Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 19 de Novembro de 1987. - EVELYNE DELAUCHE CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIOS - IGUALDADE DE TRATAMENTO ENTRE HOMENS E MULHERES. - PROCESSO 111/86.
Colectânea da Jurisprudência 1987 página 05345
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. A recorrente Evelyne Delauche, funcionária da Comissão com o grau A 4, chefe adjunta da divisão "Estatuto" na direcção "Pessoal" DG IX-A1, interpõe um recurso de anulação de três decisões da Comissão e pede, além disso, que se condene esta última a indemnizá-la bem como a suportar as despesas do presente processo.
2. As três decisões em causa são as de:
1) 11 de Julho de 1985, pela qual a Comissão não admitiu a sua candidatura ao lugar de chefe da divisão IX-B1 "Direitos administrativos e financeiros", cuja vaga tinha sido publicada em 12 de Abril de 1985;
2) 29 de Julho de 1985, que nomeia Roberto Capogrossi para o referido lugar;
3) 10 de Março de 1986, pela qual a Comissão indeferiu a sua reclamação contra as duas decisões anteriores.
3. O recurso baseia-se em quatro fundamentos de anulação, invocados numa ordem sucessiva de subsidiariedade. Em primeiro lugar, a violação do estatuto dos funcionários, e designadamente do seu artigo 5.°, n.° 3, bem como do princípio da igualdade entre homens e mulheres, enquanto princípio geral de direito. O segundo fundamento estaria na ausência de fundamentação adequada, exigida pelos artigos 7.°, n.° 1, e 45.°, n.° 1, do estatuto. Como terceiro fundamento, a recorrente invoca de novo uma violação do artigo 5.°, n.° 3, do estatuto e do princípio da igualdade entre homens e mulheres, bem como um abuso de poder que a recorrida teria cometido. Em último lugar, invoca a violação da confiança legítima e do dever de solicitude.
4. O fundamento assente na ausência de fundamentação não suscita longos desenvolvimentos, tendo em conta o acórdão Bonino (1), no qual foi precisado que a jurisprudência segundo a qual a autoridade investida do poder de nomeação não está obrigada a fundamentar as suas decisões sobre promoções se aplica igualmente no caso de entre os candidatos figurarem mulheres, de modo que o princípio da igualdade não tem incidência quanto a este ponto. Na audiência, a recorrente pareceu, aliás, renunciar a este fundamento.
5. Antes de chegar aos fundamentos essenciais do processo, convém abordar o invocado a título muito subsidiário que diz respeito à pretensa violação do dever de solicitude e da confiança legítima. Alega-se, designadamente, que a AIPN teria devido tomar em consideração o interesse da recorrente em ser promovida, tanto mais que, pelas suas diversas declarações, a Comissão teria dado a entender que seriam tomadas medidas efectivas para a concretização do princípio da igualdade. Além disso, a mobilidade da Sra. Delauche e o facto de ter assegurado funções de chefe de divisão interinamente deveriam ter pesado em seu favor.
6. Lembremos que, segundo a jurisprudência do Tribunal, embora o exercício de funções interinas ou de uma substituição deva ser tomado em consideração para uma promoção, não dá ao interessado direito à promoção ou à reclassificação (2). Do mesmo modo, o adjunto de um funcionário cujo lugar ficou vago não tem direito a ser nomeado para esse lugar, mesmo que tenha as qualidades necessárias para o desempenhar (3). Além disso, um funcionário não pode invocar a confiança legítima a não ser que se encontre perante "uma situação implicando o que se poderia qualificar como rotura de um compromisso" (4) e isto apenas quando lhe foram dadas pela administração garantias precisas (5), de natureza a "gerar em si esperanças fundadas" (6) (tradução provisória). No presente caso, não foi tomado qualquer compromisso preciso relativamente à recorrente e esta não pode invocar uma confiança legítima com base em declarações de intenção que indicam a orientação geral de uma política desejável. A este respeito, resulta das indicações fornecidas, que são empreendidas pela Comissão determinadas acções com vista a melhorar a situação actual. Para mais, este argumento está relacionado com aquele que põe em causa o modo pelo qual a AIPN exerceu o seu poder de apreciação, que é o objecto do terceiro fundamento do presente recurso.
7. Neste a recorrente alega que o facto de não ter admitido a sua candidatura constitui um abuso de poder por parte da AIPN, que não poderia explicar-se senão pela política sexista seguida pela Comissão. Para responder a este argumento, basta lembrar que, segundo uma jurisprudência constante, a AIPN dispõe de um amplo poder de apreciação quanto à escolha, no interesse do serviço, dos melhores candidatos aos lugares a preencher. O controlo jurisdicional de decisões tomadas nesta matéria é limitado, em conformidade com essa mesma jurisprudência, essencialmente à verificação de que a AIPN se manteve dentro de limites razoáveis (7) e não criticáveis (8) e de que não praticou um erro manifesto de apreciação.
8. Nesta perspectiva, não são apenas as qualidades, que no fundo ninguém contesta, da recorrente que devem ser tomadas em consideração, mas também as do candidato admitido a final, e isto a fim de proceder a um exame comparativo dos méritos respectivos dos candidatos. Mas o Tribunal não pode substituir a sua apreciação das qualificações e aptidões dos candidatos à da AIPN (9).
9. Ora, o Sr. Capogrossi era, no mesmo plano que a Sra. Delauche, uma das três pessoas que mereciam, segundo o parecer do Comité consultivo para nomeações nos graus A 2 e A 3, ser tomadas especialmente em consideração. Não se pode detectar qualquer erro manifesto na nomeação para o lugar de chefe da divisão "Direitos administrativos e financeiros" de uma pessoa diplomada em economia e comércio com a experiência do Sr. Capogrossi, tal como resulta do processo, que teve relatórios de classificação excelentes e que ganhou face aos outros candidatos, em conformidade com a proposta do comissário de que depende a divisão em causa. É inteiramente compreensível que os conhecimentos em matéria de actuária tenham sido julgados determinantes para um lugar de chefe de uma divisão que trata, entre outros, de problemas complexos em matéria de pensões. Daqui não resulta, no entanto, que os outros candidatos apontados pelo comité consultivo não tenham as qualidades requeridas para exercer esta função. Bem pelo contrário, as três pessoas propostas por este comité reuniam todas as condições especificadas no aviso de vaga. As razões pelas quais a Comissão preferiu nomear o Sr. Capogrossi foram claramente explicitadas no ofício de 10 de Março de 1986, pelo qual o vice-presidente Christophersen informou a recorrente do indeferimento da sua reclamação, e não se pode afirmar, como esta o faz, que a escolha realizada a final pela AIPN tenha sido "surpreendente" nem inquinada por erro manifesto de apreciação.
10. Por outro lado, vê-se dificilmente como é que a Sra. Delauche pode acusar a Comissão de uma atitude sexista discriminatória a seu respeito. Efectivamente, realizou uma carreira muito notável. Admitida inicialmente, em 1959, na categoria C 12, subiu rapidamente os escalões para alcançar, dezoito meses mais tarde, a categoria B 10. Após promoções regulares no grau B, passou, em 1965, para a categoria A, onde subiu os escalões até ao grau A 4, ao qual chegou em 1979. A interessada defende, todavia, com base nos insucessos sucessivos das suas tentativas para ser nomeada para o grau A 3, que a única explicação seria a política sexista praticada pela Comissão. Compreende-se mal como tal argumento poder ser aduzido quando a carreira realizada pela recorrente demonstra suficientemente que ela não foi vítima de qualquer preconceito desfavorável.
11. O essencial do recurso está, na realidade, no primeiro fundamento. Por este, a recorrente procura que se estabeleça, por via jurisprudencial, um direito de preferência em favor das mulheres quando existir uma situação grave de sub-representação feminina e quando os candidatos do sexo masculino e feminino sejam julgados igualmente aptos a preencher a função em causa. Fundamenta este direito de preferência no princípio da igualdade, considerando que apenas o reconhecimento de tal direito permitiria corrigir as desigualdades de facto entre homens e mulheres nos níveis superiores da função pública comunitária.
12. É inegável que existe na Comissão um lamentável desequilíbrio numérico de homens e mulheres na categoria A, para nos limitarmos a esta, que se acentua à medida que avançamos nos graus superiores. Ressaltam do relatório, feito em nome da Comissão dos Direitos da Mulher do Parlamento Europeu, sobre a situação das mulheres nas instituições comunitárias, datado de 18 de Março de 1987 (10), os seguintes números, que correspondem à situação em 6 de Maio de 1986: em 2 937 funcionários da categoria A, 2 657 são homens e 280 mulheres; embora seja limitada, esta repartição na proporção de 10% encontra-se em todos os graus? De modo nenhum. Até ao grau A 5, inclusive, esta percentagem mantém-se e, de facto, é frequentemente ultrapassada. A partir do grau A 4, há um declínio espectacular da representação feminina. Assim, neste último apenas se contam 43 mulheres para 817 homens. No grau A 3, há seis mulheres e 347 homens. No grau A 2, os 132 funcionários são todos do sexo masculino e no grau A 1 há apenas uma mulher para 43 homens. Esta situação, legitimamente inquietante, não é específica da Comissão nem, mais geralmente, das instituições comunitárias. Tanto ao nível internacional como nacional, sente-se também a necessidade premente de encontrar um meio de permitir a um número crescente de mulheres aceder a funções que, em conjunto e na prática, foram até agora largamente reservadas aos homens.
13. É nesta perspectiva que o direito de preferência a favor das mulheres é invocado pela recorrente. No essencial, defende que, quando vários candidatos de sexo diferente com a mesma aptidão e qualidades idênticas pretendam determinada função, é uma mulher que deve ser escolhida quando, na composição do grupo em apreço, existir um grave desequilíbrio em detrimento das mulheres.
14. Se existe incontestavelmente necessidade de efectuar uma acção positiva - uma "affirmative action" - em favor das mulheres, não nos parece que se possa fazê-lo utilmente pela proclamação jurisprudencial de um direito de preferência. Trata-se, com efeito, não apenas de um problema de promoção mas também de recrutamento. Qualquer acção específica em favor de uma categoria minoritária depararia com a dificuldade do princípio da igualdade formal. Mas poder-se-ia conceber que, em circunstâncias bem determinadas e para atingir um objectivo prioritário correspondente a uma escolha da sociedade, destinada ela mesma a fazer desaparecer as desigualdades que resultam de preconceitos do passado, se pudessem tomar disposições que ofendessem aquele princípio, devendo, no entanto, ser juridicamente fundamentadas.
15. Várias técnicas, já preconizadas ou utilizadas noutros contextos, seriam possíveis. Poder-se-ia pensar, por exemplo, como é recomendado pela resolução do Parlamento Europeu sobre a situação das mulheres nas instituições comunitárias (11), que sejam fixados objectivos quantificados que prevejam uma progressão anual determinada nos graus em que as mulheres estão sub-representadas. Poder-se-ia também encarar a adopção de um sistema de quotas para o recrutamento e a promoção ou ainda a aplicação de escalões diferentes segundo se tratasse de homens ou mulheres. Mas, em direito comunitário, tais medidas apenas poderiam ser tomadas pelo legislador e, até à adopção de tais disposições, relativamente às quais o Tribunal seria provavelmente chamado a apreciar a legalidade, não se pode aplicar outra regra, no que respeita ao recrutamento e à promoção, do que a da neutralidade sexual. Na falta de qualquer disposição específica, a recorrente não pode, pois, invocar qualquer direito de preferência.
16. Na ausência de qualquer comportamento culposo ou ilícito da Comissão, concluímos que deve ser negado provimento ao recurso, devendo cada uma das partes suportar as suas próprias despesas.
(*) Tradução do francês.
(1) - 233/85, acórdão de 12 de Fevereiro de 1987, Colect.,p. 739.
(2) - Ver, por exemplo, 77/70, Prelle, acórdão de 16 de Junho de 1971, Recueil, p. 561; 28/72, Tontodonati, acórdão de 12 de Julho de 1973, Recueil, p. 779; 189/73, Van Reenen, acórdão de 19 de Março de 1975, Recueil, p. 445.
(3) - 22/75, Kuester, acórdão de 29 de Outubro de 1975, Recueil, 1975, p. 1267.
(4) - L. Dubouis, "Fonctionnaires et agents des Communautés européennes", chronique, Revue trimestrielle de droit européen, 1983, p. 86, especialmente p. 92.
(5) - Ver, por exemplo, as conclusões do advogado-geral Capotorti no processo 268/80, Guglielmi, Recueil 1981, p. 2295, 2306 e seguintes.
(6) - 289/81, Mavridis, acórdão de 19 de Maio de 1983, Recueil, p. 1731, 1744.
(7) - 52/86, Banner, acórdão de 25 de Fevereiro de 1987, n.° 9, Colect.,p. 797.
(8) - 306/85, Huybrechts, acórdão de 5 de Fevereiro de 1987, n.° 9, Colect.,p. 629.
(9) - 324/85, Boutellier, acórdão de 4 de Fevereiro de 1987,Colect., p. 529.
(10) - Parlamento Europeu, documentos de sessão 1986-1987, 18 de Março de 1987, série A, Doc. A2-257/86.
(11) - Parlamento Europeu, segunda legislatura, "Textos adoptados pelo Parlamento Europeu", fascículo 6/87, Junho de 1987.