não será quando a apresentação do pedido, as averiguações necessárias e a decisão de atribuição tiverem lugar antes da entrada em funções no novo lugar onde o funcionário foi colocado. Nessa altura, o subsídio poderá ser atribuído com efeitos a partir da própria data da instalação, sem que à decisão seja conferida qualquer eficácia retroactiva.
18. Mas isso implicará que o funcionário em causa tenha já arranjado alojamento no local para onde foi transferido, o que não é, sem dúvida, a regra, de mais a mais tratando-se de lugar "onde as condições de habitação são consideradas particularmente difíceis". O que sucederá, normalmente, é que o funcionário transferido só apresente o pedido de subsídio depois de iniciar funções e de estar efectivamente instalado no novo local.
19. Não há, então, nenhuma razão para que a atribuição do subsídio não tenha lugar desde a data de instalação, mesmo que o pedido não seja apresentado no decurso desse mês e que a sua apreciação tenha, porventura, lugar vários meses depois (como sucedeu com a recorrente Guéry, a cujo pedido a Comissão tardou mais de quatro meses a responder).
20. Parece-nos poder dizer-se, efectivamente, com as recorrentes, que a apresentação do pedido não é condição de existência do direito ao subsídio, o qual decorre do estatuto, verificadas que sejam as condições objectivas nele mencionadas. O pedido é, não obstante, o meio normal e adequado de fazer valer o direito (meio de "exercício do direito"), uma vez que - sem prejuízo do que mais adiante se dirá, a propósito do comportamento da administração - não parece que seja de impor a esta última, em todos os casos e em circunstâncias normais, a obrigação de conceder o subsídio oficiosamente. O uso do termo "pode", no estatuto e no regulamento de 1966, bem como a consideração das condições de atribuição do subsídio são elucidativos.
21. Seja como for, fica prejudicada não só a afirmação da Comissão, na resposta ao pedido da recorrente Houyoux, de que o subsídio "não pode ser concedido com efeito retroactivo", mas também a sua posição relativamente ao pedido da recorrente Guery, à qual subjaz o entendimento de que o subsídio deveria ser requerido no decurso do primeiro mês após a instalação, para que pudesse ser concedido desde o início.
22. D - Sustenta, porém, a Comissão que a possibilidade de conceder o subsídio com efeito retroactivo teria como consequência que os funcionários pudessem pedi-lo a qualquer momento, o que chocaria com os prazos estatutários. E, na audiência, fez notar ainda que, a reconhecer-se a existência do direito ao subsídio desde a data da verificação das condições para sua atribuição, o acto anulável estaria consubstanciado na primeira folha de vencimentos que não incluiu o montante correspondente, pelo que estariam já ultrapassados os prazos para a sua impugnação.
23. A Comissão não esclarece, porém, que prazos estatutários considera susceptíveis de serem violados. O artigo 90.°, n.° 1, do estatuto não estipula qualquer prazo para a apresentação de um requerimento e, se há exemplos de prazos prescritos na legislação avulsa (exemplo artigo 13.°, n.° 1, da "Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Coumidades Europeias"; artigos 16.°, n.° 2, e 17.°, n.° 1, da "Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional"), isso mesmo não acontece com o regulamento de 1966 relativo ao subsídio de habitação.
24. Quanto à outra alegação, baseada na contagem dos prazos de impugnação a partir da folha de vencimentos, ela constituiria um fundamento de inadmissibilidade da reclamação e do recurso, cuja invocação, feita apenas durante a audiência, deve ser considerada intempestiva, dado o disposto no artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento Processual.
25. A alegação é, também, a nosso ver, totalmente impertinente, dado não fazer sentido exigir às recorrentes que se dessem conta, pela folha de vencimentos, do não pagamento de um subsídio que só poderia ser atribuído com base em informações e elementos de prova que só o interessado pode fornecer, depois de efectuados os necessários controlos pela administração e, sobretudo, de cuja existência as recorrentes ainda não se tinham apercebido.
26. Lembre-se, aliás, que, mesmo quando o Tribunal considerou que a ficha mensal de vencimentos pode ter como efeito fazer correr os prazos de recurso, limitou essa possibilidade aos casos em que "a ficha faz aparecer claramente a decisão tomada" (1).
27. As recorrentes invocaram ainda o acórdão do Tribunal no processo Hochstrass (2); pensamos que, não obstante as particularidades de cada situação litigiosa, a doutrina ali fixada é, mutatis mutandis, transponível para o nosso caso. Com efeito, estava em causa, no referido processo, o respeito do prazo de reclamação, num caso em que a administração recusara a atribuição do subsídio de expatriação a um funcionário, na sequência do pedido apresentado por este, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do estatuto, já depois de o requerente não ter sido incluido pela AIPN no número dos funcionários contemplados com o referido subsídio, em execução do Regulamento n.° 912/78. O Tribunal declarou, então, que resulta do mecanismo criado pelo artigo 90.°, n.os 1 e 2, do estatuto, que, "no caso de um acto de carácter geral destinado a ser posto em execução por meio de uma série de decisões individuais afectando numerosos funcionários de uma instituição, a não aplicação de uma medida de carácter geral a um caso particular não pode ser considerada como uma decisão, mesmo implícita, de indeferimento de um requerimento, tal como se acha previsto no artigo 90.°, n.° 1", contando-se, pois, o prazo de impugnação a partir da data de indeferimento, expresso ou tácito, do requerimento apresentado.
28. É certo que o Tribunal se tem preocupado, também, com evitar que o n.° 1 do artigo 90.° seja utilizado para tornear os prazos de reclamação e de recurso fixados nos artigos 90.°, n.° 2, e 91.°, n.° 3. E por isso declarou, recentemente, no acórdão Esly (3) que, segundo uma jurisprudência constante, a faculdade de apresentar um requerimento nos termos do artigo 90.°, n.° 1, não permite ao funcionário omitir o cumprimento dos prazos de impugnação dos artigos 90.° e 91.°, pondo indirectamente em causa, com esse expediente, uma decisão anterior que não tivesse sido contestada nos prazos.
29. Esta doutrina é, contudo, inaplicável ao caso sub judice, uma vez que, como se viu, não houve decisão anterior da qual as interessadas tivessem podido recorrer.
30. O que está agora em causa é saber se foi ultrapassado o tempo oportuno para requerer o subsídio, de tal modo que este não devesse ser concedido ou só o devesse ser a partir do início do mês em que foi apresentado o requerimento.
31. E - Sob este ponto de vista, e para além de tudo o que já se disse, há que evidenciar a existência de um certo número de circunstâncias que contribuem para explicar a razão pela qual as recorrentes não apresentaram os seus pedidos logo após a sua instalação, só o tendo feito muito mais tarde.
32. Com efeito - se é certo que, à semelhança de todos os outros funcionários, as recorrentes terão recebido, na altura de entrada em funções, um exemplar do estatuto - também é certo que lhes foi fornecido um "vademécum para uso dos funcionários transferidos para uma delegação ou um gabinete de imprensa da Comissão", de onde constavam informações susceptíveis de induzir em erro os funcionários a quem ele era dirigido.
33. Efectivamente, o ponto 9 do citado vademécum, incluído na rubrica "I - Reembolso de despesas provocadas pela transferência - Subsídios diversos", é o único a referir-se à matéria dos subsídios de habitação, sob a epígrafe "Indemnités pour frais de logement (en dehors des pays membres des CE)".
34. Sobre as condições de atribuição de tal subsídio, o referido ponto 9 remete para um anexo em que se transcreve uma "instrução interna de serviço", de 1 de Janeiro de 1980; nesta instrução, o único subsídio que se menciona é o que está previsto no artigo 14.°, n.° 1, segundo parágrafo, do anexo VII do estatuto, sem que seja feita qualquer menção ao subsídio estipulado no artigo 14.° A do mesmo anexo VII.
35. Quer dizer: a um funcionário que é destacado para uma delegação da Comissão num dos Estados-membros da Comunidade, a administração fornece um vademécum em que o único subsídio de habitação de que se fala é indicado como sendo devido apenas nos países não membros da CEE, circunstância confirmada pela remissão para a instrução de serviço, onde se menciona uma disposição (o artigo 14.°) que se reporta a casos particulares que nada têm a ver com a situação das recorrentes.
36. Nestas condições, não custa reconhecer que as informações fornecidas pela administração são susceptíveis de ter induzido em erro duas funcionárias de grau C 2 e C 3 quanto à existência do direito em causa.
37. É certo que o vademécum não substitui o estatuto e, como alega a Comissão, nada assegura que dele conste a totalidade dos direitos e regalias conferidos aos funcionários; mas é inaceitável o argumento da Comissão de que as recorrentes haveriam cometido um "erro indesculpável" por não terem descoberto mais cedo a confusão, contradição ou informação omitida, e de que, por esse simples facto, perderiam todo, ou uma parte, do direito ao subsídio que pudesse caber-lhes desde a entrada em funções. Efectivamente, não seria legítimo, a nosso ver, penalizar um funcionário apenas porque este não duvidou da competência e da boa-fé da sua administração.
38. Mas, uma outra circunstância acresce à que acaba de ser mencionada. Em 29 de Janeiro de 1985, a administração central da Comissão, em Bruxelas, enviou à delegação junto da OCDE uma nota, acompanhada de cópia do Regulamento n.° 6/66/Euratom, 121/66/CEE, chamando a atenção para o facto de Paris figurar entre os lugares em que pode ser concedido o subsídio de habitação e acrescentando que "seria interessante conhecer quais os funcionários que dele poderiam eventualmente beneficiar".
39. A esta nota, a delegação de Paris não deu qualquer seguimento, o que é tanto mais de estranhar quanto a delegação é uma pequena unidade, contando apenas um total de onze funcionários.
40. III - As considerações que precedem são suficientes para nos permitir concluir, desde já, que:
1) nenhum prazo se acha expressamente estabelecido para a apresentação do pedido de subsídio, não tendo fundamento a posição da Comissão ao ligar, com base em pretensos prazos estatutários, os efeitos da decisão de atribuição ao início do mês em que o pedido foi formulado;
2) não há obstáculos, em princípio, ao reconhecimento do direito ao subsídio com efeitos a partir de uma data anterior ao pedido, desde que verificadas as condições do estatuto e do regulamento de 1966, em particular quando as circunstâncias do caso justificam plenamente a demora da sua apresentação;
3) é dever da administração controlar, na medida do possível, a verificação das condições relativamente à totalidade do período coberto pelo direito ao subsídio.
41. O vademécum a que atrás nos referimos dá-nos, aliás, um argumento suplementar para fundamentar estas conclusões. Com efeito, logo no ponto I, "Efeitos dos direitos", estabelece-se que "a data de efeito dos direitos aos subsídios... é fixada com referência à data de Assunção de funções (4) (data que não pode ser anterior à data de efeito da decisão de transferência)".
42. IV - A nosso ver, as conclusões a que acabamos de chegar aplicam-se, sem margem para dúvidas, ao pedido de anulação formulado pela funcionária Marie Catherine Guéry, no processo 177/86.
43. Com efeito, esta apresentou o seu pedido de subsídio de habitação ainda durante o período de permanência em Paris e no decurso do exercício das suas funções ao serviço da Comissão nessa cidade.
44. A administração reconheceu que havia condições para atribuição do subsídio, e tanto assim que o concedeu, recusando-se porém a reconhecer-lhe efeito retroactivo.
45. Entendemos, pois, que o requerimento deve ser reapreciado, devendo o subsídio ser outorgado com efeitos a partir da data de instalação, no caso de se confirmar que as condições de atribuição estavam reunidas desde então.
46. V - O caso da recorrente Arlette Houyoux, no processo 176/86, é, todavia, algo diferente.
47. Com efeito, esta funcionária apenas apresentou o seu requerimento quase seis meses depois de ter cessado as suas funções em Paris e de haver sido novamente transferida para Bruxelas.
48. Ora, parece-nos que a inexistência de um prazo fixado para requerer o subsídio de habitação não significa, necessariamente, que a faculdade de requerer se mantenha ad eternum.
49. As próprias exigências de segurança jurídica impõem que assim seja: de outro modo, poderiam as instituições ver-se, a todo o tempo, confrontadas com pedidos formulados muito depois do termo da situação que lhes dá origem e, mesmo, depois do termo das funções dos funcionários interessados.
50. É razoável pensar que o legislador não quis, em princípio, alargar a faculdade de requerer o subsídio de habitação, previsto no artigo 14.° A do anexo VII do estatuto, para além do termo do período durante o qual ele era devido, em particular já depois de o funcionário ter cessado as suas funções "num local onde as condições de habitação são consideradas particularmente difíceis" e de haver sido transferido para outro local, abandonando o seu alojamento precedente.
51. Assim o inculcam os próprios termos do referido artigo 14.° A e do regulamento adoptado em sua aplicação, que se referem sempre, no tempo presente, ao "funcionário colocado num local em que..." e ao "funcionário que consagre ao pagamento da sua renda...".
52. Pode dizer-se que a hipótese contrária estava fora das previsões do legislador, o que era natural, dadas as exigências de controlo e os problemas de prova do direito ao subsídio.
53. Os inconvenientes de uma diferente solução estão, aliás, ilustrados no caso presente, pelo facto de a recorrente Houyoux ter extraviado o seu contrato de arrendamento e haver, há quase seis meses, transferido a sua residência para Bruxelas.
54. Mas, se nos parece que assim é como regra, somos de opinião que a solução pode ser diversa em casos especiais.
55. Assim será, claramente, quando o funcionário que teria direito ao subsídio foi impedido de apresentar tempestivamente o requerimento por um motivo de força maior que lhe criou um obstáculo praticamente inultrapassável ou quando foi vítima de um comportamento, doloso ou grosseiramente negligente, da parte da administração (traduzido, por exemplo, numa informação incorrecta) que visou ou teve como consequência directa impedi-lo de apresentar o requerimento em tempo.
56. Mas parece-nos que será, também, esse o caso quando, não havendo embora um obstáculo inultrapassável ou um impedimento absoluto (a interessada sempre poderia aperceber-se dos seus direitos por outra via), a administração omitiu, com falta grave, comportamentos que, se tivessem sido adoptados, teriam permitido ao funcionário fazer valer o seu direito atempadamente.
57. Ora, tudo visto e ponderado, parece-nos poder estar, aqui, perante uma situação desse género.
58. Na verdade, sem que seja necessário levar o "dever de solicitude" ou "de cuidado" da administração perante os seus funcionários ao ponto de nele abranger a obrigação de os informar, individualmente e caso a caso, de todos os seus direitos estatutários, já depois de lhes haver distribuído um exemplar do estatuto, o certo é que, no caso presente, a delegação da Comissão em Paris, a quem competia o pagamento do subsídio, recebeu de Bruxelas uma chamada de atenção expressa quanto às respectivas condições de atribuição e uma sugestão, ou solicitação, formal e ostensiva, no sentido de apurar quais os funcionários que poderiam eventualmente beneficiar do subsídio.
59. A delegação de Paris não deu, surpreendentemente, qualquer seguimento à nota de Bruxelas; se o tivesse feito, a recorrente Houyoux teria sido alertada a tempo de apresentar o requerimento antes da sua nova transferência para Bruxelas. Com onze funcionários ao seu serviço, nenhuma dificuldade ou circunstância atenuante podem, verosimilmente, apresentar os responsáveis da delegação para justificar a sua omissão. O facto de não terem agido, depois de para tal haverem recebido instruções superiores, constitui, a nosso ver, uma grave falta de serviço, susceptível de provocar, como provocou, prejuízos materiais a uma funcionária.
60. Sem a omissão culposa da administração, a recorrente Houyoux não estaria, certamente, agora numa posição diferente da recorrente Guéry. Nestas condições, parecer-nos-ia chocante tratar ambas as recorrentes de maneira diferente.
61. Quanto a nós, é, pois, uma exigência de equidade, além de uma consequência da violação do dever de boa administração, admitir, em face das circunstâncias do caso, a recorrente Houyoux - que continuou ao serviço da mesma instituição - a beneficiar do subsídio de habitação desde a data da sua instalação até à da cessação de funções em Paris, caso demonstre, perante a AIPN, que estavam verificadas todas as condições para a respectiva atribuição.
62. Para reforçar a conclusão a que chegámos, a invocação, como precedente, do acórdão Richez-Parise (5), citado pelo advogado das recorrentes na audiência, justifica-se, em certa medida. É certo que o paralelo não é procedente ponto por ponto: no caso sub judice, não se põe o problema de abrir novo prazo para dar às recorrentes a oportunidade de exercer um direito que não tinham feito valer por causa de uma informação da administração baseada numa interpretação errada dos regulamentos. A abertura de novo prazo foi, ali, um meio de que o Tribunal se serviu para indemnizar os recorrentes (estes tinham pedido a reparação do prejuízo sofrido), colocando-os na situação em que estariam sem o comportamento faltoso da administração. Este (a "falta de serviço") não consistiu, então, necessariamente, segundo o Tribunal, na adopção de uma interpretação errada e na prestação de uma informação inexacta, mas antes no atraso em rectificá-la, em termos tais que, se esse atraso não tivesse existido, os recorrentes teriam podido decidir-se e invocar os seus direitos em tempo.
63. No caso presente, a falta de serviço é constituida, em nosso entender, pela própria omissão de toda a informação e é, como vimos, nítida e caracterizada porque implicou o não cumprimento de instruções cujo sentido não se prestava a dúvidas. Por causa dessa falta (que revela pouco escrúpulo no cumprimento de deveres relativamente aos funcionários), também às recorrentes não foi dado aperceberem-se mais cedo dos seus direitos e mais cedo fazerem-nos valer (ainda que aqui não possa falar-se propriamente de prazos para requerer).
64. Em qualquer caso, nos parece que, em ambos os processos, nos encontramos perante exigências de equidade que comandam a adopção de soluções paralelas.
65. Pode pôr-se à recorrente Houyoux o problema de prova das condições que lhe dariam direito a subsídio; mas é à Comissão que compete, no exercício do seu poder de controlo, julgar, em primeira linha, a prova feita com vista à decisão sobre a respectiva atribuição.
66. Não nos parece, por outro lado, que haja lugar a aplicar aqui, mecanicamente, as indicações constantes do n.° 9, alínea a), do vademécum (o montante do subsídio é fixado "após a recepção de um contrato de arrendamento assinado" e a divisão competente "deve ser consultada sobre o montante da renda prevista antes da assinatura do contrato"), invocadas pela recorrida na tréplica. Com efeito, como já vimos, estas indicações referem-se a outra modalidade de subsídio e constam de um documento - o vademécum - de natureza puramente informativa e não normativa.
67. VI - Visto o que precede, julgamos desnecessário acrescentar algo mais a propósito da invocação, que as recorrentes fazem, a título subsidiário, dos princípios gerais de direito, nomeadamente dos princípios da confiança legítima, da igualdade e da justiça distributiva, bem como dos deveres de solicitude e de equidade.
68. VII - As recorrentes pedem, ainda, ao Tribunal que condene a Comissão ao pagamento de juros de mora à taxa de 8 % ao ano, a contar da data de vencimento de cada prestação até ao dia do pagamento efectivo.
69. Cremos que, à luz da jurisprudência do Tribunal, estão verificadas as condições para poder aceder, no essencial, a tal pedido.
70. Com efeito, não obstante o direito comunitário não conhecer qualquer fixação legal de juros de mora, o Tribunal passou a aceitar, posteriormente à sua primeira tomada de posição no acórdão Campolongo (6), o princípio da obrigação das instituições compensarem com juros de mora o atraso no pagamento das somas devidas aos funcionários.
71. O Tribunal afastou-se mesmo da exigência, que começou por fazer (7), de um comportamento "particularmente faltoso" ou de um "erro grave" das instituições nas relações com os seus funcionários, ligando a obrigação de pagar juros de mora ao facto objectivo do atraso (caberá ao devedor o ónus de provar que fez todo o possível para evitar o atraso), independentemente da prova de qualquer prejuízo efectivo do credor (8).
72. No caso presente, a falta da administração parece-nos, de resto, suficientemente documentada. Por outro lado, a dívida da Comissão é exigível e suficientemente "determinável com base em elementos objectivamente estabelecidos" (9), para permitir fundamentar a atribuição de juros de mora. A pedido do Tribunal, a Comissão juntou, aliás, ao processo, a indicação precisa dos montantes totais devidos às recorrentes a título de subsídio de alojamento.
73. VIII - Quanto à taxa dos juros a outorgar, cremos que, à semelhança do que aconteceu na maior parte dos acórdãos anteriores do Tribunal (10), pode ela ser fixada em 6%, que serão devidos desde a data dos pedidos apresentados pelas recorrentes, altura em que as importâncias dos subsídios teriam sido pagas se a Comissão houvesse feito uma criteriosa aplicação da lei (11).
74. IX - Dado o que precede, concluímos propondo-vos que:
1) anuleis as decisões da Comissão, notificadas, respectivamente, em 14 de Novembro de 1985 e 16 de Outubro de 1985, na medida em que indeferiram, total ou parcialmente, relativamente aos períodos transcursos, os pedidos das recorrentes solicitando a atribuição do subsídio de habitação;
2) condeneis a Comissão a reapreciar os pedidos relativamente aos períodos anteriores e a pagar às recorrentes os subsídios de habitação correspondentes, a partir da data da instalação, desde que se confirme estarem reunidas todas as condições para tal fixadas no regulamento de 1966;
3) condeneis a Comissão a pagar, em caso afirmativo, a título de juros de mora, 6% sobre as importâncias em dívida, sendo os juros devidos desde as datas de apresentação dos requerimentos a solicitar a atribuição dos subsídios de habitação;
4) condeneis a Comissão nas despesas do processo, dado ter sucumbido no essencial das suas posições.
(1) - Acórdão de 21 de Fevereiro de 1974, processos apensos 15 a 33, 52, 53, 57 a 109, 116, 117, 123, 132 e 135 a 137/73, Schots-Kortner/ Conselho, Comissão e Parlamento, Recueil, p. 177, 189.
(2) - Acórdão de 16 de Outubro de 1980, processo 147/79, Hochstrass/ Tribunal de Justiça, Recueil, p. 3005, 3018.
(3) - Acórdão de 15 de Maio de 1985, processo 127/84, Esly/Comissão, Recueil, p. 1437; n.° 10.
(4) - Em maiúsculas no original.
(5) - Acórdão de 28 de Maio de1970, processos apensos 19, 20, 25 e 30/69, Richez-Parise/Comissão, Recueil, p. 325 e seguintes.
(6) - Acórdão de 15 de Julho de 1960, processos apensos 27 e 39/59, Campolongo/Alta Autoridade, Recueil, p. 795, 826 e 827.
(7) - Acórdãos de 20 de Fevereiro de 1975, processo 21/74, Airola/Comissão, Recueil, p. 221, de 26 de Fevereiro de 1976, processo 101/74, Kurrer/Conselho, Recueil, p. 259, de 1 de Julho de 1976, processo 58/75, Sergy/Comissão, Recueil, p. 1139, de 13 de Outubro de 1977, processos 106/76, Deboeck/Comissão, Recueil, p. 1623, e 14/77, Van den Branden/Comissão, Recueil, p. 1683.
(8) - Acórdãos de 16 de Março 1978, processo 115/76, Leonardini/ Comissão, Recueil, p. 735, de 13 de Julho de 1978, processo 114/77, Jacquemart/Comissão, Recueil, p. 1697, 16 de Outubro 1980, processos apensos 63 e 64/79, Boizard/Comissão, Recueil, p. 2975, de 5 de Fevereiro de 1981, processo 40/79, P./Comissão, Recueil, p. 361, de 2 de Julho de 1981, processo 185/80, Garganese/Comissão, Recueil, p. 1785, de 18 de Março de 1982, processo 103/81, Chaumont-Barthel/ Pa lamento, Recueil, p. 1003, 6 de Outubro de 1982, processo 9/81, Williams / Tribunal de Contas, Recueil, p. 3301, de 5 de Maio de 1983, processo 785/79, Pizziollo/Comissão, Recueil, p. 1343, de 20 de Março de 1984, processos apensos 75 e 117/82, Razzouk/Comissão, Recueil, p. 1509 e acórdãos de 15 de Janeiro de 1985, processo 158/79, Carpentier/Comissão, e nos processos apensos 532, 534, 567; 600, 618, 660/79 e 543/79, Amesz e outros/Comissão, e processo 737/79, Battaglia/Comissão, Recueil, p. 39, 56 e 72.
(9) - Acórdãos de 30 de Setembro de 1986, processo 174/83, Amman e outros/Conselho, Recueil, p. 2647.
(10) - Ver acórdãos Jacquemart, Garganese, Chaumont-Barthel, Williams, Pizziolo, Razzouk e Carpentier, já citados.
(11) - Ver acórdãos Sergy, Jacquemart, Pizziolo, Razzouk e Carpentier, j citados,parecendo-nos, porém, que, no caso presente, se deve ter em conta as datas dos pedidos apresentados nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do estatuto, e não as datas das reclamações apresentadas ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2.