ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (SEXTA SECCAO) DE 9 DE JULHO DE 1987. - BEVERLY LEILA BURCHELL CONTRA ADJUDICATION OFFICER. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO SOCIAL SECURITY COMMISSIONER. - SEGURANCA SOCIAL - PRESTACOES FAMILIARES. - PROCESSO 377/85.
Colectânea da Jurisprudência 1987 página 03329
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
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Segurança social dos trabalhadores migrantes - Prestações familiares - Normas comunitárias anticúmulo - Alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 - Aplicação - Condições - Criança abrangida pelo âmbito da regulamentação comunitária - Prestação devida por aplicação exclusiva da legislação nacional, independentemente do local de residência da criança - Inaplicabilidade
((Regulamentos do Conselho n.° 1408/71, artigo 73.°, e n.° 574/72, alínea a) do n.° 1 do artigo 10.°))
A regra anticúmulo constante do primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 aplica-se quando a criança a favor da qual são devidas prestações ou abonos de família é abrangida, enquanto membro da família de um dos beneficiários, no âmbito de aplicação pessoal da regulamentação comunitária em matéria de segurança social dos trabalhadores assalariados, sem ser necessário saber se o outro beneficiário, a quem são igualmente devidas prestações ou abonos de família a favor da mesma criança, é também abrangido por aquele âmbito de aplicação.
Quando uma prestação familiar for devida por aplicação apenas da legislação nacional, independentemente do local de residência das crianças, e portanto, não seja necessário invocar o artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71 para a aquisição do direito à referida prestação, esta não pode ser considerada devida aos termos do artigo 73.° e não se aplica ao primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72.
No processo 377/85,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Social Security Commissioner, visando obter, no litígio pendente perante este orgão jurisdicional entre
Beverly Leila Burchell
e
Adjudication Officer,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do n.° 1, alínea a), do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 do Conselho, de 21 de Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e suas famílias que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 53),
O TRIBUNAL (Sexta Secção),
constituído pelos Srs. C. Kakouris, presidente de secção, T. F. O' Higgins, T. Koopmans, O. Due e K. Bahlmann, juízes,
advogado-geral: M. Darmon
secretário: B. Pastor, administradora
considerando as observações apresentadas:
- em nome de B. Burchell, requerente no processo principal, por E. Laing, barrister,
- em nome do Adjudication Officer, requerido no processo principal, por Kathleen F. Lee, Senior Legal Assistant, Department of Health and Social Security,
- em nome do Governo neerlandês, na fase escrita do processo, por E. F. Jacobs, secretário-geral f.f. do Ministério dos Negócios Estrangeiros pelo ministro dos Negócios Estrangeiros,
- em nome da Comissão das Comunidades Europeias, por Julian Currall, membro do seu Serviço Jurídico,
visto o relatório para audiência e na sequência da fase oral do processo de 26 de Novembro de 1986,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 3 de Fevereiro de 1987,
profere o presente
Acórdão
1 Por decisão de 25 de Novembro de 1985, que deu entrada no Tribunal em 29 de Novembro seguinte, o Social Security Commissioner apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 do Conselho, de 21 de Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e suas famílias que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156 e 05 F3 p. 53).
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que tem por objecto a recusa do "Insurance Officer" (entretanto denominado "Adjudication Officer") em conceder a B. Burchell, requerente no processo principal, abonos de família por crianças a cargo em benefício dos seus dois filhos.
3 Berverly Burchell, divorciada e sem emprego, vive no Reino Unido com os seus dois filhos e o seu ex-marido habita nos Países Baixos onde exerce uma actividade assalariada. Em 1980, quando apresentou o pedido à autoridade britânica competente em matéria de segurança social, Beverly Burchell preenchia todas as condições legais para beneficiar dos abonos de família por crianças a cargo previstos pela lei britânica. O seu ex-marido beneficiava, por seu turno, relativamente ao mesmo período, de abonos de família nos Países Baixos, em favor dos mesmos dois filhos, pois a legislação neerlandesa permite a concessão de prestações familiares ainda que os membros da família não residam no território neerlandês.
4 Decorre do processo que, durante o período relativamente ao qual Beverly Burchell solicita as prestações, nem a legislação britânica nem a neerlandesa continham qualquer regra anticúmulo aplicável a este tipo de situação.
5 O "Insurance Officer" considerou que, podendo o ex-marido de Beverly Burchell beneficiar dos abonos de família neerlandeses por crianças a cargo como se os seus dois filhos residissem nos Países Baixos, por aplicação do n.° 1 do artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71, o direito de Beverly Burchell a beneficiar do abono de família por criança a cargo no Reino Unido, que não está sujeito às condições de seguro ou de emprego, ficava suspenso em aplicação do n.° 1, primeira período da alínea a), do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72, visto que Beverly Burchell, não exercendo qualquer actividade profissional, não se pode basear na excepção constante da segunda período do n.° 1, alínea a), do artigo 10.°
6 O referido artigo 10.° dispõe:
"1) O direito às prestações familiares ou abonos de família devidos por força da legislação de um Estado-membro nos termos da qual a aquisição do direito a essas prestações ou abonos não depende de condições de seguro, de emprego ou de uma actividade não assalariada, fica suspenso quando, no decurso de um período e em relação ao mesmo membro da família:
a) forem devidas prestações em aplicação dos artigos 73.° ou 74.° do regulamento. Todavia, se o cônjugue do trabalhador... a que se referem aqueles artigos exercer uma actividade profissional no território desse Estado-membro, o direito às prestações familiares ou abonos de família devidos por força dos referidos artigos será suspenso; apenas serão pagas as prestações familiares ou abonos de família do Estado-membro em cujo território residir o membro da família, cabendo o respectivo encargo a este Estado-membro."
7 O artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71 prevê:
"1) O trabalhador sujeito à legislação de um Estado-membro que não seja a França tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado."
8 B. Burchell interpôs recurso perante o Social Security Commissioner. Considerando que o litígio suscitava questões relativas à interpretação do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72, o Social Security Commissioner suspendeu a instância e apresentou ao Tribunal as seguintes questões:
"1) a) Uma pessoa obrigatoriamente inscrita como beneficiário relativamente a uma série de riscos cobertos pelos diversos ramos de um regime de segurança social para (entre outros) os trabalhadores, mas que deixou de pagar contribuições no âmbito desse regime, quer a título obrigatório quer voluntário, deve ser equiparada a um trabalhador, para efeitos dos regulamentos n.os 1408/71 e 574/72, se as prestações pagas por tal pessoa durante o período em que estava inscrita a título obrigatório são em si suficientes para que os seus herdeiros possam ter direito ao subsídio por morte aquando do falecimento desta pessoa, mas são insuficientes, em si mesmas ou conjuntamente com outras prestações, para conferir à pessoa em causa o direito a qualquer outra prestação prevista no referido regime?
b) No caso de resposta negativa à questão 1, alínea a), o direito da pessoa que não é nem trabalhador assalariado nem trabalhador independente para efeitos dos regulamentos n.os 1408/71 e 574/72 a qualquer prestação prevista nesse regime (não se tratando de um direito derivado da qualidade dessa pessoa, de membro de família, supérstite de trabalhador assalariado ou de um trabalhador independente) pode ser prejudicado por qualquer disposição de um ou de outro desses regulamentos?
2) No caso de resposta afirmativa à questão 1, alínea a) ou à questão 1, alínea b), a disposição que prevê a suspensão do benefício inserida no primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 deve ser interpretada no sentido de que se aplica quando os serviços sociais de um outro Estado-membro concederam prestações familiares a um trabalhador assalariado, em relação à mesma criança, por força das disposições da lei nacional e sem invocar o artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71, se, independentemente dessas disposições da lei nacional, esses serviços deveriam ter concedido os mesmos abonos nos termos do referido artigo?
3) No caso de resposta afirmativa à questão 2, o n.° 1, alínea a), do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 é incompatível com o artigo 51.° do Tratado CEE na medida em que priva uma pessoa de um direito que lhe foi conferido por um Estado-membro independentemente do direito comunitário ou a priva desse direito sem lhe conceder qualquer vantagem em compensação?"
9 Para maior exposição dos factos do processo, da sua tramitação e das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos só serão a seguir reproduzidos na medida necessária à fundamentação do Tribunal.
Quanto à primeira questão
10 O Social Security Commissioner refere no pedido de decisão prejudicial que a primeira questão é relativa ao problema de saber se o primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 pode, de qualquer modo, ser aplicado ao caso em apreço. É portanto necessário entender as duas partes desta questão em conjunto, no sentido de que visam saber se, quando as prestações ou abonos familiares são devidos a favor de uma criança, a alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 se aplica ou não a uma pessoa que, em função das suas contribuições para um regime de segurança social para trabalhadores, deve ser equiparada ou não a um trabalhador para efeitos dos regulamentos n.os 1408/71 e 574/72.
11 Convém recordar que, no acórdão de 4 de Julho de 1985 (Kromhout/Raad van Arbeid, 104/84, Recueil, p. 2213), o Tribunal declarou que o primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 se aplica "quando a criança a favor da qual são devidas prestações ou abonos de família é abrangida, enquanto membro da família de um dos beneficiários, no âmbito de aplicação pessoal da regulamentação comunitária em matéria de segurança social dos trabalhadores assalariados, independentemente de se saber se o outro beneficiário a quem são igualmente devidas prestações ou abonos de família a favor da mesma criança, está também abrangido por aquele âmbito de aplicação" (tradução provisória).
12 Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 se aplica quando as prestações ou abonos de família são devidos, nos termos do artigo 73.° do regulamento n.° 1408/71, a favor de uma criança que, enquanto membro da família de um dos beneficiários, cai no âmbito de aplicação pessoal da regulamentação comunitária em matéria de segurança social dos trabalhadores assalariados, independentemente de se saber se o outro beneficiário a quem são igualmente devidas prestações ou abonos de família a favor da mesma criança, está também abrangido por aquele âmbito de aplicação.
Quanto à segunda questão
13 Pela segunda questão, o Social Security Commissioner pergunta, em suma, se o primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 se aplica quando uma prestação familiar for devida apenas nos termos da legislação nacional sem ser necessário invocar o artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71, quando, nos termos do referido artigo 73.°, a instituição competente de um Estado-membro deveria, de qualquer modo, conceder a mesma prestação.
14 Há que declarar que resulta do texto do primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 que essa disposição apenas se aplica se são devidas prestações nos termos dos artigos 73.° ou 74.° do Regulamento n.° 1408/71.
15 Coloca-se, pois, a questão de saber se uma prestação pode ser considerada devida nos termos do artigo 73.° quando essa prestação é, de qualquer modo, devida nos termos exclusivos da legislação nacional.
16 Tratando-se do caso em apreço, a única interpretação da lei neerlandesa dada no decurso do presente processo é a declaração feita pelo Sociale Verzekeringsbank, em Amesterdão, em resposta a uma pergunta feita pelo Department of Health and Social Security britânico, de que um beneficiário do regime por força da Algemene Kinderbijslagwet (lei geral sobre as prestações familiares) tem direito, nos termos da legislação neerlandesa, abstraindo da aplicação dos regulamentos comunitários, às prestações familiares a favor das crianças que não vivem com o beneficiário mas residem num outro Estado-membro. Não tendo esta interpretação sido contestada no decurso do presente processo, em especial pelo Governo neerlandês, tem o Tribunal de partir da hipótese de que as prestações neerlandesas em questão eram efectivamente recebidas nos termos exclusivos da legislação nacional.
17 Cabe recordar, como o Tribunal assinalou no acórdão de 15 de Janeiro de 1986 (Pinna/Caisse d' allocations familiales de la Savoie, 41/84, Recueil, p. 17), que o artigo 51.° do Tratado prevê uma coordenação das legislações dos Estados-membros e não uma harmonização. Portanto, o artigo 51.° deixa subsistir diferenças entre os regimes de segurança social dos Estados-membros e, em consequência, nos direitos das pessoas que ali trabalham. As diferenças essenciais e de processo entre os regimes de segurança social de cada Estado-membro e, portanto, nos direitos das pessoas que ali trabalham, não são, pois, afectadas pelo artigo 51.° do Tratado.
18 Há que declarar que, quando, como no caso em apreço, é devida uma prestação familiar nos termos exclusivos da legislação nacional, independentemente do local de residência das crianças, e que não é, portanto, necessário invocar o artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71 para a aquisição do direito à referida prestação, essa prestação não pode ser considerada devida nos termos do artigo 73.°
19 Portanto, há que responder à segunda questão que o primeiro período da alínea a) do Regulamento n.° 574/72 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica quando a prestação for devida por força apenas da legislação nacional e não por força do artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71.
20 Atendendo à resposta à segunda questão, não há que responder à terceira.
Quanto às despesas
21 As despesas em que incorreram o Governo neerlandês e a Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Tendo o processo, em relação às partes no processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL (Sexta Secção),
decidindo sobre as questões que lhe foram apresentadas pelo Social Security Commissioner, por decisão de 25 de Novembro de 1985, declara:
1) O primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 aplica-se quando as prestações ou abonos de família forem devidos por força do artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71 a favor de uma criança que, enquanto membro da família de um dos beneficiários, está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal da regulamentação comunitária em matéria de segurança social dos trabalhadores assalariados, independentemente de se saber se o outro beneficiário, ao qual são igualmente devidas prestações ou abonos de família a favor da mesma criança, está também abrangido por aquele âmbito de aplicação.
2) O primeiro período da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 574/72 não se aplica quando a prestação for devida por força exclusiva da legislação nacional e não do artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71.